No capítulo anterior de nosso folhetim, Clara deduziu através da fotografia de dona Luisa, que a chave estaria na casa da praia, onde segundo ela, passara os dias mais felizes de sua vida. Neste dia em que ela mostrara a fotografia à Clara, lembrara também da mãe, Moema, com uma certa amargura. Assim começa o nosso vigésimo segundo capítulo, com a história de Moema, que voltava do correio.
Moema voltava com um embrulho nas mãos, um pacote envolvido em papel pardo, devidamente lacrado. Noutro envelope, uma fotografia do filho. Trazia-a na mão, parecendo carregar um bem precioso, olhando-a detidamente, caminhando tão devagar que Luisa pensou numa tragédia.
Vendo-a pela janela do porão, Luisa aventurou-se pela cozinha, seguida de Saymon. Coração bamboleando, tanto quanto as pernas. Um forte sentimento de culpa, uma pergunta intensa que lhe martelava o cérebro.
Moema chegou em casa, empurrou o pequeno portão de ferro, com um joelho, como quem ultrapassa apenas um pequeno obstáculo sem se dar conta e atravessou o jardim, dirigindo-se ao interior da casa. Entrou e sentou-se na poltrona, esticando as pernas, descansando os pés, tirando-os dos sapatos, empurrando-os com os dedos de um pé no tornozelo do outro, delicadamente, como a atividade mais importante daquele dia.
Luisa aproximou-se, vendo o pacote ao lado numa cadeira. Abaixou-se para ficar bem perto da mãe, colocando levemente a mão em seu ombro.
Moema permaneceu na mesma postura patética, sem mexer-se, apenas segurando a fotografia, examinando-a com o olhar vazio.
Saymon limitou-se a ficar na porta, observando a cena.
Luisa perguntou se ela estava bem. Moema não levantou a cabeça. Seu rosto estava mais magro e sombrio. Lábios apertados, aprofundando os sulcos.
Luisa levantou-se, tentando tocar no pacote, mas ela segurou-lhe o braço, olhando-a pela primeira vez.
Luisa insistiu:
— Mamãe, que significa este pacote? Por que a senhora está com o retrato de Lucas nas mãos?
Moema voltou a olhar a fotografia, soltando o braço de Luisa. Parecia extasiada, por momentos. Outros, ensandecida, com um brilho que provinha de uma mente perturbada.
Saymon acenou para Luisa, chamando-a. Aconselhou-a a deixá-la sozinha, esperar que o pai voltasse e talvez contatassem o Doutor Osvaldo.
Luisa, no entanto, estava ansiosa, precisava saber o que havia acontecido com o irmão. Aquele pacote deveria conter pertences de Lucas, além disso, enviaram a fotografia.
Luisa observava a mãe, tentando descobrir em alguma reação, o que acontecera, porém Moema continuava impassível. Vez que outra, procurava os sapatos, mexendo os pés, resvalando os dedos pelo assoalho. Quando os achava, enfiava a metade dos pés e ficava assim por alguns minutos, até voltar à posição inicial. Não tirava os olhos da fotografia, mantendo na retina a imagem amada e uma porção de sentimentos tumultuados. Talvez lembranças alegres, de momentos passados ao lado do filho. Meio que sorria com o canto da boca, como único movimento realizado.
Luisa pensou em ligar para o pai, mas a hora se adiantava, provavelmente fazia serão e não poderia se ausentar.
Esperou ao lado da mãe, que tomasse uma atitude.
Algumas vezes, dirigia-se a ela, trazendo um chá, outras indagava alguma coisa, chamando-lhe a atenção. Tudo era inútil e nada a movia do silêncio que se impusera.
De repente, sem mais nem menos, Moema declinou de sua postura, e falou amiúde, a princípio, calma, revelando uma paz que rotineiramente desdenhava.
Luisa correu ao seu encontro.
Saymon espiava da porta.
— Que disse mamãe?
Moema deu de ombros, displicente.
No rosto magro, os sulcos próximos à boca se suavizaram num sorriso, o olhar árido se adoçava e Luisa até pensou que ela a abraçaria. Ela porém, levantou-se da poltrona, segurando o pacote junto ao retrato e dirigindo-se à porta. Ao topar com Saymon, voltou-se para a filha e perguntou, surpresa:
— Quem é este?
Luisa indagou ainda sobre o irmão. Ela continuou sorrindo.
— Você não esquece? Lembra quando ele fez a primeira comunhão? Estava tão comportado, contrito. Eu mesma costurei a roupa dele.
Saymon aproximou-se de Luisa e abraçou.
Ela lamentou, chorando.
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