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Mostrando postagens com o rótulo crianças

O lado bizarro da alegria

O poeta tinge de cores fortes o que produz a mente, o escritor descreve o que seu sentimento aviva, enternece, destrói. Usa da palavra como adaga, faca afiada que lhe corta de modo cirúrgico a dor mais profunda, que o dilacera e o fragmenta. Não é possível falar de modo prosaico das cores primaveris, dos sorrisos das crianças que se enfeitam entre jardins e esquinas, dos jovens que se encontram, quando a máscara serve de anteparo à dor, à morte, ao medo. Não é possível a mesmice da alegria das borboletas, quando uma sombra obscura tolda o horizonte, por mais otimistas sejamos, por mais que tentemos ser felizes e descolados da realidade. Mas eis que está aí, ante nossos olhos e corações e ao termos empatia, sentimos tão forte a dor, que nos encolhe e desaparece qualquer beleza primaveril. Dizem que o poeta é melancólico? Que o escritor é pessimista? Mas o que é a natureza, se não a humanidade que a compõe? O vírus faz parte da natureza. Os vermes e bactérias também. O mundo subterrâne

O gato cinza

Quando o gato cinza pulou no colo de Sandra Mara, ela alisou o seu dorso delicamente. Em seguida, porém, empurrou-o para o chão e puxou a bacia para o centro da sala. Espiou se a chaleira estava fervendo e começou a encher a bacia, uma bacia grande, quase uma banheira, pensou. O gato ronronava em sua volta, lambia-lhe os pés, encostava o rabo em suas pernas. Sandra Mara não se incomodava com aqueles afagos inoportunos, mas naquele momento, não eram bem-vindos, por isso o empurrou novamente com o pé. Ele deu um gemido e pulou para uma prateleira na parede oposta à do fogão. Ela retirou a chaleira do fogo e começou a encher a bacia. Abriu novamente a torneira, desta vez para encher uma jarra e não a chaleira. Depois esfriou um pouco a água da bacia com a da jarra. Colocou delicadamente os dedos provando a quentura e tirou-os de imediato. Ainda estava muito quente. Retomou a tarefa de esfriar a água, observada pelo gato sobre a prateleira. Experimentou mais uma vez, agora enfiando tod

Onde chegará o homem?

Não gosto de comentar notícias policiais, muito menos ficar dissecando as informações, investindo em cada detalhe e transformar o fato numa dramaturgia barata. Mas às vezes, a realidade dura nos obriga a pelo menos refletir e sofrer as consequências da falta de humanidade. O bebê baleado no útero da mãe e que não resistiu e acabou morrendo, em Caxias, na Baixada Fluminense vai contra qualquer percepção de realidade, como se o surrealismo ou a ficção concentrasse seus valores em nossa realidade. Como não se comover, como não sentir na pele o arrepio da dor e do medo ao assistir um fato tão doloroso. Isso apenas citando dois fatos, embora ocorram diariamente todos os tipos de assassinatos e perdas terríveis ao povo brasileiro. Como acreditar na humanidade e imaginar que ainda há futuro? Quando vemos nossos filhos longe, ficamos com o coração na mão e quando estão perto permanecem em total abandono, porque as balas perdidas não são excessões, ao contrário, são a regra em muitos recanto

O medo intrínseco

Não gosto de comentar notícias policiais, muito menos ficar dissecando as informações, investindo em cada detalhe e transformar o fato numa dramaturgia barata. Mas às vezes, a realidade dura nos obriga a pelo menos refletir e sofrer as consequências da falta de humanidade. O bebê baleado no útero da mãe, em Caxias, na Baixada Fluminense vai contra qualquer percepção de realidade, como se o surrealismo ou a ficção concentrasse seus valores em nossa realidade. Como não se comover, como não sentir na pele o arrepio da dor e do medo ao assistir um fato tão doloroso. Como acreditar na humanidade e imaginar que ainda há futuro? Quando vemos nossos filhos longe, ficamos com o coração na mão e quando estão perto permanecem em total abandono, porque as balas perdidas não são excessões, ao contrário, são a regra em muitos recantos do Brasil, como na escola em Porto Alegre, onde os alunos precisaram fugir para não ser atingidos. Parece que o homem fica cada vez menos homem, menos ser humano e t

Havia flores em Lisboa

Havia flores nas janelas e outras que se acomodavam em espaços menores, juntando seus galhos e pétalas e espécies diferentes e inúmeros brotos que surgiam à luz primeira da manhã. Eram rosas, jasmins, gerânios e se estendiam pelas janelas, pelos pequenos canteiros, pelas intersecções das ruas, pelas rótulas, pelos caminhos, pelos passeios. Eram lindas as flores e alvissareiro o dia que mergulhava mais e mais nas horas da manhã que aos poucos se adiantava. Foi ali, que parei um momento, sentado num banco verde, observando as construções antigas ao longe, as igrejas seculares, as ruas estreitas e o rio que se desenhava ao fundo. Não poderia ser diferente. Acomodar-me naquele ambiente valorizado pela natureza cultivada, era reviver um pouco das memórias ocultas que se restabeleciam com a beleza. Memórias de um passado que esquecemos, mas que ressurge quando invocados pelo sentimento. Talvez devesse ficar ali todo o dia, se outros compromissos não me absorvessem, não me chamassem para a

Sonhos na lagoa

Gosto de observar o cais. Dá-me uma sensação de abandono e uma certa melancolia boa. Não sei se pela partida e chegada dos barcos ou por recordações do passado. Coisas boas que se foram, ocultas num cantinho absorto, sem que se dê vazão a sua presença. Às vezes passeio pela doca, observo de longe o brilho do mar reluzente, sol a pino e dia claro. Ou até mesmo quando nuvens escurecem a lagoa, tenho prazer em alastrar o olhar e observar nas sombras que se moldam nas ondas, pequenas figuras que se evadem de meus sentimentos. Quem sabe, um barco há muito tempo não aportou por ali, trazendo além de granjeiros ou pescadores, donas de casas, crianças a reboque chegando na cidade, despejando os sonhos ansiosos antes apenas mergulhados na imaginação. Ou os que partem, barcos repletos de mantimentos, ferramentas ou utensí lios de cozinha. Mulheres que acenam para os que ficam e descem inseguras no molejo das ondas. Acocoram-se nos bancos de madeira, molhando os pés nas águas que i

O AMOR E A PIEDADE : sentimentos distintos

Há milhares de expressões que tentam expressar e explicar o que é o amor. Platão, ligando o amor à beleza e ao bem, dizia que o amor liberta o ser humano e o conduz à verdade. Para Santo Agostinho, o amor é o nexo que une as pessoas e as diviniza. Somente o amor é capaz de explicar a vida da alma e a sua possibilidade de se elevar ao conhecimento unitivo de Deus. Enquanto Platão se preocupava em conceber o amor como o elo, a ponte entre o corpóreo e o espiritual, entre o relativo e o Absoluto, entre o particular e o Universal, Santo Agostinho via o amor como o nexo entre o divino e as pessoas. Mas há centenas de filósofos que dissertaram e tentaram explicar o amor, como Spinoza, Jean-jacques Rousseau, Friedrich Schleeirmacher, Aristófanes, Arthur Schopenhauer e tantos outros. Do mesmo modo, os poetas e compositores à sua maneira, cantaram e encantaram o amor em todas as suas nuances. Eu não seria capaz de fazer uma explanação a respeito do tema com esta intensidade e conhe

REFUGIADOS EM SEUS SONHOS

Nem que se diga, que lhes faltou o peito, nem que a fome durou; nem que se saiba que a vida é árdua e a escola seja talvez o único acesso à dignidade. Nem que os pais não lhes provejam o amor ou que o abandono se torne perene. As crianças deveriam sempre vencer as dificuldades, sobreviver e se tornarem homens e mulheres mais fortes e guerreiros. No entanto, às vezes, o homem no seu poder canhestro e torpe, investe na vida dos povos, interferindo em sua trajetória. E o poder se revela na intolerância religiosa, na ganância dos modelos econômicos, no imperialismo dos governos. Gostaria de falar de nossas crianças em seu dia, de seus sorrisos, suas procuras pelo abraço e carinho, seus encontros e descobertas. Mas como esquecer as que aparecem em nossos monitores diariamente, pedindo socorro ou registrando a sua falência. Como esquecer entre tantas, a menina praticante de Candomblé que foi agredida na escola, vítima de preconceito religioso, por outras de sua idade, que