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segunda-feira, novembro 20, 2017

A bandeira e o eclipse

Minha mãe era muito zelosa com as atribuições da escola. Na primavera de 66, estávamos mais preocupados com o provável eclipse que ocorreria no Brasil, especialmente na região sul, do que outros eventos cotidianos, como por exemplo confecionar bandeiras brasileiras.

Eu já tinha tudo pronto em minha mente, usaria uma chapa de raios x para observar o céu, até que o sol desparecesse e a terra se alinhasse com a lua, escurecendo a cidade.

No balneário Cassino, no entanto, a situação seria ainda mais eufórica e esperada. Afinal, a Nasa lançaria 14 foguetes na praia com a intenção de investigar o fenômeno. Havia muita gente no Cassino, inclusive mais de 300 cientistas do exterior.

Minha mãe, entretanto estava disposta a cumprir a sua tarefa. Levou-me à loja Isaac Woolf e com a paciência das mulheres em escolher tons para os tecidos, permanecemos na loja mais de uma hora. Eram matizes que não acabavam mais. Tons que iam do verde escuro ao mais claro, azul que deveria compor um céu infinito e inatingível, o amarelo que se desmanchava entre o dourado e a gema de ovo, ou outro tom qualquer que somente ela sabia distinguir. Quando finalmente decidiu, a noite já dava sinais de vestir a cidade com sombras. Eu só pensava no eclipse do próximo dia. Ela com as bandeirolas que a professora a incubira para o passeio dos alunos até à praia, para assistir aos dois eventos e mostrar a nossa brasilidade e força nacionalista.

Em casa, com paciência redobrada e após muitos cálculos sobre as escalas, ela desenrolou os tecidos sobre a mesa e pediu que eu a ajudasse a organizar as peças, de acordo com as cores respectivas. Enquanto eu obedecia, ela investia nas figuras geométricas, associando as cores aos desenhos, desde o verde para o retângulo, o amarelo para o losango, além das estrelas representativas dos vários estados. Por fim, tentava transmitir a sua impressão sobre as bandeiras, prosseguindo enfática:

Sei o quanto o eclipse impressiona, sei do poder flamejante dos foguetes que voarão aos céus, que transformarão os olhos e mentes em memórias jamais esquecidas. Mas estas memórias devem ser acompanhadas pela nossa cidadania, a nossa percepção de nação e isso só acontece, se tivermos um símbolo, um emblema, que nos identifique como nação, que represente o nosso povo e nosso solo, enfim a natureza, além da paz que deve ser prepoderante entre os povos.

Já ouvindo a história que parecia não terminar, concordei que a professora tinha razão em querer confeccionar as 24 bandeiras para a nossa turma que saudariam o eclipse e os foguetes.

Ela retificou: mais do que saudar, vai mostrar a todos, a presença do Brasil neste evento e mais do que nunca o nosso símbolo maior será a representação absoluta.

Naquele momento, já me interessava em levar a bandeira, agitada e altiva, junto com os colegas de classe, convicto que fazia parte do grande evento. Só despertei de meus pensamentos, quando ouvi o barulho metálico da máquina de costura, aprumada em desvendar caminhos que levassem à perfeição.

sexta-feira, novembro 03, 2017

quinta-feira, outubro 26, 2017

Triste Brasil

Lendo uma das citações de Bertold Brecht, o dramaturgo alemão do século XX, cujos trabalhos artísticos e teóricos influenciaram o teatro contemporâneo, percebemos que seus pensamentos são tão universais e de nosso tempo, que parecem vaticinar o que viria acontecer no futuro.

Senão, vejamos suas palavras:

"Nada é impossível de mudar.Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar."

Observamos, portanto, que este pensamento se encaixa na situação que estamos vivendo, de arbitrariedade e golpe na democracia.

Pense bem, desconfie do "simplinho", do falso humilde que vota pela pátria, pela democracia, pelo amor a Deus e à família.

Sabemos que não vivemos num mundo de ficção, mas esta parece cada vez mais entranhada na visão humana, principalmente na dos políticos em sua descarada hipocrisia.

Hoje não é dia de compor silêncios, mas externar de algum modo a nossa indignação seja em que cenário façamos parte, no trabalho, na escola, na feira, na loja, no shopping ou dentro de nossa comunidade.

Ficar atento e mostrar a realidade, não aquela manipulada da mídia, mas a que salta aos olhos e nos fere o coração.

Entretanto, parece que tudo fica como está, no governo, nos três poderes da Nação.

Tudo se acomoda como numa carroça de abóboras e todos vão assimilando o desandar das coisas, como se fosse natural.

Onde estão os panelaços? Onde está a indignação contra a corrupção?

Parece que somente havia um único propósito, o golpe parlamentar e era isso que parte da população desejava. Como numa novela da Globo, o que vale, são os fins para os mocinhos das tramas, não interessam os meios.

Triste Brasil.

quarta-feira, outubro 11, 2017

Onde chegará o homem?

Não gosto de comentar notícias policiais, muito menos ficar dissecando as informações, investindo em cada detalhe e transformar o fato numa dramaturgia barata.

Mas às vezes, a realidade dura nos obriga a pelo menos refletir e sofrer as consequências da falta de humanidade.

O bebê baleado no útero da mãe e que não resistiu e acabou morrendo, em Caxias, na Baixada Fluminense vai contra qualquer percepção de realidade, como se o surrealismo ou a ficção concentrasse seus valores em nossa realidade.

Como não se comover, como não sentir na pele o arrepio da dor e do medo ao assistir um fato tão doloroso. Isso apenas citando dois fatos, embora ocorram diariamente todos os tipos de assassinatos e perdas terríveis ao povo brasileiro.

Como acreditar na humanidade e imaginar que ainda há futuro?

Quando vemos nossos filhos longe, ficamos com o coração na mão e quando estão perto permanecem em total abandono, porque as balas perdidas não são excessões, ao contrário, são a regra em muitos recantos do Brasil, como na escola em Porto Alegre, onde os alunos precisaram fugir para não serem atingidos.

Parece que o homem fica cada vez menos homem, menos ser humano e talvez não tanto animal, mas um ser perdido na desumanidade, um ser que enxerga no outro apenas o reflexo de seu desejo de ganância, de ódio e do medo intrínseco de se enxergar no espelho alheio. É triste.

Uma involução que avança em várias áreas e repercute nas comunidades mais frágeis.

Uma involução nos costumes, na política fascista que avança, na ilegimidade dos governos, no despropósito das ações alavancadas na não-constituição.

Onde chegará o homem?

Quem cuidará de nossas crianças?

Quem olhará por nossa vida?

sábado, outubro 29, 2016

O menino e o livro

O menino punha as mãos nas páginas devagar. Escorregava os dedos e percebia que além do som e do movimento, havia alguma coisa ali que o prendia.

O menino sabia que era o conteúdo.

Mas como conhecer o que está escrito, sem decifrar os códigos.

E quais são os códigos? As letras, os sons, os fonemas.

Conhecia pouco de tudo isso: uma sílaba aqui, uma letra dali e formava-se a palavra e de palavra em palavra, descobria o mistério.

O menino era sábio.

Percebia que tudo é uma coisa só: leitor, leitura, autor, ideias.

Tudo vem na mesma viagem.

O trem carrega o texto e o texto carrega o trem. Assim a trajetória se forma.

O livro é como o trem, matutava o menino, assim repleto de gente, de mercadorias, de cargas que vão de um lugar para o outro.

Todos têm importância no caminho.

A leitura é isso.

Por isso, foi criado o dia nacional do livro, 29 de outubro, quando Portugal disponibilizou grande acervo da Real Biblioteca para a nossa biblioteca, aqui no Brasil.

O menino descobriu isso também, inclusive que o local escolhido ficava em salas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, no Rio de Janeiro.

Depois, no dia 29 de outubro de 1810, fundou-se a Biblioteca Nacional do Livro, noutra região do Rio de Janeiro.

Ah, o menino conheceu outra novidade: Há muito tempo atrás, após a criação da prensa tipográfica, por Johannes Gutenberg (1398-1468), deu-se a publicação do primeiro livro em série, que ficou conhecido como a Bíblia de Gutenberg.

E no Brasil, o primeiro livro publicado foi Marília de Dirceu, escrito por Tomás Antônio Gonzaga.

É preciso festejar o dia do livro, porque ele decifra a história e nós fazemos parte dela.

Tudo a mesma coisa, pensou o menino.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/figura-de-pedra-menina-leitura-1464796/

domingo, outubro 04, 2015

REFUGIADOS EM SEUS SONHOS

Nem que se diga, que lhes faltou o peito, nem que a fome durou;
nem que se saiba que a vida é árdua e a escola seja talvez o único acesso à dignidade.

Nem que os pais não lhes provejam o amor ou que o abandono se torne perene.

As crianças deveriam sempre vencer as dificuldades, sobreviver e se tornarem homens e mulheres mais fortes e guerreiros.

No entanto, às vezes, o homem no seu poder canhestro e torpe, investe na vida dos povos, interferindo em sua trajetória. E o poder se revela na intolerância religiosa, na ganância dos modelos econômicos, no imperialismo dos governos.

Gostaria de falar de nossas crianças em seu dia, de seus sorrisos, suas procuras pelo abraço e carinho, seus encontros e descobertas.

Mas como esquecer as que aparecem em nossos monitores diariamente, pedindo socorro ou registrando a sua falência. Como esquecer entre tantas, a menina praticante de Candomblé que foi agredida na escola, vítima de preconceito religioso, por outras de sua idade, que também são vítimas, pois repetem a norma do preconceito arraigado de uma sociedade em decomposição moral? Pensei nos pais dessa menina.

Como esquecer o menino sírio Ailan Kurdi, cujo corpo apareceu numa praia da Turquia, em setembro. Seu corpinho frágil registrando o sectarismo grotesco da humanidade, destoante dos melhores sentimentos fraternos. Como esquecer o irmão de 5 anos anos que se perdeu no mar e morrera como tantos outros.

Pensei nas crianças do Brasil. Pensei nas crianças do mundo.

Pensei no pai do menino, que na tentativa de fugir da Síria, imaginava um futuro para a família. Lembrei então da música “Cantiga de ninar” de Raul Seixas, cuja última estrofe enfatiza o que meu coração doído expressa:

"Fiz meu rumo por essa terra

Entre o fogo que o amor consome

Eu lutei mas perdi a guerra

Eu só posso te dar meu nome”.

O pai sírio que lutou para chegar à ilha de Kos na Turquia, perdeu a guerra. Nada mais lhe restou, nem a mulher, nem os filhos. Apenas lhes deu o nome. O nome de refugiado. Refugiados são todas as crianças, cujo direito de viver a infância lhes é tolhido, quando a intolerância, o racismo, o ódio, a esquizofrenia sexual de alguns, a violência e a incompetência das instituições impedem que sejam realmente crianças e se tornem apenas uma trajetetória interrompida. Uma ruptura da lógica infantil. São refugiados em seus próprios sonhos.

quinta-feira, maio 15, 2014

Não se preocupem com a relação copa – eleição

Não se preocupem com a relação copa – eleição


A copa só teve influência no moral dos brasileiros, em 1970, porque o Brasil era um país de esquecidos. O povo não era nada, não votava, não elegia, não falava, era amordaçado. Mas precisava ser feliz. Era necessário que transbordasse de alegria e acreditasse que tudo estava maravilhoso. Era um país de faz de conta e nada melhor para ocultar nos porões, a  extrema miséria que grassava, a derrocada da cidadania, a morte da liberdade. Nada melhor do que mostrar a todo mundo que éramos um povo feliz, um povo que tinha o melhor futebol do mundo, que conseguira assistir ao vivo pela tv, ao lado da novela Irmãos Coragem que dava 100 pontos de audiência à Globo, a mantenedora cúmplice do status quo de nossa vida política. Neste quesito, a mídia foi talentosa:  realçava a nossa alegria, o  nosso viver bem, embora milhares de pessoas morressem de fome e estivéssemos criando uma dívida pública estratosférica, com uma rodovia fantasma que se dizia ligaria o Brasil de ponta a ponta e enaltecida diariamente por Amaral Neto, o maior publicitário da ditadura. Nosso povo adormecido nem sonhava que se gerava a maior corrupção da história, que somente agora alguns fatos vão surgindo e revelando a sangria em nossa economia. Tudo era tão fácil, que os torturadores tinham um cartão de crédito para gastarem o que quiserem para manter a organização (e hoje, há os que se revoltam contra as bolsas sociais). Tudo era samba e alegria. Mas agora, não se preocupem. O futebol não influencia não tem a menor influência nas eleições, porque tudo é transparente, todos podem democraticamente pensar e opinar o que quiserem sem a mordaça do poder. Em 2002, o Brasil sagrou-se campeão, num ano de eleição e Fernando Henrique perdeu. Portanto, fiquem tranquilos. Se a Dilma ganhar, será por uma contingência politica de aceitação de seu governo pela população, vença ou não a seleção brasileira.  Senhoras nervosas com a seleção, divididas em seu amor pelo nosso maior representante esportivo do País, não fiquem tristes e desiludidas. Não sofram com essa dicotomia. Um coração que arde, que sofre, que torce e ao mesmo tempo sonha com a perda de seu bem amado, o Brasil. Não se punam. Vistam a camiseta verde e amarela. Torçam, torçam à vontade, pois pode ocorrer a vitória de seu candidato. Basta que ele mostre a que veio e seu compromisso com a população, inclusive informando os benefícios de sua administração no passado. Torçam e sejam felizes. O Brasil é maior do que estas picuinhas. Ah, mas se fizerem algum protesto, por favor, não derrubem ônibus, nem queimem pneus ou destruam caixas eletrônicos. Nem participem da famigerada marcha pela família, um velório anunciado. O País não merece.

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