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terça-feira, dezembro 06, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 25

Capítulo 25

Depois da conversa que tiveram, Santa convencera Sandoval a contratar um advogado para defender os filhos. Estava apavorada com o que poderia acontecer. Se eles estiveram lá e a polícia já tinha alguns dados, como as placas dos carros, então poderiam ser suspeitos.

Mas o pior estava por vir, Alfredo fora considerado suspeito, porque além da prova material de que estivera na cena do crime, embora não houvesse provas digitais e ele não tivesse negado de ter ido até a casa de Fernando, havia porém a prova física que era a lente de contato que puderam constatar ser realmente sua.

Além disso, havia o celular, e as várias conversas com Fernando. O delegado queria saber qual era o motivo das conversas. Depois de muitos interrogatórios, ele acabou sendo preso.

Alfredo parece afastar-se de tudo que o cerca. Por um momento, lembra dos passeios que fazia com as crianças, quando pequeno, nos dias de pequenique. Lembrava da mãe e aquele sentimento de melancolia o seguia pela vida afora. Seus olhos pairam no desconhecido, lembrando o acontecimento, sem perceber que o observam.

Quando o dia deu sinais de mudanças no clima, as crianças já estavam a bordo do pequeno ônibus que as levava para casa. Todas se divertiam e procuravam imaginar as coisas mais estapafúrdias para entreterem uma as outras, ou a si mesmas.

Uma delas, porém parecia distante; olhar perdido nas montanhas que rodeavam a estrada, pensamentos instigantes sobre si ou sobre a família. A família praticamente se reduzia à mãe.

Via-a caminhando pela casa, atravessando quartos, espiando janelas, esfregando as mãos. Nervosa.

Por certo o esperava, ansiosa, no umbral da porta.

Alfredo ouvia seu coração taciturno bater forte, perguntando-se por que sofria, porque não vivia o mesmo dia alegre e descomprometido dos demais. Ele era desse jeito. Não tinha como fugir.

Enquanto os demais se divertiam, ele sofria como se houvesse uma culpa interna, por ter deixado a mãe esperando-o, sozinha, enquanto se divertia com os demais.

Na verdade, a diversão era interrompida, pelo seu pensamento melancólico.

E seu passado parecia ser uma escalada de momentos sombrios, como o único prazer que tivera ao lado de outra pessoa, quando ainda adolescente, tentara viver o que a vida lhe oferecia.

Um lado impróprio para as pessoas, para a família e principalmente para a mãe, que abortava qualquer sentimento, que significasse uma inversão de valores, segundo o que pensava. Também lhe vinham à mente, aquelas imagens.

A carta que enviara ao amigo, o desejo de vê-lo e de livrar-se de sua companhia para sempre, como se devesse afastar de sua vida um prazer que não devia existir.

“Quem sabe me deixasses aqui, entre estas paredes vazias, tao brancas, descoloridas, que parecem um simbolo do infinito, um infinito descorado e triste. Alguma coisa como bruma de Londres evocada nos filmes antigos, aqueles em que costumávamos ver, em preto e branco. Pareces disposto a a apagar cada gesto, cada registro, cada vestígio dos momentos juntos. Não me procuras e sei o motivo. Por certo o vão que ficou entre nossos sentimentos já foram abarrotados de outras imagens da digital em que sinalizas com teu dedo fino. Quisera estar ai, contigo, mas estou só. Nada a fazer, a não ser procurar o pouco de ar que vem da rua. Uma rua funesta, cheia de gases e sombras antigas. Mas te espero e não vai demorar muito que este esperar também se apaga. Também morre aos poucos, como o desejo de te ver.”.

Assim absorto, assim triste, fora chamado a atenção pelo advogado.

– Desculpe senhor Alfredo, mas precisamos refletir sobre o que aconteceu. Parece que o senhor está muito distante.

– É verdade. A vida tem me pregado peças terríveis, dr. Tavares.

– Mas tudo pode ser resolvido. A solução é nos focarmos no problema de frente. O senhor tem que se conscientizar de que precisa me contar tudo.

– Mas eu não tenho o que dizer.

– Desculpe, sr. Alfredo, mas acho que há muito o que dizer e precisa confiar em mim. O senhor poderia começar com as conversas no celular que tivera com o morto.

– Mas ali, não há nada demais. Apenas alguns contatos.

– Há uma coisa que o senhor não sabe, mas que está nas maos da polícia. Certamente, eles irão chamá-lo novamente para explicar-se.

– Como assim? Que gravação?

– Eu ainda não tive acesso, mas logo terei. Mas me parece grave. O tal Fernando parece que queria se garantir contra uma presumível prisão, sei lá, já que ele estava na condicional.

– E o que ele dissera nesta gravação.

– Não sabemos, mas o delegado afirmou que se trata de algo grave que lhe diz respeito. Parece um plano que vocês teriam e ele fez este depoimento para livrar-se da culpa sozinho. Só não sei ainda do que se trata, por isso, o senhor deve me esclarecer tudo, para que possa ajudá-lo.

Alfredo empalidece, lembrando do plano para sequestrar o pai. Fica em silêncio, sem saber se deve confiar no advogado. Está cada vez mais enrolado.

– Então, senhor Alfredo, o que tem a dizer sobre isso?

segunda-feira, novembro 21, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 22

Capítulo 22

Aquela noite, Fernando não conseguira dormir. O plano de Alfredo era coisa de amador. Afinal, sequestrar o pai para que tivesse tempo de provar que a mãe era uma mulher lúcida e capaz de decidir sobre o seu patrimônio, era uma coisa absurda, a não ser que ele tivesse outros planos na cabeça. Talvez ele quisesse se livrar do velho para sempre. E se tudo desse errado? O Sr. Sandoval anda sempre acompanhado de seguranças, além de ser um homem esperto. Talvez o próprio Alfredo tenha uma maneira de deixá-lo sozinho para que ele o capturasse. E depois? O que aconteceria depois? Ele teria de sumir do país e como faria, sendo um homem em liberdade condicional.

Não podia fazer aquilo, era muito perigoso e se descobrissem ele não teria chances de se defender. Procuraria Alfredo e diria isso a ele. Procurou o número no celular e ligou para Alfredo pedindo que viesse procurá-lo. Teria que resolver esse problema ainda esta noite, não poderia continuar com aquela preocupação.

De repente, Fernando ouve um ruído, como se houvesse alguém na casa. Apaga a luz do quarto, ficando apenas com uma pequena luminosidade do celular. Desliga-o por fim e fica na penumbra, ouvindo passos que se aproximam. Procura rapidamente a arma sob o travesseiro, engatilha-a e fica à espreita. Pergunta quem está ali, mas não obtém resposta.

Afasta-se para um canto do quarto e se esconde próximo ao guarda-roupa.

Neste momento, percebe um homem na penumbra do corredor, que passa muito rápido, só iluminado pelas luzes oriundas da janela.

Corre para o outro lado, aproximando-se da porta. Grita com raiva, querendo saber quem está na sua casa e o que pretende.

Nisto, um tiro o atinge no ombro, fazendo-o cambalear, mesmo assim, atira na direção da figura que surgira de súbito na porta. Entretanto, a pessoa parece muito ágil e conhecedora do que está praticando, pois atira mais uma vez, num disparo definitivo. Em seguida, afasta-se na direção do corredor que conduz à porta.

Fernando, por sua vez dá vários disparos, mas sente-se cada vez mais fraco, tombando no chão. Não percebera que um tiro o atingira no peito e desesperado, arrasta-se com as últimas forças que possui para a sala ao lado. Perecebe que agira errado, deixando o celular no quarto e não podendo pedir socorro.

Algum tempo depois, Alfredo chega na casa de Fernando. Observa que a porta da frente está entreaberta e imagina que ele prefere que seja discreto, provavelmente temendo que a vizinhança pense que ele tem alguma relação afetiva com ele. É um idiota, pensa. Será que nos dias atuais, alguém está preocupado com quem chega na casa dos vizinhos, logo ele, um homem discreto e consciente de sua posição na sociedade. Mas como lidar com um matuto como aquele, que embora tenha tido uma educação acadêmica, não havia evoluído em sua mentalidade.

Alfredo empurra a porta devagar e chama por Fernando. Não obtem resposta e fica um pouco assustado. Afinal de contas, ele é um homem que tem muitos inimigos, que matou um colega de trabalho, não é uma pessoa confiável. Talvez não devesse ter se envolvido com ele, mas agora era tarde demais. Já fizera a proposta e não havia como recusar.

Chama mais um vez e decide ligar o interruptor, iluminando o corredor que desemboca na sala e nos quartos.

Dá alguns passos e observa Fernando estirado com a cabeça encostada no pé de uma poltrona.

Apavorado, percebe que um filete de sangue escorre da boca do rapaz e seus olhos estão abertos como se estivesse morto.

Para certificar-se, aproxima-se e abaixando-se ao seu lado, examina a carótida, percebe que é tarde demais. Fernando está morto.

Levanta-se num salto, as pernas tremem e suas mãos parecem não obedecer os gestos, paralisadas.

Encosta-se na parede e fica ali, sem saber o que fazer, quando ouve passos que se aproximam.

Tenta esconder-se, deve ser a pessoa que o matou que voltou para asseverar-se de que o homem estava realmente morto ou pretendia outra coisa.

Para sua surpresa, entretanto, é a voz indignada de Letícia que ouve:

– Alfredo, o que você fez?

Alfredo tenta responder, mas o maxilar parece ajustado de modo a não se mover, tal o bater de dentes como se um frio extremo o atingisse.

Observa que Tavinho também está ao lado da irmã e sem entender o que está acontecendo, reúne todas as forças que possui para defender-se:

– Eu não fiz nada, está louca! Cheguei aqui e o encontrei assim, caído. O cara está muito ferido.

Tavinho se aproxima do corpo e exclama, apavorado:

– Ferido não! Ele está morto, mortinho da silva. Quem foi que o matou?

Alfredo precisa explicar por que está ali, naquele momento, mas apenas se defende, porque na verdade, não tem o que dizer, não sabe o que aconteceu, quem matou Fernando. Como defesa, também os questiona, agora mais seguro, através do poder adrenalina.

– E vou saber? Mas e vocês, o que fazem aqui?

Letícia responde, exasperada:

– Viemos conversar com ele, a pedido de mamãe.

– Mas agora, o que vai acontecer? Este cara foi assassinado há pouco, tenho certeza. Ele me ligou, pediu que eu viesse, pois queria acertar umas coisas, um negócio que estávamos fazendo.

– Um negócio? Desde quando você tem negócios com o jardineiro? A menos, que seus interesses fossem outros. - responde com ironia.

– O que você está imaginando, Letícia? Acha que eu vim aqui para transar com o cara?

Tavinho intervém, muito nervoso:

– Pessoal, vamos parar com esta briga idiota. Precisamos sair daqui, não podemos ficar nem mais um minuto. Não se esqueça Alfredo, as suas digitais estão no morto. A polícia pode pensar que você o matou.

– Nós os três, porque vocês tocaram em portas, maçanetas. – Responde Alfredo, alterado.

Letícia, percebendo a situação de perigo em que se encontra, grita em verdadeiro pânico:

– Tavinho, faça alguma coisa. De uma limpada por aí. Eu não quero me envolver nisso. Sou uma promotora, meu Deus, só faltava essa.

Tavinho concorda e começa a circular pela sala, em redor do morto e dos objetos que presumivelmente foram tocados, usando um lenço de papel.

– Então vamos limpar tudo. Você Alfredo, procure álcool na cozinha, na despensa ou seja onde for e limpe onde você tocou no cara, sei lá, tire as suas digitais.

Alfredo fica em silêncio, pensativo, sem mover-se. Letícia pergunta, indignada:

– Você quer que a polícia chegue, quem sabe algum vizinho já chamou a polícia, vai ficar aí pensando em vez de procurar fazer o que o Tavinho falou?

– E se nos livrássemos do corpo? – pergunta Alfredo.

– Como assim? Se você não tem nada a ver com isso, pra que se livrar do corpo?

– Porque tem as minhas digitais, Letícia, eu o examinei, peguei a arma que ele tem por perto. Pensei que havia se suicidado.

– Você é um idiota, mesmo! E o que você queria com ele?

– O mesmo que vocês. Eu descobri umas coisas relacionadas ao nosso pai.

– E o qual era o seu plano?

Tavinho os interrompe, alarmado:

– Pessoal, vamos limpar os vestígios rapidamente e dar o fora daqui. Esqueceram que quem o matou, pode voltar a qualquer momento?

– É verdade e o desgraçado por estar por aí e se é uma vingança, pode pensar que temos algum envolvimento com ele. – Responde Letícia. Em seguida, observa Alfredo que parece enxugar uma lágrima e acena a cabeça com censura. Acredita que tem razão ao pensar que o irmão tinha algum interesse no jardineiro. Não se contendo, pergunta, irônica:

– Parece que você sentiu muito a morte do coitado. Está aí enxugando as lágrimas.

– Não pense besteiras, Letícia. Não vê que perdiu uma lente, e estou incomodado com isso. Mas não se preocupe, desde que estava no carro, tinha este desconforto nos olhos. Deve ter sido lá.

Ela não responde, mas não acredita em nenhuma de suas palavras.

Em seguida, após fazerem o combinado, os três saem da casa de Alfredo e afastam-se de imediato em direção aos seus carros.

No prédio da frente, a luz de uma janela se apaga e pode-se avistar apenas a chama de um cigarro.

terça-feira, outubro 18, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 12

No décimo primeiro capítulo Sandoval presidiu a reunião da família, na qual a matriarca Santa não estava presente, muito menos o convidado bispo Martim e Linda, a empregada que Santa fazia questão da presença. Neste encontro, Sandoval conseguiu finalmente convencer os filhos que a mulher estava muito doente, na verdade uma doença mental que a levava a ter visões como a da Virgem e por conseguinte as mensagens que elaborara com a intenção de mudar o comportamento de todos. Para não perder a forturna, a considerariam incapaz de administrar os bens ou decidir qualquer coisa ligada a testamentos. Não sabiam porém, que Linda gravara toda a conversa em seu celular, escondida atrás de uma cortina. A seguir o desenrolar do nosso folhetim dramático, nesta terça-feira, 18/10/16. Todas as terças e sábados, são publicados os capítulos da história “A fotografia da vida de Santa”. Boa diversão.

Capítulo 12

Todos conversam em tom acalorado, após terem tomado a difícil decisão.

Em seguida, porém, a energia adquirida foi se dissipando e seus gestos fragmentados revelavam que seus corações estavam instáveis e confusos.

Aos poucos os filhos e o genro se despediram de Sandoval, deixando-o sozinho na biblioteca.

Sandoval não levantou-se da poltrona, imaginando-os afastarem-se jardim à fora, na ânsia de pegarem os seus carros e correrem para as suas vidas particulares, provavelmente esquecidos rapidamente de tudo que acontecera ali. Afinal, o que importava eram as finanças, os seus bons empregos e o patrimônio que não podiam perder.

Suspirou fundo e sorriu animado. Agora não tinha mais porque se preocupar.

De repente, ouve um barulho e volta-se assustado. Não há ninguém, a não ser ele, na biblioteca. Será que algum dos filhos teria esquecido alguma coisa? Ou Santa havia voltado da igreja?

Levantou-se e passeou pela biblioteca, dando uma olhada para os jardins.

Quando voltou para o lado oposto da janela, surpreendeu-se com a visão de Linda que surgia por entre as cortinas, encarando-o com extrema segurança.

Não disse nada, apenas o observa, enquanto guardava um objeto na bolsa.

— O que significa isso, Linda? O que está fazendo aqui? – Fez uma pausa e concluiu, desolado – Meu Deus, você estava atrás das cortinas! Estava aqui o tempo inteiro!

— Estava sim, Seu Sandoval.

— Mas por quê? Quem lhe mandou ficar ai, sua desgraçada?!

— Talvez eu tenha mais motivos do que o senhor pensa para ficar aqui.

— Ora não seja ridícula, sua empregada de quinta categoria! Vocês está me desrespeitando, isso sim!

— É o que o senhor pensa, né? Eu fui desrespeitada toda a minha vida e agora o senhor se sente assim, que bom!

— O que você quer vivente? Me aborrecer ainda mais!?

— Eu também tenho meus planos, inclusive uma proposta a lhe fazer.

— Quem é você para me fazer propostas, sua infeliz? Saia imediatamente daqui. Hoje mesmo, você será despedida! Vou conversar com Santa e mandá-la para o olho da rua!

— Isso é o que o senhor pensa. Eu não vou sair daqui, até que o senhor ouça o que eu tenho para dizer. E não vou sair desta casa, não.

— É? E por que tem tanta certeza, sua idiota?

— Porque o senhor vai ter que escolher: Ou ouve a minha proposta, ou dona Santa saberá tudo que está acontecendo nesta casa!

Sandoval dá uma risada irônica:

— E você vai lhe contar? Ora, não seja idiota, Santa jamais acreditaria numa criada como você. Saiba que Santa é carola, boazinha para os miseráveis, mas é uma mulher aristocrata, uma mulher que sabe que está numa classe superior! Pensa que é muito esperta, sua imbecil!

— Talvez não seja tão esperta a ponto de contar a todos que nós temos um filho, um filho meu e seu, esqueceu, seu Sandoval?

— Não me chame assim, me respeite, e vá, vá embora daqui. Não quero ouvir a sua voz, não tenho nada a falar com você.

— Mas eu tenho, como lhe disse, tenho uma proposta e acho bom o senhor me ouvir!

— Está me ameaçando?

— Estou sim, porque tenho comigo a gravação de tudo que se passou nesta biblioteca. E vou correndo mostrá-la a dona Santa, ao menos que o senhor ouça o que eu tenho a lhe propor.

— Eu não acredito, eu não acredito que isto está acontecendo na minha casa!

Ele aproxima-se um pouco, e Linda o avisa a parar, porque a gravação do celular já foi enviada para outro número. Neste caso, mesmo que ele a apague, ela já tem uma cópia.
Sandoval fica desesperado.

— Você está louca, Linda. Completamente louca! Pensa que vai ter alguma vantagem em me fazer chantagens? Você não sabe que está num nível inferior, numa classe baixa, muito distante da de nossa família? Você não é nada e mesmo que tenha alguma prova contra mim, nenhum juiz a aceitará. Pense bem.

Linda, no entanto, não parece ouvi-lo. Está muito calma e ciente de seus objetivos.

— Muitas coisas estão acontecendo, que o senhor não sabe. Esta noite um cara entrou no jardim, pulou a área e entrou na copa, deixando propositadamente um cartão com a mensagem de Dona Santa. Ela já anda bem apavorada. Quem sabe a loucura se concretiza?

— O quer dizer com isso?

— O senhor não disse que ela está ficando louca? Pois bem, os seus argumentos são bastante fracos. Mas hoje, ela se mostrou bem assustada. Eu até poderia dizer que havia um traço de loucura na sua fisionomia.

Faz-se um silêncio. Sandoval pensa por um minuto. Encara Linda com raiva, mas entende que ela sabe de alguma coisa sobre Linda.

— Quem era este cara? O que ele queria? Você sabe?

— Calma, seu Sandoval, talvez não soubesse de nada. Talvez fosse apenas uma armação para assustar a pobre coitada.

— Então quer dizer… Linda, você planejou isso?

— Digamos que eu planejei. Agora o senhor já sabe do que sou capaz. Quer ouvir a minha proposta?

Sandoval está transtornado. Seu olhar é de fúria e de espanto. Nunca imaginaria que Linda fosse capaz de elaborar uma história tão maquiavélica.

Ela, no entanto, parece segura, ao ponto de enfrentá-lo, no aguardo paciente de quem conhece os seus limites. Olha-o impassível, com o trunfo nas mãos.

Sandoval a ouve com a argúcia, não convencido ainda de suas artimanhas.

Ele que poderá reverter a situação, afinal, Linda não é nenhuma expert em alinhavar planos mirabolantes. Aí está o seu ponto fraco, não tem dúvidas.

— Você contratou um homem para assaltar a casa, jogar a mensagem de Linda que era dirigida ao bispo Martim e fugir, para deixá-la apavorada, como se a pessoa pretendesse se vingar.

— Mais ou menos isso.

— Em quem era esse homem?

— Meu sobrinho, o senhor conhece, ele já trabalhou aqui, como jardineiro. Conhece a casa como a palma da mão.

— Gentalha! – Respira fundo, com raiva, mas continua – Me diga, quer dizer que este homem que você contratou, este seu sobrinho, como você disse, tinha a incumbência de enlouquecer Santa, de deixá-la transtornada, para que eu aceite tudo o que você planejou.

— Exatamente e quando ela estiver fora do páreo, eu serei a dona desta casa.

Sandoval dá uma gargalhada forçada, com a intenção de menosprezá-la, ao mesmo tempo para deixar claro que é uma hipótese impossível. Linda prossegue, animada:

— É a minha chace de ser a dona desta casa. O senhor nem precisa viver aqui, comigo, basta que me deixe reinar sozinha e absoluta.

— Com que você aprendeu este palavreado? Com a própria mulher que você quer enlouquecer, tirar do seu caminho?

— Dona Santa me ensinou muito, é verdade, mas nunca me apoiou quando soube que estava grávida, obrigou-me a levar o meu filho para bem longe de mim, preocupou-se apenas com o bom nome da família, com as aparências do seu casamento. Sabe, seu Sandoval, eu acho que chegou a minha vez.

—  E você acha que vai ser assim tão fácil? Que vou deixar que tome conta do meu patrimônio, que se torne a dona da casa? Era só o que faltava, meu Deus! Eu querendo livrar-me da loucura de Santa e vem essa vadia querer a mesma coisa! Ora vá se enxergar, Linda!

— Acho que é o mínimo que pode fazer pelo tempo todo em que me dediquei a esta casa.

— Mas você não entendeu, sua louca? Santa está viva! Você quer matá-la também?

— Vocês querem enlouquecê-la, eu só queria ajudar. Basta que façam o que combinaram, afinal, o que a família combinou, não apenas o que uma simples empregada deseja. Todos estavam de acordo em acabar com o reinado da mamãe!

— Não fale desse jeito sua megera!Você é muito dissimulada, mesmo!

— Eu? Dissimulada? É que o senhor não olhou para si próprio, não observou bem os seus queridos filhos, mas se quiser, eu tenho tudo gravado e posso lhe refrescar a memória. Eu, de minha parte, só estou querendo o meu quinhão! Quero o que de fato me pertence!

— E o que você realmente quer, sua demente?

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/casa-construção-in%C3%ADcio-arquitetura-540796/FrankWinkler

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