Às vezes, pensamos que podemos repetir o passado e viver aqueles momentos que julgamos felizes e únicos.
Entretanto, nada pode ser revivido, nada volta. Não voltam os momentos felizes, nem quaisquer lembranças se tornam acontecimentos novamente.
O pensador Heráclito dizia que ninguém pode entrar no mesmo rio, pois quando nele se entra, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.
Seguindo o raciocínio de Heráclito, podemos afirmar que ao mergulharmos na praia, jamais teremos as mesmas partículas de água, os mesmos movimentos, as mesmas marolas. Nem mesmo o ar, os ventos e o calor do sol serão os mesmos. É uma outra praia, um outro mar, um outro rio, um segundo depois de termos entrado.
Quando se caminha na areia e retornamos no mesmo espaço, as pegadas nunca mais serão as mesmas. Nem as ondulações da areia, nem os grãos que mascaram os pés, nem o sol que as aquece. Nem os animais visíveis e invisíveis, nem a poeira que se estabelece a nossa passagem, nem a deformação produzida. Será outro momento, outro viver.
Quando a chuva cai inesperada num dia de verão e passamos pela rua, sentindo o cheiro da terra molhada e os pingos derramando-se pelos cabelos, escorrendo sobre os olhos, encharcando a camiseta; um pequeno mundo só nosso, ali acontece. Outrossim, voltemos pelo caminho escolhido, recebamos toda a água da chuva e esta jamais será a mesma. Nunca aquele momento se repete. Será sempre um novo momento. O mundo não se repete, mesmo que os pensamentos regridam, até mesmo estes, terão outros insights que denotam novas formas de contemplar aqueles mesmos contornos retrógrados. Por isso, usamos a palavra neo, um elemento de composição, que significa novo, uma nova maneira de ver.
Por outro lado, não se pode afirmar que aquela pegada na areia anterior foi melhor do que a segunda, porque elas têm elementos diferentes para se construírem e vai depender de quem as produziu. Quem sabe, o segundo momento foi o melhor para determinado grupo ou pior para outro? Dependerá exclusivamente da sensação de cada um. Não há um padrão, não há uma lei imperativa que decida o que foi melhor, se a pegada do passado ou do presente. Aqueles movimentos nas águas, o mergulho no rio, o sentir a água gelada contornando nosso corpo, transformando-o para aceitar o frio e se tornar viável, a ponto de não mais sentirmos o frio e apenas o prazer que inunda nossos sentidos. Há quem se apodere desses sentimentos de prazer e há os que se afastam, não percebendo a presença da água, da mesma maneira. E estes, podem apreciar melhor as águas do presente, não daquele momento. Até porque, são outras águas, outros sentidos, outras percepções. Como dizia Heráclito, nem mesmo o rio, será o mesmo. Ele terá outro destino, outras águas, outras espécies que não se manifestarão naquela circunstância.
Melhor então, que tenhamos os sentidos apenas com o despertar da alma, com o eleger o instante, sem comparações, sem pensar que o somente o passado era exemplar, porque os instantes e seus fatos e até as suas lembranças, jamais serão os mesmos. Ficam em nossa memória as lembranças boas, que não impedem de vivermos outros momentos, embora parecidos, pois eles serão sempre distintos. Mas que os lembremos, no futuro, com o mesmo amor e cuidado, como fazemos com os antigos.
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