Hoje, vinha pela ladeira e sentia que meus pés afundavam nas estruturas tortas de paralelepípedos da Riachuelo, a rua protegida pelo rei. Na verdade, a ladeira se produzia em meus pensamentos que sucumbiam em tortuosas reflexões.
Numa esquina, entre a conversa de um amigo, observei a cena de um grupo de homens que apontavam para dois rapazes que atravessavam a Benjamim, provavelmente em direção ao calçadão. Com olhares furiosos, exclamavam que vivíamos um novo tempo, em que todos os gays que se mostrassem afeminados, como aqueles, seriam gravados tendo o vídeo divulgado nas redes sociais, após levarem uma boa surra (usaram um termo pior). Afinal, tinham a permissão de um líder que os afiançava.
Quando voltei a andar, de pernas quase trôpegas, voltei-me para o acinzentado da laguna. Nem sei se o céu estava azul, mas as águas pairavam revoltas no cais. Olhei-as, ensimesmado e lembrei das últimas palavras de um moreno barbudo, que parecia realçar a sua “descendência ariana”, afirmando que se o tal gay fosse negro, aí sim, levava porrada. Então, me veio à mente a música “A carne”, interpretada por Elza Soares, que ouvi num show e tenho em meu Spotfy, a qual possui os versos mais pungentes que podemos ouvir:
“A carne mais barata do mercado é a carne negra
vai de graça pro presídio
e para debaixo de plástico
que vai de graça pro subemprego
e pros hospitais psiquiátricos”
Então, lembro que pessoas que fazem estas afirmações homofóbicas e racistas parecem gente de bem. São pais de família, religiosos e se destacam na sociedade. Sim, a hóstia na boca e a arma na mão, a bíblia aos olhos e os punhos cerrados de ódio.
Não sei se peço ajuda aos santos, não são os mesmos a quem eles recorrem?
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