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quinta-feira, maio 31, 2018

Carta a uma amiga, preocupada porque eu disse que Lula era um preso político


Minha amiga, entendo a tua preocupação. Olha, na verdade, eu nem sei se Lula é totalmente inocente, mas tenho certeza absoluta que não houve uma prova concreta, apenas convicções, como eles dizem. O Jucá tentava persuadir seu colega a participar do golpe (tudo gravado). E diz mais ou menos assim: “é necessário que a gente tire eles porque eles não vão impedir a investigação de corrupção; para estancar a sangria, temos de dar o golpe”. E conclui dizendo: “Com o Supremo Tribunal Federal e com tudo”.

O Lula no centro de todo o crime cometido na operação Lava a Jato e, perguntado pela imprensa – essa imprensa que julga e condena – “quais são as provas contra Lula, senhor procurador”, ele respondeu: “não tenho provas, tenho convicções”.

Aqui, nós já vemos que a justiça é seletiva. Com provas, não há acusações, nem prisões, com convicção e delações, muitas vezes com interesses pessoais (na maioria das vezes), há condenação.

“Mas o problema é que o apartamento não é propriedade dele, não está registrado em nome dele num cartório de imóveis, ele não tem a posse, nunca morou lá. E aí se descobre que este apartamento que lhe foi atribuído foi usado pela empresa proprietária como garantia de um empréstimo bancário. Como a empresa não pagou o empréstimo, uma juíza levou o apartamento a leilão. Como, então, este apartamento pode ser do Lula? Mas, como diz o juiz do processo, isto não vem ao caso.”

Além disso, a grande reforma alardeada por Moro, nunca existiu, tanto que o movimento dos Sem-teto invadiram o apartamento e mostraram todo o seu interior, com nenhuma benfeitoria. Era tudo mentira!

Outro fato:

Em fevereiro de 2016, o STF mudou o entendimento sobre a Constituição, de forma estranha, porque o tribunal não tem este poder, além do Congresso, e passou a aceitar um mecanismo que se chama prisão provisória, antes do trânsito em julgado. É prisão de qualquer jeito. Rasgam a Constituição a cada dia.

Outro fato: “No Brasil, a exclusão se combina com o privilégio. A forma de controle violento não é visível porque atinge os de baixo. Da classe média para cima, não há um nível de violência e de controle relevante. Quem são os presos no Brasil? São os jovens negros. As mulheres que sofrem mais violência são as mulheres negras. Marielle é o símbolo de uma mulher que assumiu a sua condição, que foi capaz de desenvolver uma política e, mais do que isso, denunciou tanto o privilégio como a exclusão social. A face do excluído no Brasil é criança, é mulher, é negro, vive na periferia das grandes cidades, e no Norte e no Nordeste. São estes os milhões de brasileiros que durante o governo tão odiado do PT tiveram acesso a serviços públicos e a renda. “A casa grande não admite que a senzala evolua socialmente, essa é a verdade!”

A maior corrupção foi a crise de 2008, que não nasceu aqui. A manipulação do crédito de risco e a crise financeira foi o caminho. A lavagem de dinheiro ocorre na Suíça, portanto, onde começa a corrupção? Claro, que aqui se beneficiaram desse procedimento.

O Aécio agora tem mais 60 dias para discutir a acusação. E há provas tangíveis, inclusive ele ameaçou de morte um dos parceiros (tudo gravado).

É por isso, a minha revolta.

Mas fica tranquila, amiga. Eu só ponho a mão no fogo pelos verdadeiros amigos como tu. Quero que o Brasil supere esta crise e que vá mais longe, com pessoas alcançando patamares que nunca conseguiram no âmbito social e financeiro. Quero que as crianças tenham liberdade, que o mundo evolua, que o povo não seja manipulado pela mídia, que a gente volte a sorrir.

Grande abraço!

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/balanças-espada-mulher-2374886/

sábado, dezembro 17, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 28 - ÚLTIMO CAPÍTULO

Capítulo 28 - Final

Santa e os filhos esperavam angustiados a longa espera por Alfredo. Embora felizes pelo pesadelo ter acabado, ainda havia marcas muito fortes que comprometiam um momento mais festivo. No fundo, Tavinho e Letícia sentiam-se culpados por terem sugerido a limpeza no cenário do crime, o que de certo modo, estimulou a prisão de Alfredo. Quando o viram, abraçaram-no, aliviados. Santa enxugava algumas lágrimas ao ver o filho tão abatido, mas estava feliz.

Após alguns minutos de intenso desafogo emocional, Alfredo perguntou por que o pai não havia vindo.

Todos ficaram em silêncio. Santa pediu que se afastassem logo dali, já que estava tudo em ordemcom os documentos e pertences pessoais e se dirigissem ao carro que os estava esperando. Alfredo insistiu que o levassem ao seu apartamento, pois precisava tomar um banho e trocar a roupa. Foi o que fez, acompanhado de Tavinho e mais tarde iriam para a casa para comemorarem com Santa, que mandara preparar um jantar especial para aquela noite.

No apartamento, enquanto Alfredo se dirigia ao banho, Tavinho tocou no assunto do pai.

– Nosso pai está muito aborrecido com você, ou melhor, aborrecido é eufemismo, ele está indignado. Não era pra menos, né? Ele até acredita que você sempre o odiou.

Enquanto se ensaboava, Alfredo comentava a observação do irmão.

– Eu sei do que você está falando. Talvez ele tenha razão em reagir assim, afinal eu ia cometer uma loucura.

– Que ideia era essa de sequestrar o velho? Você pirou?

– Na verdade, não era bem um sequestro. Eu confiava muito no jardineiro e sabia que ele não faria nenhum mal ao nosso pai. Sei que foi uma ideia idiota, mas eu estava desesperado com aquela intenção dele de afastar mamãe de tudo, de torná-la uma incapaz. Eu não podia aceitar aquilo, então pensei , que com ele fora de cena, seria mais fácil acertar as coisas. – De vez enquanto, ele sai um pouco do boxe para que Tavinho o ouça e volta para o chuveiro deixando-se envolver pela torrente de água, como se fosse necessitasse de um banho eterno – Mas, eu só queria ele longe por um tempo e pregar-lhe um susto por ter enganado a mamãe, tê-la traído daquela maneira. Depois, que eu resolvesse a situação, ele voltaria são e salvo.

– Mas nós concordamos com a proposta de nosso pai. Todos aceitaram, ficaram quietos.

– Veja bem, eu não estava convencido. Achava que era uma maneira dele livrar-se dela. Ainda tinha a intromissão dessa mulher, essa tal de Linda que não sai da nossa vida.

– Entretanto, foi essa mulher que o salvou. Foi ela que foi atrás do bispo, que descobriu tudo, que colocou ele contra a parede e fez um acordo com a polícia. Havia uma escuta no local, sabia?

– Pois é, isso sim é uma coisa estranha. Mas é problema dela. Depois do que ela estava aprontando para a nossa mãe, eu não quero vê-la mais na minha frente.

Termina de secar-se e veste a roupa enquanto Tavinho passeia pelo quarto. Pega um livro que estava sobre a cômoda, examina-o e volta-se para Alfredo, concluindo:

– A bem da verdade, todos nós erramos. Eu, em ficar quieto, na minha, você por tomar esta atitude disparatada, Letícia pelo fato de ir na onda do velho, e ele por querer se apropriar de todo o patrimônio, além de ser chantageado por Linda. Sabe de uma coisa, Alfredo, havia aí uma história que não sabemos muito bem.

– Eu sei muito bem: ganância. Se esta mulher estava fazendo jogo duplo e chantageava ele, é porque sabia de alguma sacanagem de nosso pai. Esta mulher deveria estar no olho da rua! Não sei porque a toleram tanto!

– Mas há mais uma coisa que você não sabe, o que nosso pai agora pretende fazer.

– Não me diga que tem mais alguma coisa, depois dessa tramoia toda.

– Sim, ele vai sair de casa. Disse que fará uma viagem pelo exterior durante alguns meses e depois provavelmente entrará no processo do divórcio, em definitivo.

– E mamãe, o que pensa disso? Ela que sempre quis a família unida, que lutou por isso!

– Por incrível que pareça, ela está conformada com a situação. Uma mulher tão religiosa, tão apegada à família tradicional, é de se pensar né? Mas, que seja assim, que a coisa se resolva da melhor forma possível.

Alfredo acaba de calçar os sapatos, pega as chaves do carro e do apartamento e convida Tavinho a se dirigirem à casa da família. Por um momento, parou e olhou para o irmão. Aproximou-se.

Tavinho o olhava, surpreso.

– O que aconteceu, Alfredo?

– Sabe, Tavinho, naquela prisão, passando por tudo o que passei, eu pensei muito em nós, na nossa família. Acho que na verdade, nós estamos nos conhecendo e nos aproximando agora. Nunca fomos realmente unidos, como nossa mãe sonhara, acho que até mesmo por culpa deles, daquela falsa moral, daquele apego às aparências, sendo tudo que era desfavorável aos conceitos estabelecidos, escondido sob o tapete.

– E por que este discurso, agora?

– Porque uma das pessoas que nunca entendi, foi você. Quero aceitá-lo meu irmão, como você é. Talvez um dia, você me aceite também.

Tavinho por um momento emociona-se, mas disfarça com um sorriso irônico. Mesmo assim, aproxima-se de Alfredo e o abraça. Depois, afasta-se rápido, apressando-o para sairem.

– Não se esqueça, que o jantar de dona Santa promete! Vamos embora!

Algum tempo depois, estava todos reunidos à mesa posta para o jantar. Santa, apesar dos últimos transtornos e reviravoltas que sua vida dera, incluindo a ausência do marido, sentia-se tranquila, quase feliz com a presença dos filhos. Além dos três, também o genro estava presente, e como de hábito, fazendo indagações inconsequentes, como o motivo da ausência de Sandoval. Letícia não controla a impaciência:

– Você sabe que eles estão se separando, deixe de ser idiota.

– Eu sei, mas nada o impedia de estar aqui.

– Ainda tem o problema do… você sabe.

– Tenho certeza de que ele vai perdoar Alfredo.

– Cale a boca.
Alfredo decide intervir no diálogo que lhe diz respeito.

– Deixe Letícia, ele tem razão. Papai também não deve ter vindo por minha causa, mas eu o compreendo. Só o tempo pode amainar esta situação.

Santa que se mantivera calada até então, tenta encerrar o tema.

– É verdade, meu filho, não vamos mais falar nisso.

Neste momento, Linda entra na sala e aproxima-se da mesa, à espera de alguma ordem. Alfredo, exasperado, pergunta:

– O que esta mulher está fazendo aqui?

Santa intervém, nervosa:

– Por favor, Alfredo, vamos ficar em paz. Já passamos por tantos momentos difíceis. Linda está aqui apenas para nos servir e comandar os demais criados. É a sua função.

– Mas esta mulher é a causadora de todos estes momentos difícieis aos quais a senhora se refere. Não se esqueça que ela a traiu!

– Alfredo, você sempre foi tão tolerante, eu não o estou reconhecendo.

– Deixe-o dona Santa, se quiser eu me retiro.

Alfredo grita, ainda mais indignado:

– Não, nao saia ainda. Tenho uma pergunta para lhe fazer. Qual era o seu interesse nesta historia toda? Porque partindo de você, coisa boa não era, pela sua conduta recente. Mas como você armou para descobrirem que o bispo Martim era o culpado? Como chegou até ele?

Linda suspira, angustiada. Olha a princípio para Santa, como se lhe pedisse orientação para prosseguir. Santa abaixa os olhos indecisa. Os demais observam a cena, intrigados. Linda então, continua.

– Eu tinha algumas dúvidas, senhor Alfredo, mas com o passar do tempo, analisei os fatos e associei uma coisa com a outra. Por fim, investiguei nas anotações de meu sobrinho, nos seus objetos particulares.

Alfredo prossegue, impiedoso.

– Ah, tinha me esquecido, você é boa nisso. Está sempre fuxicando na vida de todo o mundo. Mas por que não me deixou apodrecendo na prisao? Queria se passar de boazinha para minha mãe? Ou para meu pai, para conquistá-lo?

– Senhor Alfredo, nao me humilhe! – exclama com os olhos marejados de lágrimas. Alfredo levanta-se da mesa e todos os olhares o seguem, como se temessem uma agressão maior.

– Humilhá-la? Você humilhou a todos nós nesta casa! Ou quer que eu a agradeça? Pois saiba, que eu jamais agradecerei pelo que fez. Não me interessa como conseguiu as provas, nem se estava preocupada em descobrir o verdadeiro assassino ou porque cargas dágua se envolveu nisso. Aliás, você se dá muito bem com estes tipos, é da mesma laia.

Linda então o encara e grita numa voz potente, como se houvesse reunido todas as forças para aquele desfecho.

–Eu fiz porque nao suportei vê-lo preso. Eu sabia que era inocente.

– Ora, não seja idiota. Não se faça de boazinha, estou cheio da sua hipocrisia!

Santa então pede que ele volte a sentar-se e a deixe em paz. Segundo ela, não é o momento para aquela discussão inútil.

– Você ainda a defende, mamãe? Defende esta mulher que manupulou a nossa vida, que chantageou meu pai, que a traiu? Pois saiba que a quero longe desta casa, quero esta mulher no olho da rua! E tem mais, se eu soubesse que era você quem me ajudou, eu preferia ficar preso.

– Eu não queria, eu não queria… que você… eu nao queria que sofresse, eu sempre o defendi… eu …

Santa a interrompe, cada vez mais ansiosa:

– Pare Linda, nao fale mais nada.

– Não fale o quê, mamãe? O que esta megera ainda tem a dizer? Eu já deixei bem claro que não preciso dela para nada! Mas fale, infeliz, o que você queria dizer?

Linda parece transtornada, apenas encarando Alfredo, como se somente ele existisse naquele momento. Por fim, responde o que pretendia contar.

–Eu sou sua mãe, Alfredo.
Santa levanta-se, pedindo que Linda se afaste. Os demais observam a cena, embasbacados. Alfredo começa a rir com ironia.

– Ah, hoje é o dia das piadas? Que interessante! Qual é a próxima? Que você vai casar com o meu pai?

Santa então decide dizer a verdade. No íntimo, acha que basta de mentiras e que tudo deve ser esclarecido de uma vez por todas. Linda encosta-se na parede oposta ao lugar onde se encontra Alfredo, ocultando o rosto com as mãos. Santa aproxima-se de Alfredo e complementa o assunto.

– Alfredo, meu filho, é verdade. Vocês acabaram sabendo que seu pai tivera um filho com Linda. Essa era a chantagem que ela fazia, mas o que não sabíamos, nem eu, até o momento, era que … – Santa interrompe-se, emocionada – era que você era o filho de Linda com Sandoval. Sei que também sou culpada, eu nunca disse que você era adotado, pois para mim, você sempre foi o meu filho, como todos os outros. Só que para meu castigo, por eu ter escondido de você a vida toda isso, é que a criança que Linda tivera com Sandoval era você, a criança que eu adotara, sem saber. Quando seu pai confessou sobre a chantagem, eu exigi o DNA e então… não havia mais como não ter a prova. Mas você é o meu filho, não importa a mãe biológica, eu o criei com todo o carinho, todo o meu amor.

– Você está louca, mamãe, voce quer acabar comigo, é isso? Já não basta o que me aconteceu?

Houve um silêncio absoluto por um pequeno intervalo de tempo, quebrado apenas por Ricardo, que comenta com Letícia:

–É por isso que ele é assim, nao acha? Tá no dna, olha o sobrinho, quer dizer, o primo dele.

–Cale a boca, Ricardo.

Linda volta-se da parede e antes de sair, decide desabafar.

– Eu vou sair, dona Santa, Alfredo tem razao, eu devo ir embora – Alfredo a interrompe, gritando que não pronuncie o seu nome. Linda prossegue, mesmo assim – Antes de sair, preciso dizer que fiz tudo para que ele fosse libertado. Quando soube que estava sendo acusado, que era suspeito da morte do meu sobrinho, eu fiz das tripas coração para descobrir o verdadeiro assassino. – E voltando-se para Alfredo, que neste momento está com o rosto enfiado na mesa, completamente abalado, ela insiste – Eu fiz isso por você, Alfredo. Não importa o que pense, o que sinta por mim. Fui uma sombra ao seu lado, mas sempre estive por aqui, cuidando de você, toda a minha vida, todos os dias, toda as horas, todos os minutos sempre ao seu lado, mesmo que fosse apenas uma criada. Fiquei calada para sustentar o título de familia bem estruturada que vocês representavam. Mas voce é o meu filho e bem ou mal, embora você nem se lembre, eu semper o ajudei e sempre estive ao seu lado.

Ao terminar, afasta-se em silêncio, fechando a porta atrás de si. Todos os olhares agora se voltam para Alfredo, que também se levanta, indicando que deixará a sala.

– Mamãe, vou me retirar. Isso tudo me dá nojo!

Santa ainda tenta remendar a situação:

–Um dia, voce me entenderá.

–Não, nunca a entenderei. Nunca entenderei como me adotou sem se preocupar em saber a minha origem, sem nunca me contar quem eu era. Também nunca entenderei, dona Santa, a senhora, uma mulher tão religiosa, como conseguiu mentir por todo este tempo. Agora fica cada vez mais clara a lógica dessa família falsa. Uma arremedo de família. Eu nao quero mais participar dessa mentira.

Afasta-se em seguida, enquanto Santa o chama em desespero:

– Alfredo, volte aqui meu filho.

Da porta, ele responde com raiva:

–Não me chame de filho, você não é minha mãe.

Todos ficam em silêncio. Em seguida, Tavinho dirige-se na direção da porta e Santa pede que fique. Ele responde, desolado.

– Não, mamãe, vou procurar Alfredo. Não sei mais que revelações ainda teremos hoje. Estou cansado e não quero saber mais nada.

Letícia levanta-se e Ricardo resmunga, perguntando pelo jantar. Ela se aproxima da mãe e faz uma breve carícia em seu rosto. Depois, diz-lhe baixinho, que acha melhor irem embora. Na verdade, não há nada para celebrar.

– Mas vocês não acham que estão sendo cruéis demais? O que vai ser de mim?

– Mamãe, a vida continua. Não se preocupe, que tudo se acerta.

Ricardo insiste: – Não é melhor a gente comer e depois ir embora?

Letícia faz uma careta, exigindo que ele a acompanhe. Em seguida, saem deixando Santa sozinha, à beira da imensa mesa de jantar. Ao vê-los se afastarem, ela ainda pergunta, desconsolada: – E a fotografia que tiraríamos juntos? A fotografia de nossa vida?

FIM

terça-feira, dezembro 06, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 25

Capítulo 25

Depois da conversa que tiveram, Santa convencera Sandoval a contratar um advogado para defender os filhos. Estava apavorada com o que poderia acontecer. Se eles estiveram lá e a polícia já tinha alguns dados, como as placas dos carros, então poderiam ser suspeitos.

Mas o pior estava por vir, Alfredo fora considerado suspeito, porque além da prova material de que estivera na cena do crime, embora não houvesse provas digitais e ele não tivesse negado de ter ido até a casa de Fernando, havia porém a prova física que era a lente de contato que puderam constatar ser realmente sua.

Além disso, havia o celular, e as várias conversas com Fernando. O delegado queria saber qual era o motivo das conversas. Depois de muitos interrogatórios, ele acabou sendo preso.

Alfredo parece afastar-se de tudo que o cerca. Por um momento, lembra dos passeios que fazia com as crianças, quando pequeno, nos dias de pequenique. Lembrava da mãe e aquele sentimento de melancolia o seguia pela vida afora. Seus olhos pairam no desconhecido, lembrando o acontecimento, sem perceber que o observam.

Quando o dia deu sinais de mudanças no clima, as crianças já estavam a bordo do pequeno ônibus que as levava para casa. Todas se divertiam e procuravam imaginar as coisas mais estapafúrdias para entreterem uma as outras, ou a si mesmas.

Uma delas, porém parecia distante; olhar perdido nas montanhas que rodeavam a estrada, pensamentos instigantes sobre si ou sobre a família. A família praticamente se reduzia à mãe.

Via-a caminhando pela casa, atravessando quartos, espiando janelas, esfregando as mãos. Nervosa.

Por certo o esperava, ansiosa, no umbral da porta.

Alfredo ouvia seu coração taciturno bater forte, perguntando-se por que sofria, porque não vivia o mesmo dia alegre e descomprometido dos demais. Ele era desse jeito. Não tinha como fugir.

Enquanto os demais se divertiam, ele sofria como se houvesse uma culpa interna, por ter deixado a mãe esperando-o, sozinha, enquanto se divertia com os demais.

Na verdade, a diversão era interrompida, pelo seu pensamento melancólico.

E seu passado parecia ser uma escalada de momentos sombrios, como o único prazer que tivera ao lado de outra pessoa, quando ainda adolescente, tentara viver o que a vida lhe oferecia.

Um lado impróprio para as pessoas, para a família e principalmente para a mãe, que abortava qualquer sentimento, que significasse uma inversão de valores, segundo o que pensava. Também lhe vinham à mente, aquelas imagens.

A carta que enviara ao amigo, o desejo de vê-lo e de livrar-se de sua companhia para sempre, como se devesse afastar de sua vida um prazer que não devia existir.

“Quem sabe me deixasses aqui, entre estas paredes vazias, tao brancas, descoloridas, que parecem um simbolo do infinito, um infinito descorado e triste. Alguma coisa como bruma de Londres evocada nos filmes antigos, aqueles em que costumávamos ver, em preto e branco. Pareces disposto a a apagar cada gesto, cada registro, cada vestígio dos momentos juntos. Não me procuras e sei o motivo. Por certo o vão que ficou entre nossos sentimentos já foram abarrotados de outras imagens da digital em que sinalizas com teu dedo fino. Quisera estar ai, contigo, mas estou só. Nada a fazer, a não ser procurar o pouco de ar que vem da rua. Uma rua funesta, cheia de gases e sombras antigas. Mas te espero e não vai demorar muito que este esperar também se apaga. Também morre aos poucos, como o desejo de te ver.”.

Assim absorto, assim triste, fora chamado a atenção pelo advogado.

– Desculpe senhor Alfredo, mas precisamos refletir sobre o que aconteceu. Parece que o senhor está muito distante.

– É verdade. A vida tem me pregado peças terríveis, dr. Tavares.

– Mas tudo pode ser resolvido. A solução é nos focarmos no problema de frente. O senhor tem que se conscientizar de que precisa me contar tudo.

– Mas eu não tenho o que dizer.

– Desculpe, sr. Alfredo, mas acho que há muito o que dizer e precisa confiar em mim. O senhor poderia começar com as conversas no celular que tivera com o morto.

– Mas ali, não há nada demais. Apenas alguns contatos.

– Há uma coisa que o senhor não sabe, mas que está nas maos da polícia. Certamente, eles irão chamá-lo novamente para explicar-se.

– Como assim? Que gravação?

– Eu ainda não tive acesso, mas logo terei. Mas me parece grave. O tal Fernando parece que queria se garantir contra uma presumível prisão, sei lá, já que ele estava na condicional.

– E o que ele dissera nesta gravação.

– Não sabemos, mas o delegado afirmou que se trata de algo grave que lhe diz respeito. Parece um plano que vocês teriam e ele fez este depoimento para livrar-se da culpa sozinho. Só não sei ainda do que se trata, por isso, o senhor deve me esclarecer tudo, para que possa ajudá-lo.

Alfredo empalidece, lembrando do plano para sequestrar o pai. Fica em silêncio, sem saber se deve confiar no advogado. Está cada vez mais enrolado.

– Então, senhor Alfredo, o que tem a dizer sobre isso?

terça-feira, novembro 15, 2016

Um quarto na tarde

Este é um conto elaborado a partir do desafio de uma oficina literária. O desafio seria utilizar um personagem semelhante à Séverine do filme “Belle de jour”, A bela da tarde.


Talvez estivesse assim abandonada, assim alijada de seus momentos de liberdade absoluta, onde não houvesse ninguém para atrapalhar seus planos. Quem sabe numa ilha deserta, mar aberto, longe de qualquer civilização. Que nada, estava estirada na cama, envolta em cobertas amassadas, mascando o travor da vida que se esvaía, no colchão inchado. A revolta tomava conta de seu ser. O ódio talvez endereçado a si própria deixava distantes os que a atormentavam. Estava assim, desorientada, embrulhada em seus pensamentos, como aquelas cobertas nas quais se descobriam os pés. O frio vinha menos das frestas das venezianas, sem vidraças do que o que a consumia por dentro.

Ela levantou com esforço, espiou para fora: um olhar conturbado, aranhas tecendo redes turvas nas frestas.

Ah, se pudesse desfrutar o ar poluído das ruas, o caminhar reticente dos indecisos, o assombramento noturno dos poetas. Não, devia mastigar a dor, assim, devagarinho, entre um sobressalto aqui e um aconchego ali. Aconchego que se despede em cada esquina, em cada olhar disperso, em cada aceno sem adeus. Um aconchego provisório, desigual, desmanchado na superficialidade do encontro. Ou desencontro, não sabia.

Voltou-se, passeando o olhar pelo quarto, assinando com sangue na parede branca. Seus dedos outrora ágeis, hoje pareciam enrijecidos e entorpecidos pelo golpe que dera a si mesma. Não tinha coragem de se olhar no espelho. Talvez, se o fizesse, se espantasse com o desgrenhado dos cabelos, com a maquiagem borrada e traços arrastados sobre os olhos, mendigando lágrimas de palhaço.

Não pudera. Não tinha este destemor próprio dos heróis, que se elevam ante as tragédias e ascendem a patamares mais altos, mesmo que vencidos.

Não, ela não tinha mais recursos naquele campo de guerra.

Então, sentou-se na cama e juntou as pernas, abaixando a cabeça sobre os joelhos, enquanto os cabelos lambiam as pernas brancas, sem meias.

Talvez chorasse agora. Talvez seu corpo reagisse de alguma maneira: mesmo torta e indigna.

Na posição onde se encontrava, se abrisse os olhos, veria o corpo do homem morto, estendido no chão daquele quarto vulgar de motel.

Talvez retirasse a camisa ensanguentada pelo disparo e juntasse as forças que sobraram para retirá-lo , levá-lo até o carro e desaparecer com as provas definitivas. Talvez caminhasse, finalmente, pela calçada com passos reticentes e balanço frugal. Quem sabe encerraria a tarde, antes que a noite a devorasse.

Mas não fez nada, ou melhor, puxou do criado-mudo um copo e encheu-o de uísque barato até a borda. Tomou o que lhe bastava para aceitar o que o pesadelo lhe oferecia. Ou a vida, ou a morte.

Puxou a blusa, sungando o sutiã que lhe apertava o seio. Tudo parecia incomodá-la, até o piercing do umbigo que já não coçava desde a semana passada, quando a cicatrização aderira ao corpo estranho. De repente, seu passado não a incomodava tanto quanto os penduricalhos de sua vida perdida. Nem os brincos banhados à prata, nem as pulseiras que se engalfinhavam enquanto movimentava os braços pra lá e pra cá, nos momentos de euforia, nem os colares que lhe emolduravam o colo.

Um colo lindo, lhe diziam os amantes que a procuravam, uma promessa de afeto quase maternal, cuja fantasia não era deles, mas sua.

Parou de chorar e de beber. Devia se desfazer das bijuterias, dos adereços com os quais vestia o personagem e voltar à realidade.

Algumas luzes banhavam as paredes de vez em quando e os ruídos da rua abrandavam a sonolência da tarde. As horas corriam e ela estava presa à cama, como se algemas potentes a prendessem como objeto de adorno, sem outra função, senão compor a cena.

Doíam-lhe os pés, afundados nos sapatos vermelhos de salto agulha. Deixava-se ficar, patética, observando o nada. Sua boca estremecia e seu coração combatia no peito, enfrentando a dor forte e destrutiva.

O celular tocou. E tocou várias vezes, até ela alongar o braço em sua direção, naquele movimento compassado de sonho, uma ansiedade no gesto que não se completava.

Na última vez, ouviu a voz masculina do outro lado. Esperava ser oriunda de um lugar bem distante, pensou.

Foi aí que respondeu. Foi aí que quase reagiu.

A voz insistia:

– Laura, quero saber o que houve com você. Fale o que está havendo, mulher. Por que não aparece? Quer me deixar louco?

Olhou para o rosto do homem aos pés da cama. Teve a impressão que um olho vagamente se mexeu e teve um calafrio. Encolheu mais as pernas, puxando-as para a cama, riscando com o salto o parquê vagabundo.

Por fim, respondeu com voz fraca:

– Estou aqui, não se preocupe.

A voz masculina gritou, vigorosa:

– Aqui, onde? Que mistério é esse, mulher?

— Acho que não tem mais jeito, Otávio. Agora não dá mais.

— Não dá, como assim? Não quer mais ficar comigo?

— Na verdade, tenho uma vida que você não conhece. Um mundo só meu, onde posso dispor como quiser da minha liberdade. Mas agora, até mesmo esta vida chegou ao fim. Acabou.

— De que você está falando, Laura? Quer se explicar, pelo amor de Deus!

— Não tenho saída. Estou desesperada.

— Fique aí, que eu vou lhe buscar. Só me diga onde é. Onde fica este seu mundo absurdo.

— Acho que agora, só me restará a realidade da prisão. A minha vida ao seu lado e a outra, aqui fora, eram muito parecidas. Talvez uma completasse a outra. Mas agora, o baralho desandou. Não tem mais jogo duplo.

— Você não diz coisa com coisa. Que está havendo? Me dê o endereço onde você está, me dê este maldito endereço! – o marido parecia chegar ao desespero – Espere, não desligue, me diga onde você está Laura, escute, eu lhe peço, me diga...

Após, breve silêncio, ela prosseguiu mais tranquila:

— Sabe, Otávio, quando eu era adolescente, assisti a um filme cheio de lirismo, sensualidade e beleza: “Belle de jour”, “A bela da tarde”. Você já ouviu falar neste filme, Otávio?

— Do que você está falando, Laura?

— O diretor é Buñuel. Você já ouviu falar de Buñuel, Otávio? Não, claro que não. Você tem outras coisas mais importantes com que se preocupar, não? Pois bem, eu queria ser a bela da tarde, eu sonhei em ser a bela da tarde, tal como Séverine de Catherine Deneuve e talvez, como ela, eu também tenha perdido a chance de me conhecer.

Laura desliga o celular e se afasta da cama. Passa a mão pelos cabelos com delicadeza, arranjando-os sobre os ombros, prenhe de uma estranha paz.

As vozes da rua parecem cessar. Certamente a noite avançava rápida como pensara, mas não a devorara, como imaginara também. Talvez, a saída estivesse ainda por acontecer.

Aproximou-se da porta, abriu uma fresta e espiou pelo corredor. Ao longe, o vulto de um homem se desenhava, dobrando em direção a outros pavimentos. Por um momento, ele parou e olhou para trás, como se pressentisse a sua presença. Então, ela escondeu-se, empurrando rapidamente a porta, sem batê-la.

Esperou alguns minutos e a abriu novamente. Quando o fez, seu coração deu saltos atropelados, deixando-a desorientada, como se entrasse num labirinto com proporções indefinidas. O homem estava ali, na porta. Um olhar maduro de quem aguarda o momento adequado. Moreno, bigode escuro e costeletas antiquadas. Num impulso, empurrou a porta, mas ele a impediu com o joelho.

— Que está havendo, moça, pode me dizer?

— E o que você acha que pode acontecer com uma mulher nesta espelunca?

— Não sei. Podia ser coisa séria. Está esperando alguém?

— Estava, mas tô dando o fora. O cara não veio, sabe como é, a macheza não está lá estas coisas, hoje em dia.

— Mas não é o meu caso. Se quiser, a gente pode fazer o programa que você perdeu.

— Pode ser. Mas eu cobro bem.

— Então me deixa entrar.

— Não, não pode ser aqui. – Respondeu, ansiosa, mais súplica, do que convite. – Me leve para o seu quarto.

— Eu sou o porteiro desta espelunca que você falou, sabia?

— Mas deve ter um lugar. Vamos, não quero ficar aqui, o cara pode chegar e a coisa vai degringolar.

— Então está bem. Vou ver uma chave.

— Espere, me faça um favor — retira um cartão da bolsa e o entrega – ligue para este número, é do cara, diga pra ele vir me buscar mais tarde.

— Você enlouqueceu, quer queimar o meu filme? Ah, garota, deixa de história.

— É uma brincadeira, um jogo, não seja bobo — sorriu maliciosa — daqui a meia hora, ele aparece, vem me buscar. Olha, é meu amante, não é um desconhecido. Eu não posso ficar sozinha aqui, depois... do nosso encontro. Me faça este favor.

— E por que você não liga?

— Porque não tem graça. O interessante é que alguém ligue para ele, pra ficar com um pouquinho de ciúmes, entende?

— Esta história está muito esquisita. Mas espera aí, eu ligo lá debaixo.

— Mas e a chave do outro quarto?

O homem retirou um molhe de chaves do bolso e entregou a de número vinte e dois, avisando-a que era no andar inferior. Em seguida, afastou-se.

Laura entrou no quarto, pegou suas coisas e afastou-se rapidamente, descendo as escadas conforme o indicado pelo porteiro. Caminhou pelos corredores vazios, com a impressão de que a seguiam. Um gato deitava sua sombra no corredor, ultrapassando a janela basculante e saltando sobre o telhado que desembocava noutro prédio. Ela estremeceu, mas sorriu aliviada. Foi por pouco tempo. De repente, a angústia retornou, sem que pudesse refletir. Não bastava fechar a porta do quarto, para que o homicídio não mais existisse. Não bastava confessar ao marido, para que tudo voltasse a ser como era antes.

Quando avistou o número vinte e dois, ela parou na porta, com o coração mais agitado. E se tudo não passasse de uma cilada? Se o porteiro soubesse de tudo e estivesse ali, esperando-a para entregá-la à polícia ou mesmo fazer-lhe chantagem para extorquir-lhe dinheiro.

Por outro lado, vinha-lhe à mente o seu olhar agressivo, despindo-a totalmente, obrigando-a a cometer o sexo que não queria, transformando a sedução que o estimulara em cena grotesca de filme b.

E como reagiria o marido, depois de tudo isso, ao saber de sua vida dupla, de seus casos amorosos, de seu mundo de fantasia?

A morte, o medo, a prisão. A sorte ronronava a sua porta, não deixando-a atravessar a janela. O salto havia sido alto demais.

Por isso, decidiu fugir, desceu as escadas rapidamente, e parou estupefata, ao ouvir a voz do porteiro ao telefone.

— Seu Otávio, hoje aconteceu o que temíamos. Há sangue no lençol. O jogo não pode continuar.

quinta-feira, agosto 04, 2016

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - CAPÍTULO 18

Capítulo 18

Naquela noite, Júlio Ramirez não conseguia dormir. A cidade natal que cultivava em sua memória como um sonho de paz e felicidade se revelava um aglomerado de pessoas estranhas, com princípios totalmente diferentes dos seus. Nada era como imaginara, ao pensar até em voltar a morar ali. Entretanto, este tempo estava sendo de uma aprendizagem do ser humano, especialmente para o seu livro, que além de uma biografia, provavelmente seria um estudo sociológico. Havia muito a contar sobre àquela gente que costumava ser tão polida e ao mesmo tempo com segredos inconfessáveis. Provavelmente, eram iguais a todo o mundo, só que ali, o caldo cultural era muito expressivo, juntando todos com características muito peculiares.

Estava assim pensativo, quando tocou o celular quase ao seu ouvido e estremeceu, assustado. Estava ficando velho, pensou, qualquer ruído bastava para deixá-lo em estado de alerta. Devia ser uma mensagem qualquer, dessas de publicidade que acabam com a paz de cada um.

Entretanto, decidiu ver do que se tratava. Era uma mensagem de Ana, a menina que costumava fazer as suas festinhas no rio e que afirmara ter ouvido o grito por socorro de Taís. Custou-lhe abrir os olhos e encarar a luz azul do visor. Não conseguia entender, além disso, as letras eram pequenas e precisava de óculos. Agora sentia frio, por não ter se coberto, nem colocado um pijama. Procurou os óculos pela mesinha de cabeceira, achou-os no chão. Pegou-os esticando um braço, sentindo uma torção no músculo pela extensão involuntária e colocou-os imediatamente no rosto.

Leu a mensagem e ficou intrigado. “Por favor Dr. Júlio, venha aqui, na ponte, a mulher quer me matar, ela está desesperada. Acha que eu sei de tudo”.

A mensagem fora digitada há alguns segundos. Mas e se fosse uma cilada? Por que o queriam na ponte? Talvez quisessem acabar com ele para parar com a investigação que começava a incomodar muita gente. E se a polícia estivesse envolvida? Se tivessem matado a moça, por algum motivo relacionado ao tráfico de drogas?

Afinal, parece que havia uma turminha da pesada por ali. Sabia porém que precisava ir, tinha que atender o chamado. Não poderia deixar a menina à própria sorte. Mas por que diabo ela estava na ponte àquela hora. Será que esta garota não tem família?

Júlio então vestiu a roupa rapidamente e desceu até a portaria, onde deparou-se com Anderson, o garçom. Perguntou-lhe por Rosa.

— Pois é, eu estou fazendo o papel de porteiro, o senhor acredita? Aqui eu faço de tudo. Isso é que dá trabalhar em hotel pequeno, uma espelunca como essa.

— Você parece irritado, Anderson. Acalme-se rapaz.

— É que Rosa deveria estar aqui, hoje era dia dela. Faz uns plantões, sabia?

— Certamente aconteceu alguma coisa, mas me desculpe Anderson, estou com um pouco de pressa.

Afasta-se e corre para o estacionamento. No carro, fica o tempo todo revendo a cena em que Ana lhe contava sobre o que sabia do crime, ou o que imaginava, ao mesmo tempo que se mostrava transparente em seus objetivos. Não se importava em perguntar se ele já tinha fumado um baseado. Era lá que costumava encontrar os seus amigos, por isso voltava todos os dias ao lugar. Esta mensagem, no entanto o intrigava. Por que Ana o chamaria daquela maneira. Tudo estava muito estranho. Não demorou muito, porém, Júlio chegava à região em que a adolescente indicara, ficando um pouco afastado, à espreita. Escondeu-se atrás de um painel de publicidade, mas percebeu que havia duas mulheres na parte final da ponte e dali, apesar da pouca iluminação percebia que se tratava de Ana realmente. Não conseguia identificar a outra pessoa. Quem poderia ser, quem estaria ameaçando a menina e por que motivo? Era o que precisava descobrir. Aproximou-se um pouco, tentando esconder-se para não ser visto e tomar alguma atitude, caso fosse necessária. Foi aí que teve a grande surpresa: reconheceu a mulher que discutia com extrema agressividade. A mulher a quem Ana se referia era Rosa, a maestrina. Então era como pensava, Rosa estava envolvida de alguma forma com o crime. O que levaria uma mulher aparentemente segura e independente tomar aquela atitude com Ana? Se bem, que Rosa já apresentara nuances bem estranhas em sua personalidade.

Júlio ficou num ponto estratégico, sem que Rosa o visse, mas que poderia interceder no caso de uma tentativa de agressão mais perigosa. No fundo, considerava um exagero o fato de Ana pedir por socorro, aventando uma presumível tentativa de assassinato, mas mesmo assim, não custava prevenir. Esforçou-se para ouvir o diálogo exaltado.

–O que a senhora quer de mim? Eu já lhe disse que não sei de nada.

– Você não sabe de nada agora, mas andou dizendo coisas por ai, que deixou muita gente de cabelo em pé. Andou até vendo o carro do médico no dia do crime, você é uma vadia drogada, e eu sei que vai fazer tudo pra conseguir se safar da prisão.

Júlio não podia acreditar que Rosa estivesse tão desfigurada, como se tomada por uma fúria incontrolável. Revelava-se uma mulher violenta, capaz de cometer qualquer ato de vingança.

– Não seja idiota. Eu não tenho motivo para ser presa. Além disso, sou menor. E o que eu fiz pra senhora? O que tem a ver com o crime? Por acaso foi o seu amorzinho Paulo que matou a moça?

– Sua desgraçada, cale essa boca. Você não me fale do Paulo, que é um rapaz bom, direito. O que você tinha que dizer que viu o carro para o detetive, agora ele já sabe que não foi o médico que estava no carro, porque estava na oficina, naquele dia. Agora, ele já deve estar sabendo que o Paulo estava dirigindo o carro do médico, sua vaca!

– E o que ele fazia com o carro do doutor? Veio participar do nosso lual?

– Ele não usa as suas drogas, sua vagabunda! Você tem que sumir dessa cidade, já que não tem mãe, não tem família, vive com tio que não passa de um marginal!

– Então é verdade! Foi o Paulo que matou a Taís! Claro, ele era apaixonado por ela, estava morto de ciúmes. O seu amorzinho é o assassino! Pois fique sabendo que vou contar para o detetive e ele vai apodrecer na cadeia!

— Não vai não, isso eu tenho certeza de que não vai fazer, sua putinha, sabe por quê? Porque eu vou matar você! Vou fazer o mesmo que ele fez com Taís, a outra vagabunda , vou te atirar daqui. É isso o que você queria, não é?

Segura-a pelo pescoço, tentando arrastá-la para o meio da ponte. Neste momento, Júlio surge de seu esconderijo, gritando: – Parem. Parem onde estão. Parem ou eu atiro!

– Detetive! - exclama Rosa em absoluto desespero. Júlio continua apontando a arma, enquanto a acusa.

– Vou chamar a polícia, Rosa você será presa por tentativa de homicídio e o seu protegido por assassinato.

– Não, doutor, pelo amor de Deus, ele é inocente. Eu juro! Essa menina anda inventado coisas por aí.

– Mas foi você mesma quem afirmou que ele pegou o carro do médico que estava na oficina, certamente para incriminá-lo, para ele mesmo fazer o negócio. Foi um plano muito bem pensado, não é Rosa?

– Meu Deus, o que eu fui fazer - grita em desespero, sentido-se perdida - que desgraça, meu Deus! Paulo não pode sofrer uma fatalidade destas! Ele vai morrer, ele é muito fraco, doutor!

– Mas foi forte o suficiente para matar uma moça indefesa. Assim como você iria fazer! Agora fique quieta ai, que a polícia já vai chegar! E você, Ana, para onde vai?

– Vou embora, não tenho nada mais a fazer aqui.

– Tem sim. Você vai depor na polícia. E eles farão um mandado de busca a Paulo, que está na capital, pois que volte em seguida. Será preso.

– Eu não sei quase nada doutro, só o que lhe falei, que ouvi o grito de Taís, quando foi assassinada. Eu nem sabia que o idiota tinha pego o carro do doutor.

– Você sabe mais coisas, sim, Ana e terá de depor. Vamos. Não tente fugir.

Nisso,Ana foge, desaparecendo na escuridão da ponte, perdendo-se entre as ribanceiras e entrando no bosque, região que ela conhece muito bem. Júlio até dispara um tiro para assustá-la e impedir a fuga, mas é ineficiente. Rosa sorri com ironia, enquanto resmunga: – Sobrou pra mim, aqui, a velha que não tem nada a ver com isso.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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