
Custou-me entender como se processam os pocionamentos e suas repercussões na mente das pessoas. Como enfim, acontece ou não o entendimento das discussões que colocamos em pauta, seja nas redes sociais, no grupos em que interagimos, nos encontros com amigos, etc. Custou-me perceber que as coisas não fluem com a delicadeza das flores da primavera, pelo menos, aquela de nossos sonhos. As coisas seguem o seu caminho muitas vezes tortuoso e árduo, de acordo com a experiência, conhecimento, tradição, cultura e apreensão da realidade de cada um.
Então, entendi que cada pessoa reage de acordo com a sua realidade interior, apreendida, assimilada e traduzida segundo os seus princípios e maneiras de pensar. Há muitas formas de expressar o que sentimos ou pensamos, mas para que haja a comunicação na íntegra, é preciso que os canais não sejam obstruídos por quaisquer ruídos. É preciso que o que pensamos ou sentimos não se manifeste apenas como um simples palpite ou uma opinião sem fundamento histórico, sem a compreensão de todos os aspectos que compõem o tema proposto. Precisamos estar bem embasados para expressar o pensamento. Nem sempre porém, o outro lado do canal possui esta mesma apreensão da ideia proposta. Ou mesmo, não possui conhecimento profundo sobre o tema, que o respalde para uma discussão fecunda. Pode ocorrer que tenha apenas um conhecimento superficial ou moldado na sua subjetividade, a partir de convicções enraizadas em sua cultura pessoal. Não se quer dizer que os ruídos produzidos sejam favoráveis (adequados ou melhores) de um lado (emissor) ou do outro (receptor). Os ruídos atrapalham a comunicação, entretanto, apesar dos ruídos com discordâncias pontuais, há que se levar em conta as discordâncias internas. Como modificar o outro, se pensa diferente? Como transformar o modo de pensar construído a partir de uma cultura enraizada desde a infância, ou passada por gerações e gerações? Como desconstruir toda uma história apreendida através de experiências pessoais e sociais que se manifestam sobrepondo a conceitos que não são aceitos por aquele grupo?
Claro que existe a evolução do pensamento, dos costumes, das ideias, para isso existem as vanguardas e as mudanças, muitas vezes paulatinas, mas firmes no andar da visão da humanidade. Mas nem tudo ocorre na urgência que queremos. Nem tudo é verdade absoluta. Nem tudo é criação única. Nem tudo é apropriação do bem comum ou do malefício estudado.
Custou-me entender a dificuldade em aceitar os meus preceitos, minhas ideias, meus pontos de vista por pessoas que possuem trajetórias tão semelhantes a minha. Mas, por fim, compreendi, que elas abstraíram o que a história familiar, a escola e princípios religiosos ou não-religiosos produziram na sua formação pessoal e lhes indicou conteúdos filosóficos que para eles representam o que seria o melhor para o planeta, para o país, para a cidade, para a comunidade, para a família, para o ser humano. Houve uma apreensão diferente da vida, tomando como em sentido amplo e geral do conhecimento adquirido, constituído de conhecimento acadêmico, empírico, valores familiares e princípios herdados. Entendi por fim, que todos tomamos os caminhos que consideramos os melhores para o país, para o bem estar humano, para a sociedade em que vivemos, para a nossa pequena comunidade social ou familiar e que nem sempre coincide com os caminhos escolhidos através de diferentes apreensões da realidade.
Deixando de lado os que somente dão palpites via de regra, embasados apenas em opiniões da mída ou os que exercem opiniões, porém sem o respaldo do conhecimento mais profundo, concentramos nossa atenção para os que se estabelecem uma relação de conhecimento profícuo e apreensão da realidade. Neste último caso, percebemos que pode ocorrer uma consonância e presumível identificação de ideias, desde que ocorra a reflexão e que cada um, a partir de suas apreensões pessoais da realidade, consiga fazer uma relação entre as suas opiniões próprias e as dos demais, embasados na apreensão mútua da especificidade do tema. Neste caso, descartam-se as paixões desenfreadas, tais como as disputas inócuas por futebol, pois cada um verá apenas as possibilidades de seu time, ou a discussão de dogmas religiosos, que jamais chegarão a um ponto de concordância. Por outro lado, nas considerações baseadas nos estudos sociais, na realidade que nos cerca, juntamente com as nossas realidades e culturas pessoais, pode ocorrer a sedimentação da sementes plantadas das discussões, cujos brotos vão robustecendo a democracia e aos poucos descortinando uma verdade que nos liberta. Aí, acontece a ruptura da lógica da arrogância, do preconceito, do conhecimento de uma só face, da verdade absoluta. Aí acontece a união de ideias.
Mas também me dei conta, que isso acontece em grupos muito pequenos. Grupos que divergem e que através de estudo e contemplação de paradigmas diferentes, aceitando ou discordando, mas interagindo através do raciocínio, do conhecimento e da percepção da realidade como ferramenta fundamental que possibilita uma tentativa de construção da verdade multifacetada. Nesta construção, deve ocorrer uma fenda que leve à libertação das amarras dos preconceitos, da arrogância, da visão única de pensar e de se bater numa única tecla, aquela que muitas vezes não pontua a frase final do ponto de vista.
Portanto, aprendi, que as nossas realidades e formas de registrá-las não devem ser impostas. Devem ser discutidas, analisadas, afagadas para que se desenvolvam numa concepção de ideia, no sentido de criar todas as perspectivas de realidade do mundo, numa intenção filosófica de como viver e vivenciar as situações que experienciamos. Entendi que cada um reage de acordo com suas convicções, sua compreensão da vida, seu caldo cultural construído desde a infância e sua história repassada por gerações, assim como eu que tenho a minha cultura formada pelo que apreendi. E que bom que seja assim, que todos tenhamos as nossas verdades, mas que não a queiramos impor a ninguém, a não ser que o nosso conhecimento adquirido induza à reflexão e opções de transformar a realidade de cada um. Se não pudermos fazer isso, ou por nossa incapacidade ou pela insuficiência do outro, que nos calemos.
Não posso impor ao outro que traz consigo todo um arsenal de experiências internas, a minha realidade política, os meus desejos políticos ou religiosos, as minhas ideologias. Posso sugerir, mas nunca impor. Posso tentar refletir, mas nunca manifestar apenas os aspectos inerentes a minha filosofia e não conceber a do outro. É na busca refratária de conhecimentos que se encontra o bordado capaz de tecer um mapa que sirva de bússola. Uma bússola somente. Sem ser guiada, porque possui os seus próprios paradigmas e seus próprios destinos. Pelo menos, aqueles que desafia a humanidade para que se torne melhor.
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