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sexta-feira, junho 23, 2017

Quem é este homem?

Que é este João? Quem é este eremita que viveu recluso no deserto para pregar às margens do Rio Jordão?

Que destino extraordinário por bem lhe coube de anunciar a chegada do Messias?

Quem era este homem que batizava, mergulhando as cabeças dos seguidores, tornando-os cristãos, e trazendo para o “reino” os que não acreditavam?

Quem era esse homem sem meias palavras, sem maniqueísmos ou dissimulações, que exigia a conversão verdadeira e o arrependimento real dos pecados? Que exigia uma vida digna e honrada dos que o seguiam? Que denunciava os vícios e as injustiças?

Quem era este menino que ficou em segundo plano, mesmo tendo vindo antes, com uma mensagem austera e fiel aos seu princípios?

Quem era este homem, que não se sentia digno de atar as correias das sandálias de Jesus? Que afirmou que Jesus viria com maior poder do que ele, e que não batizaria na água, mas com o Espírito e em fogo? Quem era este homem humilde que batizou o Mestre, induzido a ser o precursor, aquele que viria antes e que, através dele, Jesus consolidou a solidariedade para com os homens.

Quem era este homem que incomodava os poderosos?

Quem era este homem frágil e ao mesmo tempo vigoroso e veemente, que lutou contra as injustiças, contra a hipocrisia, contra as relações falsas do Imperador, sua amante e cunhada, a filha e troca de favores indignos. Um homem que não se abateu ante a força do poder, que enfrentou Herodes, a amante e rainha Herodias e sua filha Salomé, a ponto de colocar na berlinda, como prêmio, a sua cabeça decapitada.

Quem é este homem que preparou os caminhos do Senhor?

Quem é este homem que humildemente mostrou-se muito maior na própria grandeza humana e que se fez menor para cumprir a missão profética.

Este é João. O João Batista. O João que transformou o batismo, deixando um legado para os que preservam os valores da humildade, o ficar na penumbra para iluminar o outro, o arregimentar a construção, para que a moradia se estabeleça.

Que muitos Joões surjam e preparem no seu anonimato, os caminhos da liberdade, do auxílio aos oprimidos, da compreensão de que dar o peixe significa pouco, mas é uma maneira de alimentar não somente o corpo, mas a alma, para que se aprenda com o exemplo.

Queria ser um João, sem ter a presunção de seu protagonismo e sua santidade, sem sua força profética, sua missão, seu messianismo. Queria ser um pouquinho de João, com a coragem de gritar às injustiças, de mostrar as incongruências da sociedade emburrecida, de lutar com garra pela insensatez de aceitar o feio, o faminto, o marginalizado, o craqueiro, o invisível, sem a náusea característica dos que só aceitam o belo, obtusos à realidade que nos cerca.

Queria ser um João agitador, agressivo, impetuoso, mas acima de tudo, um homem de Deus, da paz, da verdade, um mártir. Ou seja, um black bloc às avessas (e sem máscara), cuja única destruição seria a dos preconceitos e da manifestação manipuladora.

Ele usou as ferramentas da palavra, do discurso inflamado, do apontar o erro sem medo e sem disfarces, baseado na fé e na verdade. Que usemos também as que temos ao nosso alcance para alimentar um mundo novo, sem tanta mágoa, decepção, dor, pobreza, miséria, abandono, preconceito, mentira. Ferramentas da escrita, da voz, da ação, do trabalho, da oração. Enfim, um pouquinho de João é suficiente para aplainar o mundo que o Mestre deixou.

Oração a São João Batista

Glorioso São João Batista, que fostes santificado no seio materno, ao ouvir vossa mãe a saudação de Maria Santíssima, e canonizado ainda em vida pelo mesmo Jesus Cristo que declarou solenemente não haver entre os nascidos de mulheres nenhum maior que vós; por intercessão da Virgem e pelos infinitos merecimentos de seu divino Filho, de quem fostes precursor, anunciando-o como Mestre e apontando-o como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, alcançai-nos a graça de darmos também nós testemunho da verdade e selá-lo até, se preciso for, com o próprio sangue, como o fizestes vós, degolado iniqüamente por ordem de um rei cruel e sensual, cujos desmandos e caprichos havíeis justamente denunciado.

Abençoai todos os que vos invocam e fazei que aqui floresçam todas as virtudes que praticastes em vida, para que, verdadeiramente animados do vosso espírito, no estado em que Deus nos colocou, possamos um dia gozar convosco da bem-aventurança eterna. Amém.

quinta-feira, julho 14, 2016

IOLANDA

Fonte da ilustração: Aravind kumar, do site https://pixabay.com

Iolanda desceu as escadas lentamente. Na rua, um silêncio absurdo parecia isolar a praça do resto do mundo. Espiou pela porta do prédio e viu o ambiente amplo, completamente vazio. Sombras de árvores deitavam em bancos de pedra. Alguns caminhos irregulares. Afastou a porta devagar, deslocando-se em ritmo lento pela calçada. Estava sôfrega.

Um cansaço parecia acumular-se nos ombros. Aflita dirigiu-se à praça, atravessando a avenida deserta. Que horas seriam? Mais de 3 horas num numa madrugada qualquer da semana, sem qualquer possibilidade de movimento. Um cão ladrava ao longe e uma pequena brisa começava a sacudir as folhas das árvores. Olhou para o alto. A lua desaparecia lenta, por entre nuvens e o céu tomava um negrume extraordinário. Se não fossem as luzes da cidade, tudo estaria numa escuridão total.

Decidiu sentar-se e a madeira do banco martirizava a sua coluna. Mexia o corpo para frente, de vez enquanto para apaziguar a dor. Se pudesse, voltaria para o apartamento, aliás, se pudesse, voltaria ao passado.

Chegaria em casa e observaria Samuel estirado na cama desfeita, com o corpo seminu, o dorso à mostra e algumas roupas na cadeira, à espera do dia seguinte. Retiraria a carteira do bolso com cuidado, tentando não acordá-lo e perscrutaria tudo que houvesse ali dentro: documentos, alguma fotografia, talvez pequenas anotações e até dinheiro. Não mexeria em nada. Apenas olharia com a calma dos inocentes, como dizia o poeta. Alisaria a carteira junto ao peito, como se fosse um bem precioso e depois a devolveria, com o mesmo cuidado e carinho. Mais tarde, se deitaria ao seu lado e talvez nem dormisse; apenas ficasse observando-o como quem observa um deus. Um deus não deve ser observado, pensou, ele é quem observa, quem abençoa e traz a paz.

Ele é quem ama e cuida e protege e conforta o bem amado. Ela era apenas o ser que se sentia protegida, o ser que só existia em função daquele deus.

Agora, porém, não podia voltar atrás. O passado não lhe pertencia mais. O segundo atrás já não era seu. O mundo girava e a vida prosseguia, mas o ritmo não era seu. Por mais que se esforçasse estava ali, parada naquela praça escura e sem ninguém e como gostaria de ser possuída, estuprada, vilipendiada para ter o que realmente lhe pertencia: o nada. Nada ser, nada possuir, nada pertencer.

No entanto, tudo se resumia àquela pasmaceira da leve brisa que nem revirava as folhas nem lambia a testa, por mais que esperasse um bafejo qualquer, um suor do clima, uma lágrima do sereno. Se houvesse neblina e turvasse a noite, se ela desaparecesse na confusão de folhas, árvores, lama, postes, prédios e luzes, quem sabe o nada sobressairia na sua presença. Tão intensa e real como as outras.

Daqui a pouco, luzes viriam e a madrugada também seria passado. Daqui a pouco, voltaria para o velho apartamento e tudo seria o que sempre foi: o bradar do deus e o curvar-se à voz. Entretanto, mesmo amando e obedecendo, sabia que Samuel não mais a olharia com qualquer afeto ou demonstraria qualquer proteção. Sabia que veria a indiferença cada vez mais escancarada e sua boca se abriria para desfazer o pouco que lhe restara: alguma dignidade.

Agora, ele era pai. Não o amado, o homem que a subjugara pela atração física e paixão, o amante, mas sim o pai de um filho que não era seu. Com uma mãe, que não era ela. E lhe dissera com todas as letras e fonemas.

Quando o dia aos poucos surgiu, Iolanda fez o caminho inverso.

Olhou para o alto e ainda avistou uma estrela quase sumindo, dando lugar ao azul ainda escuro. As árvores da praça agora sacudiam mais forte, o vento até zunindo nos ouvidos. Os cães silenciaram e ela não mais sôfrega, nem cansada, só vazia, começou a afastar-se da praça.

Atravessou a avenida, onde despontavam alguns carros na primeira sinaleira e espiou pelo vidro da porta do prédio. O porteiro parecia dormir no balcão.

Abriu a porta, fingiu não vê-lo e subiu a escada devagar, deslocando-se na direção do apartamento.

Empunhou a maçaneta, girou-a, entrou, dirigiu-se ao quarto. Viu Samuel estirado na cama desfeita, com o corpo seminu, o dorso à mostra e algumas roupas na cadeira, à espera do dia seguinte. Sentou ao seu lado e esperou.

terça-feira, julho 12, 2016

O cofre e as moedas

Seguir certas crenças ou talvez quaisquer delas, cristãs ou não, têm-se a impressão de que muitas vezes, Deus situa-se longe demais, num espaço tão distante que se equipara a estrelas inatingíveis. Pelo menos, o Deus do amor que Cristo nos revelou.

Nestas religiões ou crenças, o contato com Deus exige muitos caminhos e a maioria deles tem meandros que desembocam em labirintos, aos quais não temos acesso ou nos perdemos na viagem.

Para este contato, ficamos a sós, despidos de qualquer humanidade ou desejo, onde os conceitos se constroem nos percalços de uma sociedade idiotizada, na qual o ser humano parece o último da hierarquia animal.

Para elas, as crenças e seus idealizadores, atingir este contato exige sobrepujar a dor, exaltar a imagem em detrimento do conteúdo, reproduzindo um ambiente de felicidade.

Para ter o contato com Deus é preciso ser aceito na clã e equilibrar-se em cabos sob precipícios, sem rede de apoio, perdidos na fé cega de quem alcança apenas a palavra blindada. Na verdade nada é tão inseguro quanto a trajetória ditada.

Caminhar limpo pela estrada, decidido e verdadeiro, uma verdade padronizada dos que se encharcam nas medidas dos cofres, cujas moedas tilintam à beira do altar.

Talvez este contato não dê em nada, nem o homem seja feliz, nem se sinta solidário. Ao contrário, cruel e determinado no julgamento, na intolerância e no ódio.

Talvez o único contato com Deus, seja o avesso de tudo isso, das crenças, das religiões que pregam a ruptura do ser humano em sua plenitude, quando o querem dividido e parcial, um indivíduo no grupo e outro na sociedade.

Ou quando o preconceito ameaça a falência da humanidade, embora enalteçam o pecado como elemento de temor e incerteza.

Será que o néctar e o perfume se unem na natureza e não podemos aprisionar em nossas narinas, se eles são de Deus?

Talvez o contato se dê no viés do amar, arriscar-se e até errar, porque a substância é de Deus.

Às vezes, tudo é muito pouco, quando este tudo é apenas um rascunho de princípios contra a humanidade. O homem é muito mais do que seguir o que outros homens pregam.

Talvez o contato se dê mais simples, quando nos despirmos de nossas vestes surradas e pesadas de conceitos que nos apropriem de uma única faceta, a qual jamais seremos capazes de revelar e apresentemos a alma leve, tão leve que a inspiração de Deus a toque e transforme.

Fonte da ilustração: Gerd Altmann, de Freiburg/Deutschland, do site https://pixabay.com/

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