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terça-feira, setembro 13, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 2

No 1º capítulo de nosso folhetim dramático, conhecemos um pouco a personalidade de Santa, a matriarca da família, uma mulher extremamente religiosa, católica tradicional, que preparava-se para a sua festa de 60 anos na Igreja que conhecia desde criança. Enquanto se encaminha para a missa em sua homenagem, lembra de sua primeira comunhão, das impertinências do irmão, dos cuidados da mãe, da indiferença do pai em alguns momentos, enfim, de sua vida infantil naquele ambiente religioso. Agora, chegando ao momento de entrar na igreja, sentia uma dificuldade, um certo aperto no coração e por isso, fazia-se perguntas inquietantes. Veja a seguir, como hoje é terça-feira e o nosso folhetim é publicado aos sábados e nas terças, o 2º capítulo de nossa eletrizante história. Aqui, aparecerá a família de Santa e suas condutas bem diferentes de suas expectativas. Espero que gostem. Abraços.
CAPÍTULO 2

Quem a conduzia até ali? A sua vaidade? Não, uma mulher temente a Deus, uma dama dos círculos mais nobres da sociedade, uma mulher respeitada por ser o que realmente era. Não podia ceder agora. Não era o momento.

O marido se aproximou, intrigado. Segurou-a novamente pelo braço. Abriu aquele sorriso matreiro, que em algumas vezes a fizera pecar e a convenceu de vez.

— Vamos, vamos sim. Estou nervosa.

— Não é pra menos – antecipou satisfeito.

Os fotógrafos aproveitaram a pausa para mais flashes, quanto mais instantâneos, melhor.

Uma das ajudantes da coleta do ofertório, correu ao seu encontro para informar que logo tocariam a música de entrada, para ela se preparar.

Santa sorriu, obedeceu e deu passos serenos e firmes, ao lado do marido, na direção da porta da igreja.

As luzes se acenderam. Eram focos brilhantes de todos os lados, obedecendo a rigorosa decoração.

Santa pensou que fosse chorar, mas se conteve nas fisionomia dos seus, que se apresentavam nos bancos, um a um, aos quais ultrapassava, no andar cadenciado.

Estavam quase todos juntos, com exceção do filho mais novo, um pouco afastado; um artista multimídia, que observava todo o cenário, talvez engendrando uma futura apresentação de seu trabalho. Era magro, cabelo liso, caído na testa, de um dourado falso, que ocultava vez que outra o olho direito. Vestia-se casual e não parecia muito preocupado com detalhes de pompa.

No banco mais a frente, estava a filha de olhos vermelhos, uma lágrima insistente correndo pela bochecha e embargando a voz, quando se dirigia ao irmão mais velho, que parecia não entender nada do que dizia.

Era alta, elegante, vestida de preto, com uma rosa também preta no decote. Poucos brilhos, poucas joias, mas o suficiente para bordar uma figura deslumbrante.

O marido, em seu lado esquerdo, observava a cena silencioso, cumprindo talvez um compromisso inevitável. Estava vestido de acordo com a ocasião e suava aos borbotões. O cabelo puxado para trás, mostrando entradas proeminentes, um olhar obtuso à deriva e a boca de lábios finos, que ora resmungava o desconforto que sentia. A mulher, pouco o notava.

Santa logo percebeu que os amigos se aglomeravam um pouco atrás dos parentes.

As mulheres bem vestidas em generosos decotes, os homens formatados em ternos comportados. Um que outro se salientava pelo penteado mais ousado ou mesmo por cochichos e sorrisos fora de hora.

Santa por um momento, teve a impressão de ver a mãe, logo seguida pela babá, esgueirando-se pelos bancos e pedindo silêncio com aquele sorriso doce de publicidade. Via-a se enfileirando no corredor, ultrapassando as crianças que se perfilavam e lhes falava com agradável sonoridade. Um sorriso aqui, um muxoxo ali e ela liderava a situação, sempre seguida pela babá, que apalermada no burburinho, às vezes se perdia dela.

Mas foi só por um momento, em seguida se concentrou no altar.

Avistava de longe, o bispo se adiantar, e tinha a impressão que seus olhos estavam vermelhos.

Quem sabe ele também sonhara com aquele momento? Quem sabe ele imaginara a sua igreja cheia de pessoas ilustres, acomodando-se entre os bancos devidamente ornamentados, entre velas que se acendiam à trajetória de Santa e flores que pareciam se abrir, à sua passagem.

Talvez tudo fosse um sonho. Também para ele.

Mas, por certo, ele poderia ver no primeiro banco, um pouco, à esquerda, o prefeito e a mulher, assim, enlaçados, esbanjando afetuosidade e ótimo relacionamento, também um que outro vereador, tanto da situação quanto da oposição e até alguns candidatos, que não dispensavam a oportunidade de aparecerem.

Como não exultar com a igreja tão cheia de celebridades, de notáveis que abrilhantavam o evento!

Agora, ela e o marido estavam cada vez mais próximos da chegada.

Piscou para o filho artista, que estava à esquerda dos demais e ele a olhou intrigado, quem sabe se perguntando que papel fazia a sua mãe, naquele momento. Não sorriu, mas acenou lentamente, levantando uma mão absorta, no ar, que se abandonava em seguida, no colo, embora a mãe já disparasse o olhar para outra direção.

Ela agora dedicava-se ao trio: os dois irmãos e o genro. O filho, sisudo, mas que por ora abria-se num sorriso para a mãe. Ajeitava, sôfrego, a gravata, acondicionando-a de modo a ficar reta, o que parecia fora de seu alcance. Também estava ansioso.

A filha se apoiava no marido, os olhos marejados, quase se transformavam em soluço. Sorriu para a mãe, para não assustá-la. Também porque deveria conter-se: era uma promotora estadual, uma mulher afeita à singularidade da discrição, do cuidado, da sutileza. Devia evitar a emoção.

O genro limitou-se a acenar, prudente.

A música parou e Santa, ao lado do marido, se posicionou no primeiro banco, no local especialmente dedicado a eles, que ficava bem ao centro e próximo ao altar.

Respirou fundo e ouviu as primeiras palavras do bispo, as quais se referiam a ela, antes de iniciar a missa.

No sermão, mais uma vez o seu nome foi lembrado, desta vez, para discorrer toda a sua trajetória de mãe, esposa fiel e digna representante da sociedade, além de benfeitora e participante entusiasmada da comunidade.

De repente, o bispo desceu do púlpito e se aproximou do casal.

Todos os olhares imediatamente se voltaram para os dois. Ele solicitou que o coroinha lhe trouxesse uma pequena caixa.

Pegou-a com cuidado, enquanto o menino se afastava rapidamente para o seu lugar.

Santa aguardava a surpresa, com verdadeira expectativa.

O bispo então, abriu a caixa e retirou uma pequena joia, uma espécie de bússola estilizada, constituída de prata, ouro branco e alguns brilhantes incrustados. A pergunta que emendou à Santa tinha a finalidade maior que a plateia participasse, tal o esforço verbal que produziu, sem utilizar o microfone.

– Então, nossa benemérita amiga, sabe o que é esta pequena joia?

Santa engoliu em seco. Os olhos brilharam profundos, em lágrimas que se espalharam rápidas pela face. Utilizou um lenço que o marido com presteza lhe entregou, e tal como ela, sua expressão era de extrema perplexidade.

Antes mesmo que Santa respondesse, o marido resmungou, apalermado: – Minha avó se revirou no túmulo.

Santa o olhou espantada. O bispo fingiu não ouvir e repetiu a pergunta.

Ela então, respondeu, indecisa.

– Na verdade, não sei bem.

O bispo prosseguiu, entusiasmado: – Mas a comunidade se lembra muito bem, minha amiga. Esta joia foi o simbolo de sua apresentação à igreja.

Ela gostaria de perguntar – como assim ? – se não lembrava do que se tratava. Entretanto, se conteve, quieta.

Evitou qualquer gesto, a não ser o de enxugar as lágrimas.

Tinha consigo que tal objeto devia fazer parte de sua infância, que suscitava lembranças da mãe, da sua família, mas não conseguia identificar a razão de estar nas mãos do bispo.

Também havia aquela observação infeliz do marido. O que ele queria dizer com aquilo?

— Pois bem, sua mãe doou esta pequena relíquia para a igreja. Isso aconteceu no seu batizado, mas quis a Providência, que um padre de nossa comunidade, um velho e diligente capuchinho, guardasse-a com cuidado e ela permaneceu conosco até os dias de hoje. Ele se foi, a joia ficou e a história transcorreu. Este pequeno relicário, tenha a certeza, é o símbolo da sua fé. Por isso, tivemos a feliz e providencial ideia de devolvê-la à senhora, Dona Santa. Acho que esta bússola que indicou o seu caminho para a igreja, que transformou a sua trajetória numa vida santificada, esta bússola, hoje lhe pertence.

– Mas eu não posso aceitá-la.

– Aceite-a sim, porque é sua e de hoje em diante, norteará o restante de sua vida. É um objeto abençoado que só lhe transmitirá paz. Além disso, a senhora é a única pessoa indicada para ter uma bússola em sua vida. Quem sabe, não norteará mais pessoas para que se engajem no caminho do bem? Contamos com a senhora, Dona Santa.

– Santa teve a impressão que a voz do bispo se tornava um pouco rouca e uma emoção mais forte o atingia.

Então, fitou o marido, solicitando a sua intervenção.

Ele estremeceu levemente as pernas, denunciando a total incapacidade de decisão. Fitou-a, meio intrigado e abriu bem os olhos sob as sobrancelhas cerradas. Por um momento, parecia envolvido em terríveis pesadelos, mas subitamente, como se tomado por uma entidade salvadora, abriu-se num sorriso condescendente. https://pixabay.com/pt/users/josuemei72-141099/

Ela aceitou a joia.

Foi assim que Santa participou do momento mais doce de sua existência.

Mas a incongruência de seus pensamentos não demoraram a deixá-la ansiosa.

Uma joia tão importante para a igreja e que possuía um significado para a sua vida, deveria representar uma grande responsabilidade.

Suas mãos, por um momento, começaram a suar e seu coração tomou-se de pequenos saltos, agitando o sangue que corria nas veias.

Que mensagem seria aquela para a sua vida? Que caminhos deveria tomar de agora em diante? E o que o marido pretendia com aquele devaneio? Um mistério que somente o futuro resolveria.

Fonte da ilustração: Josué Miguel Escudero. in site: https://pixabay.com/pt/users/josuemei72-141099/

quinta-feira, julho 07, 2016

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 12º CAPÍTULO

No capítulo anterior percebemos que as tramas se desenvolvem de modo a comprometer várias pessoas e parece que todos se acusam sem a menor preocupação. Embora alguns sejam reticentes, como um dos Silva, o dono da oficina, algum detalhe sempre é revelado, como o fato de Rosa ter um caso com o mecânico que trabalha com eles. Por outro lado, Júlio conseguiu algumas revelações de Ana, que vira o carro do médico no dia do assassinato de Taís. Aproveite o 12º capítulo de nosso folhetim policial.

CAPÍTULO 12


Rosa, a maestrina e porteira do hotel teria realmente alguma relação com o tal mecânico chamado Paulo? E o que ele estaria fazendo na capital? Teria a ver com a tragédia da filha do farmacêutico? Júlio não consegue parar de pensar no que ouvira, do homem da oficina, de Taís, do médico e da própria Sara, que o havia contratado e também acusara Rosa. Todos pareciam saber de tudo e falavam à meia boca. A não ser Ana, a jovem, que se revelava bem objetiva nas respostas. O que havia de tão misterioso nesta cidade? O que todos queriam esconder?

Júlio decidiu fazer o lanche habitual para depois dirigir-se à casa de Rosa, que hoje não viera ao hotel.

O garçom se aproximou amistoso.

– Então, gostou do lanche?

– Tanto quanto ontem. Perfeito.

– Acho que na alta temporada, o patrão vai aceitar a sua sugestão de lanche e começar a servir todos os dias para todos.

– Hum, boa ideia.

– Só que pra ser sincero, não acredito que dê certo. Aqui neste fim de mundo, nem no verão vem muita gente. Uma meia dúzia de gatos pingados.

– Você… Como é o seu nome mesmo?

– Anderson.

– Anderson, você sempre morou aqui?

– Eu nasci aqui, morei uns meses na capital, mas não me adaptei. Acabei voltando.

– É, a vida é dura. Na cidade grande, a gente tem que ter uma boa estrutura.

– O senhor falou tudo.

– Anderson, eu gostaria de saber onde mora a senhora que trabalha aqui no hotel, a da portaria.

– Ah, a Rosa? Sim, claro. Mora nessa mesma rua, umas seis quadras adiante.

– Ela é a mãe de Paulo, o mecânico?

O rapaz sorri, irônico:

– Dizem que é mãe dele, mas é o que a cidade quer ouvir. Ela é uma mulher madura e o povo não aceita.

– Não aceita o que?

– Que ela seja amante dele.

– Amante?

– Sim, preferem que seja mãe. É uma gente muito tacanha.

– Mas como vão dizer que é mãe se no passado, nunca a conheceram como mãe dele.

– Vai pensar o quê? Essa gente é maluca. Preconceituosa e louca, isso sim. Pra eles, o que vale é a aparência. Não importa se a pessoa é puta ou ladra, o que vale mesmo é como ela se apresenta na sociedade. Mas falando do Paulo, o que dizem, que o verdadeiro problema é que ele veio pra cá, procurando a mãe que não via desde pequeno. Encontrou essa tal de Rosa e ela o ajudou alugando um dos seus apartamentos. Dizem por aí, que ele nunca pagou nada e para completar, todos passaram a dizer que ela era a mãe dele.

– Que coisa absurda, você não acha?

– Tudo nesta cidade é absurdo, doutor.

Júlio voltou para o quarto para tomar um banho e trocar de roupa, quando recebeu uma ligação no quarto. Esperava que fosse seu amigo Jairo justificando ter dado o seu nome ao farmacêutico para investigar o caso. De todo modo, foi uma boa medida. Afinal, seria recompensado e cobraria uma bela quantia ao pobre homem. Não poderia é ser desonesto com a tal Sara Soares e deveria rescindir o contrato. Por outro lado, havia um caso concreto, um homem que precisava encontrar o assassino da filha ou pelo menos, saber o que tinha acontecido. Quanto à Sara, tudo o que dissera parecia ser uma justificativa para vingar-se de Rosa. Ele precisava esclarecer o crime, pois os fatos transcorriam de modo a condenarem uma pessoa inocente, como o médico ao qual o farmacêutico acusava com tanta veemência. Até que provasse o contrário, qualquer um seria o culpado, até mesmo a própria maestrina, como alguns suspeitavam. Também havia a hipótese da jovem ter se suicidado. Ou quem sabe, fora um acidente? O telefonema, porém não era de seu amigo e Júlio surpreendeu-se em saber que Rosa estava ligando para ele. Não pretendia sair àquela hora, deixaria a conversa com a mulher para o dia seguinte, mas ela demostrava muito interesse em falar-lhe. Na verdade, não se pode perder a oportunidade quando aparece assim, pensou o detetive. Talvez fosse um fato novo e se a maestrina queria tanto falar com ele, é porque havia alguma coisa a ser investigada.

Algum tempo depois, Júlio estava na frente do portão de grade, esperando ser atendido. Observou que uma luz se acendeu bem ao fundo, no interior da casa, deixando um pequeno foco para a calçada de lajotas. Olhou em torno e percebeu os olhos de um cão que o observava em silêncio. Tocou a campainha novamente e o animal rosnou sem mover-se. Rosa, em seguida apareceu, pedindo que o detetive aguardasse que ela levaria o cão para uma área, ao lado da casa. D’tartagham era um cachorro tranquilo, mas não se pode confiar, informou Rosa sorrindo.

Júlio voltou-se para o carro, que deixara sob o holofote de um poste e ficou esperando por Rosa. Por um momento, pensou o que estava fazendo ali. Um homem de sua experiência, de repente, atender o chamado de uma mulher, que poderia se configurar numa cilada. Respirou fundo. Ajeitou a gola rolê, cobrindo ainda mais o pescoço, fechou o paletó e aguardou que ela voltasse, com certa ansiedade. Em seguida, tentou desvencilhar-se daqueles pensamentos que imaginava serem absurdos, afinal, quem era Rosa, uma professora, maestrina do coral da igreja e em alguns dias da semana trabalhava na portaria do hotel. Como poderia pensar em alguma cilada de uma mulher como aquela? Por outro lado, jamais poderia imaginar numa história tão absurda com o mecânico da oficina, contudo, sempre fica a dúvida, afinal quem pode entender a psicologia humana? Cada um é como é, pensou. Nisso, Rosa apareceu, abriu o portão de ferro e pediu que entrasse. Júlio sentou-se numa poltrona próxima à área onde estava o cachorro e mesmo na escuridão podia ver os olhos do animal pela vidraça da janela, o qual parecia à espreita de algum movimento. Ao mesmo tempo, talvez pela área desembocasse alguma brisa, pois sentia o ar escasso no ambiente. Ela entendeu a dificuldade de Júlio, pois perguntou se queria que abrisse a janela.

–Se acha que não ficará muito frio, preferiria sim. - Respondera, agora mais tranquilo.

Ela abriu um pouco a persiana, depois sentou-se no sofá a sua frente. Antes perguntara se ele não gostaria de uma bebida.

–Não, não, obrigado. Acabei de fazer um lanche substancioso. Bem, parece que você queria falar comigo, Rosa.

– Pois é, pensei inclusive que o senhor não viria. Deve ter tantos compromissos e eu incomodando-o uma hora dessas. Mas é que não gostaria de falar-lhe no hotel, muito menos na igreja, onde temos o coral. Lá há sempre muita gente, principalmente neste horário.

– Não se preocupe, Rosa. Se eu não pudesse, diria na hora em que me convidou. Parece que você está preocupada com alguma coisa.

– Pra falar a verdade, estou sim. O senhor sabe que eu sou maestrina do coral da igreja.

– Sim, e pelo que me consta tem um bom grupo lá.

– Sim, por isso tenho muitos conhecidos, alguns amigos de algum tempo.

Júlio aquietou-se, esperando que ela falasse. Percebeu que Rosa estava disposta a contar-lhe alguma coisa muito grave, mas não poderia apressar os fatos.

Rosa levantou-se, foi até a janela que ficava na outra extremidade da sala e observou a pouca luminosidade do jardim. Perguntou, displicente:

– O senhor reparou com o meu jardim é escuro? Já mandei trocar as lâmpadas várias vezes, mas os marginais que passam por aqui jogam pedras e acaba nisso, nessa escuridão. Já estou desistindo, sabe?

– Mas é uma cidade tão pequena. Não reconheceram os vândalos?

– Ninguém dá a mínima para o que acontece com a gente, nessa cidade. Eu posso ser assassinada, posso morrer a qualquer momento e ninguém faz nada.

– Você parece muito nervosa, Rosa.

Rosa voltou a sentar-se e pôs as mãos na cabeça, como se fosse chorar, num gesto que parecia de desespero. Num segundo, porém, se recompôs e após um longo suspiro, levantou a cabeça, encarando Júlio de um modo bastante grave. A seguir, perguntou, disfarçando o nervosismo:

– Tem certeza de que não quer alguma coisa, detetive? Posso servir um suco.

– Não, não, como lhe disse, Rosa, para mim está de bom tamanho. Quero apenas conversar com você, saber o que lhe aflige, por isso vim aqui.

Ela permaneceu em silêncio, como se temesse prosseguir no assunto. Júlio então, a encorajava:

– Você me disse que tem muitos conhecidos no seu grupo, alguns amigos. E então, queria falar sobre isso, não?

– Sim, entre os meus amigos está o Pe. João. Ele é uma pessoa boníssima, tem os seus defeitos, como todo mundo, mas tem se mostrado um grande amigo.

– Há outras pessoas que considera amigas, dentro do coral?

– Eu tinha uma grande amiga, a esposa do Seu Domingues.

– E ela deixou de sê-lo?

– Infelizmente, ela morreu. Não sei se o senhor teve a oportunidade de conhecer o Seu Domingues? – Júlio acenou negativamente e ela prosseguiu. – É um velhinho muito querido aqui da cidade, o senhor vai encontrá-lo sempre jogando damas na praça ou então sentado tomando sol. Também passa muitas horas na loja de conveniência, onde trabalha uma nossa colega do coral, Marília.

– Por que ele fica lá?

– Aquela loja era dele há muitos anos. Tinha um posto de gasolina, a loja e até uma farmácia. Quando a mulher morreu acabou vendendo tudo, vive sozinho num apartamento, mas gosta de ficar na loja, tomando um café e conversando. Isso, quando está de bom humor, porque de uns tempos pra cá, anda muito amargurado.

– Pela morte da mulher?

– Pela idade, pelas dificuldades que possui como todo idoso, naturalmente e claro, sim, pela morte da mulher.

– É normal, você não acha?

– Até certo ponto, sim, mas é que segundo ele, tem outros motivos.

– Outros motivos?

– Bem, dizem que a mulher morrera em virtude de um erro médico. A coitada tinha diabete e parece que o médico deu uma dose errada, sei lá, uma coisa meio absurda, sabe?

– Este médico que atualmente é residente no hospital?

– Sim, o dr. Ricardo. Mas isso não aconteceu agora, foi no tempo em que ele era apenas um estagiário. Tinha se graduado, mas ainda não havia passado na prova de residência, por isso ficara estagiando por dois anos na cidade. Pelo menos, é isso que dizem.

– Esta história é comentada na cidade ou apenas pelo tal de Seu Domingues?

– Dá na mesma, detetive. Todo mundo sabe o que acontece. Seu Domingues deve ter comentado com alguém, e certamente passou de um para outro e todos acabam falando a mesma coisa.

– É, falam de todo mundo. Mas me diga, Rosa, o que a deixou preocupada, além das histórias de seus amigos, deve haver alguma coisa que diga respeito a você?

– Por exemplo?

Júlio pensou em disparar rapidamente, a palavra Paulo, o mecânico, mas se conteve. Não era o momento de abrir o jogo. Precisava saber mais, descobrir o motivo do chamado de Rosa. Então, deu meia volta e remendou:

– Por exemplo, pessoas do seu grupo que a importunam. Pensei que um desses a incomodasse, ou que a deixava apreensiva.

– Bem, acho que o senhor tem razão. Mas falei na mulher do Seu Domingues, chamava-se Lorena, sabe, era uma criatura dócil, amiga. Isso me deixou apreensiva, sim, porque é o caso da diabete. O senhor deve saber que há casos de pessoas que morreram envenenadas com insulina, nem sei se se pode afirmar assim, chamar de envenenamento, mas aconteceu de pessoas que não tinham a doença, morreram por terem sido injetadas nelas o medicamento.

– Isso foi provado?

– A polícia está investigando. Alguns casos foram arquivados. Não há como provar, sabe.

– Você acha isso possível?

– Eu fiquei pensando neste caso da Lorena. E depois me falaram de outros casos semelhantes, não de erro médico, mas relacionados à insulina. Para encurtar o caso, detetive, eu estou com medo, porque hoje fui ao médico, fiz uns exames e descobri que estou com diabete. Eu estou com medo de morrer doutor!

– Rosa, você se deu conta que há dois tipos de crimes na cidade e que um determinado grupo de pessoas chama a atenção e dá muita importância a um tipo de crime e outro grupo está muito preocupado com o outro.

– Como assim, detetive?

– Há estes crimes que você descreveu, sobre pessoas que foram, segundo o que se comenta, injetadas com insulina e morreram por não possuírem a doença, não é isso? Há outras pessoas que falei, como Sara Soares e parece que seu filho também foi vítima disso, embora não tenha conversado com ele ainda.

– O senhor se refere a Raul.

– Sim, parece que ele faz parte do coral e é muito amigo seu, não?

Rosa parecia desconsertada. Caminhava de um lado para o outro da sala, como se não soubesse o que dizer.

Júlio concluiu:

– Mais tarde, eu faço questão de falar sobre ele, mas quero completar o meu pensamento. Falei no primeiro tipo de crimes que estão acontecendo aqui, mas há um outro, que se refere a uma moça que foi assassinada ou se suicidou, não sabemos, mas é um caso que envolve alguns suspeitos e muita dúvida pela polícia. Há um pai em absoluto desespero, que quer justiça. Há um médico, este mesmo que é residente na cidade, que está sendo acusado e ninguém fala, a não ser algumas pessoas interessadas no assunto. Você entendeu o que eu quero dizer, Rosa?

–Eu soube sobre o crime sim, mas para mim, a polícia está investigando e vai chegar a uma conclusão. Mas no primeiro tipo, como o senhor diz, a coisa está muito obscura. Por isso, eu estou com medo. E quanto ao médico, ele me parece envolvido nos dois tipos.

– Mas vamos falar sobre o seu amigo Raul.

Rosa respirou fundo. Não gostaria de falar em Raul. Como dizer-lhe que a presença de Raul a deixava feliz, que era uma pessoa muito bem integrada no curso, o único que não professava a religião católica, mas que gostava do que fazia. Estava sempre pronto a aprender novos acordes, aceitava as críticas, era um participante que ajudava ao crescimento do grupo.

– E você Rosa, eu lhe peço que seja sincera, já que pretende que eu possa ajudá-la de algum modo. Você gostava de Raul? Quero dizer, sentia alguma atração por ele, como homem?

Rosa rapidamente corou, sentindo-se pouco à vontade com a pergunta de Júlio, mas tentou responder com firmeza.

– Eu sou uma mulher madura, detetive, ele é um homem que talvez tenha os seus trinta e poucos anos.

– Mas e daí, isso interfere em alguma coisa?

– Não sei, pode ser que não, mas em se tratando dessa cidade…

– Deixemos a cidade de lado e o que o povo pensa desse tema. Responda objetivamente a minha pergunta, por favor.

– De modo algum! - Responde categórica. - Ele foi um bom amigo, apenas. Sentia uma atração por ele, não vou negar, mas não fisicamente. Era uma coisa de carência, de querer ajudá-lo, talvez até meio materna, mas nunca passou disso.

– Você disse que ele era um bom amigo, então deixou de sê-lo?

– É uma longa história. Raul andou me apresentando, sabe? Começou a fumar maconha, talvez tenha sempre usado, mas ficou meio irresponsável. Certa vez, entrou em minha casa com a minha chave, drogou o meu cachorro, a partir daquele dia, fiz tudo para que saísse do coral. Só que nesse meio tempo, segundo o que dissera, tentaram matá-lo, injetando insulina, como nos outros. Só que ele não morreu, porque tinha a doença e os criminosos não sabiam.

– Então a coisa é mais séria do que pensamos. Precisamos fazer um relatório, vou tentar pegar informações com a polícia sobre esses casos. Entretanto, estou muito preocupado com o outro caso.

– Antes detetive, me diga, não acha que estou com razão por ter medo? Se descobrirem que sou diabética, poderão me matar também!

– Mas quem faria isso? Qual seria o motivo para matar todo mundo que tem diabete, embora pelo que entendi, só morre quem não tem a doença. Então, não tem sentido tentarem matar quem está doente.

– Sei lá, talvez alguém que quisesse se vingar.

– Alguém como o Sr. Domingues que você falou? Afinal, a mulher morrera por um erro médico. Ela tinha a doença. Vai ver que ele queira se vingar do médico, fazendo morrer todos que não tenham a doença e talvez jogando a culpa nele.

– Mas isso é um absurdo.

– É um absurdo, mas os criminosos estão aí para provar que cometem absurdos.

–Talvez o senhor tenha razão, mas me diga, como pode ajudar-me, detetive?

– Esperando que você me conte tudo o que sabe, Rosa.

– Como assim? Eu já lhe contei tudo o que sei, esteja certo.

– Você conhece o ex-namorado da jovem assassinada, Taís?

Rosa estremeceu. Deu um salto para trás, como se fosse atingida por um projétil vindo da janela. Lá fora, D’tartagham ladrou com extrema fúria, que impressionou Júlio. Rosa então aproximou-se de um pequeno móvel que tinha algumas bebidas e serviu-se de um licor. Ofereceu-o ao detetive, que recusou mais uma vez. Tomou-o de um só gole e comentou, distraída:

– Não sei exatamente a quem o senhor se refere.

Júlio foi categórico:

– Refiro-me ao mecânico que trabalha na oficina dos Irmãos Silva. Pelo que me consta, você o conhece.

– Sim, devo conhecê-lo, como o senhor sabe, todos conhecem a todos nesta cidade. - Respondeu ansiosa.

– Mas pelo que um dos Silva me afirmou, você o conhece muito bem, até o tem ajudado desde que veio para cá, à procura da mãe. Se não me engano, você até alugou um apartamento em troca de alguns favores.

– Do que o senhor está falando detetive? A maneira como fala está me ofendendo. Estes miseráveis Silva nem sabem o que estão dizendo.

– Na verdade, fui irresponsável, agora. O Silva disse que o mecânico a conhecia e que você o tinha ajudado, mas não me contara tudo isso que relatei. Eu confundi as fontes.

– Qual foi o vagabundo que lhe informou isso?

– Não interessa agora, Rosa. Quero saber se é verdade, se você conhece o mecânico Paulo e se tem alguma relação com ele. O que significa este rapaz para você?

Ao ouvir a pergunta sobre Paulo, Rosa emudeceu. Ele então mudou de tática.

– Está bem Rosa, então vou tornar a perguntar sobre a filha do farmacêutico. O que você tem a me dizer sobre o crime?

Rosa o olhava intrigada. Parecia que as coisas estavam por demais confusas, para enveredar por aquele assunto. Afinal, não foi para isso que chamou o detetive. De súbito, respondeu, irritada.

– Eu acho que ninguém a matou, ela devia estar tomando um daqueles banhos que costumava e despencou rio abaixo.

– Como assim?

–Ela tomava banhos a qualquer hora do dia e da noite e nua, como veio ao mundo! Era uma leviana! Ou o senhor pensa que era uma santinha?

– Disso eu não estava informado. Ninguém comentou. Viu que não é tudo que falam na cidade?

–É, talvez só falem o que interessa para eles, para agredir alguém.

– Você a considerava uma leviana por isso?

– Só por isso, não. Ela era uma jovem muito atirada, dava em cima de qualquer homem que lhe passasse à frente. E não pense que eu é que achava isso, toda a cidade comentava!

–E quanto a Paulo?

Rosa prosseguia no mesmo tom enfático, diferente da mulher tranquila e ponderada que demonstrava ser.

–O que eu tenho a dizer, é o que todos dizem por aí. Taís era namorada dele e o traiu com aquele médico. Não tinha compostura. Era uma desequilibrada. Além disso, fumava maconha e bebia como uma viciada!

– Meu Deus, tudo isso! Mas namorou Paulo durante muito tempo?

– Uns dois anos. Ele pretendia até casar-se com ela, contra a minha vontade é claro. Mas ele gostava muito dela, estava encantado e passava a mão por cima de todos os seus defeitos. Ela fazia qualquer coisa para conseguir as drogas, até se prostituir. Era uma infeliz!

Júlio percebia que os olhos de Rosa brilhavam, como se estivesse falando com a própria vítima. Então, perguntou, oportuno.

– Rosa, quer dizer que você odiava esta moça.

– Com todas as forças de minha alma. Ela era capaz de tudo e ia acabar com a vida de Paulo.

– Você ama muito este rapaz.

Ela fez um silêncio pesado. Então, levantou-se do sofá e aproximou-se de um balcão escuro, onde pegou um maço de cigarros. Retirou um, deixou entre os dedos, mas não o acendeu. Encostou-se no balcão. Quando falou, o fez quase numa súplica, encarando fixamente o detetive.

– Dr. Júlio, eu lhe peço, esqueça esta história. Volte para a sua cidade, essa moça, pobre coitada, a gente sabe, não merecia isso. Veja bem, não vai resolver nada. Nem o senhor nem ninguém vai trazê-la de volta.

– Por que quer que eu esqueça o caso? Fui contratado por Lucas, o pai da moça.

– Lucas, aquele maldito! Por que não deixa a filha descansar em paz?

– Mas qual é o motivo de querer deixar tudo como está? Não é melhor resolver o problema?

– Não, doutor, não é melhor. - E quase chorando. - Tenho certeza de que vão acusar o Paulo, só porque ele é um pobre coitado. É a parte mais fraca. Jamais vão acusar aquele doutorzinho de merda, o senhor pode ter certeza.

Júlio a ouvia surpreso. Fez uma pequena pausa e logo argumentou:

– Você sabe que na condição de detetive, preciso saber algumas coisas, como por exemplo, qual é a sua verdadeira relação com este rapaz.

Ela largou o cigarro sobre o balcão, desistindo de fumar e voltou a sentar-se no sofá. Enxugou algumas lágrimas e tentou parecer mais calma.

–Ele não é nada meu, mas me considera como uma mãe e diz para todo mundo que sou a mãe que procura há muito tempo. Eu, apenas lhe dei guarida, um dia. Ajudei-o quando precisou e foi ficando aqui, num apartamentinho que tenho para alugar. Sabe, doutor, ele tem a cabeça fraca, não é muito inteligente. Mas para mim, todos são iguais, por isso, eu o considero muito. Não quero que sofra por causa daquela desmiolada!

– Sinto muito, Rosa, não posso ajudá-la neste sentido. Não posso fazer nada. E depois, se acharem o verdadeiro culpado, ele será isento de tudo, se for realmente inocente.

– Não, vão fazer tudo para colocá-lo na prisão, tenho certeza!

– Mas afinal, por que motivo? Quem está mais enrascado, na minha opinião, é o médico. A menos, que existam outros fatos que eu desconheça.

– Não, não há nada. Só posso dizer que ele é inocente.

– Pois se ele é inocente, não tem por que se preocupar, precisa só responder algumas perguntas, como por exemplo, onde ele estava no dia da morte da moça.

– Isso, o senhor terá que perguntar pra ele. Eu não posso lhe dizer nada.

– E ele foi fazer o que na Capital?

– Ele foi lá buscar uns documentos. Foi assaltado certa vez na capital e agora os documentos foram encontrados.

– E quanto a você?

– Quanto a mim? O que quer dizer? Eu não tenho nada a ver com esta história.

– A mesma pergunta clássica: onde estava no dia do crime?

– Eu não sei. Como vou me lembrar? Nem sei o que comi no jantar ontem! Mas o senhor devia pesquisar o tal médico, porque o carro conversível dele estava parado por lá, bem na outra margem do rio, próximo à ponte. Já soube disso?

– E como você soube? Rosa, já percebeu que de repente, passou a incriminar o médico sobre um crime que você nem estava interessada? Parece que este rapaz é odiado nesta cidade, porque é culpado de tudo.

– Não sei, ouvi falar. Todo mundo fala tudo nesta cidade, lembra? Eu não tenho nada contra o médico, nem contra ninguém. Como lhe disse, estou assustada.

– Em todo caso, é bom você tentar lembrar o que fazia naquele dia, porque você demonstrou que odiava esta moça.

– O senhor não vai querer me acusar, detetive?

– Eu não acuso ninguém, Rosa. Procuro provas, só isso.

– Bem, acho que nosso assunto se esgotou. O senhor em vez de tentar me ajudar, acabou me acusando.

– Como lhe disse, não acuso ninguém. Mas há de convir que a sua reação foi muito estranha. Defendeu este rapaz, o tal mecânico com unhas e dentes, como se eu estivesse acusando-o de alguma coisa.

– Eu já lhe disse, doutor, estou muito nervosa e Paulo é uma pessoa muito boa, não merece que o acusem. Sei que mais cedo ou mais tarde, vão fazer alguma maldade contra ele, só porque ele andou com esta moça. Mas tenho certeza de que tem muito mais gente envolvida.

– Isso nós vamos descobrir!

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