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sábado, abril 29, 2023

A tormenta

O silêncio dos passos na casa. O silêncio das vozes, das falas, dos risos. O silêncio das ondas, dos mares, dos pássaros. O silêncio das corujas na areia fria das dunas. O silencio dos ventos. Por que tudo é silêncio, quando o meu coração grita profundo, como a tormenta? Talvez porque as flores que vi, já não migram pelos mesmos caminhos, seus pólens não mais transitam entre os canteiros, e suas pelugens brancas não adornam meus ombros.

Quisera ouvir mais vozes, sentir mais aromas, perceber novos avanços, alcançar outras conquistas. Jamais ouvir o ribombar dos mísseis, mesmo que sejam apenas ecos que repercutem como lamentos em meus ouvidos.

Quisera ter a boca seca por gritar, usar a revolta dos oprimidos para bradar as falas mudas dos que morrem nos escombros, como animais submersos na poeira das tragédias. Quisera ser ouvido. Mas o silêncio me impede de falar. O silêncio dos que suportam as dores alheias e subornam a realidade. A dor que carregam é sempre mais pesada do que a do vizinho. Precisam fingir que nada além de suas fronteiras acontece. E tem razão nesse pensamento. Mas há razão num mundo em guerra? Por que tenho que sorrir, falar coisas alegres e vazias, se meu coração também sangra como os pedaços humanos arremessados à poeira das ruas destroçadas?



Ilustração: www.pixbay.com/johnhain

sexta-feira, fevereiro 08, 2019

A chegada ou a partida?


Todos queriam saber o que tinha acontecido com Norton. Nem ele sabia, mas tinha consigo que devia fazer alguma coisa a respeito. Seu corpo estava trêmulo e pela primeira vez em sua vida, sentiu medo de morrer. Era como se uma espécie de pânico investisse contra o bom senso e temesse um descontrole que impactava os seus pensamentos. Por um momento, imaginou que a balsa afundaria e o céu agora completamente encoberto, desandasse sobre aquela centena de carros que, através dela, atravessavam o canal. Uma nuvem espessa toldava ainda mais sobre sua cabeça.

As pessoas saíam dos veículos para apreciarem o vendaval que se aproximava. Pensou que estavam enlouquecendo. Não era hora de passearem pela balsa, ao contrário, deviam se resguardarem dos raios.

Pingos grossos começavam a cair e seu coração bateu mais forte. Se aquela maldita balsa ficasse à deriva, com aquela centena de carros e caminhões, perdidos em pleno oceano. Se afundassem, ele subiria no caminhão mais alto e esperaria o socorro, caso viesse. Também duvidava de algum salvamento.

Tudo era possível na tortuosidade de seus pensamentos. Tudo era viável e imediatamente aceito pelo seu egocentrismo.

Norton tinha dessas coisas: pensar muito em si. Mas agora, sentia de algum modo uma mudança radical no Universo. Alguns pais correram para os carros quando um raio riscou o céu e parecia clarear tudo por ali. Crianças junto, mas logo em seguida, estas também se afastavam dos automóveis e brincavam com os pingos d`água cada vez mais intensos. Algumas mães se solidarizavam com os filhos e aproveitavam a chuva que desandava. Algumas até faziam selfies.

Os homens se antenavam com a ocorrência e se resguardavam encostados nos caminhões de containers. Pareciam calmos.

Mas para Norton, tudo estava errado. Era como se a terra, de repente, fosse plana e este geocentrismo de Ptolomeu se tornasse uma atualidade indiscutível. Também como se a milícia fosse um bem para a comunidade, bem alicerçada nas lideranças e que devesse fazer parte do governo.

Era como se o tacanho, o tosco e estúpido tomasse a vanguarda das ideias e ações. Como se o País estivesse pronto para invadir fronteiras e destruir nações, seguindo a cartilha imperialista.

Como se o retrocesso e a ignorância fossem pontos de partida para uma mudança de conceito e de experiência nacional.

Como se uma nova ordem cósmica estabelecesse o criacionismo como verdade inflexível e os homens de bem fossem aqueles que se preparassem para destruir os diferentes. Como se a diversidade fosse doença.

Como se o fascismo imperasse e mostrasse a cara sinistra sob o jugo da desigualdade e intolerância.

Como se o mundo desandasse como esta chuva que invade a balsa. Norton quer chegar em terra firme, logo, mas não será pior a chegada do que a partida? Quem sabe, partir é mais seguro.

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