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sexta-feira, abril 20, 2018

Ando tão à flor da pele

Ontem assisti ao vídeo da Gal Costa, em que ela apresentava o Zeca Baleiro com a composição "Vapor barato”, uma interpretação por excelência.

O tema trata da angústia e o desespero do provável amor não correspondido, mas os versos tocam tão profundamente que podemos adaptá-los a qualquer situação, desde que estejamos emocionalmente envolvidos.

O verso em que diz “ Ando tão à flor da pele, qualquer beijo de novela me faz chorar, ando tão à flor da pele, que teu olhar me faz morrer…” e por aí vai, nos remete a uma gama de sentimentos.

Ando tão à flor da pele, quando assisto em documentários em canais pagos, que centenas de crianças brasileiras viveram longe de seus pais, em outros países, e agora, na idade adulta, lutam para encontrar vestígios de sua vida passada. Pais que foram sequestrados, torturados, mortos pela ditadura que grassou no País.

Ando tão à flor da pele quando vejo questões fundamentais na política externa serem discutidas via Twitter, como o caso da Síria em que Trump ameaça com mísseis e o embaixador da Rússia promete derrubar estes mesmos mísseis, enquanto vidas são destroçadas.

Ando tanto à flor da pele quando vejo um Nobel da Paz sendo proibido de visitar um preso político em nosso Brasil.

Fico à flor da pele, quando assisto à regionalização de nosso país ser padronizada por uma cultura pasteurizada através de um modelo midiático, sob vários aspectos, obedecendo cega e servilmente ao imperialismo da mídia maior, principalmente da TV, enquanto quarto poder, introjetada pela maioria do povo brasileiro.

Fico ainda mais à flor da pele, quando imaginam que estes senhores, poucas famílias que mandam no setor, estejam financiando a educação e a cultura do povo brasileiro, quando na verdade estão deformando e rindo de nossa cara, preocupados apenas com os bilhões que depositam em contas da Suíça.

Fico à flor da pele, quando estes mesmos senhores lutam por liberdade de expressão, quando de fato, somente temos uma verdade, a verdade dita e exacerbada por estes mesmos donos do monopólio.

Fico tão à flor da pele, quando nossa programação regional é limitada a pequenos blocos, sucintos, relegados a segundo plano e em horas onde a audiência é mínima.

Fico tão à flor da pele, quando os estilos de vida, de moda, de arte são ditadas de acordo com modelos adaptados ao poder do consumo, do marketing da beleza padronizada e da falta de integração social, na qual a liberdade de escolha é tolhida e dirigida a uma sociedade imprevidente. E o lamentável é que muitos consideram esta conduta correta e condenam um rigor na regulação dos meios de comunicação e o governo com seus interesses de manutenção no poder, furta-se a este processo. Há os que são a favor do monopólio da mídia por puro desconhecimento, porque só veem um lado da questão, acreditando que o grupo midiático está em consonância com a Constituição, o que não é verdade. A sociedade incauta, por sua vez, dia a dia se afunda, chafurdando na lama do marketing televisivo, adquirindo hábitos que muitas vezes ferem suas crenças mais íntegras e, tentando seguir a corrente pseudomoderna, perseguem caminhos que a transformam num caldo inodoro, pronto para estatísticas padronizadas.

Criam para si, formas de pensamento, estilos que contrariam seus pares, esquecendo as suas raízes, suas tradições, sua cultura e seu relacionamento harmonioso com a cultura regional.

Esquecem os grandes compositores, os poetas, a arte, a literatura. O que vale são as novas formas de interação com o público a partir de monossílabos exaustivamente repetidos, uma forma enviesada de música, além da veneração por livros de autoajuda, ou acerca de sub-celebridades.

Aparecer, sob qualquer hipótese, é o que realmente importa.

Mas fico tão à flor da pele também, quando assisto a Gal, a Bethania, a Maria Rita, o Lenine, o Criolo, só para falar de alguns.

Fico à flor da pele em ler e reler um Kafka, um Machado, um Dostoievsky, Florbela Espanca, Mia Couto, também para falar de alguns.

Ou ler um artigo de um Leonardo Boff, um Gustavo Moreira, Alberto Villas, Menalton Braff, também só para citar alguns.

A estes, e muitos, muitos outros, meu coração se arrepia, e fico emocionado à flor da pele.

Uma emoção boa.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/users/geralt-9301/autor: Geralt

quinta-feira, agosto 25, 2016

As diferenças e os preconceitos

Outro dia escrevi em meu blog sobre alteridade, que trata da condição do outro, as suas diferenças em relação as minhas e como as enxergo ou me vejo a apartir dos olhos alheios. Isto significa que há diferenças e que devemos respeitá-las em nossa convivência diária.

Pensando nisso, me veio à mente percepções de pessoas que julgava diferentes e por serem assim, não as compreendia e nem as aceitava e se o fizesse, apenas as tratava com educação formal. Agora, entendo o quanto isso era preconceituoso e prejudicial para a convivência e o quanto eu era vulnerável em meus sentimentos.

Isso acontece com a maioria das pessoas e nem percebem, como eu que seguia o senso comum. Por exemplo, quando lidava com uma pessoa que em suas atividades, necessitava de um tempo específico maior, mais programático, mais dogmático, diferente do meu; eu na minha ansiedade, já me afastava. Era mais agradável compartilhar as experiências com quem fosse parecido, embora, sabemos que jamais alguém é igual ao outro.

Imagina, no que se refere a preconceitos mais radicais, como o étnico, de orientação sexual, político e ideológico, xenofóbico, religioso ou mesmo ateu. Felizmente, não passei por estes processos mais conservadores, embora no que concerne à política, muitas vezes pus em julgamento toda uma conduta em função do pensar distinto.

Hoje em dia, vemos o quanto estes sentimentos influem nos relacionamentos e o quanto as pessoas desejam que todos partilhem os mesmos caminhos, de preferência, os que escolheu para a sua trajetória.

Mais aberto para a vida, hoje enfrento sem dificuldade as diferenças, pois elas não me causam mal, ao contrário, me enriquecem. Pena que o mundo parece andar em círculos e o que pensávamos como vanguarda no passado, está sendo ultrapassado por um conservadorismo constrangedor. Parece que a humanidade regride e a alteridade é rejeitada no âmago das condutas individuais.

domingo, outubro 11, 2015

A PALESTRA

Entrei inopinadamente na sala, pernas bambas, suor na testa, nas mãos, lábios trêmulos, vexado. Elaborei desculpas. Desviei das centenas de olhares que investigavam curiosos. Fazia calor e eu vestido da cabeça aos pés com agasalhos pesados, maleta na mão, celular no bolso, relógio descolando da pulseira. Investi até uma cadeira, abri a pasta, espalhei papéis, fiz barulhos estrondosos no silêncio absoluto.

O palestrante pigarreou, deu alguns passos, me olhou de soslaio, retomou o tema, irritado. Juntei o que pude, caído ao chão, esparsos documentos, entre fotografias, pregos, alfinetes, alicate de unhas, chaveiros. A cadeira rangeu, eu me abaixei devagarinho, mas empurrei os pés de metal, riscando o piso. Foi o suficiente para cessar a palestra. Ele me olhou novamente, e quase em súplica, exigiu silêncio, apenas com os olhos. Todos os demais viraram os pescoços, narizes, ventas e resmungos em minha direção. Retorci-me levantando a pilha de objetos do chão, fazendo movimentos de malabarista, temendo aumentar o ruído. Ajeitei-me na cadeira. Aquietei-me. Só por fora. Coração alertava, espaldando-se dentro do peito, batucando que nem índio em dia de festa. Estava pálido, acho que até os lábios embranqueceram. Era desafio grande ficar ali, atrasado, danoso, inoportuno.

O mestre recomeçou. Tentei prestar a atenção, mas os pensamentos se confundiam e se misturavam na minha mente, fazendo um entrelaçado de imagens que eu não conseguia sintonizar. Respirei fundo, imaginando o ar inspirado invadir o cérebro e limpar de vez as teias de aranha, há tempo engendradas, ocupando espaços indevidos. Expirei com força para fora, expelindo o negativo, numa nuvem preta, maciça, intensa. Foi um som tão forte e inesperado, até por mim, que o homem parou novamente, desta vez assustado, talvez pensando que eu estava passando mal. Pedi desculpas, expliquei que estava tentando relaxar, me concentrar para entender bem a palestra, mas o som saiu assim forte, assim intenso, assim inesperado que até eu me arrepiei. Parecia espírito do além.

O palestrante era baixinho, agora reparava bem. Foi bom falar, esvaziei um pouco a ansiedade. Tanto que pude observar as coisas, até o jeito dele. Nariz adunco, boca grande, lábios finos e olhos pequenos, salientes, caídos das órbitas sob uns óculos leves, na ponta do nariz. O cabelo, entradas enormes, clareiras imensas na floresta rala de pelos alinhados para trás. A voz era forte, gutural, enérgica. Falava em... em que mesmo? Ah, inserção de valores. Como assim? Natureza morta? Seria sobre arte, pintura, ecologia? Nada disso, o assunto versava sobre política, mas tudo é política. Até o ar que respiramos está atracado à política. A água, cada vez mais rara. E o tratado de Quioto?

Faltava-me ar, naquele momento. Pensar nisso me dava aflição. Até alergia. Pior, comecei a fungar. Fungar baixinho, pigarreando de leve, tentando conter o espirro. Parecia cacoete, mas sempre que alguma coisa me incomodava, vinha aquela cosquinha irritante na garganta, aquele arder nos olhos, uma tosse iniciante decidida a permanecer ou um monte de espirros magistrais, exagerados, exorbitantes. Respirei fundo novamente, mas desta vez, sem nenhuma técnica para não acordar a plateia. Mas alguma coisa me irritava, porque o nariz coçava, a tossesinha surgia no fundo da garganta, aparecendo desanimada no início. Eu, evitando o pior. Se me desse conta o que me fazia mal, cessava definitivamente a alergia. Mas eu ainda não sabia o que era. Olhei para alguns participantes que estavam mais próximos, eu na cadeira, no corredor do meio. Ao me lado, fileira de dois de um lado, e no outro, outras duas alas totalmente preenchidas. Um rapaz negro do meu lado, uma tarja na testa, segurando os cabelos. Olhar compenetrado, jeito estudado de intelectual, postura adequada, pernas esticadas, mãos nas coxas, como esperando a apoteose final, o confronto das ideias, o debate, a resposta definitiva. Ao seu lado, uma moça, cara de estudante, óculos pesados sobre o nariz arrebitado, boca entreaberta mastigando vez que outra um lápis com o qual devia fazer anotações. Cabelos castanhos, luzes, soltos sobre os ombros, mãos finas e pequenas, unhas pintadas de rosa. No chão uma mochila gorda, cheia de penduricalhos, inclusive um chaveiro com um ursinho na ponta.

Parei de examinar a plateia, porque ouvi um hã hã de censura, do senhor que estava ao meu lado, sentindo-se incomodado pela minha cabeça virada em sua direção, nariz quase colado no dele, o qual nem tinha percebido. Tinha um bigodão, desses de contornar lábios, quase se juntar na testa, olhar aguçado, perspicaz, interessado. No colo, um laptop, conectado à Internet. O reflexo não me deixava ver, mas eu jurava que era um chat em que participava, dissimulado, aparentemente anotando informações. Então resolvi perguntar: –quem é ele? – apontei para o palestrante.

O homem parecia ter sido atingido por um bombardeio no Líbano. Sacudiu o bigode, mexendo a boca, aflito. Olhou-me com censura. Foi falar alguma coisa. Mas espirrei. Espirrei uma, duas vezes, três, inúmeras vezes e um muco insistente corria-me do nariz à boca, misturando-se ao queixo e eu passando as costas da mão, desolado.

O orador interrompeu a palestra mais uma vez. Ia pedir para eu afastar-me, tentar melhorar lá fora, talvez depois voltar, mas não lhe dei o prazer de dizer-me tudo isso.

Levantei-me, fiz um gesto explicando a alergia, um aceno qualquer, nem precisava e ia afastar-me, empurrando a cadeira devagar. Nisso, o bigodudo afirmou: – é um candidato. Está fazendo campanha. Nós somos seus correligionários, entende?

Ele foi generoso e paciente. Talvez quisesse a minha aprovação. Mas agora, eu tinha entendido o motivo da minha alergia. Puxei a ponta da camisa e assoei o nariz, com náusea. E me fui.

domingo, julho 19, 2015

Divagações de um futuro prefeito

Pescava às margens da lagoa, entre pequenas regiões escarpadas, formando uma enseada de rara beleza. Talvez pelo brilho do sol que se confundia pela luminosidade fraca, mas insistente da noite, ou pelo seu jeito de ver as coisas, especialmente naquele dia. Tinha consigo que as coisas mudariam e para melhor. Conversava com os peixes, em silêncio. Sabia que o escutavam. Encostou um pouco mais na ribanceira, soltou a barriga branca e empinada sobre o calção velho e deixou-se ficar assim, pensativo, malandreando no dia que findava. Passou a mão pelos cabelos grisalhos, enfiando os dedos desajeitados, puxando-os para trás. Este era o seu último dia sem a preocupação dos grandes gestos, das atitudes severas, dos compromissos inadiáveis. Deu vontade de dormir ali mesmo, deixar a mulher esticada na rede, como de hábito até que a aragem noturna a empurrasse para o interior da casa. Ficou ali, desistindo da pesca, desistindo de conversar com os peixes, pensando apenas no seu futuro. Um futuro tão diferente do que era a sua vida, um homem do mar e da agricultura, acostumado a sujar as unhas na lama, a engraxar os dedos no caldo oleoso do peixe, a estrebuchar as tripas, limpar as escamas, contar os trocados da venda. Além é claro, das manifestações políticas, que já há algum tempo faziam parte de sua vida. Mas era coisa pequena, coisa de sindicato de pescador: algumas lutas sobre o tempo do defeso, brigas particulares entre os seus, nada de muito porte. Agora iria assumir a direção de uma cidade. Aí a coisa pega. Diocleia não estava acostumada com aquela gente na cidade, ao contrário, tinha até as suas rixas com o povo esnobe, principalmente ela, que tinha dificuldades com as letras. Mas ele era muito senhor de si e sabia o que estava fazendo. Também tinha Moira, a morena da venda do Seu Chico. Essa ia ficar pra lá. Como é que ia viver sem os agrados daquela zinha? Mas tinha que deixar a sua ilha, a sua lagoa, as suas galinhas e as poucas plantações que enfeitavam sua horta e partir para a cidade. Lá começava a sua saga. Sem nada disso, sem a Moira, a morena dos peitos duros e a voz de taquara rachada. Só com a sua Diocleia. Essa não tinha jeito de largar. Agora seria a primeira dama. Dizem que tem político que conserva a mulher, como o único amor de sua vida. Ele não acreditava. Para ele, que tudo acontecera de repente, sem se preparar, era quase impossível. Talvez para os que viveram na luta politica durante muito tempo, juntos, eles e as esposas, mas não era o caso. E depois, como diz o povo, todo politico é meio sacana. Não pode fugir à regra. Ainda tem o futuro dos filhos para cuidar. O tempo passa rápido e mais dia, menos dia, ele tomarão o seu lugar. E precisam estar preparados. Um dia, a família Preto fará nome na cidade! E quem sabe, sejam prefeitos, filhos do prefeito, sobrinhos do prefeito, primos do prefeito, noras, genros, tios...

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