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A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO XXX

Clara levantou-se, cambaleando. Uma estranha vertigem. Equilibrou-se como pôde, o olhar taciturno fitando a rua alagada. Chovia forte. Um frio intenso a dominava. Estava ainda vestida da noite anterior. Nem sabia ao certo que dia era hoje, mas era uma manhã, pensou. As manhãs sempre são mais suaves, recuperadas das impurezas do dia que já passou. Apertou com as mãos, a gola do casaco. Rosto próximo à janela, bafejo embaçando a vidraça. O amor vai embora, nem espera. – Resmungava. – Vem me consolar, pegar meus braços, sacudir minha vida. Pensava em Saymon. Na partida cadenciada do trem, afastando-se tão lentamente, para não mais voltar. Se pudesse resgatar o passado, voltar atrás, palmilhar aqueles mesmos caminhos. Atravessar o cais e levá-lo consigo. Por um momento, viu policiais lá fora, como na noite anterior em que a espreitavam, quando chegou à janela. Seriam os representantes da gestapo? Queriam aprisioná-la nos campos de concentração, como uma rebelde da

A CASA OBLÍQUA - CAP. XXIX

Clara releu várias vezes a última página. De repente, sente-se invadida por uma estranha euforia. Percebia naquelas linhas um recurso para o futuro afortunado de Luisa. Ela casaria com Saymon e juntos criariam o seu filho. Ficou pensativa, folheando as páginas para ver se adiantava outra descoberta. O que havia acontecido com este filho? Sempre a visitara no seu apartamento, tão solitária. Nunca falara no filho. De repente, a luz que iluminava outro cômodo mais ao fundo apagou-se e ela estremeceu. Por um momento, pensou que estava em seu apartamento e levantou-se rapidamente, dirigindo-se ao corredor, mas se deteve quieta. Uma bruma tomava conta do ambiente. Retrocedeu alguns passos, voltando para a poltrona. Ficou imóvel, assustada, na expectativa de que alguma coisa ruim acontecesse. Ouviu passos que ecoavam em outros pontos da casa. O som se aproximava, ficando cada vez mais elevado e próximo, atordoando-a. Clara encobriu os ouvidos com as mãos, encolhendo-se na poltrona, er

CLARISSA

  Sair à procura de algo que não se sabe, muitas vezes do que se trata: uma viagem no pequeno diário, um caderno colorido, de páginas desenhadas, margens de arabescos ou uma caneta especial, de ponta fina, da marca tal, que tinha na loja tal, naquela livraria onde compraste o teu livro. Quase sempre assim, exigente, disciplinada, austera para a idade, com atitudes impensadas para os mais velhos. Era assim, mandona, talvez autoritária, uma espécie de Mônica, amiga do Cebolinha, ou a Mônica forçuda, como a chamavam, os mais destemperados. Tinha sempre um argumento na ponta da língua, afiada, ferina, mas amiga, afetuosa e sincera. Por vezes, deixava-se levar pela ilusão e fantasia: tinha um cão imaginário, o mar, a lagoa, as árvores da praça eram entidades com vida própria (e atitudes), às quais costumava cumprimentar, relacionar-se e compartilhar com a natureza, como se suas histórias fossem tão presentes e atuais, que fizessem parte do seu cotidiano, não apenas de seu imaginário.