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sexta-feira, outubro 21, 2022

Quando não cabemos no mundo

“O mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.”

Esta frase de Clarice Lispector nos remete a vários significados dentro do panorama social e político que vivemos no mundo e no Brasil. Parece-me que o mundo interior das pessoas, aquilo que pensam e professam durante toda a sua vida, independente do que realmente praticam, desemboca nas suas articulações políticas e sociais. Talvez mesmo, uma coisa não se possa separar da outra. E falo tanto no aspecto conservador, de costumes e práticas sociais, quanto no aspecto de vanguarda, de mudança de uma sociedade que avança gradualmente, quer queiramos ou não. Que avance para a melhoria do ser humano, no seu significado e significante em relação à vida atual, ou retroceda conforme o pensamento conservador extremo e neste caso, há uma luta de comportamento de modo estrutural e articulado. Explico melhor: o homem nasceu para crescer, evoluir em ambição à liberdade de se expressar, de se distinguir em diversos aspectos, de ser apenas. Isso talvez o leve ao que chamamos humanidade e nos aproximemos, conforme a crença de cada um, de Deus.

Entretanto, há sentimentos muito controversos que se chocam com estas mudanças previsíveis e inevitáveis. Por quê? Quando nos identificamos com este pensamento ultraconservador, em que a pauta dos costumes é rígida e nos agasalha numa presumível segurança, tudo que diverge destes parâmetros, torna-se uma ameaça, seja na sexualidade, no casamento normativo, na própria individualidade que não reconhece a diferença. Numa sociedade conservadora e repressora como a nossa, aquilo que não se submete ao nosso controle e a ideia de que tais costumes divergentes do padrão conservador sejam liberados, o processo se torna extremamente ameaçador. Isto acontece, porque o próprio desvio pode ser reconhecido, sentindo-se o sujeito alijado do grupo que o protege e com o qual se identifica.

Certa vez, perguntei a uma professora de literatura, num curso de escrita criativa, por que as histórias de Nelson Rodrigues nos incomodam tanto, transmitem um estranhamento e uma sensação de desamparo em relação àqueles conteúdos. Então, refletiu que se ocorre um incômodo é porque há a expressão de um sentimento muito próximo ao qual não queremos ou fingimos não existir dentro de nossa realidade íntima ou em nosso círculo social. Quanto mais nos conhecemos, mais entendemos as mazelas humanas. Não é necessário que aceitemos todas, mas que entendamos que existem e que, identificando-as, as olhemos de frente sem que signifiquem qualquer ameaça.

Voltando à Clarice, ou o mundo inteiro se molda para que caibamos nele, ou o encaremos sem medo, com a certeza de que podemos reconhecer as diferenças e entendamos o outro que pode estar também no nosso convívio.

quarta-feira, julho 13, 2022

Teu olhar

Leva o teu olhar ao passado, como se fosse permitido reverter o tempo. Como se o espaço em que vives, seja o mesmo em que tuas experiências deram sentido ou não a tua vida. Volta, mesmo que a saudade doa e o mar que atravessas não te permita o retorno. Lembra dos que contigo partilharam os mesmos caminhos e deles te distanciaste. Quanto desalento, quanta dor e desamparo.

Quando houve acolhimento? Nos primórdios do país, quando se matava indígenas e se introduzia uma cultura que escravizava, matava e alterava os costumes? Quando se impunha uma teoria jesuítica transformando o homem da terra num ser metamorfoseado por conceitos adversos e estranhos a sua concepção de vida e humanidade? Quando se escravizou homens e se criou castas e distinções de etnia, de cor, de gênero?

Talvez os processos de barbárie ainda prossigam nos mesmos parâmetros, apenas tingidos por tecnologias cujos avanços não se refletem na condição humana.

Mas quem sabe, voltas o olhar ao passado, sem desviar do presente, pois estes se confundem e cada vez mais nos perguntamos, em que espaço temporal vivemos, pois os instrumentos de ação permanecem os mesmos. O homem retrocedeu? Talvez ele nunca tenha evoluído em sua humanidade.


Ilustração: https://pixabay.com/pt/illustrations/gráfico-projeto-design-gráfico-933379/Ilovetigersplanes

sábado, agosto 15, 2015

PEQUENA CRÍTICA SOBRE O FILME A VIDA NO PARAÍSO (Så som i himmelen)

Certamente há centenas de críticas e resenhas sobre o filme “A vida no paraíso”, dirigido pelo sueco Kay Pollak, mas há sempre um aspecto a explorar e nunca é demasiado se falar de um bom filme. A vida no paraíso é um destes filmes em que os personagens são envolvidos na trama existencial de suas vidas, tão pacatas, mas borbulhantes de problemas e confrontos numa sociedade machista da pequena cidade em que vivem. É para lá, que o maestro famoso volta, Daniel, o protagonista, retomando uma busca que sempre se propusera, talvez de forma inconsciente. Uma retomada ao passado, à vida simples e também cheia de contradições desse lugarejo, aliás, o lugar onde nascera. Lá vivera os primeiros anos de sua vida e logo se mudara para a cidade grande, para tornar-se um grande maestro. Após uma transformação física e espiritual, volta à cidade natal, aos costumes, aos velhos conflitos. Não há nada aqui relatado que possa tirar a surpresa do filme, pois logo no início da película, surge a causa principal de seu retorno à cidadezinha, o qual não foi aqui explicitado. De todo modo, resta-nos ressaltar este retorno como um ajuste de contas pessoal, uma constatação que as coisas permanecem como eram e que as pessoas não mudaram, nem mesmo ele. Apenas assumira uma qualidade intelectual que talvez a maioria ainda não alcançara. Percebera que o amigo de infância continuava tão agressivo e truculento, e que certamente todos prosseguiam com suas singularidades internas, sem grandes avanços. No decorrer da história, organizando o coral em que as pessoas do lugarejo participam, a sua presença vai influenciando na vida de cada uma, cuja possibilidade de mudança se torna mais próxima a partir de suas ideias. Na verdade a mudança interior já está imbuída em suas mentes, dái o conflito interno, a tensão exterior, o desejo de enfrentar novos rumos e finalmente os avanços. Essas possiblidades tranformam a fisionomia da cidade, a trajetória de cada cidadão que se conhece e participa daquele clubinho outrora fechado. É um filme lindo, sensível, capaz de emocionar e de fazer-nos refletir na capacidade de crescimento que temos a nossa frente e muitas vezes, ou na maioria da vezes, precisamos de alguém para apontar-nos o caminho. Para mim, aí está a maior qualidade do filme. O protagonista de A vida no paraíso é interpretado por Michael Nyqvis, um grande ator, que já havia trabalhado na comédia Bem-vindos. Outros autores que participam com especial competência são Frida Hallgren, Lennart Jähkel, Ingela Olsson e Niklas Falk. É um filme, como citado, sueco, do ano de 2004 e foi indicado como melhor filme estrangeiro em 2005. Vale à pena embrenhar-se pelos meandros da sensibilidade e do afeto verdadeiro, onde pessoas comuns transformam a sua realidade e a dos demais.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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