Gosto de observar o cais. Dá-me uma sensação de abandono e uma certa melancolia boa.
Não sei se pela partida e chegada dos barcos ou por recordações do passado.
Coisas boas que se foram, ocultas num cantinho absorto, sem que se dê vazão a sua presença.
Às vezes passeio pela doca, observo de longe o brilho do mar reluzente, sol a pino e dia claro.
Ou até mesmo quando nuvens escurecem a lagoa, tenho prazer em alastrar o olhar e observar nas sombras que se moldam nas ondas, pequenas figuras que se evadem de meus sentimentos.
Quem sabe, um barco há muito tempo não aportou por ali, trazendo além de granjeiros ou pescadores, donas de casas, crianças a reboque chegando na cidade, despejando os sonhos ansiosos antes apenas mergulhados na imaginação.
Ou os que partem, barcos repletos de mantimentos, ferramentas ou utensílios de cozinha.
Mulheres que acenam para os que ficam e descem inseguras no molejo das ondas. Acocoram-se nos bancos de madeira, molhando os pés nas águas que invadem os barcos. Revisam as compras, espiam o mercado, investindo em compras futuras.
Quem sabe voltarão no próximo mês carregando além das esperanças, novos caminhos que talvez partilhem dali em diante.
Ou talvez, voltem para suas terras: ilhas de margens tranquilas, casinhas acenando entre madeira e tijolo, redes espalhadas por gramados, plantações.
Lá vão elas, mulheres, crianças, compras, sonhos, poesias na lagoa.
Homens que passeiam seguros e firmes de um barco a outro, carregando consigo as lembranças da cidade, os amigos que encontraram, cuidadores de carros que nao são seus, os peixes que transitam em suas cestas de desejos: trocas perfeitas de suas necessidades, que se alternam com as contas, o médico, os impostos, a poupança.
E lá se vão e voltam no outro dia, assim como o sol, que hoje se alterna com as nuvens escuras, lá longe, mas que de vez enquanto, empurra-as para o lado e surge majestoso, vermelho magenta, fenecendo aos poucos, vencido pela hora.
E a lua sobressái, discreta. Mas agora, é melhor avistá-la da janela.
Não dá pra enfrentar outros sonhos que já foram quebrados.
Melhor não dividir a rua, muito menos a noite.
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