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quarta-feira, março 30, 2022

Livros

Muito se fala sobre o livro e com muita propriedade. Há expressões das mais variadas que ilustram com perfeição a finalidade, a valorização e a importância do livro.

Kafka fala sobre o livro com certa dureza, mas seu intuito é o de inspirar uma transformação no homem. Vejamos: "Deveríamos apenas ler livros que nos mordem e nos espicaçam. Se a obra que lemos não nos desperta como um golpe de punho no crânio, qual é a vantagem de ler?” .

Os livros devem provocar sensações, deixar marcas, fazer a alma voar e a mente repensar, repensar e deglutir com paciência, quase intolerância, o que recebe.


Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/folhas-café-copo-ainda-vida-livro-1076307/

domingo, abril 12, 2020

Pandemia


Espio o mar e sinto a espuma das ondas orbitarem por meu cérebro, minha mente, meu espírito.

Outras vezes, passeio por terras distantes, sentindo nos pés e na moleira o calor do sol, o fustigar do vento, o estalar do salto nas calçadas de pedra. Por momentos, o calor abrasador, quase chama, quase incêndio, nas areias escaldantes do deserto, o vento assobiando nos ouvidos, borbulhando no coração e mentes, o reluzir do brilho nos óculos escuros, a dor na fronte, a sobrancelha levantada, a falta de ar.

Por momentos, estou no ar noir da Londres molhada, as correrias às avessas à procura de criminosos, o rio lamacento da noite sem lua, um corpo estirado, boca escancarada, medo na lanterna do celular.

Às vezes, viajo tranquilo nos trens que seguem percursos longos, entre países, embora perceba entre seus passageiros uma certa de desconfiança de que alguma coisa está prestes a acontecer.

Por vezes, ouço uma música no Spotify e meu coração se ilumina e minha mente, meu espírito se rendem à melodia e aos arpejos e meus olhos se esquecem do que vejo.

Depois de tudo, paro e penso. Mas pensar não conforta, nem resolve. Então volto à santa loucura dos livros, das séries, dos filmes, das músicas e tentar viver, pelo menos um pouco, esta realidade, enquanto a pandemia nos enche de notícias, indignação, medo e às vezes, esperança.


Fonte da ilustração:autor John Hain in: www.pixbay.com.

sexta-feira, abril 27, 2018

Tênue limite

José cavalga pelo estreito caminho de terra vermelha. Nas bochechas, o ardente do dia, a boca seca, com um fiapo de grama no canto. Um olhar perdido no horizonte. Campos, campos e mais campos. Nos pés, chinelos de dedo arranhando a barriga do cavalo.

Quem o olhasse de perto, pensaria que tem a vida decidida. Conduta perfeita. Atitude positiva.

Na verdade, não. Ele nem sabe o que fazer além do que faz todo o dia. Busca os animais. Estão quase escondidos, próximos a um quiosque, perto da propriedade dos vizinhos e não muito longe da rodovia. Mas tem que ir.

Quem o visse, diria, que gaúcho guapo. Falta só as esporas, a bota, a bombacha.

Que nada. Está de calça rasgada no joelho e muito suja. Não é porque gostaria, mas porque não pode sujar a roupa no trabalho. Tem que trazer o gado, como faz sempre. Não são muitos, nem passam de uma dúzia. Mas também não são dele, nem de sua família. É apenas um peão, que mora numa cabana, quase casebre.

Os ventos mudam de direção, mas não ele. Quem sabe volta a estudar e aprende a ler alguma coisa. Não é tão difícil. Poderá ser chamado de gaúcho guapo, participar da Semana Farroupilha, exaltar os farrapos e comer churrasco em homenagem.

Ele é como um nômade, um pária, porque não é urbano, nem rural. Ele é ele mesmo. Como ele, milhares de gaúchos que vivem nas beiradas dos cofres alheios, tentando pegar algumas moedas.

Mas o povo levanta bandeiras, dá vivas à revolução e acredita que o Rio Grande é um país à parte.

Ele não, está neste liame, neste tênue limite, no qual não se permite a galhardia, a ousadia e a macheza do gaúcho. Aquele que vem uma vez ao campo, se veste à caráter, rompe estradas com seu 4x4 e dança nas mateadas. Este aparece na mídia.

Talvez ele seja um guasca, um índio do mato, uma mistura das três raças, nem sabe.

Negro tinha na família e índio era o avô.

Mas deixa pra lá. Melhor é caminhar quase sem rumo e seguir a vida.

Quem construiu a nação gaúcha, não foi ele. Foram os livros. E antes deles, os historiadores. Eles não mentem.

Fonte: www.pixbay.com

sexta-feira, outubro 06, 2017

O bibliotecário e o escritor

O cuidado em encapar os livros, não é coisa de bibliotecário que evita a descaracterização da obra, mas é coisa de escritor que tem o cuidado, o zelo e o carinho com este suporte maravilhoso de lazer , informação e cultura.

Virginia Woolf era acima de tudo, uma grande escritora e uma cuidadora da cultura.

Bibliotecário protege para a disseminação da obra, o escritor cuida.

Os dois se completam.

quinta-feira, setembro 28, 2017

Total desassossego

Quando a vida lhe parecia sorrir, sentia-se em total desassossego. Sampaio não era de se envolver nos problemas alheios, ainda bem, dizia consigo, já lhe bastavam os seus. Mas de uma hora para outra, passou a ter desejos estranhos, que não lhe cabiam em seu pensamento conservador. O que poderia lhe causar mal a melhoria no emprego, o galgar melhores condições de trabalho, inclusive de salário? Sei lá, o tal do desassossego, o temor de que alguma coisa lhe acontecesse, sempre vinha a cabresto. Trabalhava numa empresa de informática e seus conhecimentos na área nunca decepcionavam a chefia. Sua vida familiar era tão estável como água parada. Tinha mulher e filha que completavam um ciclo de ajustamento doméstico. Tudo muito certo, muito adequado, bem nos trilhos.

Sampaio também não saía da linha, como costumava dizer um dos colegas mais chegados, que lhe cabia na categoria de amigo. Com ele, fazia até confidências.

Mas Sampaio andava inquieto. Quando deixava o carro no estacionamento da empresa, alguma coisa lhe avisava, como um instinto, uma competência de quem profetiza que alguma coisa estava errada. E o pior, é que ele não conseguia decifrar o enigma. Talvez fossem aqueles pensamentos que não ousava deixá-los assumir voz. Ficavam na oculta, jaz em seu mais recôndito cuidado.

Entretanto, um dia sentiu-se mal, um aperto no peito, coisa normal para quem está muito tenso, diziam uns, coisa de quem sofre calado, diziam outros. Ele não dizia nada, mas aquela falta de ar sinalizava uma fronteira que avistava aos poucos e que o deixava paralisado. O pânico é o pior negócio, pensava ele. Se se deixar levar, vai para o fundo do poço ou da cova. Isso lhe dava arrepios. Foi aí que decidiu se abrir com o tal amigo, pediu-lhe um conselho.

O amigo, Chagas encarou-o intrigado. Sampaio não era de fazer perguntas, muito menos propo—rcionar qualquer aproximação a respeito de sua vida. Engoliu em seco e o ouviu, compenetrado.

– Sinto que estou com um problema grave e quero que você me ajude. Chagas, você sabe o quanto sou certinho na vida, ando em linha reta, não desvio um milímetro do meu caminho, mas agora, tem uma coisa que me incomoda.

O amigo olhou para os lados e percebeu que alguns colegas passeavam pelo escritório, dissimulados, fingindo que faziam uma coisa, mas faziam outra, isto é, queriam ouvir a conversa. Então sugeriu a Sampaio que saíssem e fossem ao bar.

– Não. Você está louco! Não posso! O bar vai ser a minha perdição.

– Como assim?

– Se você não me ouvir, como vou pedir a sua ajuda? Deixa pra lá, Chagas, você não vai me entender, mesmo. Vamos esquecer tudo o que falei.

– Espera aí, você não falou nada. Disse que anda em linha reta, isso todo mundo sabe. O que ninguém sabe é o que você queria me dizer, nem eu!

– Por que você quer saber, hem? Vai me ajudar?

Chagas deu de ombros. Claro que queria ajudar, apesar da inconfessável curiosidade que o amigo despertara. Então, pensou e retribuiu.

– Bom, se você não quer o bar, entao o problema está lá. Que foi, você ficou viciado em bebida?

– Se fosse isso, meu amigo, não era nada demais. Quero dizer, ainda tinha remédio.

– Mas então?

Sampaio pensou um pouco. Olhou para o amigo e viu o seu olhar iluminado, o que sinalizava grande curiosidade. Evitou falar alguma coisa que o comprometesse, mas teria que decidir se precisava de sua ajuda e sabia de antemão que sim. Então, pediu para irem a outro lugar, quem sabe numa biblioteca.

O amigo estranhou, afinal Sampaio não era dado a leituras. Aliás, nunca o tinha visto falar em livros ou visitar uma biblioteca. Sampaio insistiu, não ficava longe dali, talvez três quadras apenas e iriam conversando no caminho. Chagas, curioso como estava, aceitou de pronto o convite, embora bastante intrigado.

Na rua porém, a passos curtos, os dois não conversavam, ou melhor, Sampaio não abria o bico. Quando Chagas insistiu, ele advertiu que conversariam lá dentro, ali, na rua, havia muita gente, talvez até algum conhecido que os ouvissem e até os seguissem.

Andaram lado a lado em silêncio. Quando chegaram na biblioteca, escolheram uma mesa a um canto, um pouco afastada de outros leitores. Chagas, então perguntou, decidido a saber tudo de uma vez:

–E aí, me conta tudo.

–Não é bem assim, não é fácil, de uma hora para outra, me abrir com você, como se fosse num confessionário.

– Por que? O que há de tão grave?

– Um confessionário, não tinha pensado nisso. E se eu falasse com um padre? Ele me receitaria dez ave-marias, um pai-nosso e tudo estaria certo. Eu não teria por que me preocupar com que alguém soubesse e ainda seria absolvido.

– Porra, Sampaio, está surtando? Desembucha de uma vez! Sou seu amigo ou não sou?

Neste momento, um casal que estava numa mesa transversal a deles, voltou-se com a alteração da voz de Chagas. Sampaio respondeu com voz sumida:

– Claro que você é sim, por isso estou aqui. Mas fala baixo, isso é uma biblioteca.

– Está bem, eu vou me controlar. Mas fala de uma vez, o que está acontecendo com você. Tem uma doença grave?

– Antes fosse, antes eu tivesse seis meses de vida. Estaria aliviado.

– Então?

– Penso muito em minha mulher, na minha filha...

– Então o problema é com ela? Ela traiu você?

– Para falar a verdade, antes fosse. Eu preferia ser corno do que...

– Mas que porra está acontecendo com você? Não vai me dizer ...

– O que voce está pensando? Não, isso não.

– Você é gay?

– É o que pensou não é?

– Só posso pensar uma coisa destas! Você não tem uma doença grave, sua mulher não o traiu, o que quer que eu pense?

– Não pense. O que está acontecendo comigo, não é facil explicar, nem entender, nem assumir, nem acreditar! Se eu fosse gay, tinha saída, mas o problema é que não sou gay e não tenho saída!

– Não acredito que está dizendo que ser gay não seria um problema para você.

– Maior do que estou vivendo, não!

–Então fala, cara, pelo amor de Deus.

– Você sabe, além de minhas ideias mais à direita, sempre fui bastante conservador, bom marido, bom pai, um homem religioso.
¬

– Sei, um poço de virtudes!

– Por favor, Chagas, não zomba de mim, o caso é grave.

– Não estou zombando. Só espero que você abra o jogo.

– Eu estou começando a falar, veja bem que fiz um pequeno resumo de minha personalidade e minhas atitudes. Também sempre fui dedicado ao meu trabalho e muito disciplinado.

– Isso é verdade.

– Pois é, mas agora, depois de tanto tempo assistindo a mídia, vendo tanta informação desencontrada, assistindo versões estranhas sobre tudo, parece que contraí uma doença.

– Que doença?

–Uma coisa semelhante à direitice aguda, ou guinada à extrema direita ou medo da esquerda, não sei. Sonhei até com intervenção militar, com o Bolsonaro na Presidência!

– Que porra é essa Sampaio?

– Eu estou em pânico, Chagas. Tenho dúvidas sobre tudo e sobre todos. Todos os dias o castelo de cartas se desmancha e fico cada dia mais depressivo. Outro dia, cheguei em casa e minha mulher me contou que gastara muito na feira, que os produtos estavam caros, que o vizinho do apartamento 22 foi demitido, que não deu para encher o tanque de combustível e que o aluguel estava atrasado. Eu não acreditei nela!
¬

– Por que? Está tudo assim mesmo, pela hora da morte, como dizia o meu pai. Por que duvidou dela?

– Perguntei: deu na Globo? Ela não soube responder!

Chagas entendeu que o caso do amigo era grave, entretanto ousou ainda perguntar:

– Por que não quis ir ao bar?

Ele não respondeu, ainda estava inebriado pelos pensamentos anteriores. Por isso, prosseguiu, enfático:

– Eu não confio mais na minha mulher!

Chagas sorriu, satisfeito. Quem sabe havia cura. Então era isso, ele sabia que tinha coisa com mulher. Sampaio concluiu:
– Eu acho que ela virou comunista!

Em seguida, olhou para os lados, deu alguns passos, afastando-se da mesa e sentiu um arrepio ao ver uma bibliotecária que se aproximava com um broche que mais parecia uma estrela vermelha. Resmungou, atônito: Pensei que isso eu só via no bar!

sexta-feira, setembro 15, 2017

O barco à deriva

Greg olhou para a estante de poucos livros. Por um momento, pensou até que ficaria, mas já não havia tempo para discutir qualquer assunto, muito menos permancer naquela casa.

Os livros pareciam chamá-lo, pedindo que observasse suas capas, a contra-capa, o miolo costurado de uma maneira estranha para a época. E o conteúdo, o conteúdo viria por acréscimo. Não importava a ninguém o conteúdo e eles, os livros, pareciam ter vida.

Greg afastou-se um pouco em direção à janela que dava para o jardim dos fundos.

Na verdade, não era um jardim, era apenas um amontoado de flores de todos os tipos e alguns arbustos.

Olhava para baixo e tinha uma sensação de vazio, uma melancolia que não tinha como explicar.

O psicanalista dizia que era normal, ele era um homem melancólico, um cara acostumado com os sentimentos, o sofrimento, a dor que deveria ser exaltada, extrapolada, sentida e liberada na escrita. Quase catarse. Talvez o psicanalista tivesse razão. A melancolia era o seu ganha-pão. Com ela, conseguia escrever coisas densas, sentimentais e mais do que isso, provocantes. Precisava disso, precisava dessa escrita como respirar, mas quem se importava com isso?

Heloisa, na sua superficialidade de vida? Américo, no seu pensamento raso e fascista?

Quem se interessava com seus humores, amores, sofrimentos? Quem se importava com a sua vida?

Agora teria de sair para sempre. Dar lugar à promiscuidade intelectual, à mediocridade de temperamento e ineficiência coletiva. Comunidade? Para eles, isso era quase uma heresia. Eram mais individualistas do que autistas. Pelo menos, esses não se responsabilizam por seus atos.

Enganou-se consigo, enganou-se quando pensou que poderia ser igual a todo mundo. Não era. Era um cara diferente, estranho para os demais e cada vez mais diferenciado no mundo reacionário que passara a viver.

Américo sempre lhe dizia que um dia, tudo viria à tona, o mundo descobriria quem é o verdadeiro líder, o cara para quem o comércio, a economia, o capital daria a medalha da meritocracia.

Greg não dava a menor importância àqueles números e contatos com economistas e gente que só pensava em dinheiro.

Não que fosse avesso ao dinheiro, ao contrário, sabia que ele tinha a sua utilidade e devia usá-lo de modo sensato, pensava.

Heloísa não se envolvia com esses dogmas burocráticos e afeitos às grandes corporações financeiras. Ela só usufruía e isso lhe bastava. Cansada que estava da vida enfadonha do mundo da beleza, das celebridades e da busca do sucesso, encontrara em Américo a pessoa certa para estabelecer um vínculo permanente em consonância com a ambição. Estava com ele, estava com Deus. Por isso, passava por cima de tudo, até do amor.

E o amor, a poesia, o lirismo e a paixão estavam com Greg.

Greg se apossara dessas coisas, talvez pela melancolia.

Talvez o psicanalista estivesse certo. Era de sua essência. Não tinha como mudar.

Mas Greg amava Heloísa e houve um tempo em que foi correspondido. Houve um tempo em que o invólucro de sua liberdade emocional sustentava aquela relação. Ele amava pelos dois, amava duplamente até a décima potência.

Ela gostava dele simplesmente. Às vezes, se entendiava com seu papo adocicado demais, mas superava os maus momentos e se sentia renovada, cada vez que ele a beijava, cada vez que examinava os seus cabelos, enfiando os dedos com cuidado, como se escolhesse os melhores fios, para depois beijá-la com paixão.

Greg era estranho, pensava. À medida que era uma mansidão, um carinho personificado, também era um vulcão que a dilacerava, que a transformava numa lava incandescente ao ponto de custar a desvanecer. Ficava dias pensando nele, naquele amor fortalecido, apoiado na atmosfera de conforto que estabelecia uma ponte elétrica, quase turbilhão.

Mas um dia surgiu Américo e foi do nada, um amigo que Greg não via há muito tempo, talvez da época da adolescência.

Um cara extrovertido, cheio de ideias e principalmente ações. E não somente ações humanas, de atitudes e procedimentos, mas ações financeiras.

De repente, Greg ficava pequenino na frente de Américo.

Greg trazia um mundinho idealizado, Américo lhe mostrava um mundão lá fora, quase inatingível. Um mundo ao qual jamais havia sido convidada.

Greg a esperava sempre, junto aos seus livros, as suas leituras, a sua escrita, na esperança de que voltasse atrás e compreendesse que o amor devia estar acima de tudo, até de sua ambição, seu desejo de compartilhar a vida que Américo lhe oferecia.

Mas era tudo inútil.

Por isso, ele estava deixando a casa, deixando pra trás a vida comportada e civilizada que moldava a sua personalidade. Não devia mais viver entre o que lhe dava prazer, se o amor se dissipava em outras procuras. Não ousava transformar a melancolia em literatura, pois esta já não o completava.

Estava aturdido e o branco que a página produzia era muito mais do que uma falta de imaginação, era o excesso de conflitos sem solução, desequilíbrios em labirintos instáveis, dores que permeavam as margens e se confundiam com as palavras ainda sem qualquer sonoridade visual. Eram vírgulas que se interpunham entre versos ou expressões, transformando-as em resumos insalubres de pensamentos deformados.

Voltou-se da janela, abandonou devagar a visão do jardim, ficando ainda na retina algumas raízes de plantas que se soltavam da terra seca e sem vida. Tinha a impressão que tudo secaria ao sol e que nada restaria, além daquela terrível coroa de cristo que circundava o muro.

Dirigiu-se à estante dos livros, sentou-se na velha escrivaninha, abriu o notebook, esforçando-se em desviar os olhos do cenário inteiro e tomar uma decisão. Sabia o que faria, sabia que estava certo, sabia que o desregramento não fazia parte de seu comportamento. Seria, por fim, a saída para sempre da vida de Heloisa.

Que ficasse com o capital exterior, com as ações, com os dólares e euros de Américo.

Que ficasse com a América e o Imperialismo em suas mãos. Que mudasse o seu nome e se chamasse para sempre de Europa, quem sabe, encontraria um destino para fugir da crise?

Foi aí que Heloisa entrou no gabinete e se apoderou do que ele mais prezava: o seu conhecimento. Juntou tudo que havia, seus textos, seus livros, suas buscas e incertezas e o abraçou e o beijou e ousou fazer a última provocação, ou proposta, e que talvez ele aceitasse, por mais perversa e obscena fosse.

Então, encarou-a e por um instante, viu um espectro que parecia tomar-lhe os sentidos.

Vinha à mente, a traição, entretanto ela surgia com propostas ainda piores. Por certo, uma traição maior a qual ele deveria refutar com todas as forças, embora suas objeções pareciam definhar.

Ela o beijou com força e sua boca enchia a dele de baba que escorria pelo queixo, o que produzia uma sensação de propriedade. Era sua propriedade. Era seu.

Heloisa sorriu segura, abandonando os braços sobre seus ombros e encarando-o, com a boca próxima, a respiração quase única, argumentou alguma coisa absurda que ele nem queria ouvir.

Talvez por isso, duas lágrimas correram de seus olhos e ele tentou fechá-los e afastá-la, mas ela o impediu com a mão carinhosa, mas firme sobre sua boca. Em seguida, segurou o seu rosto, sorriu e o encheu de confiança. Ato contínuo, empurrou o seu rosto de modo a obrigá-lo a voltar-se para a porta.

Américo sorria e o fitava com carinho. Aliás, seu olhar carinhoso era dirigido aos dois.

Sem dizer nada, aproximou-se e os abraçou e ficaram assim, os três juntos. Precisavam tomar uma decisão. Américo parecia mais do que carinhoso, havia um vigor em seu corpo, em sua voz, como se um desejo quase incontrolável o atingisse. Suas mãos alternavam-se entre os seios de Heloísa e o pescoço de Greg, produzindo-lhe arrepios constrangedores, mas dos quais não ousava fugir.

Foi então que Heloisa, fez a pergunta decisiva, na verdade, uma conclusão questionada:

– Ficamos os três, só nós três juntos. Não podemos viver separados. Aceita Gregório?

Américo repetiu:


– Aceita?


Greg desviou com esforço o olhar para os livros, como se suplicasse ajuda. Era uma pergunta repulsiva, obscena, deplorável. Como não pensara nisso, quando deixara o barco à deriva a quem o quisesse tomar. Como poderia pensar numa proposta dessas? O capital, a exploração, o poder, a traição, a mediocridade, a ambição, o sonho, a poesia, o ... o idiota.

Ela então, suspirou, obrigando-o a encará-los. E perguntou:

– Então?


– Eu topo.

domingo, maio 07, 2017

Um pouco sobre A BARCA E A BIBLIOTECA: um romance sobre como livros também foram sitiados em tempos de repressão

A história trata dos vários olhares do homem em consonância com o seu cotidiano, alicerçado nos valores que concebe para a sua vida.

É a trajetória de um homem (César), que aos poucos vai conhecendo a verdadeira história de seu pai e o quanto ela ainda o influencia nos dias atuais, forçado de certa forma, a recorrer ao passado e reconhecer nele um caminho novo, de liberdade e orgulho, que não identificava antes. Uma história que vai modificar e completar a sua. Com o conhecimento destas vivências, cresce como ser humano.

Tudo começa nos anos sessenta, cuja curiosidade infantil o impulsiona a conhecer determinados documentos estranhos que parecem comprometer o seu pai, e que tanto o angustiavam pelo forte conteúdo político que continham.

Ao mesmo tempo vivia a sua vida de menino, confrontando a fantasia de aventurar-se na barca á beira do cais, sempre impedido pela mão forte do pai, ao mesmo tempo, que por outros caminhos, imergia no mundo sagrado da biblioteca, batizado que fora nas letras, podendo singrar os mares tal como os navegadores antigos, sem que houvesse qualquer intervenção.

Aqui ocorre a metáfora da barca que não ousara entrar, mas que se materializava no ambiente dos livros.

Em meio a tudo isso, há a luta política do pai, como voluntário no Movimento da Legalidade, quando Brizola instalava a rádio nos porões do Palácio.

Em decorrência destas atitudes, fora perseguido, taxado de comunista e torturado, a partir da derrocada da liberdade pelo advento da ditadura.

Na fase adulta, César é envolvido no mistério dos documentos secretos do pai, onde se misturam personagens que gravitam em torno deste mesmo mistério.

Esta trama ocorre no cenário de uma biblioteca, chegando ao ápice, a partir de um crime. Ele descobre finalmente o grande legado que o pai lhe deixara: a liberdade de escolha calcada na sabedoria da tolerância.

Nesta atmosfera misturam-se sentimentos muito fortes, mas bem distantes dos relacionamentos idealizados de sua infância.

Este livro está à venda no site da Editora Metamorfose http://www.editorametamorfose.com.br/livro.php?pid=960 , na Livraria Vanguarda (Rio Grande e Pelotas) e pelo telefone: (53)999013508 e pelo site da Amazon.com.br

segunda-feira, março 27, 2017

A cicatriz de uma época

Nunca a realidade deveria superar a ficção, entretanto, o homem extrapola a sua humanidade, para tornar-se apenas uma ideia, um conceito, expressado a partir de quem está no poder.

Talvez aqueles objetos observados em Auschwitz fossem apenas um signo linguístico nos quais observaríamos o que representam os sons e imagens que estão em nossa mente.

Ali portanto, os objetos abrangem muito mais do que representam na realidade, pois sua memória é impregnada de sentimentos, dores, sofrimentos das pessoas ali representadas.

Quantas vezes, a menina não imaginou um lar cuja boneca fazia parte do sonho, orquestrado por mãos pequeninas e frágeis que a transformavam no ícone do prazer infantil. Uma menina e sua boneca. A mãe e a filha. A professora e a aluna. Quantos sonhos e esperanças.

Quantas vezes aqueles sapatos passearam pelas avenidas e torceram seus saltos nos paralepípedos ou se aproximaram dos degraus das igrejas ou se afastaram por trilhos procurando saídas, transmudando-os em habituais companheiros.

Quantas vezes se esconderam sob mesas, cadeiras ou foram guardados com cuidado para serem usados no dia seguinte. E quando não houve dia seguinte, quando a força do arbítrio e da mensagem insana os levou à estratégia da ruptura com o humano, com a dignidade, com a vida.

Quantas vezes aqueles óculos redondos se debruçaram sobre livros e acompanharam páginas de poesias, ou romances ou estudos acadêmicos, ou mesmo à bíblia?

Quantas vezes acompanharam olhos curiosos na adolescência ou se mantiveram alertas, no cansaço senil, na costura em dedos frágeis ou em pontos de crochê ou tricô.

Quantas vezes não acalentaram olhos amorosos, não observaram o foco do amor ou teceram a narrativa da vida, envolta em leituras ou explicações de mestres? Quantas vezes ficaram à mesinha da cabeceira, esperando que o dono os recolhesse no dia seguinte, ao salto para o trabalho?

Mas uma vez cairam em mãos ferinas que os trairam, arremessando-os ao acúmulo de objetos sem qualquer finalidade, a não ser simbolizar a morte oriunda da mão canhestra e torpe da intolerância e o ódio?

Quantas vezes, as malas não foram cuidadosamente arrumadas e nesta organização se revelassem a alegria da viagem, a experiência dos aprendizados envolvidos, ou a simples aventura de viver?

Quantas vezes, não foram carregadas por mão firmes, com destino certo, testemunhando passeios, visitas, encontros e experiências de vida.

Quantas vezes trouxeram consigo a desilusão ou o desejo da volta, após um difícil dever cumprido.

Não saberiam jamais que ficariam à exposição para olhos assombrados, absortas em seu vazio de signo, não mais significado, não mais significante, apenas a memória do abandono, da não-presença, do não-uso, do não-retorno.

Quisera não ter visto aqueles objetos e muitos outros em exposição do massacre nos campos de concentração.

Quisera não ser um daqueles olhos assombrados com a miséria humana, com a certeza de que aqueles objetos não teriam significado nenhum, nunca mais, a não ser serem símbolos da barbárie e do desapreço com o ser humano.

Na Polônia, tão bela e restaurada, tão viva e alegre, há o exemplo onde a cicatriz não se apaga e não deve se apagar jamais.

Este é o verdadeiro símbolo a ser lembrado: a cicatriz de uma época de intolerância e ódio. Que não volte jamais.

segunda-feira, outubro 24, 2016

MAESTRIA DE MATAR

Percorro este corredor repleto de livros e fico me perguntando se valeu à pena. É só por um momento, mas vez que outra me vem esta dúvida.

Não sei, agora nos meus 81 anos de idade, pensando no passado, faria tudo de novo, do mesmo modo impensado, ou talvez excessivamente planejado.

De qualquer maneira, sinto um vazio imenso, olhando para estas estantes cheias e sentindo o coração apertado, por não saber ao certo, se o que fiz dará frutos verdadeiros.

Guardar livros, raspar o tacho das pesquisas, me parece uma coisa divina e ao mesmo tempo perigosa.

Às vezes, podemos nos deparar com algum livro, que traga oculto em suas paginas um segredo terrível. Foi o que aconteceu comigo e que me levou a tantos devaneios.

Agora, cansado, percorro estes corredores escuros e sinto uma ponta de orgulho, não fossem os fatos acontecidos, o peso da culpa e o medo de ser descoberto no final da vida.

E se descobrirem que este amante dos livros, também amante da vida e das mulheres, foi um amante da morte.

Planejar com cuidado dias a fio, cada gesto, cada movimento mais leve, cada passo em falso das pessoas que elegi e aproximar-me devagarinho do seu final.

Não foi uma coisa fácil e ainda não é para mim. Mas sinto que tudo pode acontecer novamente, a qualquer momento.

Mesmo sozinho, viúvo, após tantos anos de convivência, vivendo quase à prestação, ainda temo estas coisas.

Só me restam poucos sons na casa. Poucas vozes que vem ao anoitecer, temerosos que eu morra a qualquer momento. Não sabem então que tenho uma saúde de ferro?

Hoje me foi apresentada uma senhora diferente: nada demais na figura. Era idosa, cabelos pintados de loiro, roupas discretas e felizmente de pouco falar.

Meu filho, que não via há anos, me veio com a novidade.

— Papai, esta é Dona Berenice. Vai ficar com o senhor à noite. Vai ajudá-lo a tomar os remédios ou mesmo preparar o seu banho ou caso precise de alguma coisa, um café na cozinha. É melhor que ela lhe ajude e assim o senhor não ficará sozinho.

Era só isso? Ela pensa que sou idiota. Ficará ali, sentada na sala, na melhor poltrona, lendo revistas fúteis, de fofoca, aguardando a minha morte. Quem sabe esta noite? Ou no próximo domingo? Sei que só se preocupam com isso.

Não fica bem, o filho, um empresário de renome, morando na capital, deixando o velho pai, viúvo e solitário nesta casa enorme, sozinho, aos 81 anos de idade. Não sabe ele que sou muito forte e sadio e quando a minha hora chegar, não é preciso de tutores, de alcoviteiras esperando o desfecho.

Mas tudo bem, ela que fique e ele vá embora, tratar de seus negócios.

Felizmente agora estou sozinho, durante o dia, me dão mais liberdade. Posso passear pelos meus livros, arrumar as estantes devagar, examinar cada capa nova ou antiga, reler os clássicos, a bíblia, os livros proibidos. Será que ainda existem livros proibidos para a minha idade?

Gosto de ficar por aqui, sentar-me nestas mesas de verniz escuro onde tantas pessoas exerceram a intimidade com os livros, pesquisaram em suas páginas, apropriaram-se de seus conhecimentos, seus encontros com a verdade.

Lembro de Laura e não faz tanto tempo assim. Ela chegou um dia, com olhar tímido, gestos hesitantes, fala macia e diminuta. Precisava fazer uma pesquisa para uma monografia, não lembro bem do que se tratava.

Deve fazer 10 anos, é verdade, foi na copa de 96 e os horários estavam meio truncados, por causa dos jogos.

Ela veio num horário destes, em que a biblioteca estava fechada. Bateu na porta, vigorosa, eu atendi, do jeito que estava vestido, pijama e chinelos de lã.

Aproximei-me da vidraça da janela e espiei por detrás da cortina. Pensei irritado, porque não ia para uma biblioteca pública ou da Universidade. A minha não passava de um arranjo de livros particular, que não se limitava a determinadas áreas do conhecimento, mas a qualquer coisa que aparecesse por lá.

Voltei as costas para a janela e regressei ao meu quarto, mas aquela batida intermitente me incomodava.

Retornei irritado, disposto a despachá-la de uma vez por todas. Mas não o fiz, ela parecia bem desesperada. Parece que queria mais do que livros. Queria falar comigo.

— Se o senhor puder abrir, atender-me nem que seja por um minuto, para orientar-me para outra visita, por favor, lhe suplico.

Dizia tudo de súbito, quase sem respirar. Percebi que era uma jovem bonita, de estatura média, cabelos negros e meio despenteados, talvez em virtude do vento que fazia um zunido sinistro no corredor que conduzia ao quintal da casa.

Explicou-me em seguida sobre o trabalho pesado que teria pela frente, na área de história, agora me recordo, mas que precisava, antes de mais nada falar comigo, pessoalmente.

Eu lhe expliquei do horário alterado, a cidade estava deserta, só as folhas farfalhando, fazendo barulho pelas calçadas.

Ninguém se atrevia a sair em dia de jogo do Brasil. Ela não se importava com o jogo. Eu também.

Entrou agradecida, pedi-lhe que sentasse na poltrona que ficava bem defronte onde eu acabara de sentar.

Fiquei quieto, observando-a. Vestia-se com discrição e na mão, um bolsa pequena, mas repleta de sabe Deus o que, que fazia barulho a qualquer movimento. Vez que outra, ela enfiava a mão, como se para certificar-se que tudo estava em ordem. Puxou os cabelos para trás, respirou fundo e começou.

Primeiramente desculpou-se por ter insistido e logo em seguida, deu o recado:

— Trata-se de sua mulher.

Estremeci. Minhas pernas e joelhos batiam descontrolados. Por que falava de minha mulher, que ela tinha a dizer sobre ela, que havia se suicidado há três anos? Quase a despachei dali mesmo, sem querer saber nada, mas me contive, calado.

Minhas mãos tremiam e minha cabeça parecia imitar o movimento, pois estremecia sem que eu pudesse controlá-la.

— Ela não se suicidou. Na verdade, foi arrebatada, compelida por uma leitura.

Quando ela afirmou isso, levantei-me com esforço da poltrona, mas o fiz irritado, pedindo uma explicação. Depois calei-me. Estava exausto, não tanto pela idade, mas pela intromissão em minha vida, assim, de forma tão repentina.

Ela começou a falar em solidão, em buscas desconhecidas, em fenômenos aleatórios, em destino.

Pedi, supliquei que parasse.

Era tarde demais. Tarde no adiantado da hora, tarde para saber.

Que me interessava agora, naquele momento, qualquer revelação; nada tinha sentido.

Nada adquiria sentido há muito tempo. Melhor era deixar para trás.

Olhei para a porta, esperando que ela saísse.

Fazia um silêncio danado na rua.

Os ponteiros do relógio se arrastavam, um passando pelo outro, esperando uma resposta. Uma resposta que não mais significava nada.

Ela saiu desiludida, atrapalhada numa chuva de pingos grossos que começava a cair.

Avistei-a correndo, saltando entre as poças, pisando nas calçadas de lajotas quebradas, que emparelhavam com a rua alagada.

Hoje sei que se a tivesse ouvido, não teria esta sensação de vazio, de abandono.

Tudo que ela relataria, descobrira mais tarde no diário de minha mulher. Mergulhada nas teorias suicidas de um velho livro de bruxarias, coisas espúria e sem qualquer nexo científico, mas extremamente arrebatador, a levara ao desfecho final.

A partir daí, fui me tornando cético, tendo de aprender as técnicas que levassem à morte, não por feitiçarias ou qualquer outra forma de magia, mas as diversas maneiras de matar que aprendera nos livros. Livros de todas as áreas, todos os temas, mas que exclusivamente tratavam do assunto que me encantava.

Por isso, hoje, sou mestre nesta arte.

E esta mulher, esta Dona Berenice que virá aqui, esperar a minha morte, contar os minutos para livrar-se do estorvo, arriscar-se nas suas leituras medíocres imaginando-me alienado e frágil, não perde por esperar.

Seguirei meus rituais, exercerei em sua estrutura vulgar, a maestria do conhecimento inexorável: o ato de matar.

Percorro este corredor repleto de livros e fico me perguntando se valeu à pena. É só por um momento, pois vez que outra me vem esta dúvida. De todo modo, fico numa euforia há muito não experimentada, embora não saiba ao certo , se o que farei dará frutos verdadeiros.

sábado, fevereiro 13, 2016

Arnildo na Mostra de Talentos da Biblioteca do HU

Houve a Mostra de Talentos da Biblioteca, no HU. Eu sugeri o seu nome e ele foi convidado. E entre talentos, havia crônicas, poesias, livros, desenhos, música. Ele então chegou devagarinho como é seu jeito, investigando de soslaio o cenário meio caótico. Além das exposições, das visitas e conversas animadas, chegara o momento musical constituído por um grupo de colegas que ousara desafiar os tímpanos e cordas vocais, num emaranhado de sons, ritmos e gêneros. Era um samba do criolo doido. Muito bom, de acordo com a euforia geral que até ensaiou uns passos de dança, nos quais, diga-se de passagem, me incluí. De todo modo, percebi a sua presença, talvez um tanto apreensiva, o que corroborou com minha percepção, pois confessara mais tarde. Afinal, no meio daquela algazarra musical, onde todos cantavam em altos brados e a plateia participava em uníssono, seria de bom tom as suas baladas mais lentas, mais reflexivas e o seu conteúdo pensante? Talvez se perguntasse, vou dar uma de Caetano Veloso e arriscar aqui um Cucurrucucu Paloma para agradar a galera?

Mas, aos poucos, espontaneamente o cenário foi harmonizando e cedendo o seu lugar ao nosso artista convidado. Ele se aproximou, interagiu com as pessoas e lentamente, assumiu o seu lugar. E aquele guri tranquilo dos poemas do "Poetas de Pijamas” foi surgindo e revelando a sensibilidade e a complexidade de seus questionamentos, como na poesia “Canção sem graça que compus para passar o tempo”, em que sua alma de artista se pune por não compor versos simples e rimas fáceis, mas palavras complexas e fonemas impróprios que parecem ocultar a face sublime que os inspiram. Mal sabia ele que a complexidade vai muito além da simples sintaxe dos versos ou da semântica de seu conteúdo. Vai além, através da imaginação, do sonho e sensibilidade, amparados não só na melodia, na letra, mas na interpretação e poder de interação. Muito mais, manifesta-se na vida prenhe de sonho e portanto, a complexidade se dilui na alma dos que sonham. Foi assim que interagiu do seu jeito e foi logo assumindo o seu lugar. Não imaginava ele que o povo que cantava e dançava no resfolegar dos sambas, emudeceria para ouvi-lo, que os tons e matizes nítidos e plangentes, vindo das canções talvez fossem aprrendidas em seu ritmo e conteúdo profundo, encantando-os num mergulho de poesia, onde antes havia apenas exarcebada euforia. Era outro ponto. Outra batida. Outro roçar de corações. Outro tinir dos sentidos. E do grupo heterogêneo, ele transformou o sussuro intimista no encontro. Música é isso. É alegria e reflexão. Gesto e abandono. Desafio e sonho. E Arnildo chegou de mansinho, se acercou de nosso grupo, apresentou com cuidado e atenção o que nosso coração pedia. Certamente, ali se estabeleceu um elo, no qual a troca se deu pela energia, pela partilha da arte pela a amizade. Talvez pontes foram criadas, nas quais as trajetória se cruzem e se enriqueçam.

Arnildo, hoje é nosso formando, nosso médico e tenho certeza, para os que como eu, conviveram com ele, o guri compositor, poeta, cantor e amigo e finalmente, para a mostra cultural da biblioteca, o nosso principal artista.

Biblioteca do HU: Biblioteca do Hospital Universitário, FURG, Rio Grande, RS

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segunda-feira, novembro 09, 2015

A CALÇA COMPRIDA

Lembro-me dele. Chamava-se Camilo, um nome que eu achava estranho. Mas nossa amizade era segura, firme, quase madura. Confidenciávamos sobre tudo o que nos acontecia, falávamos da família, das ideias políticas de nossos pais, das agruras de minha avó, que se limitava a sentir aquela falta de ar absurda, o sorriso complacente e tranquilo de meu avô, o seu olhar sereno e belo.

Parecíamos adultos, mas éramos crianças e não passávamos da 5ª. Série.

Ele parecia mais velho, era mais forte, mais ágil. Eu franzino, pernas finas, calças curtas, meias até o joelho.

Estávamos felizes. Aproximava-se o dia da procissão de Corpus Christi que eu ansiosamente aguardava, não exatamente a procissão, mas a oportunidade que se antecipava de eu usar calças compridas. Minha mãe prometera que usaria neste dia.

Naquela época, usar calças compridas significava quase a passagem para a vida adulta, um símbolo de masculidade. Estávamos ficando homens de fato, portando-nos como tal.

Minha mãe passou dias na costura. Antes porém, enveredou-se por lojas, buscando o tecido adequado, a cor, naturalmente azul-marinho, um tecido firme e ao mesmo tempo maleável, que fosse possível se fazer o friso.

Acabou na mesma loja de sempre, onde se encontravam os tecidos finos e mais baratos. Comprou a fazenda, como ela dizia, cortou o pano ante meus olhos grandes por detrás da mesa, espiando, fingindo preocupar-me com as figuras dos jogadores da copa, ocupado em que estava em demonstrar indiferença.

De vez em quando, meus olhos aflitos se deparavam com os de minha mãe. Ela olhava-me, encarava por alguns segundos, depois, se mantinha entretida nas linhas, nos dedais, retroses, carretéis, tesouras e agulhas.

Contornava delicadamente o tecido, desenhando um esboço de calça que me encantava. Suas mãos brancas, de dedos pequenos e finos percorriam delicados os viés da costura, os tortuosos vai-e-vem dos alinhavos, na construção da obra imaginada. Em seguida, um corte aqui, uma fisgada no dedo ali, um jeito ágil de chupar o sangue e esquecer de imediato a dor, partindo para a atividade almejada.

Eu corria os olhos atentos, obedecendo a ordem de ligar o interruptor, clarear o ambiente, buscar o pão quentinho, estalando nos dentes no caminho, roubando um pedaço rápido, antes de chegar em casa, conhecendo de antemão a rotineira repreensão.

Coração aflito, voz esganiçada, perguntando se queria mais algum favor. Não queria, nem precisava, o que me angustiava mais.

Desejava permanecer ali, ao seu lado, parado, vendo o espectro tornar-se real: a calça imaginada correndo comigo, passeando orgulhosa entre os colegas menores, seguindo a procissão, ouvindo o “louvado-seja-nosso-Senhor-Jesus-Cristo-do-padre”, com um olhar entre orgulhoso e cúmplice, querendo dizer “tu, heim, já é um homem, de calças compridas” e eu mais orgulhoso e seguro”para-sempre-seja-louvado”, querendo dizer ”isso-mesmo-seu padre-já-sou-um-homem, igualzinho ao meu pai.”

Mas ela não se dispunha a ouvir-me, mandava-me estudar, os livros me esperavam no quarto, a escrivaninha estava cheia, um dez não basta, um dez não é definitivo, é preciso alimentar a cabeça. Que ela queria dizer com isso? Que eu ainda não estava feito por inteiro? Seria por causa das calças curtas? Mas logo, logo, eu usaria as tão esperadas e amadas calças compridas, como todo o mundo.

E vinha dia e voltava noite e a labuta na costura ficava ainda mais acirrada. Era uma briga constante com a máquina, dor nas costas, olhos inchados, pouco dormir, camisa por fazer, ah, branca, colarinho de entretela, passado na goma para ficar bem duro. Cinto? Aquele de couro que ganhei no Natal.

Até que chegou o grande dia. Meu coração saltitava exuberante no peito, os olhos grandes vibravam, o espírito voejava translúcido, a boca estremecia ressequida, ofegante, esperando os olhares invejosos dos menores ou dos que não tinham conseguido uma calça comprida e além de tudo, o respeito dos mais velhos.

Minha mãe ficou me vigiando da esquina, não sei se orgulhosa de fato comigo ou com a sua obra-prima.

Na verdade, ficava feliz com a minha alegria. Tanto que passara horas na noite anterior, espargindo borrifadas de água, com leveza, para ajustar o vinco com o ferro quente. Depois de alisada, observada, examinada e almejada, deixara-se ficar assim, a calça, quase feliz como eu, estirada na cadeira, preguiçosa, longe de qualquer toque mais abrupto para não desmanchar o desenho. A camisa branquinha, lavada em anil, de gola bem engomada e passada rigorosamente para não fazer feio na procissão.

Como a noite custou-me a passar. Só fui vencido pelo sono e não sonhei com nada. Quando acordei, já me via longe, abanando para a mãe que prosseguia na esquina, até eu desaparecer no colégio.

A pequena igreja estava em construção. A escola em rebuliço. As crianças eufóricas.

Meu amigo Camilo foi o primeiro a me ver com a calça nova. Sorriu satisfeito e mostrou a dele, de tergal, com um certo brilho, meio furta-cor, que me incomodava um pouco. Mas não comentei nada.

Em seguida, o orgulho deu lugar à euforia das brincadeiras. Outros chegaram e passamos, como de hábito a correr, pega daqui, esconde ali, agora pelos escombros da igreja antiga, subindo no altar ainda em construção da nova e gigante que se antecipava aos nossos olhos e corações.

Corria tanto que nem via padre, ou professora, ou qualquer outra autoridade que me fizesse parar. O prazer era mais forte do que meus brios de homem recém adentrado na sociedade masculina. Tanto foi, que no puxar de cá, empurra pra lá, caí de um aterro da construção de concreto, assim, de modo abrupto, rasgando inexoravelmente a calça, bem na altura do joelho.

Meu amigo me viu e não deu muita importância. Falou alguma coisa como voltar para a casa, trocar de calça.

Os demais chegaram rápidos como saídos do ninho, bando em disparada, ao meu encontro. Era tudo que eu não queria.

Voltei para casa decepcionado.

Na cadeira, como se estivesse a minha espera, a calça curta, marinho, velha amiga de guerra, das brincadeiras de criança, menino que não queria mais ser.

Minha mãe assentiu com a cabeça, como se conhecesse antecipadamente o meu infortúnio. Não tinha remédio. Voltei para a procissão de calças curtas. Percebi que nada havia mudado. Só a certeza de que não seria daquela vez que eu usaria definitivamente as calças compridas. Quando isto ocorreu? Acho que não teve nenhum sentido. Talvez tivesse amadurecido naquele tombo e descoberto que não significavam nada a mais do que um vestuário novo. Só lembro que voltamos da procissão com a sensação de liberdade plena, como se a nós fosse dada a oportunidade da vida e livrarmo-nos de todas as opressões da infância. Talvez por isso, tocássemos “indisciplinadamente” a campainha de todas as casas que víamos pela frente.

sábado, junho 21, 2014

Pesagem das crianças e benefícios

Que bom!
Que bom que os serviços públicos estejam atentos às pessoas, aos cidadão
s.
Que bom que se faça pesagem das crianças até sete anos e das gestantes.
Que bom que nos preocupemos com a atualização do calendário das vacinas e imunizações.
Que bom que a matrícula escolar e a frequência de no mínimo 85% sejam fundamentais como exigência das políticas públicas, como o Bolsa Família.
Que as mães e recém-nascidos devam participar das atividades educativas de aleitamento materno e alimentação saudável.
Estes, por certo, terão no futuro, a educação tão preconizada, e que tanto queremos. Terão oportunidade de ler, escrever, amar as artes, encontrar nos livros o alimento da alma, porque quando crianças, seu cérebro cresceu sadio e suas mentes podem agora voar.
Está passando o tempo em que as crianças eram desprovidas de inteligência para aceitarem o mínimo de abstração intelectual. Graças a Deus, a alimentação para que atinjam este patamar, está vindo antes. Que adianta oferecer arte a quem não pode usufruir, a quem está ausente das oportunidades, a quem não se deu o direito de existir?
Finalmente deixando de ser o povo marcado pela desgraça, pela miséria excludente, pela fome. Marcados sim, com a esperança de serem brasileiros tão iguais quanto qualquer um mais abastado. Marcados com a fé de vencerem a si próprios, seus desafios, sem se preocuparem com os desafios maiores e intransponíveis da vida sem esperanças.
Há os que pensam diferente e respeito suas ideias. Talvez acreditem que estes benefícios são somente por interesse político. Mas que saudável interesse pelo povo brasileiro! Antes pelo povo, por suas dificuldades, por suas exclusões como cidadão, do que interesse por banqueiros internacionais, pelo FMI, por monopólios midiáticos, por compra de votos nas reeleições, etc. Que venha o povo. Que se pese o povo! Que vença o povo!



quarta-feira, julho 31, 2013

A CINZA EM QUE ARDI

Sempre a vira expor-se de maneira ridícula. Pelo menos para os padrões da época. Tinha lá seus quase oitenta anos e se vestia como uma mulher de trinta. Um vestido godê preto, que ao vento lhe subia nos ombros, aos meus olhos espantados de 10 anos. Na boca, um batom vermelho delineando os lábios sumidos. Um sorriso largo, de dentes miúdos, com falhas inevitáveis. Gostava de sentir-se assim, livre e talvez a sensibilidade aflorada na pele revelasse apenas o desejo de felicidade. Uma brisa, um aroma, um sopro de vida. Todos ou quase todos a chamavam de louca. Ou senil. Ou velha destemperada. Não lhe permitiam explosões em seus pensamentos, nem alfinetadas nas ideias que não se constituíssem um dedal. Mentes torpes, endurecidas pelo hábito higiênico e padronizado da maioria. Eu, como criança, talvez a seguisse no que tinha de melhor. E o melhor eram os livros que me oferecia. Livros tão antigos quanto à coluna que se comprimia nas vértebras enferrujadas. Livros amarelecidos, capas andrajosas pedintes de leituras, folhas finas, às vezes rasgadas. Pedaços de livros. Frangalhos de histórias. Mas que me faziam beber da fonte inesgotável da aventura, de trajetórias distintas das que seguia, dos vôos altos em que avistava outros prados.

Ela não arrefecia em mostrar-me este novo mundo, talvez porque visse em mim uma sagacidade desconhecida aos demais de sua família. Um desejo de ir mais longe ou de descobrir o que estava tão perto, mas tão perto, que nem fazia sentido.

Ela era assim: alegre, divertida, faceira, estranha. Um estranho absurdo, que talvez a lançasse aos limites da loucura. Mas esta insanidade voraz e desconhecida talvez a tornasse um ser humano íntegro em sua relação peculiar com a vida.

Claro que nem todos a entendiam, nem eu. Apenas não a julgava com o olhar de adulto. Por certo, encontrava em sua imaginação fértil uma afinidade com o universo interior de um pretenso escritor. Tudo que eu escrevia num papel encardido de embrulho era devidamente analisado, anotado e compreendido. Quando muito, uma nova visão, um ponto de vista próprio, difícil de atingir, mas que anunciava uma entrega desavisada com cheiro de sonho e gosto de felicidade.

Morava com um irmão tão velho quanto ela e os três sobrinhos. Todos a consideravam amalucada, rótulo vencido.

Eu sentia um certo constrangimento em me aproximar, tal era o preconceito que expressavam sobre ela.

Certa vez, ela me chamou pelo muro. Estendeu seus braços finos, com um caderno na mão, tão amarelo quanto os livros. As unhas vermelhas apertavam a capa cerzida na restauração improvisada. Percebi que havia uma espécie de tule ou renda branca empoeirada, revelando o guardado num daqueles baús imensos que tinha ao lado da cama. Espichei o meu braço, arrastando-o no reboco rugoso e peguei o caderno. Ela fez um sinal cúmplice com a boca, produzindo mil ruguinhas entre os lábios, pedindo que não o abrisse logo, apenas quando estivesse em casa, engendrando minhas histórias. Obedeci. Guardei o caderno embaixo do travesseiro para lê-lo à noite, sem muito tempo para decifrar o que havia nele. Fui para a escola, de lá para casa, o banho, um pouquinho de tv, o sono e esqueci o presente.

Acordamos pela manhã, eu e meus pais com os gritos. Uma ambulância e um olhar de desespero cercado entre braços fortes que a empurravam para dentro do veículo, como se pudesse resistir a não ser com gritos. Um cheiro de fumaça, de papel queimado, de lixo armazenado no fundo do quintal.

Meu pai perguntou ao sobrinho mais velho o que estava acontecendo, mas não houve tempo para respostas, a sirene já se ouvia forte, abrindo caminho na rua onde se formavam pequenos grupos. Todos comentavam, produzindo explicações que convinham. Alguns meninos no caminho da escola, paravam intrigados, observando a cena. Cenário perfeito para uma investida na imaginação por mais acanhada que fosse. Tudo conspirava para o senso comum se estabelecer: dispensar a tia louca para o sanatório.

Meu pai afastou-se do lugar enquanto minha mãe já tomava as últimas da vizinhança. Entramos, a hora se adiantava. A vida continuava. O mundo girava no mesmo ritmo. Um ritmo desordenado em nossa vida caótica. Lembrei de seu irmão mais velho, que nem aparecera. Devia ter ficado lá, constrangido pela covardia em não lutar contra um destino que mais cedo ou mais tarde seria o seu.

Não me contive e desviei do cuidado de meus pais e pulei o muro, pelos fundos do quintal. Atravessei o pequeno alpendre e passei pela cozinha, dirigindo-me ao quarto dela: reduto pouco visitado, embora lá havia conhecido e ganho os meus primeiros livros. Percebi que o irmão estava encostado no parapeito da janela que dava para o nosso pátio, um cotovelo apoiado, com a mão no queixo, amaciando a barba mal feita e na outra mão, um cigarro de brasa esquecida.

Afastei-me pé ante pé e abri a porta do quarto, lentamente. Observei a cama de mogno desarrumada, a cômoda com os porta-retratos atirados, uns sobre os outros como em efeito dominó, alguns livros rasgados. Mas meus olhos se detiveram espantados na velha estante de madeira que emoldurava toda a parede do lado esquerdo, oposto à janela. Estava vazia, uma estante em que moradores notáveis fizeram historia, um Kafka, um Machado, um Guimarães Rosa, um Joice, um Goethe, um Dostoevisk. Demandaram em derradeira missão, talvez desconhecida e definitiva, jamais almejada.

Corri para os fundos do quintal, segui a cortina que se antecipava aos meus olhos e um pequeno visgo de fumaça, como uma serpente que se insinuava, mostrava o caminho.

Ali estavam os livros, com suas brochuras à mostra como esqueletos restantes do incêndio homicida, costuras desalinhadas, pedaços de folhas em desenhos disformes com olhos negros produzidos pelo fogo, marcas indeléveis, transmutando o que era saudável em feridas fatais. Sangue negro escorrido nas cinzas, fome de vingança jamais aplacada.

Ainda salvei das últimas chamas, alguns farrapos que resistiam aos pingos de sereno. Parte de um livro de Almeida Garret, que li sujando as mãos na página quente, que me doíam os dedos: restos mortais de uma vida que se dissolvia na intolerância.

Seus olhos - se eu sei pintar

O que os meus olhos cegou

Não tinham luz de brilhar.

Era chama de queimar;

Vivaz, eterno, divino,

Como facho do Destino.

Divino, eterno! - e suave


Ao mesmo tempo: mas grave


E de tão fatal poder,


Que, num só momento que a vi,

Queimar toda alma senti...


Nem ficou mais de meu ser,

Senão a cinza em que ardi.

Nunca mais a vi. À noite, abri o caderno de capa cerzida e passei a viver assim, embasbacado, até descobrir o sentido das coisas que avistara. Ela teria feito um apanhado de minhas histórias, como incentivo a prosseguir no desvendar incessante da imaginação. Um dia, seria talvez um aprendiz de um daqueles escritores consagrados. Mais tarde, porém percebi que aquelas narrativas não eram minhas, a não ser a semelhança pela ingenuidade e a descoberta prenhe da vida. Eram histórias de há muito tempo atrás, talvez de seis ou sete décadas, quando ela era tão criança quanto eu e assim, iniciara também seus contos num caderno, hoje cerzido de linha azul, para preservar o sonho. E talvez, a lucidez.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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