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quarta-feira, agosto 09, 2017

Sexo, erotismo e ...novo estilo?

Ela estava sempre às voltas com o fazer doméstico, preocupada que era com as mazelas do pouco tempo em que ele se esbaldava na poltrona, controle remoto na mão, zapeando desatinado pela mediocridade digital.

Mas era seu direito, depois de um dia estafante, remoendo as contas do chefe, os passos desenfreados dos clientes, os argumentos insossos dos colegas. Era seu direito também, agitar-se no emaranhado de notícias e artigos interessantes no jornal assinado pelo fim de semana.

Não que se lambuzasse assim, de qualquer jeito, na chafurdice que via de regra, embotava os sentimentos mais puros, atirando tudo e a todos no mar de lama, de acordo com as prioridades do editor. Não, relegava-os a segundo plano.

Tinha consigo que a beleza das leituras estavam no que se encontrava nos cadernos, descartando as críticas das artes plásticas, cinema, música ou literatura, podia-se enveredar em caminhos ousados, às vezes, através de alguns incansáveis fazedores de estruturas renovadas, arejadas à brisa da primavera, desprovidos dos modelos da mídia mercadológica.

Até quando? Mas ainda havia flores que nasciam entre pedras, tais como aquela do Drumond. No asfalto? Rompeu o asfalto, o tédio, o nojo, o ódio.

Mas ela sempre tão metódica, minúcias rodeavam sua cabeça enlaçando nos cabelos loiros que emolduravam o rosto harmônico, a boca perfeita, os olhos azuis, de um azul aguado, quase mar. Por pouco, não escorrega e se transforma em algo que não é mais mar, nem azul, uma coisa gosmenta e sem vida, que se espalha na poeira dos móveis, no brilho ofuscado do espelho, no respingo da chuva pintando pontos disformes na vidraça.

Pudera conversar consigo estes detalhes que fazem toda a diferença: enquanto ela dá brilho na porcelana, no bisotê, no esmalte da cômoda, ele lustra a maçã, o respingo nos óculos, talvez até a lâmpada de Aladim.

Quem sabe um gênio participa de suas vidas e as transforma numa parceria, , com metas semelhantes.

Mas tudo que toca, tem vida, tem seiva, tem visão apimentada das leituras e do sonho, tem imaginação. Por que acinzentar o cotidiano, tentando padronizar o que já é rotina?

Ele a observa do outro lado da mesa, esquivando-se entre o balcão da pia e o fogão.

Estava mais linda hoje, enfeitada num avental de rendas, que em sua visão onírica, trazia um quê de sensualidade. Não que gostasse destes fetiches, mulheres vestidas de enfermeira, aeromoça, mulher gato, o diabo a quatro. Não era dado a estas imaginações rocambolescas.

Também não tinha o menor preconceito, que cada um utilizasse os instrumentos que melhor lhe conviessem. Não era o seu caso.

Aos quarenta anos, nunca imaginara um tipo de coisa semelhante. Mas não parava de pensar no assunto.

A mulher sempre intolerante na organização da casa, hoje, lhe causava um tênue ternura, o que era bom, pois o romance estava esfriando.

Puxou o jornal para o lado, descansou os óculos sobre a mesa e deteve-se examinando-a.

Seu gingado entre uma atividade e outra, nada semelhante a do general que comandava a casa.

Ao contrário, era cadenciado, quente, gostoso e ele até ouvia uma melodia, quase sincopada, dando o tempo adequado ao ruído da saia, que ora prendia no braço da cadeira rivalizando com o avental que esvoaçava, sem rumo, enquanto circulava pela mesa.

Sobressaía um aroma suave de jasmim, que se disseminava pela peça, inebriando as narinas e a mente.

Coração assaltado, passou a tamborilar os dedos na mesa, tentando chamar sua atenção.

Vez por outra, ela se voltava, enquanto arrumava o assado na forma, e para sua surpresa, ao invés de pedir-lhe ajuda para segurar a forma, sorria afável e fazia da atividade, um leve gesto de abandono, deixando a carne a aprontar-se, como se não precisasse mais nada, do que o sopro dos anjos.

Depois, pronta a tarefa, ocupou-se no cortar incessante de tomates, cenouras, pimentões e até um abacaxi e simultaneamente o descascou com a mais afinada diligência.

Executava tudo com tanta eficiência e rapidez, que ele tinha a impressão que uma máquina estranha comandava seus pensamentos. Um robô ou um etê, quem sabe.

Porém, nada havia de grotesco em seus gestos: eram plenos de suavidade e aceitação, como se meditasse em cada corte mais profundo, mais tenso, transformando o frescor das cenouras em pequenas molduras, mimos jogados na panela entre legumes ou raízes, convivendo em plena harmonia.

Tal como ela, em paz. Quase absoluta. Zen.

Não fosse o olhar lânguido e ao mesmo tempo obsceno que o fitou, deixando-o desconcertado.

Após terminar a refeição, retirou uma garrafa Romanée-Contide a trouxe na direção dele.

Embasbacado ficou pela sobriedade do vinho, por que não um da serra?

Abriu-a, juntou duas taças e as serviu, com carinho. Aproximou-se e o beijou demoradamente. Sentiu a proximidade de seu corpo, o cheiro de jasmim mais forte, a boca sedenta procurando a sua e não resistiu a tanto carinho e paixão. Beijou-a com sofreguidão, aproximando em seguida sua boca dos seios, molhando-os na saliva que ainda corria de sua boca surpresa, enrugando os jornais com os cotovelos, tentando levantar-se para tê-la nos braços e esquecer que um dia ela fora intolerante e quase má.

Amava-a muito e agora era outra mulher, uma mulher que parecia sair das páginas das histórias de um folhetim antigo, desses que se compra nas bancas de jornais e as mulheres são tão dóceis e passivas.

Mas ela parecia mais forte do que de costume, tanto que o obrigou a continuar na mesma posição, tomando as iniciativas.

Abriu-lhe a camisa, destravando cáseas, arrancando botões, enquanto beijava o peito peludo e um tanto magro, do qual tinha até algum constrangimento.

Ela desconsiderava qualquer negativa, naquele momento.

Retirou a camisa, bruscamente, mostrando seus braços que já não eram tão musculosos como antigamente, agora acenando um adeus medíocre na região das axilas, resultado de se acomodar na poltrona, sedentário e nunca pegar peso.

Sabia que precisava malhar, ela não devia desnudá-lo daquela maneira agressiva.

Mas de todo modo, sentia-se um novo homem, pois estava a frente da mulher que sempre sonhara, que fazia a comida com carinho e agilidade, que ajeitava a cozinha para deixá-lo à vontade, que servia o vinho e para rematar consumia seus hormônios.

Era a mulher idealizada, embora nunca a tivesse visto naquela perfomance.

A esposa, ainda mais decidida, levantou-o num salto, sungando-lhe as calças até doer-lhe os testículos. Tentou perguntar se o eflúvio amoroso se tratava de uma técnica nova, pois por mais que lutasse contra seus preconceitos, seu jeito ia de encontro ao seus princípios, sentia-se usado e até assediado na hora errada!

Mas aquietou-se. Ela cobria-lhe a boca, com doçura, impedindo-o de reagir.

Por fim, abriu com energia voraz, o zíper da calça, o que o fez estremecer, temendo que ela prendesse de repente o pênis desprevenido.

Foi rápida, quase profissional, puxando as calças aos pés, enrolando-as nos tornozelos que sustentavam pernas finas e ossudas, cheias de pelos e cicatrizes, frutos de antigas peladas nos fins de semana. Saudosos fins de semana!

Achou-se ridículo nas cuecas samba canção estampadas de seda; parece que aumentavam ainda mais a sua fragilidade, ante aquela mulher poderosa.

Pois, foi no exato momento em que ela, ouriçada, desceu as cuecas, com firmeza nas mãos, que ele saltou, num ímpeto.

Aí já era demais, aquilo não era nada erótico, quando muito um atestado de insubordinação feminina!

Todavia, chegou o momento crucial e ele não se fez de rogado, ao contrário, deixou-se acariciar por aquelas mãos sedosas e macias, com cheiro de cenoura tenra e pimentão cortado. Mãos aveludas, que o excitavam.

Então sorriu de prazer, mas foi por pouco tempo.

Sentiu uma espécie de desafio interior, alguma coisa lhe indicava que algo estava errado, porque as mãos agora passeavam por seu corpo, suas coxas, suas costas, seu pescoço e não eram mais suaves, nem deslizavam com carinho pela nuca, nem sentia mais o aroma de jasmim que se exalava do corpo da mulher. Nem a boca que lhe beijava os mamilos produziam qualquer sensação gratificante. Era um ato mecânico, que o compelia com força, a ponto de formar pequenos pontos roxos, como beliscões.

Além disso, um cheiro de borracha, látex ou qualquer coisa parecia desandava de seu corpo e seus olhos se fixavam sem piscar um músculo e seus cabelos pareciam de fibra, e sua boca, agora mordia sem parar e suas intenções não pareciam nada com as de uma mulher apaixonada e cheia de tesão.

Temia que mudasse de estratégia e misturasse as coisas, e pensasse que ele era a fêmea e ela o macho.

Foi aí que a empurrou, mas foi sustentado por uma força extraordinária, brutal, acompanhando um olhar patético que proferia centenas de palavras e expressões de ordem, muito mais do que costumava, quando não passava de um general.

Foi ali que a viu, junto a si, tentando seduzi-lo, fazendo propostas das quais evitava por puro pudor, a sua bela esposa loura se transformando numa boneca inflável.

Ficou desorientado, alucinado, perdido.

Será que era projeção da mídia mercadológica vendendo bens que ele não precisava?

Seria esta exacerbação absurda do sexo pelo sexo, sem qualquer sintoma de carinho ou afeto, apenas a utilização de mecanismos para se chegar ao orgasmo a qualquer preço, mesmo que para isso se paguesse uma fortuna?

Ou seria uma vingança?

Tudo isso indagou, sem obter resposta, apenas uma postura mais erótica acenava do ela era capaz.

Ela queria se vingar dele, por isso o seduzira daquela maneira, ele que jamais pensara em brincar com algum daqueles fetiches.

Então teve uma ideia, que resultava numa espécie de vingança.

Ceder aos impulsos, disputar o espaço parelho entre o macho e a fêmea, mesmo que de borracha, veriam quem teria mais gás, até onde chegariam.

Abraçou-a com força, despindo-lhe o avental e a saia falsa que usava apenas para iludi-lo, empurrando-a, desajeitado para debaixo da mesa, arrastando-a e sendo arrastado, de uma maneira tão insólita, que até duvidava se aquilo era sexo.

O cheiro de látex, agora misturado com chiclete dava um ar um tanto infantil ao enlace.

Então, jogou o seu corpo nu sobre o dela, enlaçou-a com suas pernas com vigor, e a beijou desmedido, impelindo a sua cabeça para o chão, percebendo que ela usava do mesmo expediente, tentando submetê-lo.

Era uma luta renhida.

Entretanto, aquele clima bélico produzia um erotismo vigoroso, que se apoderou de tal forma, que nunca imaginou que desfrutaria de tanto prazer na relação com uma boneca inflável, que diga-se de passagem, também era a sua mulher, loura, bonita, suave e também autoritária, mandona; um general.

Mas o jogo o seduzia mais e mais e finalmente seu sexo, aos poucos, se completava e ele sentia-se o homem mais feliz do mundo, um verdadeiro privilegiado, tanto que a ereção foi natural e fluiu de tal forma a alojar-se numa região quente e palpitante, quase amortecendo de prazer, num vai-e-vem enérgico que se antecipava a qualquer movimento induzido. Era o sexo dos deuses.

Rolaram pelo piso, afastando-se dos pés da mesa que machucavam os quadris e ultrapassaram a cozinha, sentindo os aromas dos ingredientes sacolejando na panela de pressão, o esfolar da grelha do forno na carne tenra e apetitosa.

Estavam assim, no jubilo de corpos integrados e felizes e sentiu, que pela primeira vez, há muitos anos, teria um orgasmo daqueles que se tem, quando adolescente, quando a pulsão é extrema e a capacidade é inesgotável, com a vantagem da plenitude do tempo expedido, sem pressa, sem medo, sem ansiedade: puro gozo.

E quando o clímax se aproximava, tanto para ele, quanto para ela, um momento em que os céus se transformam, alinhando as cores, com matizes densos, chegando a dourado depois do azul, os mares se agigantam em ondas, encapelando-as, espumando a areia, salgando a terra e os ventos agitam bandeiras e lenços, dão vivas a vida e se perpetuam em acenos de louvor.

Foi neste momento tão esperado que sentiu as mãos dela em suas costas, deslizando devagar para chegar a um ponto desconhecido, o qual segurava com energia renovada e pensou que aprenderia outra maneira de atingir o orgasmo e aceitou, confiante.

Suas mãos, porém, eram frias e vibrantes e se entrelaçavam vigorosas em sua coluna.

Então, ouviu um grito de prazer tão forte que lhe doeu os tímpanos: era o dela, no momento em sentiu-se voar em direção ao teto, batendo nas paredes, queimando-se na panela de pressão, que borbulhava por fora da tampa, e voando pela janela, ficava pendurado na vidraça, espichado, ofegante, olhos se moldando no parapeito, boca esticada como uma lesma sem casulo, que se esgueira pelas paredes úmidas, e braços, pernas, e tronco espichado acompanhando o desenho da parede.

Tentou falar e sua voz não saia, a língua presa, submissa, embora seus ouvidos que se desfaziam, esparramando-se em gotas pela sala, ainda ouviram a frase de puro gozo que ela destilava — Finalmente consegui! Retirei a válvula dele — e uma risada autoritária de general ainda ecoou no seu ouvido esquerdo que se dilacerava num prego.

sexta-feira, janeiro 06, 2017

Ventos escassos de Brasília

Saí pela rua, dobrando esquinas, pesquisando um ar mais puro. Respirar fundo e sentir-me apoiado. Entretanto, alguma coisa ao meu redor revela um futuro incerto, uma armadilha, talvez. Esta quase certeza da ameaça (medo e prazer) que se aproxima.

Embrenhar-me no parque escuro e sentir suas mãos incólumes em minha veia. Um encontro tão próximo, que pensava ser de gozo.

Um homem de olhar intenso, sorriso reluzente, alma escancarada. Um homem que me procura na noite insana dos exilados. Um homem que lança olhares e serpenteia meu corpo suado de fazeres políticos. Um homem que se instala em meu mundo tão cercado, acabrunhado na segurança de meus seguidores.

O desejo é mais forte do que meu raciocínio, o desejo imantado no metal precioso e acalentado nas noites impróprias. Quisera fugir, quisera seguir os caminhos seguros, mas meu coração palpita adiantado. Sabe antes de mim de meus desejos infecundos.

Eu, um homem de meia idade que se esconde de suas vontades mais intimas.

Ele sorriu e se aproximou. Do jeito franco, acostumado à provocação. Dizia que eu não podia fugir agora.

– Não sei, aqui é estranho. Não estou acostumado com estas coisas, estes encontros — foi o que pude dizer a meu favor.

Ele sorriu despropositado. Um sorriso branco na noite de sombras produzidas pelas folhas dos ipês. Sombras que pintavam o chão e cambaleavam ao meu olhar aflito.

Ele não me deu tempo, se aproximou ainda mais com a mão no pescoço, alisando carinhoso, a ferida de minha alma. Amalgamando as dores e prazeres num só momento. Minhas pernas tremeram. Tentei argumentar, arfante, que era um homem casado, um deputado, homem de imagem ilibada, que não estava ali a procura de programas.

Um homem com dinheiro e poder para sacar qualquer prazer.

Um homem que afastara uma presidente.

Mas não consegui.

Soltei a maleta a meus pés, que me doíam os pulsos. Ele se achegou arfante e me disse coisas aos ouvidos, que há muito tempo desconhecia o teor. Coisas que me confortavam, que me deixavam lúcido, de uma lucidez também há muito esquecida em um arquivo qualquer de meu computador.

Então me beijou lascivo e retribui, afoito, num desempenho infantil e desesperado. Suas pernas me prendiam, habilitando o aconchegar do sexo vigoroso em minhas coxas e suas mãos se apossavam em desacato de meu corpo, deslizando rápidas, investindo em caminhos que me faziam rogar desatinado. A barba roçava na minha e nossas bocas vorazes se procuravam, sem medida, sem respeito. Nossos corpos se engalfinhavam, ali mesmo, no deserto de minha alma incompleta, esquecido de tudo, do início e do fim, do infinito, do marco zero de minha vida.

Foi um tempo quase ínfimo, quase imperceptível, pois o mundo se deteriorou num instante. No momento preciso em que a ameaça se tornou real e a mão forte se apoderou do único dom não disponível, a minha vida, de forma cruel e insana.

Também ele queria a vida que eu tinha. Também ele queria o poder. O poder de ter e distribuir talvez com os seus.

Suas frases se tornaram duras e precisas. A poesia despencou das nuvens. O sorriso claro se fechou num punho selvagem, aqui, na terra. Encostou a arma em meu peito, exigiu muito mais do que podia lhe dar. Impeliu meu corpo no chão cheio de manchas. Exigiu o pouco que restava.

E depois de tudo pego e acertado, disparou com raiva no corpo indefeso e desapareceu, formando outras sombras que desapareciam nos pés velozes.

Percebi, que as nuvens não se deslocavam claras, nem as via, deitado. Apenas vestia-me assim, da cor vermelha que tingiu a camisa branca.

Ver uma multidão que se aproximava, carinhosa e festiva. Um carinho sórdido a quem carrega consigo uma mala executiva. A quem tem o poder.

Abrir a porta da sala, sentar na primeira cadeira, ouvir os comentários e espiar as luzes filtradas pela cortina semi-cerrada. Ouvir as queixas, as sugestões. Sentir os tapas nas costas e a dor nos olhos.

Cabeça titubeante.

Desequilíbrio.

Perceber que a esperança escorre ali, pelos dedos, enquanto mãos me tocam afetuosas, se despedem felizes.

No elevador, torcem narizes, fazem muxoxos. Eu sei. Eu também aqui, agora, sozinho, nesta sala grande, com os cotovelos na mesa, também faço. Torço o nariz, faço muxoxos, balanço a cabeça com náusea, mas ainda espio lá fora.

Quem sabe pela luz filtrada da cortina, ainda enxergo o menino escamoteando o tempo, sugando a vida sem pressa e pensando que a vida é só isso, essa felicidade quase plena.

Mas é um espaço de tempo tão tênue e sinto que meu corpo já não obedece meus gestos e nem estou a minha mesa, no meu gabinete.

Nem as cortinas brincam nos ventos escassos de Brasília.

É um quarto branco, de luz fraca e todos parecem estar de branco e quem vejo ali, acena tragicamente a cabeça.

Meu assessor me olha e percebo no seu olhar uma censura implícita que não dissimula. Então arquejo, a voz entrecortada, a respiração curta e um ódio tinge de desespero minha retina sem vida. Envieso o olhar para a vidraça sem glamour e aperto o cenho com dor.

Volto-me para ele e observo-lhe as olheiras que emolduram o rosto desorientado e imagino a morte. Acho que grito:

— Essas cortinas estão me matando, um de nós tem que sair!

terça-feira, dezembro 13, 2016

A fotografia da vida de Santa -CAP. 26

Capítulo 27

Linda levantara mais cedo do que de costume. Após chamar um táxi, afastara-se da casa imediatamente, sendo observada por Santa, que se perguntara onde ela iria. O motivo que relatara é que retiraria uns documentos no correio, mas Santa não acreditara na desculpa. Em todo caso, agora nada importava em relação à Linda, a não ser esperar o momento certo para desmascará-la e a afastá-la para sempre de sua casa.

Neste momento, suas preocupações principais referiam-se à situação difícil em que o filho se encontrava. O caso ficava cada vez mais difícil de ser esclarecido, tornanando-o responsável pelo assassinato de Fernando.

Além disso, Alfredo estava ainda mais implicado com a acusação de sequestro revelada na gravação do celular da vítima, no qual o próprio Fernando dizia não querer tomar parte e por isso, se garantia de uma presumível acusação.

Santa observava pela janela Linda afastar-se rapidamente e ficar na porta da casa, quase na esquina à espera do veículo. Em seguida, não a viu mais e voltou para os seus pensamentos que a deixavam mais aflita. Como estaria Alfredo, numa situação deplorável de preso comum, um homem educado, que nunca tivera contato com marginais e que de uma hora para outra, convivia nos mesmos espaços.

Enquanto isso, Linda não demorara muito no seu trajeto, descera rapidamente e se aproximara de uma casa modesta.

Ao chegar na porta, ligou para alguém tentando confirmar o encontro.

A mulher que abriu a porta, parecia um pouco surpresa com a sua presença, embora soubesse que a encontraria lá. Pediu que entrasse e esperasse uma xícara de chá, que prepararia em seguida.

Linda olhou a amiga sem mostrar nenhum interesse. Disse que apenas esperaria a pessoa que chegaria, conforme o combinado.

Lúcia sentou-se ao seu lado e insistiu que tomasse o chá, pois era bom para quem estava nervosa como ela, segundo supunha.

– Você tem razão, Lúcia, mas pretendo acabar com esta história de uma vez por todas. Não tenho vontade nenhuma de tomar chá.

– É uma pena tudo que aconteceu, Linda. Eu sinto muito, de coração. Sei o quanto você está sofrendo e como amava aquele sobrinho.

– Pois é, Lúcia. Eu não podia passar por isso. Tudo poderia ser diferente, se você não tivesse entregado a mensagem com aquela gravação para dona Santa. Depois que ela soube de tudo, as coisas começaram a mudar muito naquela casa, ela fez tudo para me prejudicar.

–Pensei que você se referia ao seu sobrinho. Foi uma morte cruel.

–Sim, também e sabe Deus como morreu, como mataram ele! Tudo resultou naquela morte terrível. Mas eu estou falando noutras coisas.

– Me desculpe, Linda. Você sabe que eu não entendo bem dessas tecnologias, eu estava atrapalhada na igreja, o celular dava um sinal a cada um minuto. Foi então, que dona Santa pediu para ver o que estava acontecendo e tentou ajudar-me.

–Ajudou tanto que pegou pra ela a gravação. Mas deixa pra lá, agora isso também já é passado. Eu preciso descobrir uma coisa e isso é mais importante do que tudo, neste momento!

– Desculpe lhe perguntar Linda, você sabe que não gosto de me intrometer na vida dos outros, mas você é minha amiga e me sinto na obrigação de lhe perguntar. Você se refere ao Bispo Martim?

– Sim, você tem razão, quero ter uma conversa muito séria com ele, mas parece que está receoso em vir. Estou aqui há quase uma hora e nada dele aparecer.

– Ele não é um homem de faltar a seus compromissos, a menos que tivesse algum compromisso urgente, de última hora.

Linda fica em silêncio um pouco, pensativa. Depois, se volta para Lúcia e pede que ao chegar o bispo, ela se afaste e os deixe sozinhos, pois se trata de um assunto confidencial.

– Não se preocupe, Linda, fique à vontade. Você sabe que sou sua amiga.Eu não vou ficar atrás da porta ouvindo a conversa.

Neste momento, elas ouvem o barulho de um carro se aproximando. Lúcia corre à janela e percebe que é o bispo Martim que está chegando. Linda pede que Lúcia se retire para o interior da casa e a deixe sozinha. Depois, decide dar-lhe algum dinheiro para que saia de casa e compre algumas coisas. Pretende ter uma conversa sozinha com o Bispo.

–Mas não é preciso tudo isso, Linda.

–É sim, você estando na casa, ele ficará temeroso em se abrir, não vai querer falar nada. Por favor, Lúcia, voce já me decepcionou uma vez, não o faça de novo. Vá ao shopping, fique um tempo lá, pelo menos uma hora. Olhe aqui tem também dinheiro para o táxi. Você faz isso por mim?

– Está bem, Linda, se você acha melhor desse modo, eu vou. Pode ficar tranquila.

– Agora, abra a porta e aproveite para sair. O homem já tocou duas vezes, daqui a pouco, desiste.

Linda pega um casaco rapidamente e abre a porta, cumprimentando efusivamente o bispo Martim que se surpreende com a sua saída. Ela afasta-se e Linda aparece, pedindo que entre.

O homem a cumprimenta e senta-se no sofá na ponta oposta à que Linda estava sentada. Linda então, levanta e aproxima-se dele sentando-se numa poltrona mais próxima. O bispo fica pouco à vontade e pergunta, intrigado:

– Linda, o que aconteceu? Foi a sua patroa que a mandou até aqui? Não entendi porque não foi até a igreja.

– A igreja não é um lugar adequado para a nossa conversa, bispo.

O bispo retira um lenço do bolso e o passa pela testa secando o suor que a invade, desde às grandes entradas até alguns fios que estão molhados. Olha-a com desconfiança.

– Você não me respondeu, foi Santa que a mandou aqui?

– Não bispo Martim, eu é que queria ter um assunto muito sério com o senhor. Dona Santa não tem nada a ver com isso!

– E por que na casa de sua amiga? Por que não na sua casa, onde mora na mansão com a Santa?

– Eu não moro na mansão, o senhor sabe. Fico numa pequena casa aos fundos. Lembra-se que meu marido era o caseiro, principalmente quando todos viajavam?

– Sim, é claro que sei, foi o que eu quis dizer.

– Pois bem, lá eu não teria liberdade de conversar com o senhor, sem que todos soubessem que estava lá.

– Está bem, Linda, o que é que você quer de mim?

– A verdade, bispo Martim. A verdade.

Ele novamente passa o lenço pela testa, agora trazendo-o até a boca, que parece ressequida. Pede um copo de água e levanta-se apreensivo.

–Sente-se, bispo, sente. Eu já lhe sirvo.

– Obrigado, Linda. Eu só levantei para tomar um pouco de ar, vou abrir a janela um pouco, se não se importa, está meio abafado.

– Está bem, espere aí que já volto.

Linda corre até a cozinha e volta com a água. O bispo torna a sentar-se e enquanto absorve o líquido, a observa com curiosidade. Linda percebe e parece sentir-se mais segura em seus objetivos. Senta-se a sua frente novamente e começa a falar.

– Eu falei sobre a verdade que eu queria saber. Refere-se ao meu sobrinho Fernando.

O bispo Martim estremece o lado esquerdo da boca. Em seguida, faz um gesto sombrio, como se devesse mostrar um sentimento triste. Junta as mãos, tocando-as na boca e abaixando os olhos. Depois, complementa:

– Você deve estar muito triste Linda, eu entendo o seu sofrimento.

– Não tanto quanto devia. Estou triste sim, mas Fernando sempre foi um incômodo para mim. Eu o ajudava, mas ele não correspondia. Estava sempre aprontando das suas. Ele queria vencer na vida a qualquer preço e embora se fingisse de humilde e trabalhasse como jardineiro, ele tinha planos bem pretensiosos.

O bispo insiste no melodrama:

– Ele me parecia muito apegado a você. Sempre demonstrava um carinho por sua pessoa, inclusive eu percebia que a tratava muito bem.

– O senhor não precisa tentar me agradar. Eu sei que ele não gostava de mim, ele me suportava, porque precisava do emprego, para poder ficar em liberdade. E ele não gostava das condições que eu impunha.

O bispo Martim mostra-se surpreso.

– Mas então?

– Então bispo Martim, que não quero falar sobre mim, nem sobre a maneira como ele me tratava. Quero falar na relação que o senhor tinha com ele.

O bispo empalidece. O lábio volta a tremer e parece sentir-se perdido, sem saber o que dizer. Linda percebe o seu estado perturbado e prossegue, enfática:

– Não cabe a mim julgar ninguém, nem me interessa a vida dos outros, mas sei perfeitamente que existia uma relação muito estreita entre vocês dois.

O bispo abre o colarinho, tentando sentir-se melhor. Cada vez mais pálido e com a voz trêmula, se atreve a retrucar:

– Não diga bobagens, Linda. Você está falando coisas que desconhece.

– O senhor tem razão, bispo, sei muito pouco sim, por isso quero que me diga a verdade. Estou esperando.

Desta vez, ele parece recobrar a confiança, embora se levante com dificuldade. Depois disso, afasta-se em direção à porta. Volta-se e encara Linda com desprezo.

– Sabe de uma coisa, Linda? eu não tenho nada a fazer aqui. Não sei a que você se refere e não estou interessado. Por favor, se me dá licença…

Linda porém o intercepta antes que chegue à porta, retirando uma arma da bolsa e apontando-a em sua direção. Ele se assusta, arregalando os olhos, surpreso. Pergunta, ainda tentando tomar o controle da situação.

– O que está acontecendo Linda, você está louca? Você me respeite e sente-se onde estava. Você, uma mulher temente a Deus, fazendo um papel destes! Largue esta arma, Linda!

– Acha que estou louca bispo? Pois então, o senhor que deve ser um homem temente a Deus, deve obedecer-me e contar tudo o que sabe ou lhe meto uma bala na cabeça. É isso que quer?

Ele da alguns passos incertos aproximando-se do sofá onde estava. Pede que ela se acalme e reflita bem no que está fazendo. Aos poucos, senta-se, sempre com os olhos fixos em Linda. Sua expressão revela intenso pavor. Linda ao contrário, está segura i e determinada a conseguir a confissão que deseja.

– Vamos, que está esperando? Eu não tenho todo o tempo do mundo.

– Mas o que você quer saber, Linda? Pelo amor de Deus!

– Não fale em Deus, seu canalha! Eu nunca vi alguém testemunhar ao contrário a doutrina da igreja com tanta eficiência como você! Eu quero saber se Fernando pagava você para terem relações sexuais, se fazia chantagem com você, quero saber tudo!

– Mas para que, Linda? O que você vai conseguir com isso? O que vai conseguir com estes insultos a minha pessoa? Eu sou um religioso, Linda, veja bem a que você está me expondo.

– Por enquanto, eu não lhe expus a nada. estamos só nós dois nesta casa e a única coisa que quero é a verdade. Agora, desembucha que estou perdendo a paciência!

O bispo quase se descontrola, soluçando por alguns minutos, mas logo se recompõe, assoando o nariz e limpando diversas vezes o suor da testa, que se torna mais intenso. Com os olhos vermelhos, tenta se defender:

– Você sabe, como todo ser humano, eu tenho falhas. Sou fraco, muito fraco, e olhe que lutei toda a minha vida, mas há um momento, em que cedemos, em que não temos forças suficientes para vencermos a tentação.

–Não enrola, bispo. Vá em frente, sem muita lamúria.

–Bem Linda, eu sempre tive atração por rapazes.

– Parece que você tem atração por tudo, pegou até a velha mãe de Sandoval! Talvez tenha tesão até por árvores!

– Por favor, não me humilhe, Linda. Eu estou desconhecendo você, tão ponderada, tão afeita à moral, à educação, à religião. Por que me trata assim? Eu estou desesperado, falar isso para você é muito difícil para mim.

– Eu também o desconheci muitas vezes, mas isso não vem ao caso. Quero ouvir de você tudo! é só o que me interessa!

– Pois bem, quando eu visitava a dona Santa, eu costumava conversar com o rapaz. Ele sempre fora muito gentil, até parecia ter uma empatia comigo.

Linda sorri irônica, mas fica em silêncio, esperando o desfecho.

– Certa noite, ele me pediu carona, parece que pretendia fazer algumas compras, se não me engano, precisava de algumas roupas. – ele faz uma pausa e olha para Linda submisso – Linda, você não se importaria de apontar a arma para outro lado, sei lá, de repente, você se engana e atira. Eu fico nervoso com esta situação.

– Está bem, mas não faça nenhuma besteira, não tente se levantar deste sofá, que eu atiro. Agora, prossiga.

– Bem, como eu estava dizendo, as caronas se sucederam. Sempre que o via, até mesmo na rua, ele me pedia que o levasse em algum lugar. E sabe, ele me olhava de uma maneira que não deixava dúvidas. Ele me seduzia com o olhar, Linda, então, eu não tive alternativa, eu acabei caindo na dele, entende?

– E depois, o que aconteceu?

– ele começou a pedir-me presentes, roupas, sapatos, até dinheiro.

– E onde se encontravam?

– Linda, é claro que nos motéis. Eu pagava a ele, Fernando era um garoto de programa, pelo menos para mim, embora eu sentisse muito mais do que uma simples atração sexual. Eu tinha um carinho especial por ele.

– Um garoto muito caro, não?

– Sim. Ele era esperto, começou a exigir bem mais do que eu podia dar, eu precisava arranjar dinheiro todas as vezes que nos encontrávamos, além das coisas que comprava.

– Muito mais do que bens materiais, ele era caro em relação ao que ele sabia. Você poderia perder o seu cargo, ser execrado da comunidade, talvez até expulso da igreja ou no mínimo, mandado embora.

– Sim, é verdade.

– E o que aconteceu depois?

– Depois não aconteceu nada. O pobre rapaz foi assassinado. Eu não sei de nada, não sei o que aconteceu.

–Mas ele lhe fazia chantagens.

– Não, ele apenas brincava, que um dia contaria tudo, que falaria na igreja, no bispabo, mas nunca dei importância. Sabia que era apenas uma maneira de me prender a sua sedução, sabe? Na verdade, ele nunca fez chantagens.

– E esta carta aqui que eu tenho a cópia, que ele mandaria para o bispado, contando tudo, toda a sacanagem que vocês faziam? Isso não é chantagem?

O bispo fica desolado. Abaixa a cabeça, quase levando-a ao colo, segurando-a com as mãos. Ainda, sem olhar para Linda, pergunta:

– E como você tem esta cópia?

– Porque eu sabia tudo que acontecia com ele. Não se esqueça que ele morava comigo, me devia favores. Fernando era um cara que devia à justiça e eu o ajudava, tanto que ele nunca teve problemas, mesmo estando no regime de condicional.

– Mas eu jamais tive contato com esta carta. Soube qualquer coisa, mas não dei importância, ele nunca me faria mal.

– Não se faça de idiota, bispo Martim. Você sabia e muito mais, porque ele lhe fazia chantagens, a ponto de lhe pedir muito dinheiro. E outra coisa de muito valor que não era sua: a bússola de ouro. Ele queria a bússola que estava na igreja, que pertecera à família de dona Santa.

– Por favor, Linda, pare com isso, por favor, você está me deixando doente, estou passando mal. Olhe, como estou suando.

– Não é pra menos, mas se quer acabar com isso, fale tudo. Diga o que aconteceu com Fernando.

– Eu já lhe disse tudo, eu caí na tentação, fui um louco, um idiota, eu nunca deveria ter feito aquilo! Estou muito arrependido, se eu soubesse meu Deus, o que ele faria, jamais teria me aproximado daquele rapaz!

– Fora toda a sacanagem que fizeram juntos, isso não me interessa. Quero saber sobre as ameaças. Quero saber se você se vingou de Fernando, pela sua boca, agora, neste momento ou lhe mando para o inferno! – nete momento, ela volta a apontar a arma para o bispo – Estou aqui pra tudo bispo, quero a verdade ou lhe dou um disparo bem no peito! É isso que você quer?

– Voce pretende me matar de qualquer jeito, eu já entendi tudo.

– O senhor é inteligente, bispo. Mas se não há alternativa, então fale tudo. Fernando o ameaçava, o que mais ele fazia para apavorá-lo?

– Está bem, está bem, eu falo então. Ele escrevera a carta, mas havia um video, um video íntimo nosso, que ele dizia que publicaria na internet.

– Que nojo! Você me dá asco, bispo!

– Você não pode me julgar, Linda. Ninguém pode me julgar, só Deus! Além disso, você não é a santinha que parece, você tem um filho com o Sr. Sandoval. Pensa que é melhor do que eu?

– Mas eu não matei ninguém!

– O que você quer dizer?

– Que você veio aqui, na noite do crime, que você o matou antes de Alfredo chegar! Você é o assassino! Foi você seu miserável! Confesse, desgraçado, confesse que matou o meu sobrinho!

– Já que você quer saber, Linda, eu matei sim! Matei aquele desgraçado que queria a minha ruína, que queria acabar com a minha vida! Eu o matei porque era ele ou eu, pois saiba, eu tinha a chave da casa, eu transava com o seu sobrinho na casa que era de sua irmã, e foi ali, que marquei mais uma vez um encontro, só que para matá-lo! Agora me mate, acabe comigo e me mande para o inferno, como você disse! Vamos, acabe com isso!

– Não, você está enganado, eu não vou matá-lo, você vai para um lugar muito pior, pois a polícia vai prendê-lo agora, porque eu combinei com eles que estão na escuta e com um toque no celular já estão aqui para pegá-lo.

Neste momento, a porta se abre e três policiais surgem, enfrentando o bispo Martim, acusando-o de homicídio premeditado e algemando-o.

domingo, outubro 23, 2016

Meu pai, a jawa e o Irmão Cassiano

Meu pai largou a maleta de ferramentas sobre a mesa, falou rapidamente com minha mãe e convidou-me a sair. Como sabia de nosso destino, segui-o rapidamente. Parecia um pouco irritado, conhecia aquele vinco entre os olhos, como se analisasse detidamente algum documento.

Subi na velha Jawa, uma motocicleta dos anos 50, enquanto ele dava a partida no pedal. Seguimos rápidos pela rua Dr. Nascimento e chegamos à escola.

Já na portaria, encontramos o Seu Miguel, que nos cumprimentou e foi rapidamente chamar o Irmão Sagres, o orientador da turma. Quando chegou, após os cumprimentos, ele não parecia interessado no assunto de meu pai. Batia uma bola de vôlei, no chão, desatento. Meu pai insistiu no problema, afinal, ele viajaria com a família por duas semanas, era um assunto urgente e não haveria como eu permanecer na cidade.

Irmão Sagres acabou informando que não era problema dele, que devia falar com o Diretor.

Mas afinal, perguntara meu pai irritado, o senhor não é o regente da turma?

Nada parecia importunar a atitude do professor, ao contrário, a falta de educação se acentuava em despachar o meu pai, informando que tinha mais o que fazer.

Meu pai então dirigiu-se ao gabinete do diretor, me deixando ali, pelo pátio da escola.

O professor afastou-se, talvez aliviado por não precisar decidir qualquer coisa sobre a nossa viagem. Ou talvez, porque estivesse interessado em outras coisas mais agradáveis.

Enquanto meu pai resolvia os problemas com o diretor, comecei a passear pela escola, subindo rapidamente uma escada que dava nos compartimentos dos irmãos.

Seu Miguel, que tinha olhos para tudo, me impediu, obrigando-me a descer. Tentei explicar que tinha muita curiosidade pela biblioteca que ficava no mesmo corredor, bem ao lado do anfiteatro, mas ele fez ouvidos de mercador e me indicou a escada para que descesse.

Então, fiz a ronda pelas várias salas de aula, que a estas alturas estavam vazias, pelo adiantado da hora.

Como era inverno, já anoitecia e as luzes eram acesas.

Na penumbra, vi passar uma pessoa dentro de uma sala, com a atitude meio estranha de cerrar e abrir ao mesmo tempo, as cortinas.

Aproximei-me da porta e vi Irmão Cassiano, o nosso antigo professor de religião, andando pela sala e puxando com força as cortinas, quase desprendendo-as dos bandôs.

Intrigava-me aquela atividade de fechar as cortinas e ao mesmo tempo, abri-las com a mesma energia.

Aproximei-me, cumprimentei-o, mas ele nem percebeu a minha presença.

Continuava em seu trabalho com uma determinação incrível. Perguntei se não precisava de ajuda.

De súbito, ele parou e aproximou-se de mim. Senti um certo temor, como se ele fosse empregar a mesma força, empurrando-me porta afora, ou dando-me um safanão.

Mas ele não disse nada. Só sorriu.

Observei que seus óculos arredondados estavam tortos e seus olhos miúdos e azuis se ressaltavam quase por cima da armação. Os cabelos brancos, penteados para o lado, caiam-lhe na testa, desavisados.

Em seguida, ele afastou-se em direção à porta em passos miúdos e voltou-se para mim antes de sair. Então, perguntou:

— Fez os temas de hoje?

Eu pretendia responder-lhe que não tinha mais aula com ele, mas apenas assenti com a cabeça.

Foi aí que ele insistiu:

— Tem uns meninos que estão interessados em aulas sobre sexualidade, mas a grande maioria dos alunos está interessado nas nossas aulas de religião, como devem ser dadas. Por isso, para aqueles, darei explicações individuais, caso seja estritamente necessário. Você não é um daqueles, não?

Eu, como toda a turma do ano passado, era um daqueles sim. Também colocara como item principal no questionário, o tema sobre sexo. Mas respondi que não. Ele suspirou, aliviado:

— Ainda bem. Não falta tempo para estes meninos aprenderem estas coisas. A vida se encarregará de ensiná-los no momento certo, quando tiverem maturidade para isto.

Ele se afastou sem dizer mais nada. Fiquei ensimesmado, pensando que alguma coisa acontecera na mente do professor. Ele parecia desorientado.

Em seguida, ouvi os ruídos de cortinas sendo abertas e fechadas. Ele continuava na sua tarefa metódica de abrir e fechar o mundo. Tal como fizera com o questionário. Só, que lá, se preocupara apenas em fechar. E o conhecimento que desejávamos, cada vez ficava mais distante. Talvez já naquela época, a insanidade já se alastrava em sua mente, enquanto a sexualidade exacerbava em nossos físicos e espíritos. No entanto, nosso conhecimento se dava sem nenhuma informação científica, o que aprendíamos entre nós, era via de regra, de maneira distorcida.

Quando ouvi me chamarem, percebi que meu pai me procurava irritado. Queria saber onde eu andava, porque não me esperara lá embaixo, na portaria.

Pretendia explicar-lhe que estava só passeando pelo colégio e falar-lhe da esquisitice de Irmão Cassiano. Mas decidi ir direto ao assunto e perguntar-lhe como tinha sido a conversa com o diretor.

Ele me cortou rápido:

— Vamos pegar a Jawa e tocar em frente nossas coisas. Aqui já resolvi, tudo, apesar da burocracia!

Na saída, encontramos o Irmão Sagres, que perguntou, tentando ser gentil: conseguiram o que queriam? E meu pai foi direto:

— Sim, mas não com a sua ajuda!

sábado, janeiro 09, 2016

SEDUÇÃO

Saiu à noite, pelas vielas escuras. Um impulso indefinido. Talvez sentir-se vivo. Impulso, pulsão, compulsivo. Tudo que milhares de psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, até autores de autoajuda já tinham informado. Sabia, entretanto que precisava seguir o ritual. Um sentimento de busca, uma verdade inconteste que latejava no peito e respondia no sexo, o degrau inferior que percorria pensamentos, mas que o impelia a sentir-se alguém.

Talvez fosse um louco, destes que andam às escuras, escondidos nas brumas das árvores dos parques, prontos a atacar ou serem atacados. A praça o seduzia; uma atração tão forte, que não ousava fugir.

Lembrava-lhe brinquedos, dias ensolarados, o avô ao seu lado, o carinho seguro, o passo certo e a certeza de que a vida se resumia na firmeza da mão. Nada os separaria, estariam sempre juntos, ele, ouvindo suas histórias enfadonhas, que o transportavam a sua vida rural: um modelo tão estranho e diferente do seu. Aos dez anos, tinha poucos amigos.

O pai, distante, executivo sempre temeroso da falência aviltada eternamente a seus ouvidos, a mãe envolvida na sua vida social e decadente.

Nada mais restava a não ser o avô, um velho marginalizado pela pouca cultura, narrador de histórias rudes, baseadas no manuseio dos animais, cercado por gente simples como ele, considerada desprezível pelo pai e por toda a família. Também não se importavam com a sua presença, desde que se mantivesse contida no elo familiar do menino. Este aprendera quase tudo sobre cavalos, éguas no cio, vacas prenhes e caças proibidas. Mas o que mais o fascinava não era o enredo inverossímil das histórias, mas o ambiente lúdico da praça, que ficava próxima a sua casa, onde tudo acontecia, onde elas se desenrolavam em narrativas fantásticas. O que o encantava era a intimidade com o avô, naquele espaço de liberdade e paz, onde pombas sobrevoavam, atrevidas, e palhaços produziam publicidade dos circos que chegavam à cidade. Onde percebia nos olhos do avô um certo ar de inocência.

Agora, aos trinta anos, o velho já enterrado há mais de dez, não lhe importavam as luzes da praça, nem o ensolarado dos recantos, nem a mágoa ressentida de se afastar dos meninos mais corajosos, que se arriscavam na gangorra, em pé, ou na roda gigante, da qual se avistava o topo das árvores. Nem a humilhação de se sentir confortável apenas no carrossel, com a certeza de que colocaria os pés em terra firme. Bobagem. Nada disso causava qualquer emoção, apenas lembranças distantes, nos quais a verdade se escondia em seu coração e o refúgio maior era o coração do velho.

Viver pelos becos sombrios, atravessar as vielas sórdidas, envoltas no negrume dos desejos mais recônditos produzia um prazer muito maior do que o gozo que procurava. No entanto, um vazio imenso se instalava em seu peito, que sentia o suor escorrer gelado através das roupas grossas de lã, um frio intenso de bater joelhos, parceiro nestas buscas intermináveis. Via em cada olhar entre as sombras, uma provável fonte de prazer, mais forte do que o medo de ser atacado ou cruelmente humilhado. Em todos, talvez avistasse os meninos que o desprezavam, e por isso, quisesse agradá-los, para se sentir um igual. Ou talvez, as imagens sombrias e disformes traduzissem a rudeza do avô, que mesmo no ensolarado do sol, carregasse com ele, a crueza de um mundo marginalizado, que o atraía intensamente. Olhos passeavam nas sombras agitadas, de rumos diferentes, que se cruzavam a todo momento, que se aproximavam, se tocavam, pedindo sexo. Homens, mulheres, prostitutas, vadios, mendigos, ladrões, traficantes, drogados, policiais, travestis, garotos de programa, todos em fila, à espera de um beijo seu. Uma confirmação que finalmente cederia a sua sina. Coração alerta, as pernas trêmulas, doente de frio.

Noite límpida. Só estrelas no céu e a lua se inseria entre aqueles galhos retorcidos, desenhando imagens absurdas. Ali, próximo, seres que se esgueiravam no ambiente insípido, molhados de sereno e suor, bocas úmidas que procuravam outras bocas e outros corpos. E ele, ali, como um malabarista entre os galhos secos e disformes, meio escondido, obedecendo à hierarquia da sedução, temeroso de ceder também, de se sentir um igual, tão igual que jamais voltasse a ser o que deveria. Alguns sorriam, outros se masturbavam indecentes, na noite vazia de sonhos e ilusões, outros se locupletavam com as moedas que proviam a miséria de seus cofres sem dono. Ladrões de corpos e almas. Ladrões de si mesmos, de suas vidas, seus destinos, desafiados a cada momento no brilhar de facas, no tilintar de faróis oficiais, no disparar de pistolas.

Se pudesse fugir, mas estava preso ao chão, realizando o ritual que ousava repetir.

Foi assim, que percebeu um olhar mais forte, a voz que não se produzia na boca, mas no corpo inteiro, que o deixou tão atraído que pensou que fosse morrer. Até sorriu, quando a beleza se alternou entre a miséria humana e pensou ser um dos seus. Com sonhos, esperanças, ideais, quem sabe, um dia evadir-se daquela vida e se transformar num novo homem, esquecer este universo avesso à realidade dos outros de bem. Então o acompanhou, tropeçando, a voz embargada, o coração aos pulos, a boca estremecida. Excitado. Sua chance. Só uma vez. Um homem como ele não se atreveria jamais a prosseguir naquele caminho. Bastava ser feliz, por alguns momentos e esquecer para sempre. Seguiu-o para uma touceira, desfiou o blusão nos nódulos do tronco, entorpeceu os braços, estendido no alto e, sem ação, enlevou-se em frases bonitas, gestos sedutores que certamente outro homem não faria, pelo menos não um como o avô. Sentiu-se apalpado, invadido. Foi beijado com lascívia e aflição. Suas pernas aconchegavam o sexo vigoroso e deixou-se ficar quieto. Manteve-se como o menino à procura de amigos, frustrando-se por ser covarde, agarrado na figura firme e segura do avô. Não precisava mais dele, porém. Estava seguro, quando o encarou, seduzido na voz sussurrante. Até quando avistou a arma brilhar e pairaram exigências rápidas, como cartão de crédito, dinheiro ou chave do carro. Nada dizia, pois nada acreditava. O torpor impediu a voz. A mãe sorria, afirmando que a página policial não era para a sua família; o pai por sua vez não acreditava na exiguidade da hora, no confronto da conversa, no contra-argumento e por isso se afastava, acenando a cabeça, enfadado.

Apenas o avô, com suas histórias, no ensolarado da praça, contando como se sacrificava o porco e como o sangue jorrava, lavando a mesa improvisada, após gritos dilacerantes de dor. Então, sentiu o sangue correr na mão, oriundo do pescoço, como o porco sacrificado e pensou que encontraria o avô e certamente, seria novamente feliz.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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