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sábado, julho 16, 2022

Traço caminhos

Quando vires minha mão estremecer, não faças diagnóstico sobre meu estado físico ou emocional. Quando perceberes meu olhar flutuar, não penses que meus sonhos já se foram. Quando ouvires meus argumentos, não te surpreendas com meu desabafo dilacerado. Quando notares que mal me movimento nas noites, não julgues a falta de jeito. Não conheces minhas dores, nem meus pensamentos. Não sabes de onde venho e de meu desamparo. Não peço teu acolhimento, talvez apenas teu olhar. Pode ser assim, oblíquo e disfarçado, pode ser apenas a visão de um segundo. Pode ser um gesto perturbado de um espaço invasivo, mas que não seja hostil. Não precisas falar, nem sorrir. Talvez, apenas que reconheças a minha humanidade, como a tua.

Quando estiver em frente a tua casa, na soleira de tua porta, no toque da campainha, apenas pergunta o que quero. Saberás da minha fome como necessidade básica e também emocional. Saberás que vou além do ser, quase objeto, que perpassa a tua fronteira, sou também alma escondida em vestes precárias, mas que se assemelha a tua. Não quero a tua culpa, nem o teu medo, nem as dores que transfiguram tuas emoções. Sei que somos iguais, as dores não escolhem o sujeito, porque nossa vida é assim, mediana, só isso. A diferença entre nós, é que podes agir, de algum modo. Eu, apenas traço caminhos em círculos e às vezes, num deles, também te encontro. Vivo passivamente, esperando não sei o quê, pois se já tive passado, não tenho futuro.

Que teu ódio não faça de mim, o alvo, mas aos que controlam as armas que nos ajudam a matar.


Iustração: https://pixabay.com/pt/photos/crianças-favelas-pobreza-pobre-2876359/

terça-feira, outubro 30, 2018

A hóstia na boca e a arma na mão

Hoje, vinha pela ladeira e sentia que meus pés afundavam nas estruturas tortas de paralelepípedos da Riachuelo, a rua protegida pelo rei. Na verdade, a ladeira se produzia em meus pensamentos que sucumbiam em tortuosas reflexões.

Numa esquina, entre a conversa de um amigo, observei a cena de um grupo de homens que apontavam para dois rapazes que atravessavam a Benjamim, provavelmente em direção ao calçadão. Com olhares furiosos, exclamavam que vivíamos um novo tempo, em que todos os gays que se mostrassem afeminados, como aqueles, seriam gravados tendo o vídeo divulgado nas redes sociais, após levarem uma boa surra (usaram um termo pior). Afinal, tinham a permissão de um líder que os afiançava.

Quando voltei a andar, de pernas quase trôpegas, voltei-me para o acinzentado da laguna. Nem sei se o céu estava azul, mas as águas pairavam revoltas no cais. Olhei-as, ensimesmado e lembrei das últimas palavras de um moreno barbudo, que parecia realçar a sua “descendência ariana”, afirmando que se o tal gay fosse negro, aí sim, levava porrada. Então, me veio à mente a música “A carne”, interpretada por Elza Soares, que ouvi num show e tenho em meu Spotfy, a qual possui os versos mais pungentes que podemos ouvir:

“A carne mais barata do mercado é a carne negra

vai de graça pro presídio

e para debaixo de plástico

que vai de graça pro subemprego

e pros hospitais psiquiátricos”

Então, lembro que pessoas que fazem estas afirmações homofóbicas e racistas parecem gente de bem. São pais de família, religiosos e se destacam na sociedade. Sim, a hóstia na boca e a arma na mão, a bíblia aos olhos e os punhos cerrados de ódio. Não sei se peço ajuda aos santos, não são os mesmos a quem eles recorrem?

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