Este blog pretende expressar a literatura em suas distintas modalidades, de modo a representar a liberdade na arte de criar, aliada à criatividade muitas vezes absurda da sociedade em que vivemos. Por outro lado, pretende mostrar o cotidiano, a política, a discussão sobre cinema e filmes favoritos, bem como qualquer assunto referente à cultura.
sexta-feira, setembro 20, 2024
Do outro lado do rio
sexta-feira, fevereiro 24, 2023
Duas sensações jamais serão iguais
Às vezes, pensamos que podemos repetir o passado e viver aqueles momentos que julgamos felizes e únicos.
Entretanto, nada pode ser revivido, nada volta. Não voltam os momentos felizes, nem quaisquer lembranças se tornam acontecimentos novamente.
O pensador Heráclito dizia que ninguém pode entrar no mesmo rio, pois quando nele se entra, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.
Seguindo o raciocínio de Heráclito, podemos afirmar que ao mergulharmos na praia, jamais teremos as mesmas partículas de água, os mesmos movimentos, as mesmas marolas. Nem mesmo o ar, os ventos e o calor do sol serão os mesmos. É uma outra praia, um outro mar, um outro rio, um segundo depois de termos entrado.
Quando se caminha na areia e retornamos no mesmo espaço, as pegadas nunca mais serão as mesmas. Nem as ondulações da areia, nem os grãos que mascaram os pés, nem o sol que as aquece. Nem os animais visíveis e invisíveis, nem a poeira que se estabelece a nossa passagem, nem a deformação produzida. Será outro momento, outro viver.
Quando a chuva cai inesperada num dia de verão e passamos pela rua, sentindo o cheiro da terra molhada e os pingos derramando-se pelos cabelos, escorrendo sobre os olhos, encharcando a camiseta; um pequeno mundo só nosso, ali acontece. Outrossim, voltemos pelo caminho escolhido, recebamos toda a água da chuva e esta jamais será a mesma. Nunca aquele momento se repete. Será sempre um novo momento. O mundo não se repete, mesmo que os pensamentos regridam, até mesmo estes, terão outros insights que denotam novas formas de contemplar aqueles mesmos contornos retrógrados. Por isso, usamos a palavra neo, um elemento de composição, que significa novo, uma nova maneira de ver.
Por outro lado, não se pode afirmar que aquela pegada na areia anterior foi melhor do que a segunda, porque elas têm elementos diferentes para se construírem e vai depender de quem as produziu. Quem sabe, o segundo momento foi o melhor para determinado grupo ou pior para outro? Dependerá exclusivamente da sensação de cada um. Não há um padrão, não há uma lei imperativa que decida o que foi melhor, se a pegada do passado ou do presente. Aqueles movimentos nas águas, o mergulho no rio, o sentir a água gelada contornando nosso corpo, transformando-o para aceitar o frio e se tornar viável, a ponto de não mais sentirmos o frio e apenas o prazer que inunda nossos sentidos. Há quem se apodere desses sentimentos de prazer e há os que se afastam, não percebendo a presença da água, da mesma maneira. E estes, podem apreciar melhor as águas do presente, não daquele momento. Até porque, são outras águas, outros sentidos, outras percepções. Como dizia Heráclito, nem mesmo o rio, será o mesmo. Ele terá outro destino, outras águas, outras espécies que não se manifestarão naquela circunstância.
Melhor então, que tenhamos os sentidos apenas com o despertar da alma, com o eleger o instante, sem comparações, sem pensar que o somente o passado era exemplar, porque os instantes e seus fatos e até as suas lembranças, jamais serão os mesmos. Ficam em nossa memória as lembranças boas, que não impedem de vivermos outros momentos, embora parecidos, pois eles serão sempre distintos. Mas que os lembremos, no futuro, com o mesmo amor e cuidado, como fazemos com os antigos.
sexta-feira, agosto 26, 2016
As olimpíadas e as opiniões contraditórias
Há sete anos, "Chegou a nossa hora”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Copenhague, na Dinamarca, ao defender diante do Comitê Olímpico Internacional (COI) a candidatura do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016.
Muitas pessoas refutaram o discurso como absurdo e que o País não teria condições de arcar com um evento esportivo deste porte.
Talvez tivessem razão.
Durante sete anos, Dilma Rousseff
proporcionou condições para que o evento olímpico acontecesse no Brasil.Muitos execraram a conduta da Presidente, achando que não era hora do País utilizar os seus recursos financeiros e humanos para este empreedimento.
Talvez tivessem razão.
Em 2016, as olimpíadas ocorreram no período transitório do temerário. Muitos ufânicos e patrióticos acreditaram que a Olimpíada foi um sucesso. Estes mesmos que foram contrários antes.
Talvez tenham razão (?)
Fonte da ilustração: http://misturaurbana.com/2011/07/rage_arte-e-ironia-pelas-ruas-de-sp/
terça-feira, agosto 09, 2016
A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 19º CAPÍTULO
Capítulo 19
Rosa depõe na polícia e confessa que tentara matar Ana porque achava que ela sabia que Paulo usara o carro do médico na noite do crime.
Para o delegado Borba, não há mais dúvidas de que o rapaz é o verdadeiro assassino de Taís, já que foi comprovado de que ele estava no local do crime e Rosa praticamente o acusou, na tentativa de defendê-lo.
Parece enfim, que todas as peças se encaixam e que o verdadeiro culpado é mesmo o mecânico. Afinal, ele era namorado de Taís, tinha muitos ciúmes e segundo a própria Rosa, certa vez, ele a tinha ameaçado de morte, após uma briga calorosa. Com o passar do tempo, no entanto, as coisas haviam se acalmado e cada um do seu lado, foi tocando a própria vida.
O problema, segundo Rosa, é que ele a havia encontrado algumas vezes e Taís, leviana que era, estava novamente tendo um caso com o antigo namorado.
Ela era muito ligada ao o grupo de Ana, onde conseguia as drogas que utilizava, embora a menina mais jovem fosse a mais arisca e não se envolvesse tanto com os demais. Não gostava da presença de Taís e seus encontros se davam apenas com os amigos mais chegados, que constituía um grupo de quatro pessoas.
Eram Miguel, o mais velho que devia ter uns 21 anos, Henrique, o ruivo, quase adolescente, Carlos, o filho do prefeito, que segundo os comentários era o que organizava os luais à beira do rio, com muita droga e verdadeiras orgias sexuais, festas estas em que Taís muitas vezes, participava, além de uma garota de programa que vinha de vez em quando da Capital para incrementar as festas. Todos na cidade sabiam, mas como eram de famílias importantes, faziam vistas grossas. Apenas Ana era uma desgarrada no mundo. Vivia praticamente sozinha, morando com um tio bêbado que nem sabia de sua existência.
No dia seguinte, quando Paulo chegou na rodoviária, a polícia já o esperava. Preso, ele só fazia negar o crime e chorar como uma criança.
Enfim, tudo estava resolvido. O crime da jovem Taís solucionado. Agora Júlio finalmente decidiria se permaneceria na cidade por mais algum tempo. Talvez retomasse as terras onde seus pais moravam, nos quais não havia mais nenhuma residência e o mato selvagem já tomava conta de tudo. Quem sabe construiria uma casa e moraria em definitivo na cidade. Escreveria a sua biografia ou não. Quem sabe criaria outras histórias de ficção ou descreveria casos que já passaram por suas mãos. Eram alternativas que poderia utilizar. Estava cheio de planos e isso era bom. Sentia-se feliz em estar de volta à ativa, o que liberava uma certa euforia em sua mente, dando-lhe vontade de fazer coisas novas, de tomar outros rumos.
Porém, as coisas estavam tão claras e se encaixavam tão adequadamente nos rumos do caso, que lhe despertavam algumas dúvidas.
Primeiramente, o pai sofrido, odiando o médico que enganara a sua filha, uma moça humilde de cidade pequena que fora iludida por um jovem esperto da cidade, que lhe oferecera mundos e fundos, apenas com a finalidade de seduzi-la. Isso era tão clichê que parecia coisa de novela de rádio dos anos 60.
Aos poucos, porém, foi se descobrindo que a menina tão recatada e simples, não passava de uma jovem que participava de festinhas regadas a drogas e muito sexo. Pelo menos, foi o que foi parar no depoimento do delegado e até agora ninguém decidiu desmentir, nem mesmo o pai, que se mantém em silêncio.
Em seguida, o contato foi com o médico, o suposto assassino, que havia namorado a moça e que decidira matá-la para não atrapalhar seus negócios com a família da noiva na capital.
Agora já era uma história meio dramalhão de tv, porém com uma história mais plausível, apesar de simplória demais. O povo daquela cidade tinha muita imaginação.
Com o interrogatório, percebeu-se que era um jovem assustado com a situação e que a moça que se dizia assediada, era ao contrário, quem o perseguia. Segundo ele, não lhe faria mal algum, mas a odiava, a ponto de não querer qualquer aproximação com ela. Tudo era possível, a partir dessa constatação.
A seguir, surgiu Ana, a menina que observava tudo, que ouvira o grito e presenciara alguma coisa surgir nas águas correntes do rio. Chamara ajuda dos amigos e descobrira que havia sido uma tragédia. Também vira o carro do médico pelas redondezas e por isso, o acusara e a história fora parar nas ruas até chegar às autoridades competentes. Azar para o médico Ricardo Silveira, que não tinha um álibi para não ser incriminado.
Mais tarde, foi a vez de Rosa, a mulher que tentava proteger o rapaz que mora em seu apartamento alugado, que para os habitantes da cidade, não passa de seu amante.
Um caso estranho de se entender. Tanto o quis proteger, que acabou acusando-o, pensando que Ana soubesse que ele estava com o carro do médico, na noite do crime, ali, pelas proximidades. Sendo assim, quem estava no carro que Ana vira, quem morria de ciúmes pela antiga namorada e que seria capaz de matá-la, era o mecânico.
Tudo então parecia ter chegado a um termo, à medida de que se descobrira quem era o assassino. O tal de Paulo.Na verdade, pouco se conhecia dele e o pouco que falava era para negar que a tivesse matado. Dizia-se inocente, mas todas as provas estavam contra ele, inclusive o depoimento de Rosa.
Júlio, insatisfeito com o desfecho da situação, dirigiu-se ao delegado Borba, tentando um encontro com Paulo, na prisão. A princípio, foi-lhe negado. Não havia motivo para interrogatório. A polícia já estava ciente de tudo e tinha feito a sua investigação completa. Mas, com certa habilidade, Júlio convenceu o delegado a fazer uma única visita, nada oficial, para que pudesse conversar com o homem.
Depois de algumas recusas, ocorreu finalmente a concessão ao pedido.
Paulo era um homem de estatura baixa, atarracada, com braços que aparentavam força e energia. Segundo os comentários, costumava exercer o trabalho exaustivo na oficina com esmero e muita disposição.
Tinha uma fisionomia apagada, um olhar parvo e desligado. A boca ficava entreaberta e suas mãos estavam sempre se contorcendo, como se precisasse aquecê-las ininterruptamente.
Júlio aproximou-se e sentou-se à mesa, a sua frente. Estavam sozinhos na sala, embora houvesse uma janela de vidro para a peça ao lado, de onde era possível observá-los.
O delegado Borba parecia enfadado. Aproveitou a conversa para retirar-se e fumar um cigarro à beira da calçada, observando os transeuntes.
Nenhum dos dois policiais que restavam interessou-se pela conversa e, ocupados em seus objetivos pessoais, nem passavam por ali. Para eles, o caso estava resolvido. Era só frescura de detetive particular, com mania de protagonista de filme policial. Nem se preocupavam com os demais casos de assassinatos por aplicação em dose errada de insulina, pois estavam arquivados e não havia mais nada a fazer.
Júlio tomou um copo de água e serviu outro para Paulo. Este aceitou e abaixou imediatamente a cabeça, pensativo. Vez que outra, levantava a cabeça e olhava enviesado para a vidraça, como se perguntasse a si mesmo o que estava fazendo ali. Júlio então, começou a interrogá-lo.
– Paulo, sei que a sua situação não é das melhores, mas há coisas que ainda não foram bem elucidadas. Me refiro a coisas que não ficaram bem claras, entende?
– Não, não entendo nada. Só sei que estão me acusando por um crime que não cometi. Eu sou inocente, delegado, não tenho nada a ver com isso.
– Olhe, me chame de detetive. Eu não sou delegado e nem trabalho aqui nesta delegacia.
— Mas então, por que está me interrogando? Eu não quero ficar aqui, quero que chame os policiais, quero ir pra minha cela.
— Espere, Paulo, se acalme. Eu sou um detetive particular contratado por Lucas, o pai de Taís e não estou aqui para julgar ninguém. Só quero a verdade. Eu não o acusei de nada, por enquanto.Talvez até com este interrogatório, eu o ajude. Você não acha que foi tudo muito rápido? A solução para o problema foi a sua acusação. Não estou dizendo que você é inocente, mas precisamos averiguar mais. Fazer mais investigações.
— Eu já lhe disse que sou inocente!
— Então, que tal conversarmos sobre isso. Você tem que ser absolutamente sincero comigo. Tem que me dizer a verdade, se quiser que eu o ajude.
— Mas o senhor não é meu advogado, eu nem tenho advogado. O senhor é contratado pelo farmacêutico, só quer me ferrar!
— Não é nada disso, Paulo. Eu quero a verdade. Mas não posso obrigá-lo. Se você não quiser se abrir comigo, não posso fazer nada. Você é quem decide, mas tenha certeza de uma coisa, não há muita chance para você. As coisas se ajustaram perfeitamente com a sua prisão.
Paulo o fita intrigado. Fica em silêncio alguns segundos, depois volta a abaixar a cabeça e resmunga: — O que o senhor quer de mim?
— Ótimo, Paulo. Fazer umas perguntas muito claras. Vamos começar do início. Me diga com sinceridade, qual é a sua relação com Rosa?
— Meu Deus, o que isso tem a ver com o que aconteceu?
— Aparentemente, nada. No fundo, tem muito a ver. Nós podemos fazer o perfil de uma pessoa através da estrutura de sua personalidade e descobrir, inclusive se ela é capaz de cometer um crime ou não. Um relacionamento afetivo, o envolvimento familiar atribuem traços à personalidade de uma pessoa. Você me entende?
Ele não responde, mas concorda com um aceno de cabeça.
– Pois então, para isso, é preciso que se conheça bem a pessoa. E olhe, eu não sou psicólogo, nada disso. Mas anos de experiência e alguns estudos periféricos me possibilitaram a conhecer bem o ser humano - faz uma pausa para que ele absorva tudo o que dissera, enquanto o observa detidamente. Paulo não levanta os olhos. Para de contorcer as mãos e deixa-as sobre a mesa, fixando-as, como se pudesse rever nelas o seu trabalho, a sua atividade, agora truncada. As unhas enegrecidas revelam a atividade descuidada.
Júlio continua - por isso, eu volto a perguntar: você tinha uma relação mais intima com Rosa?
Paulo suspira e ainda sem levantar os olhos, exclama de uma maneira quase infantil: — Rosa é a minha mãezinha! Ela me ajuda, me protege, me alimenta, me dá casa pra eu morar.
– Como assim? Você trabalha, paga aluguel pra ela, não é isso?
– Sim, mas é outra coisa. Eu procurei a minha vida inteira por minha mãe, sempre me disseram que ela era daqui, desta cidade, mas nunca a encontrei. Rosa então me apoiou, me ajudou a sobreviver.
– Só isso?
– E você acha pouco? Ela foi a única pessoa que me olhou como gente, que não se afastou quando eu procurei – e prossegue, emocionado – a única pessoa que ouviu e me entendeu.
— Fora isso, profissionalmente falando, ela aluga um quarto para você.
– Sim.
– E qual é o apoio que ela lhe dá? – tenta colocá-lo em conflito.
– Eu já disse, ela cuida das minhas coisas, ela me protege, me deu abrigo quando precisei, é isso! Não basta pra você? Não basta pra todo mundo? Ninguém entende, não é? Ninguém entende quando alguém faz um bem pra gente! - fica agitado, agora mexendo as mãos, passando-as pelo cabelo e cobrindo o rosto, quase em desespero.
Júlio dá uma leve batidinha em seu braço e pede que se acalme. Sorri amistoso e percebe que pela primeira vez, Paulo o encara. Por fim, respira com sofreguidão, mas aos poucos volta ao normal. Júlio aguarda um pouco que se restabeleça para voltar à carga.
– Eu entendo mais do que você imagina, Paulo. Sei o quanto esta mulher o ajudou e o quanto você a preza. Não fique molestado pelo que eu disse, apenas ouça e tente também entender as minhas perguntas. Como lhe disse, é preciso analisar o perfil das pessoas. É preciso entender as suas atitudes com profundidade, caso contrário não chegamos a lugar nenhum.
Um pouco mais calmo, Paulo pousa as mãos sobre as pernas, que se agitam intermitentes. Júlio prossegue o interrogatório, como se fizesse uma análise terapêutica.
– Então me diga, de acordo com o que você me descreveu sobre o seu reconhecimento do valor de Rosa, sobre o carinho que tem por ela, você seria capaz de fazer qualquer coisa para defendê-la, para ajudá-la. Afinal, ela é a sua protetora, a sua amiga, a sua – faz uma pausa providencial – como voce diz, a sua mãezinha.
–Sim, eu faria tudo por ela e ela por mim. Ela tentou me defender. Ela sabe que eu não matei ninguém.Ela só disse aquilo porque ficou puta da cara com a menina, que andou espalhando que eu estava com o carro do doutor, Claro que ia sobrar pra mim, não ia? A corda rebenta sempre na parte mais fraca, não é assim que acontece, detetive?
— Nem sempre, Paulo. Ao menos que a verdade não apareça. É preciso que haja justiça. Mas me explique, se Rosa o ajuda tanto, por que você está aqui? – a cartada que esperava.
Paulo entretanto possui outra lógica e responde rápido, embora um pouco confuso: — Porque ninguém acredita em mim, precisam de um culpado.
Júlio decide ser mais incisivo e argumenta: — Nem Rosa acreditou em você. Ela desconfiou tanto, que como você usou o carro do médico, ela pensou que você teria matado a moça para por a culpa no rapaz.
— Isso é o que tentaram atribuir a ela. eu já expliquei, que ela ficou furiosa com a Ana. Ela só pensou em me ajudar, em me defender - e fica se repetindo várias vezes. Júlio o interrompe, enérgico.
— Esta bem, não fique nervoso. Como você disse, você seria capaz de fazer tudo por ela.
— Eu já disse. tudo!Tudo! Quer me enlouquecer?
— Até matar?
— Eu não matei ninguém, foi uma cilada que vocês armaram.
—Mas você mataria por Rosa, pela mulher que você ama!
— Mataria!
— Então você confessa que a ama, Paulo.
— Você esta me confundindo, eu não quero mais esta conversa!
Tenta levantar-se, mas Júlio o impede, segurando-o firmemente pelo braço. Pede que sente, insiste em dizer-lhe que quer ajudá-lo, que precisa enfrentar a situação. Afinal, se é inocente, não perde nada em responder as suas perguntas, ao contrário, poderá haver uma saída, até uma possibilidade de atenuação da pena. Aos poucos, Paulo parece entender a proposta e volta a sentar-se. Júlio prossegue.
— Está bem, não vamos mais falar em Rosa. Fique tranquilo. Se é um assunto que o deixa chateado, não quero aumentar ainda mais o seu sofrimento. Mas preciso saber algumas coisas em relação à Taís, afinal ela foi sua namorada. Quero que você me fale do grupo que ela participava, com o qual fazia as festinhas na ponte. Você conhece esse pessoal?
Ele responde imediatamente, como se o tema sugerisse pessoas que ele detestava e por isso, tinha prazer em denunciá-los.
— Sim, são gente muito baixa, todos drogados, metidos com traficantes, vagabundos. A Rosa tinha horror daquela gente.
— O que sabe deles?
— Todos são uns marginais, uns pederastas, só se salva o ruivo…
— Ruivo?
— É, o Henrique, ele está sempre com medo de tudo, ele só vai porque não consegue sair do círculo vicioso, como traficou drogas, tem medo, eles podem acabar com ele. O cara é um adolescente, tá na pior.
— E acha que neste caso, eles podem ter culpa no cartório?
— Não sei, só sei que naquele dia, eles estavam numa festa muito grande, uma verdadeira orgia, ninguém era de ninguém, rolava droga, cocaína, crack, tudo que você possa imaginar, além de muito sexo!
—Como sabe? Por acaso, você os estava espiando do carro do médico? Agora todos já sabem, por que você não me conta?
Contar o quê, detetive? Em que enrascada o senhor quer me meter?
— Pelo contrário, quero que você saia da enrascada em que se meteu. Quero que me diga, que você assistiu a festa que tanto reprova, que você viu Tais participar, que eles a obrigaram a alguma coisa, não foi isso? Por que você não conta?
— Eu não sei, não sei de nada.
— Mas você pode se livrar da prisão se a gente imputar alguma suspeita a eles, se você contar o que eles fizeram. Eles mataram Taís, eles a obrigaram a ingerir drogas pesadas, a beber muito, a fazer sexo, você viu tudo, você talvez tenha até se masturbado…
— Pare com isso! Pelo amor de Deus, pare com isso! - neste momento, Paulo parecia no auge do desespero. Entretanto, não conseguia livrar-se das imagens que Júlio realçava, como se acontecessem ali, naquele momento, na frente de sua retina. Suas mãos tremem, seu corpo todo treme, sua voz falha.
— Então é verdade, você se masturbou dentro do carro.
— Eu já tinha saído. Eu não faria uma coisa dessas, não sou um depravado. Vivo com minha mãezinha, a mulher que me ajuda, que me consola, que me leva a igreja, uma mulher que professa a fé, que não suporta o pecado!
— Mas você se masturbou, Paulo. Encontramos esperma no carro do médico e fizemos o exame de DNA e consta como seu! Você não pode negar, Paulo. Isso depôs contra você. Não sei se você sabia, mas isso comprovou que você estava lá, não foi só a palavra de Rosa, foi a prova cabal de sua presença! Depois disso, foi um passo para a acusação, ainda mais com o depoimento de Rosa. Para a polícia, você se masturbou vendo a moça e como ela o repeliu, você a matou. Mas nós sabemos que você só presenciou a cena, não é mesmo?
— Por favor, eu não sou um louco, eu não queria assistir aquela atrocidade.
— Então eles mataram Tais? Eles a empurraram? Quem foi? MIguel, Henrique, Carlos, o filho do prefeito, a garota de programa que vinha ilustrar o lual ou a própria Ana? Quem a matou? Ou foram todos juntos?
— Não, não, não foram eles! Não foi ninguém! Não foi nenhum deles. Estavam drogados demais para fazerem qualquer coisa, não se sustentavam nem nas pernas. Não foram eles, eu juro!
— Então a acusação recai sobre você. Você é o assassino! Você matou uma moça indefesa, que foi sua namorada, uma moça frágil que foi empurrada covardemente para o fundo do rio. Que mal ela fez a você, afinal? Deixou-o por outro? Que importava isso? Há centenas de moças que gostariam de namorar você, de se apaixonarem por você. Por que você fez este ato covarde, Paulo?
— Ela era leviana, fraca, andava com todo mundo, ela me jogou na lama.
— Por isso a matou!Você matou uma pessoa inocente, uma jovem cheia de vida, que deixou um pai em sofrimento absoluto. Que deixou uma cidade toda odiando você! Você é um assassino, Paulo!
— Não fui eu! Não fui eu! Foi Rosa! Rosa!
quinta-feira, julho 14, 2016
A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 14º CAPÍTULO
No capítulo 13, Júlio refletia sobre a personalidade de Rosa, que em poucos dias, conhecera como uma mulher com traços distintos, de acordo com a situação. Se havia alguém mais estranho naquela cidade, era a maestrina, pois um dia era uma pessoa cordata, tranquila, atendendo o pessoal do hotel com esmero e cuidado, bem como, segundo diziam, uma regente do coral com muito talento.Noutro, era uma mulher assustada e ao mesmo tempo indignada, mostrando-se rancorosa e com muitos segredos.
Talvez ela estivesse assustada não pelos crimes, que segundo dissera a afetavam profundamente, em virtude de algumas pessoas terem sido assassinadas por um criminoso que ingetava insulina em pessoas saudáveis. Talvez o outro crime fosse a causa de sua aflição, em virtude da presumível implicação de seu protegido. A partir de agora, publicamos o capítulo 14 de nosso folhetim policial.
Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/bar-bebidas-álcool-geladeira-926256/
Ricardo dirigia-se ao estacionamento, quando sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. Uma presença muito próxima, quase um bafejo na nuca, como se um espectro se aproximasse para atirá-lo do 3º andar da garagem. Olhou para os lados, mas não viu nada, apenas um barulho metálico, como se alguém deixasse cair uma ferramenta de metal. Respirou fundo e aproximou-se da sacada, tentando ver se alguém descia as escadas ou deixava o estacionamento naquele momento. O lusco-fusco do anoitecer produzia mais dúvidas do que certezas.
Ricardo então voltou para o veículo e ao entrar, um novo barulho, desta vez um estalido de madeira, acompanhada de uma pequena batida no bagageiro do carro. Desceu decidido a descobrir o que o assustava, quando ouviu uma gargalhada irônica que vinha detrás de uma coluna. Indignado, percebeu que Raul o esperava, zombando de seu ar surpreso.
— Puta que pariu, o que você tá fazendo aí?
Raul riu mais uma vez e aproximou-se amistoso, estendendo-lhe a mão. Ricardo afastou-se na direção do carro, ainda mais irritado.
— Desculpa, meu velho, não quis assustar você.
— Ah, não quis? e que significam estes barulhos e você escondido atrás da coluna? Não tem mais o que fazer?
— Mas eu não fiz nada, juro, com excessão da varinha que quebrei ainda há pouco. Vi quando você foi até a sacada, quase me mijei de rir.
— Muito engraçado pra quem não tem o que fazer. Nem vou discutir essa bobagem agora e vou embora, com licença.
Raul corre ao seu encontro, antes que ele ligue o carro e desça a rampa.
— Espere, Ricardo, preciso falar com você.
— Sinto muito, mas tenho compromissos. Vou combinar a vinda de minha namorada no fim de semana.
— Então pode dar-me uma carona?
— Escuta, Raul, por que não volta como veio? Você não mora muito longe daqui.
— Por favor, meu amigo, eu lhe peço. Parece que se afastou de mim para sempre. Não conversa mais, não quer nem saber como estou passando.
— Pelo que sei, Raul, você está muito bem. Mas sabe como ando ocupado. Aconteceu alguma coisa?
— Sempre acontece alguma coisa comigo, você sabe. Depois que fui atacado por aquela gente, nunca mais tive sossego.
— Por que não foi à polícia?
Raul cala-se sem saber o que dizer. Em seguida, corre e senta-se no banco ao seu lado: — Então, vamos?
— Mas você veio até aqui, ao estacionamento do hospital, para pedir-me carona?
— Você pensa muito mal de mim, meu amigo. Vim pegar uma receita, você sabe que to sempre precisando de medicamentos. Quando saía, vi que você estava indo para o estacionamento. É um crime pedir uma carona a um amigo?
Ricardo reflete que não fará diferença se levá-lo até a sua casa, além disso, ele já se instalou ao seu lado e será muito mais difícil convencê-lo a sair.
Raul, entusiasmado o convida para tomarem uma cerveja.
— Você veio buscar remédios e quer tomar cerveja. E a sua diabete?
— A gente não pode se privar de tudo, você não acha?
— Eu não sou um desocupado como você. Não posso ficar bebendo por aí.
— Sabe que você às vezes é um chato?
— Sei, mas não posso fazer nada.
O carro desce a rampa da garagem e em seguida está na rua principal que desemboca na esquina do hotel de Ricardo. Raul prossegue, queixoso: — É que eu queria conversar com você sobre aquele problema.
— Por favor, Raul, não vá começar com esta história de crimes. Como se não bastasse aquele detetive me perguntando mil coisas e o pai de Taís me acusando. Chega!
— O detetive está fazendo perguntas, é? Mas a tal de Taís não passou de uma noite.
— Como você sabe?
— Eu sei o quanto ela se grudou em você. Eu sei que a garota enlouqueceu!
— Me diga uma coisa, Raul, ela costumava fumar maconha com você?
Raul dá uma risada sarcástica: — Isso é coisa que não se pergunta, meu amigo.
Ricardo imagina que seria melhor conversar com calma com Raul, talvez seja a oportunidade de descobrir se havia um envolvimento da jovem assassinada com o pessoal do coral. Precisava saber mais sobre Taís, com quem andava, o que fazia e Raul poderia ajudá-lo, por isso aceita o convite para a cerveja.
Quando chegam no bar, havia poucas mesas vazias, na verdade, talvez duas ou três. Raul escolheu a que ficava próxima à janela, que dava para a rua do lado.
Cumprimentou a moça da caixa, que sorriu atenciosa. Parecia que todos falavam com extrema euforia. Ricardo, de repente, sentiu-se num mundo paralelo, que não era o seu. Desde que viera àquela cidade, convivera com pessoas hostis, que demonstravam confrontá-lo a todo momento, inclusive no próprio local de trabalho, ou então eram inconvenientes, como era o caso de Raul. Ali, no entanto, todos pareciam afáveis e dispostos até a terem uma conversa amistosa com ele. Alguns até o cumprimentavam.
Raul, por seu lado, parecia muito feliz, mas quanto a ele, isso não significava uma grande mudança, pensou Ricardo. Pediu a cerveja, o que foi em seguida, atendido pelo garçom, um velho conhecido do amigo. Conversou algum tempo com ele e enquanto se afastava, Ricardo comentou.
—Parece que você conhece todo mundo aqui.
Raul sorriu, apenas acenou com a cabeça confirmando.
Ricardo tomou a cerveja, sentindo que a garrafa congelava os dedos. Perguntou, indeciso, se Taís participava do coral da igreja.
— Não, aquela lá não tinha estas pretensões. Por que você quer saber isso, Ricardo?
— Veja bem, cara, é muita enrolação. Eu acabei me envolvendo com os problemas da cidade, desde que cheguei aqui. Primeiramente, você quis encontrar-se comigo com aquela história do presumível crime da insulina, que a meu ver, não deu em nada.
— Ainda não sabemos. Essas coisas demoram.
— Depois, a sua mãe quis falar comigo, andava assustada com você.
— Minha mãe? Do que você tá falando, meu irmão?
— Desculpa, Raul, to cometendo uma inconfidência, mas ela me procurou sim, na noite em que você foi hospitalizado. Estava preocupada com você, mas não acreditava nessa história que você andava comentando sobre o ataque no parque, os caras da pet-shop. Enfim, ela acha que você inventou tudo e queria a minha ajuda. É isso.
— Mas que velha sacana! Ela fumou o quê pra lhe falar isso?
— E fiquei sabendo que ela contratou um detetive para ajudá-la. Aliás, o mesmo que o pai da Taís acabou contratando pra descobrir o assassino da filha.
— Puta que pariu, brother, que rolo! Ta todo mundo louco nesta cidade e eu é que fumo baseado!
— Sei lá, cara, às vezes acho que esse pessoal me odeia. Taís, você sabe, ficou no meu pé o tempo todo, a gente transou, não vou negar, só isso. Também não sou de ferro. Mas não havia nada sério entre nós e a menina inventou que eu a seduzi, que coisa ridícula. Como essa gente pode aceitar uma coisa dessas? Agora o pai anda por aí afirmando que a matei, que quer vingança. Ainda bem que o namorado desistiu dela em tempo.
— É, você ta encrencado, meu amigo.
— Eu não fiz nada, cara.
— Bom, então dê tempo ao tempo. Agora, quem sabe esse cara descobre que os donos do pet shop são os responsáveis pelos crimes.
— Mas segundo dizem, Taís foi empurrada da ponte.
— Será que estas histórias tem alguma relação uma com a outra?
— O que você acha, Raul?
— Não sei, meu amigo. Só espero que os crimes não continuem.
— Então me diga, você que conhece todo mundo na cidade. O que o namorado de Taís tem a ver com Rosa?
—Ih, meu velho, essa é uma história dificil de destrinchar.
— Como assim?
— Você fala do mecânico, né? O que eu sei é que eles tem uma ligação muito forte. Rosa é uma pessoa estranha, sabe? Ela se apega às pessoas de uma maneira tal, que se torna possessiva. Acho que é uma carência, sei lá.
— Mas ela é amante dele?
— Amante é uma palavra muito forte. Pode ser que ele tenha dado uns pegas nela.
— Parece que você não respeita ninguém, Raul.
—Eu? Mas é você quem está perguntando se ela é amante do cara.
— É o que ouvi falar, mas Rosa é uma pessoa sensata, uma mulher recatada. Também, que me interessa a vida dos outros, não é mesmo?
— O que dizem é que o cara tava procurando a mãe por aqui, na região, veio de longe o infeliz. Depois, não tinha onde morar, pediu ajuda e a Rosa acabou cedendo um apartamento que ela aluga. Mas o que o povo fala é que a mulher é apaixonada pelo mecânico. Mas o que isto tem a ver com o que a gente tava falando?
— Não sei, é que certa vez Taís comentou isso. Na hora, eu não acreditei. Rosa é uma das poucas pessoas desta cidade que tratou muito bem.
— E o seu amigo aqui, não conta?
—Claro, mas estou falando das pessoas que eu não conhecia. Vamos pedir outra cerveja e esquecer isso.
— Quem sabe a gente rememora as pessoas da cidade e os seus relacionamentos.
— Como assim?
— Como você disse, eu conheço todo mundo. Então, vamos pensar quem poderia ter interesse na morte da moça.
— Parece que quer me ajudar.
— Vou lhe contar uma coisa que você não sabe. Você já ouvir falar em Ana, né, a menina que encontrou o corpo ou que ouviu alguma coisa, sei lá.
— Sim, o detetive me falou alguma coisa sobre isso.
— Pois essa garota faz parte de um grupo com outros adolescentes. São alguns rapazes que usam drogas pesadas, sabe? Eles sempre faziam os luais à beira do rio e o cara que organizava tudo é um tal de Carlos, o filho do prefeito. Nestes luais aconteciam verdadeiras orgias sexuais, até uma garota de programa vinha da capital contratada por eles, para incrementar as festas.
—O que a Taís tem a ver com isso?
— Ela pegava as drogas com eles e participava das festinhas também. Pra você ver, que a moça não era tão santinha assim, pra ser seduzida por você.
— Mas então, todo mundo sabe disso. Por que o silêncio todo, até a polícia finge que não acontece nada!
— Não se esqueça, meu amigo, que o rapaz é o filho do prefeito.
— E você acha que algum deles possa ter matado a moça?
— Tudo é possível, meu amigo. Tudo é possível.
terça-feira, julho 12, 2016
A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 13º CAPÍTULO
Na conversa com Rosa, o detetive Júlio Ramirez descobre que ela está assustada com a onda de crimes por ingestão indevida de insulina a quem é saudável. Um crime que não deixa marcas. Confusa, Rosa está mais temerosa, porque contraiu a doença. Mas há outra expectativa de Júlio em relação a ela, o seu relacionamento com o mecânico Paulo e o assassinato da jovem Taís.
Júlio volta para o hotel refletindo sobre tudo que ouvira. A história de Rosa estava muito mal contada. Afinal, defendera o mecânico com muita firmeza, ao mesmo tempo que acusava a vítima de ser uma leviana, revelando todo o ódio que sentia. Por fim, acusara o médico, dizendo que o seu carro estava no local do crime. Mas como sabia que o carro estava lá?
Em poucos dias, conhecera uma mulher com traços completamente distintos, de acordo com a situação.
Se havia alguém mais estranho naquela cidade, era a maestrina, pois um dia era uma pessoa cordata, tranquila, atendendo o pessoal do hotel com esmero e cuidado, bem como, segundo diziam, uma regente do coral com muito talento.
Noutro, era uma mulher assustada e ao mesmo tempo indignada, mostrando-se rancorosa e com muitos segredos. Mas talvez estivesse aí, a chave do problema.
Talvez ela estivesse assustada não pelos crimes, que segundo dissera a afetavam profundamente, em virtude de algumas pessoas terem sido assassinadas por um criminoso que injetava insulina em pessoas saudáveis. Talvez o outro crime fosse a causa de sua aflição, em virtude da presumível implicação de seu protegido.
Isso ele precisava descobrir.
Por isso, ligou para o médico para esclarecer sobre o carro. Segundo Ricardo o informara, ele fizera uma caminhada perto do rio. Mas teria levado o carro até lá? Se foi de carro até certo ponto, para prosseguir o caminho a pé, a menina não mentiu. Ana afirmou ter visto um carro conversível e disse que era do médico. Agora Rosa confirmava que o carro estava perto do rio, no dia do crime.
Ricardo atende o celular depois de muito resistir, entretanto não havia como fugir do detetive. Era insistente, e talvez tivesse alguma novidade que precisasse saber.
– Então, detetive, quer saber alguma coisa ou tem alguma novidade para mim?
– Por enquanto, não tenho nenhuma novidade, que valha à pena, dr. Ricardo. Queria fazer-lhe uma pergunta. Naquela tarde-noite, você disse que caminhou pela beira do rio para se acalmar. Me diga uma coisa, você foi de carro?
– Claro que não, o meu carro estava na oficina.
– Na oficina Silva, naquela em que trabalha Paulo?
– Essa mesma. É a única na cidade.
– Mas então, alguém usou o seu carro naquele dia.
– Como assim?
– Deixa pra lá, me diga, quando entregaram o carro pra você?
– Se bem me lembro, logo no dia seguinte. Não era nada grave, apenas a bateria que estava fraca. Mas por que pergunta? Quem andou com meu carro?
– Não se preocupe com isso. Obrigado pela informação. Grande abraço, doutor. Descanse.
– Espere, o senhor não me respondeu…
– Passe bem, doutor Ricardo.
Júlio senta-se numa pequena escrivaninha em seu quarto e começa a fazer um esquema. Faz ligações entre os envolvidos e pensa numa maneira de acareação, embora este seja um procedimento policial. Jairo havia dito que segundo a perícia, a moça havia sido realmente assassinada.
Então não tinha porque conjecturar sobre suicídio ou acidente. Ela foi jogada no rio e os ferimentos revelam que foram feitos antes da queda.
Além disso, provavelmente tenha sido empurrada para a ribanceira após a ponte, onde as águas são mais profundas e com muita força, além de ser haver muitas pedras submersas.
Precisava falar com o delegado para que conseguisse juntar as pessoas.
Ficou muito tempo fazendo verdadeiras acrobacias mentais, por fim, resolvera deixar tudo para o dia seguinte.
Os esboços já estavam de tamanho suficiente para que se desenvolvessem mais tarde. Decidiu dar uma navegada na internet e depois leria um livro, para cair no sono. Deitou-se só de cuecas na cama, pois fazia certo calor, no quarto.
Não fez nada do que se propusera e caiu num sono intenso.
Começou a sonhar com o passado, a pequena casa que morava não tão distante do rio, os pais, os irmãos que partiram para longe, a mulher que o deixara há pouco tempo, o livro que gostaria de escrever. Estava assim mergulhado em sonhos entremeados com pesadelos, porque alguma coisa o deixava angustiado nas imagens que seu cérebro produzia, na impossibilidade de discutir os problemas que envolviam a pequena cidade natal.
terça-feira, junho 21, 2016
A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 7º CAPÍTULO
Júlio Ramirez era um detetive aposentado, como dissera à Rosa. Na verdade, nunca fora um profissional muito dedicado, muito menos com grandes vitórias no currículo, mas em alguns casos, fora especialmente primoroso. Às vezes, se dedicava até com paixão, mas precisava surgir um fato muito envolvente para levá-lo a este estado de eficiência.
Naquela noite, estava conversando num boteco da cidade, com um velho amigo, quando surgiu o assunto do assassinato de uma moça da região. Era mais um crime na pequena cidade, só que agora parece que estavam interessados em falar sobre o assunto. Tratava-se da filha do farmacêutico Lucas, velho conhecido nas redondezas.
Júlio, na verdade, queria tomar a sua cachaça batizada e preocupar-se com outras coisas mais interessantes, principalmente agora que estava sozinho, e cansara de não ter com quem conversar. Sabia, no entanto, que era um indício de que devia retomar a sua profissão, afinal, viera à cidade por um pedido que parecia ser de uma pessoa muito preocupada com os fatos. Jairo, o amigo, insistia no assunto mais falado na cidade.
– O Golias, sabe? – Assim chamavam o farmacêutico. – Está revoltado e não é pra menos. Veja você, numa cidadezinha dessas, no fim do mundo, quase uma vila, um cara aparece do nada e mata uma moça inocente!
— Jairo, cheguei hoje no hotel e não ouvi ninguém falar nada. Até mesmo a porteira, uma tal de Rosa, que fala pelos cotovelos, não comentou nada. Além disso, houve outros crimes nesta vila, como você diz…
— É verdade. Só que eram pessoas de fora. Dizem que eram turistas ou vieram aqui motivados por algum trabalho. Entretanto, até hoje, ninguém provou nada. Mas esta moça era conhecida de todos, certamente a sua amiga ainda não soubera da história.
– Mas descobriram o assassino?
– Não, mas o povo está desconfiado. Dizem por aí que foi um médico que se estabeleceu na cidade, há mais ou menos um mês. Gente que não quer ficar aqui, que detesta a cidade. E o que andam falando é que o miserável seduziu a moça!
– Meu caro, nos dias de hoje não existe mais isso de sedução. No nosso tempo, podia acontecer. As mulheres não trabalhavam, viviam na casa dos pais, sem saber de nada, sem se instruir, claro que falo em vilarejos que nem este.
– Mas uma moça fica iludida. Dizem que o homem prometeu casamento.
— Em tão curto tempo?
— Não sei, tudo é possível. Mas sabe-se lá, o povo fala demais, né?
— Como ela morreu?
— Abriram inquérito, porque oficialmente ela se suicidou. Desceu a ribanceira, caminhou pelas pedras e se atirou. Dizem que o corpo foi parar no outro distrito.
— Mas então?
— Ela foi assassinada, porque o perito que veio da Capital encontrou arranhões produzidos em seus braços, antes de ser morta. Eram arranhões que se alastravam pelos braços e pelas costas, assim como no pescoço, como se houvesse lutado. Para mim não há dúvidas que foi assassinada!
– Mas se ela escorregou nas pedras…
– Você vai contestar o perito?
– Não, de modo algum.
Nisso, Saraiva, o botequeiro entrara no assunto. Mostrava conhecer mais detalhes: – Mas o pai não pode fazer nada, não tem provas. Acusa o médico por causa do relacionamento dos dois.
Júlio indagou como teriam a certeza de que a moça morrera mesmo naquela região.
Jairo argumentava que havia uma menina no dia da tragédia, ali por perto, e que prestara um depoimento.
– Uma menina?
– É o que dizem. Isto é, o que a polícia diz. – Acrescentou o dono do bar.
– E como esta menina soube do crime? O que ela viu? O que estava fazendo por aquelas bandas?
– Calma, Júlio, calma. Você parece que vai pegar o caso.
– Sou um detetive aposentado, você sabe. Tenho a minha profissão de advogado, na capital, que vou tocando devagarinho. Quero sombra e água fresca. E depois, vim aqui para falar com uma tal de Sara Soares. Você conhece?
— Acho que é a mulher que vive numa casa quase abandonada, no final da colina. Não é muito dada a se misturar com o povo.
—É, meu amigo, como lhe disse, quero sombra e água fresca.
– Por aqui, você não vai encontrar nada disso! – informava sorrindo, Saraiva.
Jairo já um pouco irritado com a intervenção do homem, combinara com Júlio a se retirarem para uma mesa mais distante do balcão. É o que fizeram, e o homem os seguira, perguntando que bebida preferiam.
– O mesmo que estamos bebendo, Saraiva. Traz a cachaça pra ele e uma cerveja pra mim. E estamos conversados, ok?
O homem afastou-se, fazendo uma careta de maus humores. Em seguida voltava com o pedido, e em silêncio esperava que pedissem mais alguma coisa. Por sorte, alguém chegara no bar em direção à caixa.
– Então me conta, Jairo, o que a menina estava fazendo lá?
– Eu não sei tudo, só o que o pessoal fala por aí. O nome dela é Ana, tem mais ou menos 14 anos e ouviu um grito que vinha da ribanceira do rio. Ela, pelo que me consta, estava pelas redondezas. Era tardinha e havia neblina. Muito curiosa, ficou observando, quando percebeu que alguma coisa estranha corria rio abaixo. Em seguida, se deu conta tratar-se de uma pessoa, então correu em busca de socorro. Ela achava que a moça havia se jogado na água.
– Mas então, por que as desconfianças de assassinato?
– Porque a vítima tinha escoriações pelo corpo e não foram produzidas pelas pedras, entende? Além disso, acharam seu celular.
–Sim, você me disse que ela tinha alguns arranhões pelo corpo. Mas onde estava o celular?
– Caído num barranco, bem próximo à água.
– E havia alguma coisa, alguma mensagem que sugerisse uma suspeita?
– Sim, uma mensagem do médico, pedindo que a esperasse na beira do rio. Ele a encontraria às 8:30h.
– Qual é o nome do médico?
– Ricardo Silveira. Está há pouco tempo aqui na cidade e parece não ser bem quisto.
Júlio calou-se. Percebeu que o amigo também não tinha mais nada a dizer. Tomou mais um gole de cachaça e preparou-se para voltar ao hotel. Jairo perguntou se ele pretendia ficar muito tempo na cidade.
– Pretendia ficar um mês mais ou menos, mas não sei se vou aguentar. Esta cidade é muito pequena, todo mundo é muito solitário por aqui. Sei como é, nasci aqui, você sabe.
– Veio pra descansar?
– Na verdade, vim para escrever um livro, uma autobiografia e para conversar com esta tal senhora, que me chamou até aqui. Acho também que está na hora de pesar a minha vida, o que fiz de bom, de ruim. Fui advogado, detetive particular, casei, não tive filhos. Mas acho que tenho muito a contar.
– Ué, você não disse que ainda é advogado?
– Como falei, vou tocando devagarinho. Deixei os grandes casos. Só trabalho pra não perder o hábito… ou pra não ser esquecido. – Fez uma pausa, pensativo. Em seguida, voltou-se para o amigo. – E você Jairo, o que faz da vida?
– Tenho uma pequena propriedade perto do rio, sempre trabalhei com madereira, mas agora, estou mudando de ramo. Quero fazer alguma coisa relacionada a camping. Acho que será onde moro mesmo, bem longe da civilização.
– Nem precisava ir muito longe, meu amigo. Esta cidade já parece longe de tudo.
fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/users/andygraham-2334502/
sábado, novembro 28, 2015
O destino do homem?
Na fábula, o sapo foi terrivelmente traído pelo nefasto escorpião, ao ser transportado pelo rio.
Ao ser ferroado, o sapo pergunta, na agonia da morte, por que o escorpião fez aquilo, se assim os dois morreriam afogados, visto que somente ele sabia nadar.
O escorpião, então responde que é esta é sua natureza.
Observando as pessoas e fatos, fico me perguntando, o que leva certas pessoas a trair, a enganar, mesmo quando são acarinhadas em suas relações.
E logo, me vem a resposta do escorpião da fábula: é de sua natureza.
Seria este o destino do homem, seria esta a sua natureza, a de trair, de mentir, de enganar despudoradamente, mesmo que não haja qualquer ganho?
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