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A tormenta

O silêncio dos passos na casa. O silêncio das vozes, das falas, dos risos. O silêncio das ondas, dos mares, dos pássaros. O silêncio das corujas na areia fria das dunas. O silencio dos ventos. Por que tudo é silêncio, quando o meu coração grita profundo, como a tormenta? Talvez porque as flores que vi, já não migram pelos mesmos caminhos, seus pólens não mais transitam entre os canteiros, e suas pelugens brancas não adornam meus ombros. Quisera ouvir mais vozes, sentir mais aromas, perceber novos avanços, alcançar outras conquistas. Jamais ouvir o ribombar dos mísseis, mesmo que sejam apenas ecos que repercutem como lamentos em meus ouvidos. Quisera ter a boca seca por gritar, usar a revolta dos oprimidos para bradar as falas mudas dos que morrem nos escombros, como animais submersos na poeira das tragédias. Quisera ser ouvido. Mas o silêncio me impede de falar. O silêncio dos que suportam as dores alheias e subornam a realidade. A dor que carregam é sempre mais pesada do que a

A CASA OBLÍQUA - CAP. XXIV

Clara atravessou a portaria do hotel, largando displicente a chave do carro sobre o balcão. O atendente assistia absorto um jogo na televisão. Quando a viu, surpreso, mostrou-se interessado em atendê-la. Clara percebeu-lhe as mãos magras, ossudas, com pêlos esparsos nos dedos. Num deles, um anel com uma grande pedra vermelha. — Um quarto? Sim, temos, sim. Quantos dias pretende ficar? Ela o encarou, achando esquisita a pergunta. Quem ficaria mais de uma noite naquela espelunca. Clara ficou algum tempo observando a ficha que o atendente lhe dera para preencher, como se precisasse tomar uma decisão definitiva. Ao invés de seu nome, escreveu em letra de forma: Luisa Paranhos Slavícek. O homem leu a ficha devagar. Em seguida, perguntou, curioso: — É de origem alemã? Clara sorriu. — Não. Meu marido é tcheco. Ele calou-se e entregou-lhe a chave. Perguntou pela mala. — Eu trouxe apenas uma valise. Amanhã, tomarei a balsa para a ilha. Ele observou-a na escada, após informar-lhe onde

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO XXIII

Clara não evitou as lágrimas, envolvida naquela situação que aos poucos se apoderava de sua vida, de uma maneira tão íntima, que lhe custava distinguir a sua história da de Dona Luisa. As suas vidas confundiam-se de tal forma, que imaginava ser a mesma história e que apenas os acontecimentos se sucediam em épocas diferentes. Talvez ela nem fosse Clara, mas a própria Luisa. Não bastasse aquele clandestino na sua casa e as peripécias que precisara enfrentar para acolhê-lo, agora as dificuldades se acumulavam, talvez conduzindo a um desfecho semelhante. Não sabia que rumo as coisas tomariam, mas devia esforçar-se para resgatar o verdadeiro amor, a felicidade que Dona Luisa tanto almejara. Por este motivo, faria tudo para encontrar a casa na praia. Pensando assim, vestiu-se com uma roupa leve, quase esportiva para pôr em prática o seu objetivo. Guardou os óculos de grau na bolsa, aplicou as lentes e maquiou-se como de hábito. Pegou também uma pequena valise e de óculos escuros, dirigiu-s

Um passeio no Gordini, com meu pai

Fui apresentado ao Gordini de forma inesperada. Tinha uns oito anos, quando um amigo de meu pai deu-nos carona. Nos acomodamos no carro branco, com os bancos de cor bege, e imediatamente começaram a comentar sobre o tamanho do carro, acostumados com veículos avantajados da época, com espaços generosos entre os bancos e porta-malas gigantescos. O Gordini, antigo Dauphini não era nada disso. Era pequeno, com espaços milimetricamente medidos para ajustar nossos corpos e alguns pertences. Era o que me parecia, ao observar meu pai e o amigo, quase encostarem a cabeça no teto. Nem sei se era impressão minha, ou sugestão pela conversa. Mas, também, pra mim, isso não era muito importante. O fato de estar ali, com eles, com meu pai dando os seus palpites sobre carros e motos e fazendo perguntas amistosas sobre o automóvel, já mobilizava toda minha atenção, ao ponto de imaginar, um dia comprar um carro como aquele. Eles conversavam animados. O dono, que a recém havia comprado, enaltecia as q