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Mostrando postagens com o rótulo senso comum

Uma história em comum

Ele fechou a porta devagarinho e ficou se perguntando se era capaz. Capaz de olhar aquele quadro degradante. Capaz de perguntar-se a si mesmo se havia tido uma história em comum. Se tomara café junto. Se partilhara dos mesmos sonhos, mesmas esperanças, mesmas expectativas. Lágrimas corriam involuntárias. Mas não tinha aquele sofrimento todo. Uma náusea incólume, que inundava a alma, o espírito. Vontade de sair, de respirar, de tomar ar puro. Temia abrir a porta e presenciar a cena, ver o corpo estendido no chão, a garrafa de bebida ao lado, espargindo-se entre os ladrilhos brilhantes, límpidos, impolutos. Os dedos longos, frios, finos, anéis, comprimidos, cenário grotesco, comum, teatro barato. Pena. Sentia pena dela. Pena pela fragilidade, penúria. Ainda ontem, haviam se encantado pelas calçadas, avistado luzes novas no horizonte, ventos favoráveis que sopravam. Deram esmola a pedintes, abrigo a velhos desamparados. Sorriram felizes com a desgraça alheia. Estavam quase felizes

Criei um fake

Criei um fake Certa vez criei um fake de mim mesmo. Isso é normal, me perguntaram alguns amigos, não sei, nem mesmo sei o que realmente pode ser considerado normal. Afinal, as pessoas apresentam comportamentos distintos das normas concebidas como dentro da normalidade e tudo parece extraordinário, elegante, vanguardista, até pós-moderno (se é que isto existe). Enfim, tudo depende do contexto em que se insere a situação ou o comportamento. De todo modo, por um tempo, fui muito feliz com o meu fake, ou melhor, fui contemplado com alguns benefícios. O meu fake participava de muitas redes sociais. Era esperto, inteligente, adequado às novas tendências tecnológicas e artísticas, além de ser politicamente posicionado, e no final das contas, um grande filósofo. Mas era um fake, uma figura criada para me proteger, como uma bengala para me amparar, um personagem para dividir comigo as informações mais estrambólicas, para discutir os problemas sociais, para compartilhar as dúvidas existen

ZUMBI- 1695 - DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

“Zumbi dos Palmares, delatado por Antonio Soares, é surpreendido pelo Cap. Furtado de Mendonça em seu reduto (talvez a serra Dois Irmãos). Apunhalado, resiste, mas é morto com 20 guerreiros. Tem a cabeça cortada, salgada e levada, com o pênis dentro da boca, ao governador Melo e Castro. No 3º centenário de sua morte, emergirá como o grande heróis da luta pela liberdade no Brasil. A data é o dia Nacional da Consciência Negra”. Fonte: www.vermelho.org.br. Nos dias de hoje, questões são elaboradas e discutidas e abrangendo vários aspectos sobre a intricada situação do negro no Brasil. Muitos há que acreditam que os preconceitos étnicos já debandaram e que os envolvidos nas questões raciais, nada mais fazem do que subjugar a inteligência das pessoas, quando afirmam sentirem-se prejudicados pelo preconceito. Acham que não existe preconceito e se os há, ocorrem de maneira dispersa, atingindo apenas alguns menos qualificados no cenário intelectual, ou seja, os operários, as pess

Por que escrevemos? Por que lemos?

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/trabalho-workaholic-escritor-1627703/ Bem, é uma questão um tanto difícil, levando-se em conta as diferentes possibilidades, desejos e experiências de cada um. Escreve-se para viver, às vezes, respirar, transformar a poeira dos ossos em energia para alcançar os degraus onde o sol pisa. Considero que os escritores de todas categorias, seja em que suporte expressem a sua arte, tem como fundamento interno uma procura constante da verdade, com suas buscas visando partidas ou encontros, ou seja, mostrar que outra realidade é possível. Afinal, o que se deseja se não desmitificar a pretensa realidade? Uma realidade revelada a partir de milhares de padrões, tanto midiáticos, políticos, religiosos, científicos, empíricos ou sociais. Uma realidade que se metamorfoseia dia a dia de acordo com as conveniências e as máscaras que lhe impõe a sociedade com interesses diversificados. A literatura, portanto tem esta função social e política de resga

Crônica sobre o filme Mon Oncle

Esticando um olhar mais aprofundado sobre os hilários e às vezes, patéticos personagens de Meu tio, “Mon Oncle”, com a direção de Jacques Tati (1958), observa-se, numa análise, ainda que de forma despretensiosa, características marcantes de personagens que talvez servissem apenas de contraponto para o desenrolar da trama. Na verdade, todo o conteúdo e análise dos diferentes tipos que tecem a urdidura da história já foram exaustivamente explanados em muitos artigos espalhados na rede ou mesmo publicados em periódicos especializados. Fica-nos, portanto uma pequena abertura, um buraco na fechadura, que em algumas vezes passa desapercebido, mas que ao conduzirmos a linha do olhar até o horizonte, acompanha-se, por certo, a trajetória do fio que enverga e sustenta a pandorga no ar. Falo de Gérard, o filho do casal, que ao lado do tio considerado subversivo aos conceitos da sociedade burguesa, e alienado da comunidade familiar, descobre novos horizontes em sua vida rasteira. Ao reunir-se aos