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quarta-feira, julho 11, 2018

Literatura aliada

A literatura é conceituada e avaliada em seus aspectos estilísticos, estéticos, filosóficos e sociais. Aqui, no entanto, falo da literatura como uma aliada, uma companheira que exerce um papel fundamental na vida das pessoas.

Mesmo que não percebamos, é através da literatura, que mostramos o que somos, o que queremos da vida, o que sonhamos. Sabemos que a literatura é uma manifestação artística e para muitos escritores, ela se esgota nesta proposta. Para outros, porém dos quais eu me incluo, a literatura deve ser um registro da realidade que recria, como uma tentativa constante de transformação do mundo em que vivemos.

Na minha opinião ela só tem verdadeira importância, se for crivada dos anseios de seu povo, se tiver um viés político. O mínimo que se espera é que haja, em alguma medida, o pensamento crítico sendo colocado em jogo, sendo trabalhado e compartilhado.

A arte da escrita não é puramente estética. A despeito do que escrevemos, haverá sempre a intencionalidade do autor com a conexão do mundo real, da sociedade e também com o seu mundo interior, moldado em suas experiências e apreensão da vida. Faz-se política em qualquer gesto e tenho comigo que este brado deve corresponder ao clamor das minorias, dos excluídos, dos que não tem os privilégios, dos trabalhadores invisíveis.

Acho que o homem é o algoz do próprio homem e a literatura está aí, para redimir esta sequela humana, para transformar o bruto, no belo, no artístico, no lírico, no imponderável, mas acima de tudo, mostrar que o rústico, o pobre, o ausente das benesses é tão intenso e dramático e pertencem ao mesmo mundo em que vivemos. Basta olhar para o lado.

Não me interessa uma literatura calada, amordaçada, padronizada no senso comum, amarrada apenas à lógica literária e aos padrões estilísticos e de gênero. Interessa-me a literatura que não se cala às adversidades, aos desmandos, às ditaduras, à mídia manipulada e manipuladora.

Interessa-me uma literatura que mostra o seu povo, que enaltece a sua linguagem e que acima de tudo, produza a reflexão. E que por fim, seja, além de tudo puramente literatura, na qual a emoção e o sonho se completem no lirismo e na beleza. Acho, inclusive que o autor é um ser dividido e complexo, como todo ser humano, mas que ao refletir sobre isso, extravasa sua emoção e sentimentos no seu ofício e talvez sofra com essa dicotomia.

O poema “Traduzir-se” de Ferreira Gullar, musicado por Chico Buarque, exemplifica bem esta singularidade do escritor, quando diz:

“Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.

Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem.

Traduzir-se uma parte na outra parte – que é uma questão de vida ou morte – será arte?”

Fonte: Kalsgirl do link: https://pixabay.com/pt/users/kasgirl-1427481/

sexta-feira, abril 06, 2018

Eu e a velhinha de Taubaté

Acho que sou meio parecido com a velhinha de Taubaté, do Veríssimo, que acreditava piamente no governo do General Figueiredo. Eu acredito na Globo e entendo o que o povo que vê TV, pensa como eu. Sabe por quê? Porque eu assistia ao programa Amaral Neto, repórter, lá pelos meados de 1970, mostrando as belezas naturais e culturais do Brasil, além da união que o governo militar trouxera ao nosso imenso país continental.

Ah, nesta época, eu amava a Regina Duarte, que depois da Ritinha, de Irmãos Coragem, passava a ser no ano seguinte, a namoradinha do Brasil com a novela Minha doce namorada. Um primor de pessoa. Sei que ela era assim na vida real: doce, simpática, sorriso amplo e pura! Antes ainda, no tempo dos Irmãos Coragem, ano em que o país ganhou a Copa do México, a tortura ainda era encoberta nos porões dos órgãos de repressão, e o General Médici era um presidente que mantinha um olho nos partidos clandestinos e outro nos campos de futebol. Por coincidência a novela tinha como um dos principais núcleos, o de um jogador de futebol e suas peripécias no campo. Mas novela também era cultura e informação! Tenho certeza disso. Ah, o Brasil foi campeão em 70!

Nas diretas já, a Globo demorou a transmitir os eventos, quando milhares de pessoas foram às ruas reivindicando eleições diretas. Eles eram contra e tinham seus motivos. Imaginem aquela baderna nas ruas, aquele povo sem freio. Era de assustar mesmo! Mas aos poucos, viram que o povo estava muito engajado num espírito de mudança para melhor e que outras emissoras já noticiavam com fervor. Decidiram aderir.

Depois de todas as tragédias, ficou o Sarney . E com ele, a nova moeda, o plano cruzado e segundo o presidente, cada brasileiro deveria ser fiscal dos preços, um fiscal do presidente, um programa em todos os cantos do país. Tudo muito bem encampado (talvez elaborado) pela Globo. Eu e muitos fomos os fiscais do Sarney, porque acreditávamos na poderosa. Ela sempre tinha razão. Se necessário, chamávamos a polícia, inclusive, tudo bem documentado pela TV. Havia até bótons com o slogan, “Eu sou fiscal do Sarney”. Foi em 1986. Em 1988, um tanto desiludidos, ouvíamos a nossa eterna namoradinha do Brasil interpretar a mãe da vilã, em Vale tudo. Ela sempre bondosa e íntegra, a honestidade em pessoa, lutando contra a tudo que representava a corrupção e roubalheira no mundo dos negócios e no Brasil. Eu me perguntava, tal como a velhinha de Taubaté, se existia corrupção nesta época? Ah, coisa de novela!

Apesar de todo o esforço, a coisa desandou um pouco e a TV fazia muitas entrevistas com especialistas em economia para mostrar ao povo brasileiro, que ainda havia uma saída, tal como agora, com estes vídeos de celular, que estão mandando.

Então, para salvar a pátria, surgiu Color de Mello, que se elegeria com a missão de acabar com os marajás e a Globo sempre atenta, apresentou um Globo Repórter inteiro esmiuçando a vida dos marajás, os funcionários públicos que se utilizavam do erário publico para as suas conveniências. Inclusive, no último debate do Lula, ela manipulou, quer dizer, ela ressaltou as imagens e diálogos, dando plena supremacia ao Collor, no JN. Uma emissora que sabia o que era mais útil para o seu povo. Isso, naquele áureo e abençoado tempo em que se assistia apenas a Globo. Prenderam a poupança dos brasileiros, houve escândalos, mortes como a do PC Farias, impeachment, mas tudo acordado e o país prosseguiu na santa paz de Deus. Ah, a nossa namoradinha, em 1990 era uma mulher determinada e forte, que juntava ferro-velho, envolta numa trilha sonora brega de Magal, “Me chama que eu vou”. A rainha da Sucata tentava mostrar ao brasileiro que ele podia dar a volta por cima e vencer no seu negócio (?) . Só que ela se apaixonava por um milionário. É, a nossa namoradinha não era mais a mesma, era brega e desbocada, bem de acordo com a primeira dama da época. E vá amor ao casal “real”. Afinal de contas, os tempos mudam e o que fica é o melhor para o Brasil.

Alguns anos mais tarde, em nova eleição, com o Lula concorrendo, a namoradinha teve medo. Não a personagem, mas a própria atriz, manifestando o seu medo real com a provável chegada de Lula ao poder.

Aos poucos, como a velhinha, comecei a me decepcionar. Houve outras mídias, e muita coisa estranha me deixava com a pulga atrás da orelha. Muita manipulação, muito apelo, muita tramoia. Assim caminhava a humanidade e quando a Dilma foi presidente, houve até passeata por R$ 0,20 centavos sendo uma manifestação quase diária apresentada pela emissora.

Mas como todos os coxinhas, eu ainda acredito. Não vou me suicidar como a velhinha de Taubaté, porque tenho grupos que me acolhem e até políticos que pensam como eu, como aquele do “ bandido bom é bandido morto”. E depois disso, eu sei que uma emissora de TV não tem nada a ver com a política. Eles apenas informam. Vou ouvir este mortadela, aí embaixo, mas fingir que não ouço pra não lhe quebrar a cara!

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Houve muitos fatos que são por demais conhecidas atualmente, gerando este ódio entre classes. Alguém ainda duvida deste quarto poder? Nem sei se às vezes, não é o primeiro. E muitos atos contra a vida e a justiça virão!

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/homem-branco-modelo-3d-isolado-3d-1847732/

quinta-feira, outubro 20, 2016

Pai na bicicleta: uma acrobacia de alegria

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/bicicleta-sombra-desporto-hispânico-233379/


Houve tempo em que te vi sorrindo, orgulhoso, satisfeito, encontrando nos filhos a certeza inabalável da vida, do se fazer pai e amigo.

Houve tempo em que me puseste no colo e abriste a página do jornal, ensinando-me a ler. Ali conheci o valor das palavras, da leitura e mais ainda, o prazer de ser amado e protegido.

Houve tempo em que te vi assim, cabisbaixo, olhando pros lados, insatisfeito. Talvez refletisses o que fazer diante dos problemas: da chamada do professor em casa, da briga costurada com o colega, da ordem desobedecida ao cruzar a rua e ver a bola picando, campo à fora, meninos ruidosos, na luta aguerrida do futebol. Sei, que na verdade, me querias na escrivaninha, pequeno troféu, que criaste, mais perto dos estudos e bem distante dos chamados “guris de rua”, daquela época. Benditos guris, nada semelhantes aos de hoje.

Houve tempo em que te vi desconfiado com a política, com os homens do poder, com a autoridade e autoritarismo. Houve o tempo do silêncio.

Houve tempo em que te vi criança, deslizando matreiro nas calçadas vazias de um feriado deserto da semana-santa, bamboleando o corpo numa coreografia imaginada para me mostrar outra face: a da alegria.

Houve o tempo em que me mostraste o cinema de rua, filmes do Sesi azulando as paredes das casas, enchendo-nos de euforia e imaginação.

Houve tempo em que me levaste à igreja, em que me mostraste o sacrário, em que dobraste teus joelhos nas noites de adoração. Houve tempo em que não se ligava o rádio, quando a sexta-feira anunciava a morte de Cristo, mas neste tempo, também eu procurava no Cine Real os clássicos da paixão.

Houve tempo em que te vi torcendo, solitário, por um time que evitavas mostrar preferência, mas via nos teus olhos um matiz diferente quando o vermelho entrava em campo.

Houve tempo em que assumias o Natal e revelavas o prazer de viver em família e sorrir e presentear, participando do que era doce e afável.

Houve tempo em que te vi amigo, solidário e irmão, acolhendo pessoas em casa, pleiteando vagas a amigos no trabalho, cuidadoso e responsável, acalentando as feridas e dores de meus avós em sua jornada final, sensibilizado e sensibilizando.

Houve tempo em que te vi feliz e reconhecido, profissional disciplinado, sendo laureado como operário padrão. Aí, o salto de qualidade estava além do padronizado, do igual, porque expressava na alma a gratidão dos colegas, resultado do desempenho intenso e honesto no que fazias.

Houve tempo em que te vi mais velho, marido, pai, avô. Houve tempo em que o te vi chorar, ressaltando tua humanidade intrínseca, um pedaço de ti te faltava, produzindo uma mágoa silenciosa.

Houve tempo em que te vi brilhar na finitude da vida, convivendo na família em plena lucidez, sobrevivendo aos percalços naturais da idade e apontando uma centelha de luz, mesmo que não o demonstrasses concretamente, víamos em teu olhar assim, tão intenso, dizendo coisas que às vezes não expressavas, mas que tua alma plena identificava.

Sei pai, que vivesses com dignidade até o fim. Sei que não deixaste mágoas, porque não permitiste desunião, desacordo ou preferências.

Sei que soubesses tão bem amar em toda a tua existência, que assumiste a família como dom maior e absoluto em tua opção de vida.

Sei que deixaste o exemplo, pedra fundamental de tua personalidade generosa.

Só não te tenho aqui, agora, mas te carrego comigo em todos os momentos nas ladeiras em que deslizo, tal como tu, na bicicleta de meus sonhos, te vejo ali, na bagageira, indicando os caminhos e rindo do meu medo absurdo das acrobacias que fazias.

Um dia desprendo o pé da roda, pai e faço como tu, sigo em frente e levo apenas a alegria simples de viver.

Mas por certo, te sinto mais intensamente, toda vez que te imito no papel que desempenhaste tão bem: o de pai.

terça-feira, outubro 18, 2016

Por que escrevemos? Por que lemos?


Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/trabalho-workaholic-escritor-1627703/

Bem, é uma questão um tanto difícil, levando-se em conta as diferentes possibilidades, desejos e experiências de cada um. Escreve-se para viver, às vezes, respirar, transformar a poeira dos ossos em energia para alcançar os degraus onde o sol pisa.

Considero que os escritores de todas categorias, seja em que suporte expressem a sua arte, tem como fundamento interno uma procura constante da verdade, com suas buscas visando partidas ou encontros, ou seja, mostrar que outra realidade é possível.

Afinal, o que se deseja se não desmitificar a pretensa realidade? Uma realidade revelada a partir de milhares de padrões, tanto midiáticos, políticos, religiosos, científicos, empíricos ou sociais.

Uma realidade que se metamorfoseia dia a dia de acordo com as conveniências e as máscaras que lhe impõe a sociedade com interesses diversificados.

A literatura, portanto tem esta função social e política de resgatar a realidade, porque a arte é independente.

O escritor deve lutar por exercer a faculdade de enfrentar a realidade sem máscaras, retirando todo o entulho que a sociedade, como um todo, a recobre. A verdade está na mostra social, pura e cristalina, sem os adornos da pílula elitizada e batizada pelo poder.

A literatura é uma só. É este erguer-se e olhar o horizonte e ver além das fronteiras do senso comum, da vida padronizada, do olhar midiático, do politicamente correto.

O leitor descobrirá na verdadeira literatura, aquele engajamento com a verdade e não com o poder, seja em que patamar se estabeleça.

Ler é fundamental para abrir veredas, para multiplicar e sair da mesmice, mas fiquem atentos, leitores: estas serão bloqueadas se impedirem a retomada do pensamento, do discernimento humano e seu direito de escolha.

Quem lê, absorve, introjeta, interage e escolhe o seu próprio caminho.

sábado, setembro 17, 2016

CANDIDATO INFLAMADO

Bateram à porta com insistência. Instintivamente, me afastei, sondando outras possibilidades, que não fosse àquela, aterradora, de me deparar com o desconhecido, de me defrontar com a expectativa do outro, que via de regra não é a minha.

Uma visita inesperada, fora de hora, sem qualquer aviso; o pedido de dinheiro por um ser humano alterado na própria concepção de humanidade, onde olhos vermelhos se fundem em olheiras doídas, demonstrando mais humildade do que possui, obedecendo ao ritual produzido pelos desejos involuntários do vício, via de regra, aliado ao ato de roubar.

Talvez um pedido de comida, este sempre melhor aceito, embora menos frequente, quase sempre acompanhado da possibilidade de arrecadação extra, financeira. Ou a venda indecente de revistas religiosas e todo o vocabulário próprio, cujas expressões gastas e repletas de castigos já não atingem a alma de quem apenas aspira seguir a própria fé, ou não. Quando muito, atingem a consideração ao zelo dos vendedores, quando não extrapolam o bom senso e a paciência do comprador.

Uma outra investida em nossa porta, pode ser a entrega da revista ou do jornal, estes com auspiciosos desejos de desvendar o mundo, ou o que dizem dele, desde que não se aceite na sua integridade os conceitos e mensagens subliminares ou pelo menos, se escolha o veículo menos parcial da mídia.

Hoje em dia, a mídia tradicional já nem tem mensagens subliminares, ela entrega de vez a informação manipuladora da ideologia elitista.

Também ocorre a entrega de encartes, publicidade de lojas, de supermercados, de revendedoras de gás e água ou mesmo a visita do carteiro, com a mercadoria esperada e as contas inevitáveis de todo o mês ou avisos de débitos.

Além de todas estas injunções cruéis em nossa vida cotidiana, atualmente há a distribuição sistemática de panfletos.

Panfletos? Sim, panfletos políticos, santinhos, com a figura impudente e maquiada do candidato, via de regra, aquele cujas promessas nunca são avaliadas, quanto mais comprovada a sua eficiência.

São eles que nos chegam a todo o momento, abarrotando a nossa caixa de correspondência, quando não a virtual. Esta, elimina-se rapidamente, mas aquela, material, física e acompanhada da presença humana, é bem mais complicada de eliminar.

Não basta rasgar o papel, consumi-lo no fogo ou arremessá-lo na lata de lixo. É preciso desvendar a porta, abrir a caixa do correio e averiguar entre centenas de papéis inúteis, a maior das inutilidades que é o tal de santinho.

Estão sujando as ruas, conspurcando as calçadas, distribuindo papeis que logo serão atirados em qualquer canto por transeuntes enfarados, entediados e descuidados dos anseios políticos dos futuros candidatos.

Isso, que nem falei nos carros de som e as músicas infames que misturam o nome do candidato a ritimos populares.

Naturalmente, temos os nossos preferidos e é salutar que isto ocorra. Comungam com nossas ideias, ideologias ou conhecimentos da situação política da cidade, do estado e do país. E se não temos, merecemos por certo esta enxurrada de papéis disformes, com caras engessadas em sorrisos falsos e expectativas forçadas.

Mas, tudo o que foi relatado não configura o pior que pode acontecer à tranquilidade de um vivente.

O extremo da crueldade e falta de sorte, acontece quando o candidato se apresenta em nossa porta, via de regra acompanhado de um partidário servil, que acena a cabeça mil vezes concordando com o amigo.

Nestas alturas, o candidato apresenta a pretensa finalidade de resgatar um conhecimento efêmero, (quem sabe um colega do ginásio ou um amigo do irmão do mecânico que certa vez consertou o carro de nossa tia já falecida...), mas que para ele possui a eternidade do universo (pelo menos, agora).

Como refutar suas convicções, ouvir suas promessas, sem transparecer a cara de paisagem.

Afinal, para ele, não interessa a minha opinião contrária ao seu partido que apóia a política entreguista e traiçoeira. Para estes, não há saída melhor.

Não convém argumentar, nem demonstrar qualquer tendência à esquerda. Misturam tudo, como se churrasco levasse pimenta e molho inglês. Fazemos cara de paisagem agora e não votamos ou eles serão a própria paisagem sem vida, mural ruço e mofado, numa câmara cheia de traças e teias de aranha, nos próximos quatro anos.

Que abramos as portas para novos ares, mais adequados a nossas esperanças.

A fotografia da vida de Santa - CAP. 3

No 2º capítulo, Santa entrou na igreja ao lado do marido, observando a família. O filho, artista multimedia estava à esquerda dos demais, um pouco afastado dos parentes. Parecia intrigado com aquela exposição da mãe no dia de seu aniversário. Noutro banco, estavam a filha, uma promotora estadual que mostrava-se muito emocionada e o genro que acenava prudente. O outro filho, muito sisudo, esforçava-se em ajeitar a gravata e naquele momento, esboçar um sorriso. Mas uma outra surpresa foi capaz de desestabilizar Santa por completo, um relicário, um presente doado peloa igreja, através do bispo, que se mostrava sensibilizado. Era uma bússola, que provoca no marido de Santa uma certa indignação. Como hoje é sábado e nosso folhetim dramatico é publicado nas terças-feiras e no sábado, prosseguimos com o 3º capítulo. Divirtam-se!

CAPÍTULO 3

Fonte da ilustração: site www.morgfile.com

Nem dava para perceber, mas o dia seguinte para Santa havia sido por demais estressante. Estivera entretida entre fotografias, álbuns, além de idas às compras vez por outra, para aviar as tarefas de rotina.

Talvez não precisasse disso tudo, pensou consigo. Afinal era uma mulher rica, que dispunha de um número razoável de empregados; havia coisas porém, que se atribuía a necessidade de se ocupar.

De repente, após o almoço, ficou sozinha.

As vozes que ouvia eram de pessoas quase estranhas, apesar de conviverem há bastante tempo. Pessoas que lhe serviam, que traziam chás, ou transmitiam recados. Pessoas que mantinham o seu bem estar.

Mas não se sentia bem.

A quantas andava o marido, não sabia.

Os filhos já voltaram para as suas atividades.

O tempo passava quase insalubre.

Doíam-lhe as pernas. Doía-lhe o corpo.

Deixou que os últimos servidores se afastassem e deitou-se no velho sofá da saleta de leitura, ajeitou as pernas, deixando os tornozelos encostados no tecido, meio que estirados.

Precisava se refazer do cansaço do dia. Um dia sem nada para contar, sem ter o que lembrar.

A festa do dia anterior, as expressões de carinho, de congratulações. Tudo já era passado.

Agora restava o dia depois, aquele que não devia existir. Como uma ressaca, uma vontade de não fazer nada, um tédio acumulado.

Que fazer, se as coisas mudavam assim, tão repentinamente e ela não mais desfrutava o passado recente como coisa presente. Não, ela já não se dava a estes desfrutes.

Ela se repetia na rotina e a dor parecia bem mais intensa e duradoura. Uma dor de saudade, de distância dos seus, de vontade de permanecer junto. Uma dor a mais.

Ligou a tv, trocou várias vezes de canal.

A tragédia da vida cotidiana pintava todas as telas. Nada acrescentava ao espírito. Quando muito, um filme arrastado, ao qual nem tinha paciência de assistir.

Seus pensamentos retomavam a infância, talvez a idade em que fora mais feliz.

As lembranças se acumulavam lentas, ultrapassando uma a outra numa tela distante. Tanto, que os olhos foram pesando e uma leve sonolência tomou conta.

Embora sem abrir os olhos, teve a sensação de ter alguém muito próximo.

Uma voz cálida que lhe dizia coisas difíceis de entender.

Aos poucos, a imagem foi surgindo, cada vez mais nítida e seu coração saltava em êxtase.

Um aroma suave de flores enchia o ar. Uma sensação de alegria genuína. Uma resposta a todas as dores e sofrimentos. Uma passagem para o bem.

Tinha a certeza de que a Virgem Maria estava ali, ao seu lado.

Encolheu-se no sofá, estremecendo. A voz cessou e um objeto tomava forma na mão da Virgem.

Uma bússola, tal como a sua, com a agulha apontando para o norte, indicando algum lugar por detrás das cortinas.

Santa tinha a sensação desfalecer.

A presença de Virgem Maria ali, na sua casa, com uma bússola devia ter um significado muito importante.

Alguma coisa que certamente mudaria a sua vida, que a transformaria numa outra pessoa, ou então, que ratificaria o rumo correto que alcançara na vida.

Mas por que aquela bússola na direção da janela?

O que havia lá, a não ser uma colina que se estendia até uma pequena ilha.

Por que ela surgira assim, daquela maneira, sem os habituais adereços, sem o rosário, sem as flores?

Por que trouxera um objeto que não agregava um símbolo significativo de sua missão?

Por que não aparecera como de hábito, apenas como a Senhora, a Mãe de Jesus, a Mulher que convidava ao conforto da oração ?

Por que a instigava daquela maneira, ela que sempre seguira os mandamentos, que fora uma mulher exemplar, uma benemérita da comunidade?

O que mais queria dela?

Que caminho estranho estava indicando para que seguisse?

Que chamado era aquele?

Por que ela não virara a bússola para outra direção, para o centro, por exemplo ou mesmo para o bairro onde se situava a catedral?

O que havia de tão importante naquele rumo?

Seria então este o caminho indicado pela Virgem? Uma trajetória desconhecida, a qual deveria se determinar a seguir?

Levantou-se num salto e abriu bem os olhos, mas a imagem não estava mais ali. Não havia nada, a não ser uma pequena brisa que balançava as cortinas da janela.

Então, com as pernas trôpegas aproximou-se da janela e olhou ao longe.

O que havia lá, além da colina, além daquela ilha solitária?

Uma região afastada, na qual vivia uma comunidade isolacionista?

Um povo estranho que se dizia sem regras nem leis?

Uns desviados da política, do poder, do governo.

Uns anarquistas, sem eira nem beira, que viviam às custas do que plantavam ou das trocas que faziam?

Santa estremeceu. Anarquistas? Seria este o caminho? Seria para que ela deveria seguir? Seria este o norte mostrado pela Virgem?

Começou a andar pela casa em absoluto desespero. Chamou os empregados.

Poucos apareceram. Não lhes disse nada. Pediu apenas que Linda, uma velha empregada que lhe servia há muitos anos, ficasse. Pediu que sentasse ao seu lado.

— A senhora quer que traga alguma coisa, Dona Santa? Um chá, um café?

— Não, não quero nada Linda. – a voz estava trêmula e uma ansiedade se fixava em cada sílaba – Linda, escute, se eu lhe dissesse que vi Nossa Senhora, você acreditaria?

Linda encarou a patroa, intrigada. Sempre fora religiosa, e já tinha visto muita coisa nessa vida, mas ver Nossa Senhora, assim, do nada, era demais.

Evitou porém, dizer qualquer coisa, mas por certo, concordaria com a patroa, para agradá-la.

— Você acha que estou louca, não é mesmo?

— Não, imagina, Dona Santa. Se a senhora disse, é porque é. Afinal, a senhora é tão religiosa. Nada mais justo que Ela aparecesse para a senhora.

Santa levantou-se e dirigiu-se à janela. Avistou um pássaro pousando suave no telhado vermelho que cobria a sacada lateral. As patas finas, o passo gracioso. Olhou para o alto e se benzeu.

Linda a observava, procurando certificar-se de que dissera a coisa certa. Dona Santa parecia transtornada. Melhor não contrariar.

Santa voltou-se e a interceptou, num ímpeto.

— Isso não importa, agora. Preciso saber de outra coisa.

— Como não importa, dona Santa? – insistiu, sem muita convicção. – É uma coisa maravilhosa! Se ela apareceu, é porque tem um motivo. A senhora lhe deve alguma coisa.

— Este é o problema, Linda, o motivo. Ela me pediu uma coisa extraordinária – afasta-se devagar da janela, aproximando-se da poltrona. Segura o encosto por trás, com as duas maos, dobrando o corpo e fala em tom quase confessional – Linda, ela quer que eu me envolva com aquela gente do lado de lá.

Linda ficou ainda mais confusa. – Aquela gente... do lado de lá...? – pergunta tentando adivinhar, sem saber a quem a patroa se referia.

Santa soltou o encosto do sofá e sentou-se na frente de Linda. Insistiu: — Você sabe sim a quem me refiro. O povo lá da colina, ou melhor, depois da colina. O tal povo da Ilha Libertária, parece que é assim que se autodenominam.

Deus me livre, aquela gente não presta. A Virgem não ia mandar a senhora pra aquelas bandas!

— Mas eu não sei ainda o que ela quer de mim, Linda – acrescenta, angustiada. – Talvez ela queira que eu me embrenhe naquela ilha, que convença aquele povo... ou... – refletindo – talvez eu deva dividir a minha fortuna, minhas jóias, meus bens.

— Como assim, dona Santa?

— Eu sei muito pouco deles, mas dizem que não aceitam dinheiro, que utilizam trocas. Eles são militantes contra o nosso sistema capitalista. Cristo também era assim, como eles. Cristo era um anarquista e queria dividir tudo com todos. E também ele não aceitava governos, nem senhores. – Santa respira fundo, agora a voz soa forte e precisa. Parece fazer um discurso.

Linda a observa sem entender o que realmente pretende. Esforça-se em achar uma frase para participar da conversa.

— Não quero contrariar a senhora, não, dona Santa, mas aquela gente lá não é normal. Como é que um povo pode viver assim, isolado de todo mundo, meu Deus? Pra mim, eles usam é drogas.

— Não é nada disso, Linda. Você não entendeu a proposta, mas eu estou refletindo e aos poucos, estou chegando lá. Quem pode afirmar que eles não estão certos? Talvez seja esta a minha missão, entrar naquela comunidade, participar das suas crenças, ajudá-los. Se eles não usam dinheiro, eu posso ajudar a vida deles com o meu. Dizem inclusive, que são naturalistas, que respeitam a natureza, que vivem com a maior simplicidade.

— Contam por aí, que eles vivem do que plantam – confirma Linda.

Santa levanta-se mais uma vez e caminha pela sala enquanto fala. Quem a visse, além de Linda, diria que se trata de outra pessoa. Uma pessoa que encontrou um norte, um novo objetivo na vida.

– Eles são pessoas simples, que vivem do que plantam, você disse. Pois eu quero viver esta vida simples. Não foi o que Cristo disse aos dois irmãos ricos que lhe perguntaram como alcançariam o céu? Vá, vende tudo o que possuís e dá-o aos pobres. Pois bem, eu me acercarei destes pobres e seguirei as palavras de Jesus. A agulha da bússola apontava para aquela região. Pois lá, edificarei a minha seara.

— Dona Santa, não sei se deveria perguntar, mas os seus filhos vão aceitar isso?

— Claro, Linda. Todos entenderão que a partir de hoje, eu tenho um novo caminho a seguir. Portanto, vou reuni-los o mais breve possível, toda a família, para contar-lhes esta empreitada.

quinta-feira, março 17, 2016

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XXI - PENÚLTIMO

A SEGUIR (17/03/2016) O 21º CAPÍTULO DO NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA". ESTE É O PENÚLTIMO CAPÍTULO. NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA, DIA 22/03/2016, APRESENTAREMOS O ÚLTIMO CAPÍTULO DE NOSSA HISTÓRIA.

Capítulo 21


Fonte da ilustração: Blog "Vientos del Brasil"http://blogs.elpais.com/vientos-de-brasil/2013/10/ de Juan Arias

Não se pode afirmar que tudo transcorre na rotina, que um dia sobrepõe ao outro naturalmente, sem que nada de novo aconteça.

Sempre que olho na janela, ainda vejo resquícios do dia anterior, ou das noites que passaram insólitas sem me trazer nada de bom, as não ser as dores habituais nas costas, na alma, no coração. Talvez Susana seja condenada, não por ter realizado a eutanásia, mas por homicídio, tudo porque uma testemunha a viu abreviar a vida do pai. Estes casos não chegam à justiça, porque o médico age a pedido do doente ou dos seus parentes, se incapacitado para tomar alguma decisão sobre a sua vida. Talvez este seja o primeiro registro de alguém condenado por eutanásia no Brasil e eu não pude fazer nada para ajudá-la.

Não adiantaria ceder às chantagens de Roberta Célia, porque ela teria sempre este trunfo nas mãos, para viver eternamente acusando-a.

Não, o melhor seria enfrentar a situação. Ela precisava recuperar o passado, exorcizar de sua vida o peso da culpa e do remorso, mais em função da sociedade do que de seu espírito. Enquanto a justiça elabora o processo, seu advogado encontrou um atenuante, visto que o destino inexorável, também lhe reservou pequenas brechas para a salvação.

Após voltar de uma entrevista, cumprindo a pauta de jornalista, deixara o gravador ligado, sem jamais imaginar que registraria para sempre o último pedido de seu pai.

A justiça, às vezes, se dá, por caminhos estranhos.

Eu estou só, ainda na minha janela, não tenho o velho para espionar, nem pessoas interessantes surgiram para que tivesse um novo cenário para passar o tempo.

Entretanto, se por um lado, estou tranquila, porque não estou tão solitária, por outro, sinto-me atingida por extrema angústia, por ter ficado ausente ao clamor dos que lutavam na ditadura, quando Jaime era uma voz urgente na imprensa, quando se reunia a grupos para travar lutas que denunciavam os desmandos que ocorriam no País.

Esta angústia hoje me consome, porque desperdicei a oportunidade de me envolver, de tomar uma atitude ativista. Ao contrário, me exilei da história, me omiti entre os combatentes do regime, me acovardei.

Quando Jaime foi até Serra Pelada e fez aquela matéria que incomodou tantos os militares, eu não me rebelei, não fiquei inteira do seu lado. Ao contrário, me insurgi contra ele, achei que estava se envolvendo em seara alheia, que não devia se meter em política. Mas eu também fazia política, só que do lado contrário, apoiando de certa forma a tese do regime vigente. É o que pretendiam, alienar a população, execrar qualquer opinião contrária, subjugar as ideias. Eu me omiti. Ficou-me este soco no estômago, este vazio, esta vontade de gritar, de dizer-lhe porque me intimidei, porque não fui até os quartéis, porque não o procurei em desespero.

Talvez por isso, eu resista tanto em expor a sua história, em mostrar o seu engajamento contra a repressão, a sua ousadia, o seu heroísmo. Talvez, eu somente me importe comigo mesma, porque sei que a vida dele é muito mais valorosa, muito mais digna, muito mais interessante e exemplar, para ser contada. Tudo, porque lutou e foi um homem amoroso com o seu país, com a sua pátria. Não queria entregá-la de mão beijada nas mãos dos torturadores, dos usurpadores da vida brasileira, dos queriam transformá-la num reduto onde poucos tinham privilégios e o povo se alienava empanturrando-se de futebol, carnaval e a falsa integração nacional.

Sinto o grito na garganta, o grito que não dei, a marca que não deixei, o gosto amargo que engoli.

Sinto-me fraca e triste.

E quanto mais ele se sobressaía na sua fortaleza, menor eu me tornava.

Agora, não mais importa. Alicerçava a minha dor na perda de meu filho, no ódio de minha nora, na indiferença de meus irmãos, na irritação com Dulcina, no cuidado com o velho do apartamento da frente, na dificuldade de meu passado, na insônia interminável.

Agora eu sei que somente queria esquecer o passado que negligenciei neste longos anos de pesado arbítrio.

Eu nunca levantei bandeira, nunca o segui, nunca o apoiei o meu marido na atividade política.

Ao contrário, me acomodei na minha profissão, transformando o pranto de tantas Marias e tantos Jaimes, lá fora, em notas musicais no meu piano. E, infelizmente, eu tinha conhecimento de episódios terríveis, sangrentos, em que o cidadão comum era apontado como um pulha, um homem de segunda categoria, que não deveria sequer ser ouvido. O que na verdade valia, era a força, a exceção, o arbítrio, o poder autoritário.

Todos se acovardaram. Todos temeram por suas vidas, sua estabilidade, seu canto. Ele, entretanto, lutou como pôde, até morrer. Até ser preso, torturado, transformado num ser desfigurado, sem pensamentos, sem linguagem, sem opinião, sem atitude, sem vida. Podaram-lhe a liberdade, quando o impediram de escrever, quando o impediram de transmudar em realidade o que via pelas lentes obscuras da censura.

Ainda há esta ferida aberta, que não cicatriza, enquanto o processo político sofrido pelo País nos anos de chumbo não for devidamente aprofundado, para mostrar às futuras gerações, a nossa história real, sem o dourar conciliador e cínico da grande mídia.

Ainda me pergunto e me questiono, o que realmente aconteceu com Jaime, enquanto centenas de mulheres deste País devem se fazer as mesmas perguntas, a cerca de seus maridos, seus amantes, seus filhos. Elas talvez tenham tido a dignidade de gritar também naqueles dias cinzas e nublados. Eu apenas conservei os meus dias de luz.

Ainda bem que acordei em tempo para ajudar Susana a escrever o livro. Ninguém mais tomará o lugar de Jaime.

terça-feira, fevereiro 16, 2016

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XI

HOJE, TERÇA-FEIRA 16/02/2016, SEGUE O NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 11º CAPÍTULO.

Capítulo 11


Às vezes, penso em escrever um livro. Um livro que contasse a história de minha família, mas ao mesmo tempo em que me acomete esta idéia, sei que não ousarei seguir adiante. Relembrar os meses em que Luisinho ficou em coma naquele hospital é reviver a dor em toda a sua intensidade. É proclamar o dia da execução final. Não, não devo mais sofrer, já bastam as lembranças diárias que tenho dele, desses seus últimos momentos. Pudesse voltar os ponteiros do relógio e fazer a minha vida retroceder a um tempo anterior àquele acontecimento. Se pudesse impedir tudo aquele nefasto acidente. Se pudesse argumentar pra mim mesma, que tudo tem um motivo, um fim, uma conseqüência. Mas não consigo acreditar que fosse preciso ele morrer, ele que era tão cheio de vida, de amor ao próximo, de idealismo.

Isso não devia acontecer assim, com os velhos. Não devíamos prosseguir esta última etapa. Devia ser adiada. Cortada com a lâmina. Um fim digno a quem não mais tem interesse em viver. Se ao menos, eu tivesse a coragem de acabar com tudo, esquecer este céu negro que acoberta minhas noites e fechar de vez meus olhos cansados.

Veja o velho aqui da frente. Me parece que está no mesmo barco. Acho até que em situação pior, pelo menos no que se refere à saúde física. Naturalmente, nada que se compare à saúde emocional, porque não há dor maior do que perder um filho. É uma saudade doída, que esmaga o coração, que enrijece os membros, que afeta o raciocínio. Não acredito nestas mulheres que lutam pela memória dos filhos perdidos, que se vestem de estrelas para fazer campanhas, angariar fundos, transformar a dor. Devo ser uma velha ranzinza mesmo, nem sou politicamente correta, como a maioria que as elogia. Não. Elas só querem reviver o passado, mentir a si próprias que são felizes, que estão vivendo, quando estão mortas por dentro.

A noite está mais escura e as poucas luzes da esquina parecem amarelas, fracas, pintando portas envoltas em penumbras, repletas de vultos que produzem coreografias estranhas, mesclando seus corpos com sombras, deixando-os no vazio. Talvez um vazio tão grande como o de suas vidas. E a minha, não é tão vazia e inútil quanto a deles? Pelo menos, são jovens e fazem do seu corpo o que querem.

O vigilante do estacionamento dá seus primeiros sinais. Por certo, conversará com alguém que avance pelas redondezas, misturará a erva tranquilamente, mexendo com a bomba, ajustando o pó e sentará no degrau da calçada, cevando as horas, pedindo que o tempo passe. Será que ele gosta do que faz?

O velho não tem aparecido no quarto. A mesma penumbra tapando a poeira da cadeira desarrumada, com roupas atiradas, perdida num canto. Nem se aproxima da cama e puxa a cortina de filó como faz de costume. Por certo, piorou em suas dificuldades. Se ele morrer, quem ficará na janela, olhando para baixo, contando a sua vida, como se conversasse com um amigo? Talvez crianças correndo pela casa, batendo janelas, esticando-se no parapeito, pais assustados, colocando grades, enfurnando-as na sala do computador, desligando-as do mundo. Não é pra menos. O perigo ronda cada passo. No meu tempo era diferente. Mas daqui a 30, 40 anos, estas mesmas crianças talvez digam a mesma coisa. Que será do mundo, daqui pra frente?

O relógio do quarto bate 3 horas. Madrugada se adianta e sinto um estremecer no corpo, um pequeno calafrio que me percorre os braços. Sempre esfria neste período, mas especialmente hoje, há uma atmosfera sombria, que me assusta. Parece-me um frio interno, uma coisa orgânica, uma febre. Uma febre que me queima os miolos e me estremece a pele. Bobagem. Se eu morrer, não vai ser de febre. Sem dúvida, será de solidão. A velhas como eu, não é permitido desejar outra coisa, porque as perdas já esgotaram todo a adega de esperança. Falar em adega, e se eu tomasse um vinho? Sim, um vinho, ai,ai, ai, que idéia extravagante, Úrsula. Nem que fosse um vinho vagabundo, desses que a gente compra em queima de estoque. Desses aviltados pelo tempo, que não possuem rótulo de validade. E pensar que vinho bom é vinho antigo. Isso para os das safras nobres. Também pudera, a minha validade já tá vencida, já to usurpando o tempo. Nada mais justo do que tomar um vinho vagabundo.

Será que Susana gosta de vinho? Amanhã mesmo, vou comprar um bom vinho e guardar pro momento adequado. Ela merece. Também tem lá seus segredos e me parece que sua vida na é nada fácil. Mas quem não tem problemas, hoje em dia?

A mulher tinha que tomar tino de sua força. Tinha que se conscientizar que o seu poder está na sensibilidade, na possibilidade de abranger várias responsabilidades, diferentes do homem. De juntar e dividir ao mesmo tempo, sem prejuízo à causa. Mas preferem ser a mulherzinha, a mulher que se indigna pela submissão, mas pouco luta pelos seus direitos. Sabe, Rita, na verdade, não deveriam ser direitos, não deveria haver leis para proteger as mulheres, porque elas são seres iguais. São mesmo? Puta que pariu! Esta história de homem intelectual, que compreende a mulher, que julga que ela deva levantar bandeiras e lutar contra as vilezas do mundo, é tudo baboseira. Homem é tudo igual, na hora da cama, eles não pensam em igualdade. Querem submeter a mulher aos seus caprichos. E essa aí, a Susana, vem fazer a biografia do Jaime, como se fosse o defensor das mulheres. Ele era um homem bom, sem dúvida, um homem que me amava. Mas pra ele eu tava em Roma ainda, ou na Grécia antiga, sei lá. Era uma dama, fora da vida política, à margem da ordem social. O que eu era, afinal? A mulher que devia ficar em casa, cuidando dos filhos e dele, o filho maior! Pro homem, a mulher é mãe, a outra, ou mulher de malandro. Se a gente, você sabe Rita, demonstra que também sente prazer, é puta. Bom, isso era no meu tempo, com toda a intelectualidade, a inteligência e o discernimento do Jaime. Agora, as coisas mudaram. Mas mudaram demais, você não acha? Foram pro lado extremo. As mulheres estão com postura de homem e até assustam os pobrezinhos. E essa coisa de levantar bandeira, de lutar pelos direitos da mulher, esse feminismo retrógrado, é tudo sandice! Sei... sei, Rita. Sempre é preciso o exagero no início, na vanguarda de qualquer movimento, mas queimar sutiã na praça, convenhamos!

Lembro agora como se estivesse acontecendo neste momento. Ele andava envolvido com a política investigativa, na tentativa de encontrar furos no governo. Imagina, naquela época dura, da repressão. Tava pedindo. Mas as conversas, os encontros não se resumiam nisso, não. Como todo homem que se preza, estava entre os amigos, no bar mais bem frequentado da cidade, onde os boêmios e as mocinhas pintavam que nem mosca na.... você sabe. Eu estava grávida do Luisinho. Era um dia especial, porque eu havia recebido um convite. Você não vai acreditar, Rita, um convite para gravar o meu primeiro disco instrumental. Você sabe que eu tocava piano. Ele simplesmente não lembrou do fato. Quando ele chegou, eu estava furiosa, um rubor me tingia o rosto, um torpor me calava a boca. Ouvi o barulho do carro, um som de pneus riscando o piso e batidas desmanteladas pra todo o lado. Via o perfil se encaminhando na penumbra e chegando na sala, trocando as pernas. Não parecia o homem que eu amava, era um ser maltratado, amarfanhado, olhos fundos, em mangas de camisa, braços tão suados que prendia os pelos produzindo manchas escuras na pele.

¬– Meu amor, você preparou tudo isso aí, por que me esperou?

Ele sorria. O danado tinha um sorriso pra lá de bonito: franco, aberto, dentes emparelhados, à mostra. Sorria a ponto de me fazer recuar, de hesitar na minha ira, de abaixar as turbinas e aterrissar de mansinho. Meu coração romântico, meu amor contido me diziam coisas opostas à ira que avançava extrema, afirmavam que tudo que fazia era para ele, pra não me abandonar, pra ficar comigo, pra agradar minha alma.

–Desculpa, amor, não sabia. Que dia é hoje? – se equilibrava nas palavras, se desculpava na insanidade da vida alheia que vivia, longe de mim. Tentou me abraçar, cheirando a alho e bolinho de bacalhau. Me afastei do abraço desengonçado. Respondi absorta, apenas sentindo o cheiro forte que exalava, uma mistura de suor e comida.

–Não importa. Vou preparar um prato. Você comeu alguma coisa ou só bebeu?

–Só bolinho de peixe.
Me deu nojo o hálito de peixe, de bolinho chafurdando na banha. A cerveja comungando do cenário. Me afastei devagar. No móvel, ao lado do piano, a sua fotografia me fitando, naqueles olhos claros, intensos. Senti um desejo absurdo de beijá-lo, de vivenciar apenas o sonho, o ideal que aquele homem representava naquela imagem. E me envergonhei por isso. Parecia a outra, a vagabunda que não lavava suas cuecas, mas que ardia de desejo e paixão. Retirei-me devagar, afastando-me em direção à cozinha. Algumas lágrimas inevitáveis se insurgiam inoportunas em meus olhos. Sequei-as, rápido, com o dorso da mão esquerda. Voltei-me por um minuto e percebi que ele lia o convite para o contrato de meu primeiro disco. Acho até que chorou, pois fungou de um jeito estranho. Me seguiu até a cozinha, como uma sombra. Parou no umbral da porta, ainda se equilibrando nas pernas e nos pensamentos. Ouvi um resmungo, alguma coisa familiar que entendi como te amo. Nem sei se disse isso, mas me virei e abri meus braços pra ele.

Veja Rita, que feminista de meia-tigela eu era. E que canalha ele se mostrava! A Susana vai se decepcionar, não tenha dúvida. Também não sei. A mulher, por mais que se emancipe, quer um ninho, um aconchego, um abraço. Mesmo que de um canalha, feito o Jaime. Você não acha?

Fonte da ilustração: artigo Meu corpo, minhas regras do site http://maishistoria.com.br/meu-corpo-minhas-regras/

domingo, janeiro 10, 2016

EU E A POLÍTICA

Tenho observado através de conversas com amigos e por comentários das redes sociais, que algumas pessoas que não são engajadas politicamente ( condição a qual não são obrigadas a sê-lo), possuem restrições e até, salvo engano, me parecem temerosas com os que professam o regime de esquerda.

Eu, na verdade, sou praticamente leigo na seara da política, e tudo o que sei faz parte de minha experiência, enquanto cidadão, com os diversos governos que ocuparam o maior cargo da nação, entre vários partidos políticos, entremeado por uma ditadura feroz de direita.

Entretanto, atenuando esta minha ignorância, debrucei-me em diversas leituras, com autores reconhecidos e acho que adquiri, senão uma expertise na ciência política, pelo menos um conhecimento razoável de nossa história e nossas maneiras de conceber a cidadania de um país.

Não sou político no sentido estrito da palavra, nem filiado a nenhum partido, mas tenho minhas percepções do que considero certo ou errado, adequado ou incorreto nas decisões que influenciam a nossa vida.

Deixando este adendo, retomo o tema que abordei no início, sobre à má concepção pelas pessoas quanto ao sistema de esquerda. Talvez, essa deformação do pensamento ocorra em virtude da colossal propaganda política, que ligava os partidos de esquerda exclusivamente ao comunismo praticado na União Soviética, principalmente na época da guerra fria. Claro, que a propaganda dirigida pelos Estados Unidos e plenamente acolhida aqui em nosso País, retratava a esquerda como portal do inferno, onde somente havia governos totalitários, cuja meta principal era  aniquilar as formas de pensar diferente, isso discutindo apenas de uma maneira rasa.

Sendo assim, ocultavam sorrateiramente o perfil antidemocrático da ultra-direita, que grassava nos países detentores do poder no mundo, como a Inglaterra e os Estados Unidos.

O império americano se notabilizava em favorecer o racismo,  na tortura de dissidentes ou espiões presumíveis de outros países, na busca desenfreada pelos comunistas locais, como atores, escritores, filósofos e outros e ainda se interpunha em países ameaçadores econômica ou politicamente (inclusive no Brasil pela CIA e outras intervenções).

Partilhavam da ideologia de que as guerras encomendadas, as invasões aos países, o controle do petróleo e manutenção do status quo do povo americano era a receita adequada para o poderio que pretendia alastrar pelo mundo, não importando a miséria dos outros povos, desde que seu privilégio fosse respeitado.

Eram dois mundos distintos, mas com objetivos até semelhantes, quando segregavam a liberdade, e impunham as suas regras totalitárias.

Tanto a direita totalitária, como a que enfatizou o nazismo, como a esquerda stalinista foram nefastas para a humanidade.

Há porém uma direita que se vale do capitalismo, do estado mínimo, da privatização das empresas estatais, objetivando a geração de riquezas, sem a participação do estado. É uma política excludente, que privilegia a burguesia, os grandes latifundiários, o setor bancário, promovendo a  riqueza na mão de poucos e impedindo a circulação do capital pela população mais pobre. Esta direita privilegia os grandes grupos e como consequência, aumenta a miséria. A sua ideia de  crescimento do país se dá através de um processo de especulação do capital, e quem ganha mais é a elite que possui contas no exterior e que, na maioria das vêzes, como num passado recente, não investia as suas riquezas no país.

De todo modo, não há como negar que  há medidas corretas, desenvolvimentistas, e que segundo a ótica do neoliberalismo, os resultados advém de um processo de ampliação do poder aquisitivo das grandes corporações, respingando na população, em virtude do  progresso de   seus investimentos.

Certamente, podem ter resultados, dos quais evito opinar por desconhecimento econômico, e inclusive acredito, que em certos governos de direita ou centro-direita, possa haver um processo com lisura e competência.
J

á, na esquerda, o foco principal é a valorização da classe mais carente, é o ajustamento das camadas sociais, transformando em iguais aqueles que são desprezados pela sociedade.

É o direito à cidadania, ao poder de compra, ao acesso ao trabalho e aos meios de produção, à inclusão das pessoas em diversos níveis de atividade, tanto no âmbito escolar, quanto na democratização da comunicação, dos direitos humanos e sociais. E tudo acontece a partir de medidas sociais e o aumento do capital, através da distribuição de renda, melhoria do mercado e oportunidade de oferta e procura dos bens.

Numa sociedade de consumo, como a nossa, é normal que os bens sejam distribuídos e que a indústria, o comércio, as empresas, os bancos e a população sejam contemplados.

É obvio que há grandes corporações que injetam grandes fortunas e absorvem o mercado, às vezes de forma abrangente e até agressiva. Mas, o fato de observar que centenas de pessoas saíram da linha de miséria, que a bolsa família é uma oportunidade para ingressarem no mercado de trabalho e dos bens e serviços, que os filhos estão incluídos neste processo, com a obrigação de manterem seus estudos, que os negros são respeitados e que leis de apoio às mulheres são elaboradas para a sua proteção, já capacita o sistema em ser o mais indicado para o país.

Como citei, não sou político, muito menos economista. Sou um escritor, que tenta expor aquilo que o emociona ou angustia, ou mesmo o instiga a exercitar a sua opinião. Utilizo a política, como um cidadão, como todo mundo. Tenho a pecha de ser de esquerda, como se fosse uma cicatriz ferrenha, como um estigma, visto que,  na maioria das vezes, as pessoas acreditam na balela de que os de esquerda tiveram uma lavagem cerebral para serem assim, seres tão radicais (sic).

Na verdade, não sou filiado a nenhum partido político, já votei no pt, no psd e até  no pdt.

Sempre digo que sou orientado à esquerda, mas prioritariamente humanitário, um cara que acredita nas medidas sociais, no acesso da sociedade à leitura, à internet, à universidade, à cultura, e acredito piamente que as cotas sociais e as medidas de ajuda financeira ou alimentar, são transitórias, até que a miséria seja afastada definitivamente de nosso pais.

Posso ser um idealista, mas tenho os pés bem no chão. Sei até onde os governos podem ir.

E se há corrupção, se há roubalheira, se há malfeitos, que sejam punidos, mas punidos de acordo com a justiça do país, sem maniqueísmos, que sigam  um modelo político ditado por uma mídia manipuladora, regida pela ideologia reacionária e econômica.

Em tempo, hoje em dia, as pessoas se manifestam no sentido de que não há mais diferença entre esquerda e direita. Não é verdade. Há conchavos políticos sim que integram estes dois regimes, há acordos com os quais, em sua maioria não aprovo, mas as diferenças são explícitas, a ponto de não haver convergência quando o assunto é a igualdade social. Estes argumentos, na verdade querem desestabilizar os poderes constitucionais do Brasil, através do descrédito da população, colocando em risco a democracia.

Portanto, quando os meus amigos me classificarem de esquerdista, o façam com a parcimônia dos sensatos e educados. Sou antes de tudo, um humanitário, que deseja que o povo de seu país seja o protagonista da história e não apenas um coadjuvante da riqueza de poucos.

domingo, outubro 11, 2015

MINHA APREENSÃO DA VIDA E A DOS OUTROS

Custou-me entender como se processam os pocionamentos e suas repercussões na mente das pessoas. Como enfim, acontece ou não o entendimento das discussões que colocamos em pauta, seja nas redes sociais, no grupos em que interagimos, nos encontros com amigos, etc. Custou-me perceber que as coisas não fluem com a delicadeza das flores da primavera, pelo menos, aquela de nossos sonhos. As coisas seguem o seu caminho muitas vezes tortuoso e árduo, de acordo com a experiência, conhecimento, tradição, cultura e apreensão da realidade de cada um.

Então, entendi que cada pessoa reage de acordo com a sua realidade interior, apreendida, assimilada e traduzida segundo os seus princípios e maneiras de pensar. Há muitas formas de expressar o que sentimos ou pensamos, mas para que haja a comunicação na íntegra, é preciso que os canais não sejam obstruídos por quaisquer ruídos. É preciso que o que pensamos ou sentimos não se manifeste apenas como um simples palpite ou uma opinião sem fundamento histórico, sem a compreensão de todos os aspectos que compõem o tema proposto. Precisamos estar bem embasados para expressar o pensamento. Nem sempre porém, o outro lado do canal possui esta mesma apreensão da ideia proposta. Ou mesmo, não possui conhecimento profundo sobre o tema, que o respalde para uma discussão fecunda. Pode ocorrer que tenha apenas um conhecimento superficial ou moldado na sua subjetividade, a partir de convicções enraizadas em sua cultura pessoal. Não se quer dizer que os ruídos produzidos sejam favoráveis (adequados ou melhores) de um lado (emissor) ou do outro (receptor). Os ruídos atrapalham a comunicação, entretanto, apesar dos ruídos com discordâncias pontuais, há que se levar em conta as discordâncias internas. Como modificar o outro, se pensa diferente? Como transformar o modo de pensar construído a partir de uma cultura enraizada desde a infância, ou passada por gerações e gerações? Como desconstruir toda uma história apreendida através de experiências pessoais e sociais que se manifestam sobrepondo a conceitos que não são aceitos por aquele grupo?

Claro que existe a evolução do pensamento, dos costumes, das ideias, para isso existem as vanguardas e as mudanças, muitas vezes paulatinas, mas firmes no andar da visão da humanidade. Mas nem tudo ocorre na urgência que queremos. Nem tudo é verdade absoluta. Nem tudo é criação única. Nem tudo é apropriação do bem comum ou do malefício estudado.

Custou-me entender a dificuldade em aceitar os meus preceitos, minhas ideias, meus pontos de vista por pessoas que possuem trajetórias tão semelhantes a minha. Mas, por fim, compreendi, que elas abstraíram o que a história familiar, a escola e princípios religiosos ou não-religiosos produziram na sua formação pessoal e lhes indicou conteúdos filosóficos que para eles representam o que seria o melhor para o planeta, para o país, para a cidade, para a comunidade, para a família, para o ser humano. Houve uma apreensão diferente da vida, tomando como em sentido amplo e geral do conhecimento adquirido, constituído de conhecimento acadêmico, empírico, valores familiares e princípios herdados. Entendi por fim, que todos tomamos os caminhos que consideramos os melhores para o país, para o bem estar humano, para a sociedade em que vivemos, para a nossa pequena comunidade social ou familiar e que nem sempre coincide com os caminhos escolhidos através de diferentes apreensões da realidade.

Deixando de lado os que somente dão palpites via de regra, embasados apenas em opiniões da mída ou os que exercem opiniões, porém sem o respaldo do conhecimento mais profundo, concentramos nossa atenção para os que se estabelecem uma relação de conhecimento profícuo e apreensão da realidade. Neste último caso, percebemos que pode ocorrer uma consonância e presumível identificação de ideias, desde que ocorra a reflexão e que cada um, a partir de suas apreensões pessoais da realidade, consiga fazer uma relação entre as suas opiniões próprias e as dos demais, embasados na apreensão mútua da especificidade do tema. Neste caso, descartam-se as paixões desenfreadas, tais como as disputas inócuas por futebol, pois cada um verá apenas as possibilidades de seu time, ou a discussão de dogmas religiosos, que jamais chegarão a um ponto de concordância. Por outro lado, nas considerações baseadas nos estudos sociais, na realidade que nos cerca, juntamente com as nossas realidades e culturas pessoais, pode ocorrer a sedimentação da sementes plantadas das discussões, cujos brotos vão robustecendo a democracia e aos poucos descortinando uma verdade que nos liberta. Aí, acontece a ruptura da lógica da arrogância, do preconceito, do conhecimento de uma só face, da verdade absoluta. Aí acontece a união de ideias.

Mas também me dei conta, que isso acontece em grupos muito pequenos. Grupos que divergem e que através de estudo e contemplação de paradigmas diferentes, aceitando ou discordando, mas interagindo através do raciocínio, do conhecimento e da percepção da realidade como ferramenta fundamental que possibilita uma tentativa de construção da verdade multifacetada. Nesta construção, deve ocorrer uma fenda que leve à libertação das amarras dos preconceitos, da arrogância, da visão única de pensar e de se bater numa única tecla, aquela que muitas vezes não pontua a frase final do ponto de vista.

Portanto, aprendi, que as nossas realidades e formas de registrá-las não devem ser impostas. Devem ser discutidas, analisadas, afagadas para que se desenvolvam numa concepção de ideia, no sentido de criar todas as perspectivas de realidade do mundo, numa intenção filosófica de como viver e vivenciar as situações que experienciamos. Entendi que cada um reage de acordo com suas convicções, sua compreensão da vida, seu caldo cultural construído desde a infância e sua história repassada por gerações, assim como eu que tenho a minha cultura formada pelo que apreendi. E que bom que seja assim, que todos tenhamos as nossas verdades, mas que não a queiramos impor a ninguém, a não ser que o nosso conhecimento adquirido induza à reflexão e opções de transformar a realidade de cada um. Se não pudermos fazer isso, ou por nossa incapacidade ou pela insuficiência do outro, que nos calemos.

Não posso impor ao outro que traz consigo todo um arsenal de experiências internas, a minha realidade política, os meus desejos políticos ou religiosos, as minhas ideologias. Posso sugerir, mas nunca impor. Posso tentar refletir, mas nunca manifestar apenas os aspectos inerentes a minha filosofia e não conceber a do outro. É na busca refratária de conhecimentos que se encontra o bordado capaz de tecer um mapa que sirva de bússola. Uma bússola somente. Sem ser guiada, porque possui os seus próprios paradigmas e seus próprios destinos. Pelo menos, aqueles que desafia a humanidade para que se torne melhor.

domingo, agosto 02, 2015

QUAL SERIA O ACONTECIMENTO MAIS IMPORTANTE DA SEMANA?

Qual seria o acontecimento mais importante da semana? Talvez escolhêssemos no campo político, na economia, ou na área das ciências, da cultura ou mesmo nos assuntos cotidianos mais banais. Acho mesmo que aí está a resposta a nossa pergunta. Os assuntos banais, corriqueiros, comezinhos, que fazem parte de nosso dia a dia, sem grandes brilhos, oscilar das bolsas ou vultosos negócios. É ali, na nossa rotina que acontecem os grandes temas, as grandes manifestações de sentimentos, de sensações, de usufruir o que chamamos vida, existência, o estar no mundo. E estar é muito mais do que apenas viver, sobreviver, mastigar o dia pelas pontas, levando em conta as tarefas de roldão, sem pensar nelas, sem refletir os próprios comandos ou atividades. Faz-se tudo burocrático, organizado, produzindo caminhos iguais, onde trilhemos com segurança e precisão. Sentimos então o tempo passar rapidamente, porque nos acomodamos aos grandes acontecimentos, nos detemos nas grandes realizações e estas não ocorrem todo o dia, ou para todos. Até mesmo, as chamadas celebridades inventam fatos extravagantes para sobreviverem, para continuarem “celebridades”. É preciso, então, vivenciar as pequenas coisas, maturar o que está ao nosso encalço, sem muita preocupação com o produzir intermitente. Quem sabe observar mais, falar menos, ver no outro e ver em nós mesmos muito mais do que a nossa capacidade visual nos permite. Outras possibilidades, outros objetivos. Ver além. Examinar a beleza das coisas nos detalhes, nos meandros, nos desenhos das figuras que se formam, nas pessoas, nas plantas, nos céus riscados de vermelho ou nos pingos de chuva e frio que nos oprimem. Ver além. Ver apenas com os olhos mais puros do espírito. Parar para ver. Vasculhar menos as páginas policiais e ter mais afã nas páginas de cultura ou de diversão. Ter um olhar enviesado, obliquo, quase dissimulado para as coisas que não aproveitam o nosso espírito. Procurar trajetórias não tão retilíneas, não tão planas, tão diretas, tão cercadas de cuidados. Negligenciar um pouco nos caminhos, para ver o que nossos olhos esquecem, olhando para dentro, centrados em contas, compromissos, inseguranças. Ver o mundo com um olhar mais atento, mais apurado, sem medo e alargar horizontes, encontrar os meios de erigir outras raízes, colher outras frutas, ouvir outros falares, outros matizes. Viver assim, sem compromisso, a não ser com as coisas pequenas, mas que nos dizem muito. Vez que outra, pesquisar as demais, sem renunciar à realidade, mas principalmente concentrarmos nossas energias nos pequenos prazeres, para não perturbar a alma e saber assim, entender o mundo. Viver desta forma, o tempo não passará tão depressa, porque passaremos a ter mais contato conosco, usufruindo o que trazemos de dentro e não nos enchendo de conceitos, imagens e argumentos de fora.

quarta-feira, junho 03, 2015

A política e os palpites

Às vezes, me pergunto o que dizer em relação aos inúmeros posts que vejo nas redes sociais, especialmente no facebook. Na verdade, não há muito o que dizer: há a verdade de uns e a verdade de outros. Principalmente, no que se refere à política, as pessoas escolhem seus artigos ou piadas, ou mensagens, de acordo com a sua ideologia política ou mesmo a falta dela. Infelizmente, não há um consenso na maneira de exporem os fatos. Claro que nao vá se esperar que se pense de forma padronizada, mas que se pense observando os dois lados, examinando os vários â
ngulos e as diversas hipóteses para os dados. E por fim, deve-se contextualizar o que se afirma. De todo modo, há divergências em todas as discussões, o que é sadio e natural. Entretanto, não se deveria apenas publicar temas que foram interpretados por outrem, manipulados de acordo com a ingerência do interesse pessoal ou institucional. Dever-se-ia pensar no bem comum, na realidade que abarcasse todos os pontos de vista ou pelo menos que contemplasse as visões de cada um moldadas na verdade, nos conceitos maturados e discutidos de determinado assunto. Esperemos que as coisas melhorem, que as pessoas analisem mais detidamente os temas que dão seus palpites e que não entrem na rotina dos manipuladores, seja de um lado, quanto de outro. Vamos esperar.

sexta-feira, abril 29, 2011

O CANDIDATO A CANDIDATO

Hilário sorriu. Os dentes brancos, recém maquiados pelo ortodentista, o olhar apaziguado de quem se revela num acervo de poemas menores, eficazes para certas ocasiões. Apertou o tubo do creme dental com o cabo da escova de dentes, alisando com eficácia o material amassado no calor do plástico. Por certo, hoje, o mundo lhe abriria um novo sorriso, tão seguro quanto o seu. Mas as coisas se arranjariam do modo mais adequado. Ele consertaria os pneus traseiros do carro, empreenderia pequenas viagens, visitaria os tios velhos e os primos desalentados. Ali cravaria a sua placa. O seu pendor de vencedor; superar obstáculos era sua meta. Portanto a hora era agora.


Ajeitou o paletó, balanceando o corpo e firmou o nó da gravata, assegurando a simetria. Puxou os cabelos para trás, desalinhando apenas alguns fios, até parecer natural. Sorriu mais uma vez, lambeu os lábios, e se imaginou no meio do palanque, apertando mãos, acenando para conhecidos, correligionários, autoridades.
Afastou-se do espelho da velha cômoda e sentou-se. Doeram-lhe as carnes magras da bunda, chocando-se ao colchão duro e deformado. Abaixou-se, calçou com cuidado os sapatos e respirou fundo. Agora nada mais faltava. Apenas um detalhe, pensou. Abriu a gaveta do bidê, tirou um bloco de anotações, leu algumas linhas de um pequeno discurso e recitou o próprio nome, várias vezes. Hilário Bandeira. Hilário Bandeira. E acrescentou: candidato.
Em seguida, na rua, atravessava o pequeno parque que fazia fronteira do seu bairro com o do largo da prefeitura. O parque parecia vazio. Um ou outro transeunte, carregando sacolas, oriundos de alguma loja próxima. Aos poucos, estes também desapareciam, como se a única finalidade consistia em evadir-se daquele lugar ermo. Hilário sentiu um certo aperto no peito, uma dor miúda, que mastigava por dentro, como se o alertasse de alguma coisa mal sucedida. De repente, avistou um homem, finalmente havia mais alguém no parque e que talvez se dirigisse também ao palanque. Entretanto, o homem se distanciava a tal ponto, que quase não o avistava, a não ser uns trejeitos estranhos, uma maneira incomum de se vestir. Tentou identificar as vestimentas que mais pareciam uma fantasia de carnaval. Nada lhe vinha à mente conturbada. A figura estranha que se afastava, quase numa nuvem de poeira, ou névoa, ou fumaça, sabe-se lá o quê, produzia um sentimento de intensa perplexidade. Hilário franziu a testa, apertou os olhos e forçou a visão como pode para identificar o homem que se afastava naquele parque vazio. Aproximou-se do banco de pedra, próximo àquela árvore retorcida que costumava engendrar brincadeiras com os meninos do bairro, fingindo-se de herói nos tempos em que estes existiam, e sentou-se, inquieto. A parte posterior das coxas lhe doía pelo gelado da pedra. Na testa um suor desavisado empapava as sobrancelhas. Tocou-a levemente, roçando o anel vermelho e pensou estar com febre. Temia que alguma coisa terrível lhe acontecesse, afinal, tudo parecia ser um prenúncio de tragédia. Por fim, suspirou aliviado. Conseguiu visualizar, já na esquina, quase na curva que desembocava na prefeitura, o homem que se afastava tão rápido e assim, de maneira acautelada. Então era isso. A situação era tão simples e ao mesmo tempo tão absurda. Como ele não tinha percebido? Era um toureiro. O homem estava vestido de toureiro e se adiantava nos passos porque se dirigia à arena. Sim, à arena dos touros. As calças brancas, muito justas desde a cintura, aparteadas por um pequeno colete prateado. Se pudesse ver melhor, teria a certeza de que ele carregava alguma coisa na mão. Talvez uma espécie de lança, provavelmente para desafiar e investir contra o touro. Também observou-lhe a capa vermelha que esvoaçou ao dobrar na esquina. Nesse momento, não o viu mais.
Hilário levantou-se do banco de pedra, acabrunhado. Aquela revelação não era nada auspiciosa. Afinal de contas o que faria um toureiro no largo da prefeitura. Onde estariam todos? Onde estariam os convidados, as autoridades, inclusive, algumas celebridades? Era o dia dele, o dia do candidato, a sua chance de subir no palanque. Mas aquele homem, vestido daquele jeito... Bom, melhor não pensar nisso, agora, e seguir em frente. Certamente, a coisa mudaria de figura, logo que ele também dobrasse a esquina e ouvisse as bandas e o povo bradando o seu nome. Por fim, ele, espalhando sorrisos, enquanto pisasse firme em direção ao palanque.
Entretanto, outra circunstância extraordinária repentinamente saltou aos olhos de Hilário. Ao se aproximar do largo da prefeitura, o piso não era mais aquele emaranhado de ladrilhos bem dispostos, formando desenhos articulados, escolhidos a dedo por arquitetos que compunham a história da cidade. Não, ao contrário, era um chão tosco, no qual ele sujava os pés numa poeira vermelha, e seus sapatos de solado de couro riscavam com a lama seca. Hilário evitava olhar os pés e assim, já perdera toda a elegância. Seus olhos tingiam-se de vermelho e sua boca estava seca, como se atravessasse o deserto e apenas o líquido do suor de seu rosto era o que lhe cabia. Seu coração disparava, agitado. Temia que de repente, surgisse da primeira curva empoeirada, um touro ensandecido e que as pessoas disparassem pendurando-se em muros, em árvores, nas janelas das casas, nas grades dos portões e ele devesse enfrentar a fera sozinho.
Hilário recuou alguns passos, temendo ver mais do que sua imaginação criava. Mas era tudo real. O largo da prefeitura, antes ornamentado com flores e jardins, agora virado numa saga de animais ferozes e pessoas tresloucadas. Como se todos estivessem possuídos por uma droga potente, a ponto de transformar seus raciocínios, transportando-os a um mundo medieval. E não havia palanque. E desaparecera o imponente prédio da prefeitura. E não estavam as autoridades, nem os amigos, os conselheiros,os colaboradores. Apenas aquele terreno vazio e aquela turba delirante. Aquele povo de cara suja e olhos alucinados, torcendo que o sangue empapasse a lama, tingindo-a de vermelho e marrom, aprofundando a cor tenra em seara madura.
Num gesto reflexo, Hilário acelerou o passo. Um movimento que o assombrou a tal ponto de pensar que estava cometendo um suicídio. Mas tinha consigo que devia seguir em frente. As pernas magras balançavam dentro das calças. O olhar ponderava ao longe um ar de indagação. Que poderia haver além daquelas trincheiras, daquele povo que se acotovelava na volta da arena? Então, avistou um pequeno grupo de pessoas vestidas de palhaço, com nariz vermelho e roupas largas. Traziam consigo, pequenas lanças, tal como o toureiro, que a estas alturas devia estar encavado em algum canto obscuro, pois desaparecera completamente de seu campo de visão. Caminhavam devagar, observando as pessoas que riam de suas caras engraçadas. Um que outro dava cambalhotas, mas só um que outro. Os demais permaneciam no passo ritmado e nem pareciam felizes. A missão devia ser árdua. Hilário teve a impressão de avistar uma lágrima em uma das faces e às vezes, eles se davam as mãos, como se precisassem se apoiar uns nos outros.
Hilário parou novamente e olhou em torno, ouvindo os assobios e gritos agitados do povo. Teve a impressão de que o mundo inteiro se transformara numa sangrenta arena e que os touros eram fantoches criados apenas para satisfazer os donos do poder. O tolos que explodiam em pontapés, acotovelando-se e rindo às estribeiras nem se davam conta, que tudo não era uma simples diversão. E o que havia por detrás da batalha era muito mais intenso do que a população festejava. Hilário desta vez, não recuou. Ficou como estava, patético, petrificado. Finalmente, ele compreendeu tudo.
Naquela disputa, talvez não haja espaço para ele. Ou talvez ele precise usar a lança para espetar o touro. Ou seja ele, touro, não sabe. Em algum momento, porém, ele dará lugar a outro, mais jovem, com número maior de eleitores, com sorriso mais branco.
Pensando assim, tentou afastar-se, mas na sua frente, do nada, apareceu o toureiro. Hilário até sorriu, mas sua alegria durou pouco. O outro investia contra ele, com a mesma lança que avistara ao longe, a capa vermelha esvoaçando ao vento e um sorriso seguro, de quem tem a vitória estampada nos lábios.
Hilário viu-se ameaçado pelas costas, tal como o touro e não conseguia enfrentar o inimigo, muito menos encará-lo com o mesmo poder. Sentia a lâmina rasgar suas carnes, o ferro borrifando pequenas faíscas no sangue que vertia rápido, sujando a lama seca da arena. Naquele momento, ele percebeu que não era o candidato. Que não era um ser humano. Que não era ele.

domingo, julho 12, 2009

HIATO E PONTOS DE VISTA



Nem sempre o olhar mais profundo sobre as coisas que nos cercam é o racional e objetivo. Na maioria das vezes, é preciso ressaltar o sentimento, mesmo obtuso, mesmo dilacerado, mesmo engendrado em nuvens longínquas e escuras que toldam a alma e o pensamento, pois através destas lembranças ou idéias inusitadas, surge o verdadeiro esqueleto da realidade. Uma realidade não tão idealizada ou limpida ou verdadeira, uma realidade onde a ficção e a poesia se escondem em meandros tão obscuros que se torna difícil decifrá-la. Entretanto, para o autor é necessário se utilizar das lembranças, da infância, dos ditos populares, da imaginação para representar esta realidade e este desejo infinito do homem de ser feliz. Através dos contos e crônicas do livro Hiatos e pontos de vista" (que está na rede), procuro exercer esta faculdade da imaginação e das lembranças, tentando efetivar um olhar curioso e inquisidor, às vezes infantil, às vezes maduro, às vezes alucinado, mas sempre voltado para a condição humana. Talvez viver seja isto, vivenciar o que de bom e nefasto o homem adquire e repassa através de suas trajetórias perturbadas ou não. São contos e crônicas onde o amor e a busca da verdade prevalecem. Basta olharmos com olhos amorosos o outro ou a nós mesmos. Recordações que todos tivemos um dia. Ou vamos ter.

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