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sábado, novembro 19, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 21

Nosso folhetim dramático e exagerado é publicado às terças-feiras e aos sábados. A seguir mais um capítulo, agora nos capítulos finais, no qual os desfechos aos poucos vão acontecendo. Boa diversão!

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/chá-preto-e-branco-bule-de-chá-1001654/

Capítulo 21

Santa desliga o celular e se surpreende com a visita de Letícia. A filha dificilmente apareceria, a menos que fosse chamada para algum encontro de família, como no caso das reuniões que aconteceram há pouco. De todo modo, estava feliz com a presença da filha, embora a achasse um pouco estranha. Leticia tomava chá ao seu lado, na varanda que desembocava num jardim enorme, do qual se avistava algumas montanhas. O por do sol ficava muito bonito, naquela região.

Santa observa a filha com carinho e mostra-se afável. Percebe, no entanto um certo desconforto, que não caracteriza a personalidade de Letícia, afinal sempre categórica e arrogante.

– Fico muito contente que você tenha vindo, Letícia. Anda sempre tão ocupada com o seu serviço, não consegue encontrar um tempo para nada a não ser o seu escritório e o tribunal.

– Não é tanto assim, mamãe. Na verdade, ando um pouco preocupada, com vocês dois: Você e papai.

– Seu pai está bem. Não se queixou mais de nada.

– Mas e você, com aquela história de dividir o patrimônio, de manter aquelas condições absurdas. Estas coisas ainda estão em pé?

– Claro, Letícia. Foi uma missão que recebi de Nossa Senhora e não posso me furtar a obedecê-la. Ela quer o bem das pessoas, a união da família.

– Mamãe, não acha que está exagerando?

– Nós já conversamos sobre isso, Letícia. Tivemos uma reunião para discutir. Para mim, é assunto encerrado.

– Mas Linda me disse que a senhora não anda nada bem.

– Como assim?

– A senhora anda nervosa, esquecendo de coisas importantes, parece que anda alheia a tudo que acontece em casa.

– Esta Linda está me saindo pior do que a encomenda. Mas você acredita nela ou em mim, Letícia?

– Em você, mamãe, é claro. Mas ao mesmo tempo, acho tudo um absurdo. A senhora acha que porque uma bússola emperrou virada não sei pra onde, e a partir de tudo isso, resolveu mandar nas nossas vidas, nós temos que fazer o que quer?

– Minha filha, eu fui bem clara. Contei-lhe sobre o que aconteceu, falei sobre a ilha isolada com a qual eu terei que participar de sua vida, de sua gente, de me transformar numa parceira e utilizar a parte de meu patrimônio para ajudar aquela gente. E se for o caso, ir embora desta casa para sempre.

– Como pode pensar neste absurdo! A senhora parece não estar bem da cabeça!

– É o que querem imputar em mim, uma loucura, não é isso?

– Eu não disse isso, mamãe.

– O que importa, agora? Você não acha que é muito fácil fazer o que eu peço, o que a Virgem me ditou? No seu caso, seria o privilégio da maternidade, terem um filho e se tornarem mais religiosos. O que isto tem de mal, meu Deus?

– Tem que ninguém pode dispor da vida das pessoas assim, de uma hora para outra.

– Mas eu dei um tempo, seis meses. É só ter um pouco de paciência e boa vontade.

– Acha que isso é honesto, mamãe? Dividir a nossa fortuna, o nosso patrimônio em prol de uma causa que nem sabemos muito bem do que se trata. Essa gente dessa ilha, acha que poderá fazer alguma coisa por eles?

– O bispo Martim vai me ajudar.

– O bispo Martim é um canalha. Teve até um caso com a mãe de meu pai.

– Foram coisas do passado e uma das condições, você sabe, era ele contar para a família e se redimir.

– São todos uns hipócritas!Basta abrir o jogo, se confessarem uns aos outros e tudo fica muito bem. O Ricardo andava me traindo, era isso que ficou bem claro na reunião e eu tenho que aturar! Mas ele se alinha com o que penso, ou cai fora.

– E você, o que pretende fazer Letícia?

– Eu vim aqui pedir-lhe que desista desta loucura, mamãe.

– Não posso, minha filha. E saiba, que estou tendo oposição em muitos setores desta casa. Muita gente está contra mim.

– É claro, imagine Tavinho querer levar uma vida regrada, mudar de curso ou coisa parecida. E o próprio Alfredo, acha que ele vai casar algum dia? Ponha na sua cabeça de uma vez por todas, Alfredo é gay, ele jamais casaria com uma mulher, está me entendendo? A senhora não pode obrigá-lo a isso!

– Por que não? Por que não satisfazer a Virgem?

– Porque é desumano, mamãe!

– Então me diga, a reunião que esteve com seu pai não foi desumana? Por que não me convidaram? E Linda, naquela desfaçatez, você acha que ela não está contra mim e em conluio com o seu pai? Sabe o que eles querem que aconteça, que eu seja dada como louca e fiquem com toda a fortuna. Todos vocês!

– Mamãe, a senhora está sendo injusta. Meu pai está preocupado com a senhora. É verdade que a senhora tem proporcionado dúvidas, porque as coisas que diz, que pensa não apropriadas, pense bem.

– São de uma pessoa louca, é isso.

– Não foi isso que quis dizer.

– Mas foi o que pensou, porque é mais fácil acreditar que eu seja louca, do que ter fé, acreditar que eu vi a Virgem se materializar aqui, na minha casa e apontar a bússola para aquela região, aquele povo. Ela só quer o bem de todos e a verdade.Bastam que aceitem se confessarem e mudar de vida, só isso.

– Só uma coisa eu não entendo nesta história toda.

– A que você se refere.

–À presença de Linda, que a senhora tanto insistiu para que ela participasse da reunião. Agora diz que ela está em conluio com o meu pai. Por que a presença dessa mulher era tão importante na nossa reunião? Já bastava o chato do bispo Martim, ainda tinha Linda. Por que mamãe?

– Seu pai não explicou para vocês? Não, ele não teve coragem, é claro. Decidiu ir por outro caminho mais fácil, insinuando que eu havia enlouquecido.

– Então me fale, me diga a verdade. Eu quero estar ao seu lado, eu quero ouvi-la.

– Temos um jardineiro nesta casa, que foi trazido por Linda para trabalhar aqui. Até poucos dias atrás, morava com ela, naquela casa dos fundos, mas agora se mudou para uma antiga casa onde morava antigamente, antes de ser preso.

– O que? Tem um presidiário que trabalha aqui?

– Na verdade, ele está em licença condicional, pois já tem direito, ficou preso durante cinco anos e teve bom comportamento.

– Mas isto é uma verdadeira catástrofe, um ex-presidiário trabalhando nesta casa.

– Pois bem, ele é sobrinho de Linda. Informe-se mais sobre ela, converse com ele, convide seus irmãos a fazê-lo, de repente descobrem mais coisas do que eu. Mas olhe, ele apesar de tudo, é um bom rapaz, eu até o contratei para ajudar-me.

– Ajudá-la? Um bandido!

– Fernando não é um bandido, Letícia. Ele é um homem que teve alguns percalços, andou com maus elementos, mas quer se redimir. Ela vai ajudar-me a descobrir tudo o que estão tramando sobre mim. Se você não acredita, procure informar-se. Fale com Tavinho, quem sabe, ele tem outras ideias.

Letícia fica calada. Talvez sua mãe esteja inventando toda aquela história e sua insanidade esteja aumentando a cada dia. Mas ainda havia alguma coisa dúbia nisso tudo, a presença de Linda na reunião, a qual ela não informara o motivo.

– E quanto à presença de Linda, você ainda não esclareceu.

– Pois bem, já que seu pai não lhe disse, nem aos seus irmãos, eu vou contar-lhe agora. Isso fazia parte de uma das condições e Linda, que fora minha empregada e amiga por tanto tempo, tinha que desabafar, redimir-se também do erro e contar a todos a verdade. Também seu pai seria desmascarado e a verdade seria completa, para ambos os lados.

– Não estou entendendo nada.

– Linda teve um filho com seu pai.

– O que? Só faltava essa! Meu pai, com aquela mulher? Não pode ser mamãe, não pode ser!

– E eu fico me perguntando, se os dois não querem ficar juntos e por isso a solução seria me porem a escanteio. Você não pensa assim, Letícia?

– Eu não sei o que pensar, mamãe, agora não sei de nada. Tenho vontade de encontrar aquela mulher e quebrar as fuças dela!

– Não, na verdade precisamos examinar todos os lados. Saber se ela está unida a Sandoval, ou se está planejando sozinha ou se ele tem os seus próprios planos. Mas desconfio de que um está contra o outro, embora fingindo que possuem o mesmo objetivo.

– E você descobriu alguma coisa?

– Descobri. No dia da reunião de vocês, eu pedi a Linda que gravasse toda a discussão atrás da cortina, mas ela disse que não havia conseguido, que tinha se enganado ou coisa parecida. Mas eu descobri que havia gravado tudo.

– E como, a senhora pegou o celular dela?

– Não, ela enviou a gravação por mensagem para uma amiga, uma mulher que a acompanha na igreja, sempre que vai ao rosário. Eu a procurei e pedi o celular, o qual entregaria mais tarde. É uma senhora simples, que não entende muito da coisa. Foi fácil conseguir.

– Mas como soube que estava com ela?

– No dia da reunião, fui à igeja, lembra? Sentei-me ao lado dessa senhora, chama-se Lúcia e percebi que ela recebia uma mensagem intermitente. Ela não entendia nada, eu então tentei ajudá-la. Era a gravação na íntegra de Linda.

– E ela, o que fez?

– Nada, deu-me o celular para que eu passasse a gravação para o meu. Entreguei-a depois, dizendo que não era nada demais. Apenas uma mensagem de Linda.

– E Linda, não descobriu nada?

– Acredito que não. Esta senhora é muito atrapalhada nestas tecnologias, com certeza nem tocou no assunto. Entregou a gravação para Linda e ficou nisso mesmo.

– Então, o que faremos mamãe, eu estou apavorada com tudo isso.

– Eu dei a sugestão de vocês procurarem este rapaz, ele sabe muito mais do que parece. Não vá sozinha, convença o Tavinho, que é muito mais atilado para estas coisas.

– E sua situação com papai, como está?

– Distante, cada vez pior. Nós quase não nos vemos, ele passa o dia fora. Acho que além da empresa, ele vai para as rodadas de jogos. Mas tudo bem, as minhas condições foram dadas e não voltarei atrás. Agora me diga, Letícia, você acredita em sua mãe? Acha ainda que sou uma maluca, uma alucinada?

– Não sei de nada, mamãe, não quero me precipitar, mas tenha certeza de que o que me disse, me balançou bastante. Vou falar com Tavinho sim, quem sabe, a gente descobre mais coisas sobre esta mulher e a põe no olho da rua!

Neste momento, Linda bate à porta, perguntando se precisam de mais chá. Letícia a olha com frieza. Ela continua, sorridente.

– Fico tão feliz que minha amiga não esteja sozinha. Ela anda tão solitária, ultimamente.

– Linda, limite-se a servir o chá. Deixe que eu cuide da solidão de mamãe.

– Eu pensei que poderia ajudá-la, Dona Santa tem tido umas crises bem difíceis.

– De que está falando, Linda? – pergunta Santa, intrigada.

–Não me leve a mal, Dona Santa, mas é que nós já conversamos sobre isso, lembra?

– Não, não lembro de nada.

– É verdade, aí é que está o problema.

– Linda, não tenho paciência para papo fora de hora. Quero conversar com minha mãe, por favor, se você nos der licença.

Linda retira-se, piscando o olha para Santa, com certa cumplicidade. Santa suspira, desolada.

sábado, outubro 22, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 13

No capítulo décimo segundo, a família acabou concordando com a proposta de Sandoval de considerar Santa como incapaz, para que ela não conseguisse mexer no patrimônio. No entanto, Sandoval jamais poderia imaginar que Linda gravara toda a conversa e que faria chantagem, a ponto de também impor as suas condições. É o que veremos no capítulo a seguir de nosso folhetim dramático. Boa leitura!

Capítulo 13

Linda olha em torno, como se aqueles móveis que há tanto tempo convivera, também fossem seus, de direito. Por fim, responde a pergunta de Sandoval com muita segurança.

— Quero que me considere da família, afinal temos um filho juntos. Faço questão que o assuma e repasse a parte da fortuna que lhe cabe de direito. E depois que dona Santa estiver fora do páreo, eu pretendo tomar conta da casa. Nada mais junsto, não acha? E depois, quem sabe um dia não casamos oficialmente?

— Você é mesmo uma desvairada! Eu jamais cometeria uma sandice destas! Fique sabendo de uma coisa, Linda eu posso chamar qualquer empregado e ele arranca este celular

de suas mãos e a mando embora desta casa para sempre.

— Se eu fosse o senhor, não faria isso. Em primeiro lugar, porque já enviei a mensagem gravada para outro celular e em segundo, se o senhor olhar pela janela, vai ver um belo rapaz caminhando pelo jardim. É meu filho, ou melhor, o nosso filho e ele sabe de tudo que está acontecendo aqui.

— Sua desgraçada, você quer acabar comigo. Quer destruir a nossa família. Mas fique sabendo que não conseguirá levar este plano maluco adiante, não pense que uma simples ameaça destas vai me convencer!

Linda fica calada. Dá alguns passos até a janela e olha por um instante para fora. Em seguida, volta-se para ele e pergunta em tom de ameaça:

— Então o que o senhor pretende fazer? Quer que eu conte à Dona Santa tudo o que está acontecendo? Quer que eu lhe diga o que a família está planejando contra ela?

— E como você foi parar aí, sua infeliz, eu não acredito que esta ideia tenha sido sua!

Linda ri, irônica.

— Para o senhor ver o grau de confiança que dona Santa tem no senhor, foi ela quem pediu para que eu me escondesse e lhe contasse tudo o que estava sendo decidido na reunião. Acho que ela foi mais esperta que o senhor.

— Eu não preciso das suas opiniões. O que aquela idiota estaria planejando? Só podia juntar-se com uma gente como você! E está traindo-a, veja, que bela amiga ela arranjou!

— Ela também arranjou um marido que a traiu e pior do que isso, está traindo-a pelas costas convencendo a família de que é uma louca. Nós somos iguais, Sandoval, nós lutamos pelas mesmas coisas, com as mesmas armas!

Sandoval, de repente, tem um acesso de tosse, que o deixa quase engasgado. Os olhos enchem-se de lágrimas e ele vai até a janela. Lá avista o rapaz que senta-se num dos bancos. Volta-se, muito vermelho. O coração aos pulos. Um ódio que o assola, mas que precisa controlar, para contornar o problema. Acha que deve fazer uma trégua, quem sabe, um pacto.

— Pois muito bem, digamos que eu aceite as condições insanas que você está me propondo, você acha que a minha família acreditaria que eu chegaria ao ponto de me sujeitar à chantagem de uma simples empregada?

— O senhor foi bem convincente com eles. Então use o seu grau de convencimento para que entendam que eu não estou brincanco. Agora, depende do senhor, não de mim. Eu proponho que dona Santa vá parar no hospital psiquiátrico. É a única maneira de resolvermos esta situação. O resto se acomoda, com o passar do tempo!

— Você hem, tao prestativa, tao religiosa, acompanhando a minha mulher na igreja, ajudando-a, você a odeia, isso sim! Você quer acabar com a vida dela, quer destruí-la!

— Sim, eu a odeio com todas as forças do meu coração. Ela me humilhou durante todos estes anos! Ela me transformou numa figura apagada, alienada da vida, somente esperando o momento certo da minha vingança! O senhor não sabe quanto eu esperei por esta oportunidade, por este momento!

— Ela era boa pra você, sua ingrata!

— Era conveniente apenas. Eu era a sombra que a acompanhava, eu era sempre a pessoa que estava ao seu lado, em todos os momentos, bastava um chamado para que eu corresse para o seu lado. Era a empregada disponível, 24 horas por dias, quase uma escrava. Na verdade, dona Santa nunca foi minha amiga, ela não suportava a ideia de eu ter um filho com o marido dela. E o que ela fez? Lidou com a situação com dignidade? Me correu de casa? Não, ela abafou a história, para manter as aparência da família aristocrática e extremamente religiosa. Ela me transformou na criada intima, para que o segredo ficasse só entre nós. Ela nunca pensou na vida que o meu filho levava longe de mim, nunca teve piedade pelas minhas noites de desespero quando ele estava doente e eu não podia encontrá-lo, enquanto os filhos dela estavan fortes e sadios ao seu lado! Eu odiava dona Santa, ah como a odeio! Ela me roubou o melhor de minha vida, a convivência com o meu filho.

— Você só quer vingança.

— Não, quero muito mais, quero a minha vida de volta, e somente o senhor pode conseguir isso.

— Mas você não acha que é um objetivo inglório? Acha que é possível enlouquecer uma pessoa? E depois, não acha desumano demais, Linda? Eu não acredito que vivendo tanto tempo ao lado de Santa, você tenha esta coragem! É muito cruel!

— Mas não é o que a família decidiu?

— Não, não é verdade. Nós apenas queremos que ela seja considerada incapaz para tomar decisões quanto ao patrimônio, decisões financeiras. Você quer enlouquecê-la realmente. Você quer inclusive que ela seja hospitalizada numa clínica.

— Mas não é o mais correto? Por que perder tempo, se a coisa pode andar mais depressa? Eu sou considerada sua amiga, ela jamais vai perceber, se eu ministrar medicamentos e o senhor sabe muito bem como consegui-los, além disso, podemos fazer com sofra ameaças, a ponto de não suportar mais!

— Você pensou em tudo, Linda. Você é muito cruel.

— Será melhor para todos. Pense bem – neste momento, Linda passeia pela biblioteca muito segura, como se tivesse as cordinhas nas mãos, para manipulá-lo – a sua filha esquecerá para sempre as sacanagens do marido, afinal, a situação da mãe é mais importante. Porá uma pedra no passado. O Tavinho vai continuar na dele, malandrão, como de hábito. O Alfredo vai viver a vida que sempre quis, já que contou que é viado, com certeza agora vai sair do armário de uma vez!

— Cale a boca, sua vagabunda!

— É melhor se acalmar, Sandoval, não vou mais chamá-lo de senhor, a partir de agora, só na frente da família. É melhor se acalmar, porque está nas minhas mãos.

Sandoval vai até a prateleira, arrasta um livro e retira uma garrafa de bebida. Serve-se no copo que está sobre a mesa e senta-se, desolado. Tenta acalmar-se.

— Meus filhos nunca admitirão essa situação, você sabe, Letícia é uma promotora, uma mulher das leis, inteligente, esperta, não engolirá essa loucura! Sem dúvida, eles entrarão na justiça contra você.

— Se o senhor oficializar a paternidade de meu filho, nada poderão fazer.

Sandoval cala-se aterrado. Nunca imaginara que pudesse ouvir tantas elucubrações de uma mente tão deturpada como a de Linda. Ela só pode ter enlouquecido, pensa.

Afinal, depois de tanto tempo, trazer essa história à baila, fazer chantagem e imaginar este plano mirabolante para livrar-se de Santa, chegava a ser imoral.

Alguém estaria por detrás de tudo isso, certamente Linda não planejara tudo sozinha. Ele precisava descobrir.

Tenta pensar numa saída, mas não vê nada ao seu alcance. Por fim, um pensamento lhe vem à mente, uma ideia que pode ser a sua salvação, a salvação da família.

Aproxima-se da janela e espia ao longe. O rapaz, agora, caminha pelo jardim, de braços cruzados.

Sandoval fecha lentamente a persiana e vai para atrás da escrivaninha, pensativo. Santa o observa intrigada.

Ele senta-se, abre a gaveta da escrivaninha e retira um talão de cheques.

— Linda, eu sei que você deseja muito mais do que isso, mas eu posso lhe adiantar alguma coisa para você me dar um tempo. Você sabe, eu não posso convencer a família de uma hora para outra, eu não posso fazer o que você me pede em relação a este rapaz. Pelo menos, por enquanto. – mostra-se que está convencido e que fará o que ela deseja – até mesmo essa possibilidade de enlouquecer Santa, não é de uma hora para outra, você sabe disso.

— E o que você propõe?

— Um tempo, seis meses por exemplo, para eu poder colocar tudo em dia. Precisarei esquecer a história da incapacidade dela por um tempo, também, terei que me conformar… bem, você sabe, vou ter que agir de outro jeito.

— Seis meses é muita coisa. Três meses, eu lhe dou três meses.

— E você acha que vamos conseguir … sabe, deixar Santa doente, como você quer?

— Como nós queremos. Como a família quer, não se esqueça.

— Não é bem assim, é diferente, mas … que seja. Você acha que teremos tempo?

— Deixe comigo, eu sei o que faço. Mas antes de tudo, já que me ofereceu dinheiro, quero o suficiente para comprar uma casa para o meu filho.

— Está bem, é justo, é justo.

— Um milhão. É o mínimo para comprar uma casa modesta.

— Você está louca? Acha que vou dispor de uma quantia assim de uma hora para outra?

— Sandoval, vamos ser bem honestos. O nosso pacto começa agora. É pegar ou largar. Se pegar, siga as minhas regras. Só isso.

Sandoval abaixa a cabeça sobre a escrivaninha, num suspiro. Neste momento, alguém bate à porta.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/smartphone-mão-telefone-mobile-1445490/acessado em 22/10/16.

terça-feira, outubro 18, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 12

No décimo primeiro capítulo Sandoval presidiu a reunião da família, na qual a matriarca Santa não estava presente, muito menos o convidado bispo Martim e Linda, a empregada que Santa fazia questão da presença. Neste encontro, Sandoval conseguiu finalmente convencer os filhos que a mulher estava muito doente, na verdade uma doença mental que a levava a ter visões como a da Virgem e por conseguinte as mensagens que elaborara com a intenção de mudar o comportamento de todos. Para não perder a forturna, a considerariam incapaz de administrar os bens ou decidir qualquer coisa ligada a testamentos. Não sabiam porém, que Linda gravara toda a conversa em seu celular, escondida atrás de uma cortina. A seguir o desenrolar do nosso folhetim dramático, nesta terça-feira, 18/10/16. Todas as terças e sábados, são publicados os capítulos da história “A fotografia da vida de Santa”. Boa diversão.

Capítulo 12

Todos conversam em tom acalorado, após terem tomado a difícil decisão.

Em seguida, porém, a energia adquirida foi se dissipando e seus gestos fragmentados revelavam que seus corações estavam instáveis e confusos.

Aos poucos os filhos e o genro se despediram de Sandoval, deixando-o sozinho na biblioteca.

Sandoval não levantou-se da poltrona, imaginando-os afastarem-se jardim à fora, na ânsia de pegarem os seus carros e correrem para as suas vidas particulares, provavelmente esquecidos rapidamente de tudo que acontecera ali. Afinal, o que importava eram as finanças, os seus bons empregos e o patrimônio que não podiam perder.

Suspirou fundo e sorriu animado. Agora não tinha mais porque se preocupar.

De repente, ouve um barulho e volta-se assustado. Não há ninguém, a não ser ele, na biblioteca. Será que algum dos filhos teria esquecido alguma coisa? Ou Santa havia voltado da igreja?

Levantou-se e passeou pela biblioteca, dando uma olhada para os jardins.

Quando voltou para o lado oposto da janela, surpreendeu-se com a visão de Linda que surgia por entre as cortinas, encarando-o com extrema segurança.

Não disse nada, apenas o observa, enquanto guardava um objeto na bolsa.

— O que significa isso, Linda? O que está fazendo aqui? – Fez uma pausa e concluiu, desolado – Meu Deus, você estava atrás das cortinas! Estava aqui o tempo inteiro!

— Estava sim, Seu Sandoval.

— Mas por quê? Quem lhe mandou ficar ai, sua desgraçada?!

— Talvez eu tenha mais motivos do que o senhor pensa para ficar aqui.

— Ora não seja ridícula, sua empregada de quinta categoria! Vocês está me desrespeitando, isso sim!

— É o que o senhor pensa, né? Eu fui desrespeitada toda a minha vida e agora o senhor se sente assim, que bom!

— O que você quer vivente? Me aborrecer ainda mais!?

— Eu também tenho meus planos, inclusive uma proposta a lhe fazer.

— Quem é você para me fazer propostas, sua infeliz? Saia imediatamente daqui. Hoje mesmo, você será despedida! Vou conversar com Santa e mandá-la para o olho da rua!

— Isso é o que o senhor pensa. Eu não vou sair daqui, até que o senhor ouça o que eu tenho para dizer. E não vou sair desta casa, não.

— É? E por que tem tanta certeza, sua idiota?

— Porque o senhor vai ter que escolher: Ou ouve a minha proposta, ou dona Santa saberá tudo que está acontecendo nesta casa!

Sandoval dá uma risada irônica:

— E você vai lhe contar? Ora, não seja idiota, Santa jamais acreditaria numa criada como você. Saiba que Santa é carola, boazinha para os miseráveis, mas é uma mulher aristocrata, uma mulher que sabe que está numa classe superior! Pensa que é muito esperta, sua imbecil!

— Talvez não seja tão esperta a ponto de contar a todos que nós temos um filho, um filho meu e seu, esqueceu, seu Sandoval?

— Não me chame assim, me respeite, e vá, vá embora daqui. Não quero ouvir a sua voz, não tenho nada a falar com você.

— Mas eu tenho, como lhe disse, tenho uma proposta e acho bom o senhor me ouvir!

— Está me ameaçando?

— Estou sim, porque tenho comigo a gravação de tudo que se passou nesta biblioteca. E vou correndo mostrá-la a dona Santa, ao menos que o senhor ouça o que eu tenho a lhe propor.

— Eu não acredito, eu não acredito que isto está acontecendo na minha casa!

Ele aproxima-se um pouco, e Linda o avisa a parar, porque a gravação do celular já foi enviada para outro número. Neste caso, mesmo que ele a apague, ela já tem uma cópia.
Sandoval fica desesperado.

— Você está louca, Linda. Completamente louca! Pensa que vai ter alguma vantagem em me fazer chantagens? Você não sabe que está num nível inferior, numa classe baixa, muito distante da de nossa família? Você não é nada e mesmo que tenha alguma prova contra mim, nenhum juiz a aceitará. Pense bem.

Linda, no entanto, não parece ouvi-lo. Está muito calma e ciente de seus objetivos.

— Muitas coisas estão acontecendo, que o senhor não sabe. Esta noite um cara entrou no jardim, pulou a área e entrou na copa, deixando propositadamente um cartão com a mensagem de Dona Santa. Ela já anda bem apavorada. Quem sabe a loucura se concretiza?

— O quer dizer com isso?

— O senhor não disse que ela está ficando louca? Pois bem, os seus argumentos são bastante fracos. Mas hoje, ela se mostrou bem assustada. Eu até poderia dizer que havia um traço de loucura na sua fisionomia.

Faz-se um silêncio. Sandoval pensa por um minuto. Encara Linda com raiva, mas entende que ela sabe de alguma coisa sobre Linda.

— Quem era este cara? O que ele queria? Você sabe?

— Calma, seu Sandoval, talvez não soubesse de nada. Talvez fosse apenas uma armação para assustar a pobre coitada.

— Então quer dizer… Linda, você planejou isso?

— Digamos que eu planejei. Agora o senhor já sabe do que sou capaz. Quer ouvir a minha proposta?

Sandoval está transtornado. Seu olhar é de fúria e de espanto. Nunca imaginaria que Linda fosse capaz de elaborar uma história tão maquiavélica.

Ela, no entanto, parece segura, ao ponto de enfrentá-lo, no aguardo paciente de quem conhece os seus limites. Olha-o impassível, com o trunfo nas mãos.

Sandoval a ouve com a argúcia, não convencido ainda de suas artimanhas.

Ele que poderá reverter a situação, afinal, Linda não é nenhuma expert em alinhavar planos mirabolantes. Aí está o seu ponto fraco, não tem dúvidas.

— Você contratou um homem para assaltar a casa, jogar a mensagem de Linda que era dirigida ao bispo Martim e fugir, para deixá-la apavorada, como se a pessoa pretendesse se vingar.

— Mais ou menos isso.

— Em quem era esse homem?

— Meu sobrinho, o senhor conhece, ele já trabalhou aqui, como jardineiro. Conhece a casa como a palma da mão.

— Gentalha! – Respira fundo, com raiva, mas continua – Me diga, quer dizer que este homem que você contratou, este seu sobrinho, como você disse, tinha a incumbência de enlouquecer Santa, de deixá-la transtornada, para que eu aceite tudo o que você planejou.

— Exatamente e quando ela estiver fora do páreo, eu serei a dona desta casa.

Sandoval dá uma gargalhada forçada, com a intenção de menosprezá-la, ao mesmo tempo para deixar claro que é uma hipótese impossível. Linda prossegue, animada:

— É a minha chace de ser a dona desta casa. O senhor nem precisa viver aqui, comigo, basta que me deixe reinar sozinha e absoluta.

— Com que você aprendeu este palavreado? Com a própria mulher que você quer enlouquecer, tirar do seu caminho?

— Dona Santa me ensinou muito, é verdade, mas nunca me apoiou quando soube que estava grávida, obrigou-me a levar o meu filho para bem longe de mim, preocupou-se apenas com o bom nome da família, com as aparências do seu casamento. Sabe, seu Sandoval, eu acho que chegou a minha vez.

—  E você acha que vai ser assim tão fácil? Que vou deixar que tome conta do meu patrimônio, que se torne a dona da casa? Era só o que faltava, meu Deus! Eu querendo livrar-me da loucura de Santa e vem essa vadia querer a mesma coisa! Ora vá se enxergar, Linda!

— Acho que é o mínimo que pode fazer pelo tempo todo em que me dediquei a esta casa.

— Mas você não entendeu, sua louca? Santa está viva! Você quer matá-la também?

— Vocês querem enlouquecê-la, eu só queria ajudar. Basta que façam o que combinaram, afinal, o que a família combinou, não apenas o que uma simples empregada deseja. Todos estavam de acordo em acabar com o reinado da mamãe!

— Não fale desse jeito sua megera!Você é muito dissimulada, mesmo!

— Eu? Dissimulada? É que o senhor não olhou para si próprio, não observou bem os seus queridos filhos, mas se quiser, eu tenho tudo gravado e posso lhe refrescar a memória. Eu, de minha parte, só estou querendo o meu quinhão! Quero o que de fato me pertence!

— E o que você realmente quer, sua demente?

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/casa-construção-in%C3%ADcio-arquitetura-540796/FrankWinkler

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