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Mostrando postagens com o rótulo vírus

Como um androide

Ando pela cidade como um estrangeiro num país estranho e hostil. A passos largos, enfrento os caminhos que sempre me foram tão familiares. Sentia-me em casa. Andava pelas ruas como uma extensão de meu quintal. As pessoas eram apenas pessoas conhecidas ou não, um público que se avantajava na direção do centro ou dos bairros. Quase não percebia seus rostos, porque me era natural observar assim, preocupado com meus afazeres. Algumas cumprimentava, quando considerava conhecidas, outras me aproximava porque eram amigos que fortuitamente passavam por mim. Ou era aquele vizinho, quando morava em determinada rua ou mesmo o dono do boteco da esquina, ao qual eu conhecia há muito tempo. Agora, já não vejo estas pessoas, paira uma ameaça no ar, um medo que se agiganta e que me deixa inerte. Um pânico do vírus que assola nosso país e o planeta inteiro. Parece que aqui, ele fez moradia não tão temporária e insiste em se replicar como um androide de um filme sci-fi . Também assolam os pensamen

O cheiro doce da maresia

Fonte da ilustração: Bernhard_Staerck in: www.pixbay.com Quisera falar coisas agradáveis. Talvez anunciar que ando lendo livros, ouvindo músicas , que arrumo minhas estantes e desorganizo meus pensamentos. Talvez a única opção correta é o caos de pensamentos. Quisera sorrir com as piadas, com os memes da pandemia, com os artifícios de comunicação em mídias menos afeitas ao jornalismo. Quisera sorrir e ver beleza em imagens da natureza, nos programas de viagens, nos realities falsos de construções e vendas de casas ou de restauração de carros. Quisera me divertir com programas de humor, de me emocionar com dramaturgia, de acalentar a alma com a melodia. Mas não consigo. Meu coração está apertado e meu peito não se expande para dar vazão a sopros de esperança. Fico emocionado sim com o pessoal que trabalha na frente de batalha, como soldados fiéis e fortes, em nossa defesa. Parece que a humanidade está tão frágil e as questões de classes, etnias ou orientações sexuai

Indignação

Indignação Há um tempo atrás, eu comentava muito sobre política nas redes sociais, mas com o passar do tempo, percebi que falava apenas para uma bolha, que acreditava nos mesmos ideais e valores políticos com os quais eu me orientava. O outro lado, a outra bolha, não dava a mínima importância. Eu jamais mudaria o pensamento ideológico de alguém, com os meus argumentos. Nem se podia conversar com franqueza nessa dicotomia que passou a vigorar no Brasil, embora sempre houvesse de forma disfarçada. No máximo, o que passei a fazer, foi alguns comentários em publicações de amigos ou curtidas ou mesmo alguns compartilhamentos. E se publicava alguma coisa, o fazia de modo subjetivo, no qual, quem o lesse, perceberia nas entrelinhas o pensamento crítico ali embutido, pelo menos, é o que eu pretendia. Mas hoje, porém, com o funesto e histórico discurso do Presidente da República, que repudia tudo o que está sendo elaborado e executado pela sociedade civil, através das recomendações da O

Que o vírus imploda

Nem sei o que digo, o que penso, o que desatina meu coração naufragado. São dores fortes que não abandonam o barco, ao contrário, o transformam numa pequena embarcação a esmo, metida entre juncos e macegas, tentando se desvencilhar e arriscar na velha lagoa. Avisto homens arrastando camarão em redes precárias. Sei que estão errados, tão perdidos quanto eu em minhas elucubrações. Quisera voltar à sanidade, à civilização, ao lustro das vitrines emolduradas em ouro das grandes lojas de grife. Quisera desfilar entre os ricos e famosos de Milão. Quisera fugir da miséria da morte e destruição. Quisera desafiar a arrogância e camuflar meu coração de ideias positivas. Nada é verdade. Tudo é falso e nulo. Tudo conspira pela morte e dor. Tudo foge do comum, do normal, do construtivo, do planejamento. Tudo é sorteio: de vidas, de horas, de momentos, de parcelas da população que se aglomera, dos vendilhões do templo, das promessas vãs, das febres altas, das dores na alma. Quisera ser um vírus, t

O DOCE BORDADO AZUL - 19º CAPÍTULO

Hoje é terça-feira. Nosso folhetim continua, hoje apresentando o capítulo 19. Na quinta, prosseguirá em sequência. Capítulo XIX A surpresa de Bárbara Bárbara desceu do táxi e caminhou pela rua estreita, procurando num pedaço de papel o endereço correto. Percebeu que o número não coincidia com o do prédio. Não tinha muita certeza de que estava no local certo, mas precisava seguir em frente, mesmo que para isso, fosse necessário caminhar, bater em portas, fazer perguntas. Por um momento, teve a sensação que estava nas ruas de Minsk, nas vilas densamente povoadas dos povos oriundos da Rússia e de imigrantes, como ela, que constituíam uma população tão eclética. Então, estremeceu. As mãos ficaram úmidas, os dedos engendraram pequenos movimentos dentro do bolso do casaco, nervosos. Precisava reagir, tentava convencer-se. Não era um tempo de boas lembranças, mas não podia ficar remoendo o passado, a tragédia que havia sido a sua vida. Também não sabia bem o motivo de procurar u