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sábado, julho 15, 2017

UMA PLANTAÇÃO DE BONECAS

Centenas de bonecas se espalhavam no jardim. Quando passeávamos por ali, tínhamos a impressão de que um leilão de brinquedos era instalado ou talvez, tudo procedesse de um longo pesadelo do qual não podíamos acordar.

Passamos por perto, chutando o que nos vinha pela frente, tanto as bonecas, quanto pedras e pequenos objetos de madeira que não significavam nada. Pelo menos, nada relacionado a brinquedos.

Continuamos nosso percurso, um tanto desolados. Parecia também que uma inundação havia deixado aqueles rastros espalhados, a água viera, se acumulara até as janelas, mergulhara os jardins e por fim, retomava ao seu curso, deixando as bonecas arremessadas e sujas ao relento.

Sentia pena. Não podia ser verdade o que diziam. Uma plantação de bonecas, como se fossem espantalhos no meio do milharal? Cada coisa estranha se passava em nossas cabeças, por isso, parei um pouco e tentei refletir sem qualquer emoção. Talvez aqueles objetos fossem apenas fruto de um total desconsolo pessoal, de um desapego de sentimentos relacionados à infancia.

Sentei num dos bancos e o estagiário de psicologia parou alguns segundos me observando. Percebi que ele tinha uma questão que evitava, talvez por imaginar que fosse demasiado primitiva. Então, incentivei-o e ele perguntou, entredentes:

__ Estive pensando... Tudo isso pode ser apenas uma negligência, uma falta de cuidado, mas...

Silenciei por um momento, esperando o desfecho. Como ele deixou o pensamento no ar, conclui:

__Uma falta de cuidado não significa apenas isso, uma negligência. A própria negligência, a falta de interesse revela uma provável tristeza.

__ Então, fico imaginando de onde tantas bonecas? Quem as acumulava? Quem as guardava?

__ Acredito serem de um orfanato antigo.

__ Então os donos que assumiram a casa as jogaram fora.

__ E as deixaram espalhadas pelo jardim? Não há lógica.

Ficamos novamente em silêncio. O círculo se fechava.

Olhei em torno e avistei as bonecas atiradas bem ao longe, tanto que pareciam diminutas. Por um momento, pensei num parque maravilhoso, muito verde e iluminado no qual as pessoas desfrutavam seus pequeniques. Traziam suas maletas vermelhas e abriam os guardanapos xadrez, a toalha, a szarlotka, a torta de maçã ou sękacz, ou os pães de mel em forma de anel. As mães de lenço de seda escondendo os cabelos ruivos e os pais de chapéu, inventando brincadeiras com os meninos. Ah, foi só um pensamento involuntário!

O estagiário sentou ao meu lado e suspirou fundo. Eu sorri e perguntei:

__ Você falou com alguém sobre isso? Alguém da casa?

Não havia ninguém na casa. Talvez nem houvesse novos donos, como imaginávamos. E se tentássemos entrar, e se tentássemos algum encontro?

O dia agora estava mais cinza, mais nublado e as bonecas pareciam pontos escuros no meio do verde arranhado pela lama. Nada do que falássemos nos levaria a algum desfecho.

Por isso, levantei-me e quando pretendia convidá-lo a fazer o mesmo, percebi que fumava uma bagana escura. Talvez tirasse do bolso uma bagana de maconha, já fumada lá mesmo, entre as bonecas. Aquele cheiro adocicado, por um momento me prendeu ao banco, mas resisti e afastei-me uns dez metros. Ele sorriu e permaneceu no mesmo lugar. Queria terminar o processo e parecia se dar bem no que fazia. Sorria de vez enquanto e às vezes, cuspia, limpando a borda da boca com a mão esquerda. Sentia uns arrepios e se mexia todo, sempre sorrindo.

Afastei-me mais alguns metros em direção às bonecas.

Quanto mais me aproximava, mais meu coração me ludibriava descompassado e eu tinha a impressão de não pertencimento ao local.

O cenário ficava lúgubre, áspero, uma dor que me alfinetava, como se um punhal muito fino e afiado me espetasse bem próximo ao coração, entre as costelas, tentando perfurar-me as carnes.

Eu já sentia até o sangue jorrar, mas não era o meu sangue, era um sangue sujo, misturado à lama e brotava das bonecas. Seus olhinhos aguados, as bocas entreabertas, os cabelos queimados, as carecas de plástico cheias de pontos de agulha e fios, aparecendo, como se fossem escalpeladas. Outras de louça, se quebravam no primeiro impacto dos pés.

Dei mais alguns passos na direção delas e percebi que havia sapatos e roupas e óculos e malas. As bonecas não estavam sozinhas, elas tiveram vida algum dia. Elas respiraram, sorriram, foram aos piqueniques nos parques verdes, foram às escolas, às brincadeiras nas casas das amigas, às festinhas de aniversários. Eram lindas as bonecas, eram vistosas e tinham sonhos, muitos sonhos. Agora estavam lá, arremessadas como coisas do passado, coisas usadas e abandonadas, símbolos de uma vida que se rompeu arrebatada pela força, pelo medo, pelo preconceito, pelo ódio, pelo nazismo.

Queria ser como o estagiário e ter a coragem de me afastar daquele mundo, de sorrir de tudo, de zombar da vida e da morte, do ódio e da clemência, da violência e do clamor dos inocentes. Mas não pude.

Meu dever era enfrentar a dor. As bonecas, os brinquedos, os óculos, as malas, as maletas, os sapatos, as mochilas da escola, os retratos na parede. Não podia ficar alheio, precisava abrir bem meus olhos e perceber que elas não mais estavam estiradas no chão, era tudo uma ilusão que minha alma surrada e sofrida criava para me proteger.

Elas estavam bem guardadas entre paredes envidraçadas, em cúpulas de vidro para mostrar a mim e ao mundo que o sofrimento ainda não acabara. Elas estavam lá, me encarando e alertando que tudo voltava como um círculo sem fim. As bonecas de Auschwitz, os laços de fita de Auschwitz, os sapatos, os óculos, os brinquedos, as malas, os retratos na parede de Auschwitz. Elas estão lá e eu jamais as esquecerei. Ficarão na minha mente como semente de dor e horror, como emblema do ódio e da desesperança, do preconceito e da desumanidade.

Quisera ser como o estagiário e nublar minha mente e me desviar da dor, mas não posso.

domingo, janeiro 10, 2016

EU E A POLÍTICA

Tenho observado através de conversas com amigos e por comentários das redes sociais, que algumas pessoas que não são engajadas politicamente ( condição a qual não são obrigadas a sê-lo), possuem restrições e até, salvo engano, me parecem temerosas com os que professam o regime de esquerda.

Eu, na verdade, sou praticamente leigo na seara da política, e tudo o que sei faz parte de minha experiência, enquanto cidadão, com os diversos governos que ocuparam o maior cargo da nação, entre vários partidos políticos, entremeado por uma ditadura feroz de direita.

Entretanto, atenuando esta minha ignorância, debrucei-me em diversas leituras, com autores reconhecidos e acho que adquiri, senão uma expertise na ciência política, pelo menos um conhecimento razoável de nossa história e nossas maneiras de conceber a cidadania de um país.

Não sou político no sentido estrito da palavra, nem filiado a nenhum partido, mas tenho minhas percepções do que considero certo ou errado, adequado ou incorreto nas decisões que influenciam a nossa vida.

Deixando este adendo, retomo o tema que abordei no início, sobre à má concepção pelas pessoas quanto ao sistema de esquerda. Talvez, essa deformação do pensamento ocorra em virtude da colossal propaganda política, que ligava os partidos de esquerda exclusivamente ao comunismo praticado na União Soviética, principalmente na época da guerra fria. Claro, que a propaganda dirigida pelos Estados Unidos e plenamente acolhida aqui em nosso País, retratava a esquerda como portal do inferno, onde somente havia governos totalitários, cuja meta principal era  aniquilar as formas de pensar diferente, isso discutindo apenas de uma maneira rasa.

Sendo assim, ocultavam sorrateiramente o perfil antidemocrático da ultra-direita, que grassava nos países detentores do poder no mundo, como a Inglaterra e os Estados Unidos.

O império americano se notabilizava em favorecer o racismo,  na tortura de dissidentes ou espiões presumíveis de outros países, na busca desenfreada pelos comunistas locais, como atores, escritores, filósofos e outros e ainda se interpunha em países ameaçadores econômica ou politicamente (inclusive no Brasil pela CIA e outras intervenções).

Partilhavam da ideologia de que as guerras encomendadas, as invasões aos países, o controle do petróleo e manutenção do status quo do povo americano era a receita adequada para o poderio que pretendia alastrar pelo mundo, não importando a miséria dos outros povos, desde que seu privilégio fosse respeitado.

Eram dois mundos distintos, mas com objetivos até semelhantes, quando segregavam a liberdade, e impunham as suas regras totalitárias.

Tanto a direita totalitária, como a que enfatizou o nazismo, como a esquerda stalinista foram nefastas para a humanidade.

Há porém uma direita que se vale do capitalismo, do estado mínimo, da privatização das empresas estatais, objetivando a geração de riquezas, sem a participação do estado. É uma política excludente, que privilegia a burguesia, os grandes latifundiários, o setor bancário, promovendo a  riqueza na mão de poucos e impedindo a circulação do capital pela população mais pobre. Esta direita privilegia os grandes grupos e como consequência, aumenta a miséria. A sua ideia de  crescimento do país se dá através de um processo de especulação do capital, e quem ganha mais é a elite que possui contas no exterior e que, na maioria das vêzes, como num passado recente, não investia as suas riquezas no país.

De todo modo, não há como negar que  há medidas corretas, desenvolvimentistas, e que segundo a ótica do neoliberalismo, os resultados advém de um processo de ampliação do poder aquisitivo das grandes corporações, respingando na população, em virtude do  progresso de   seus investimentos.

Certamente, podem ter resultados, dos quais evito opinar por desconhecimento econômico, e inclusive acredito, que em certos governos de direita ou centro-direita, possa haver um processo com lisura e competência.
J

á, na esquerda, o foco principal é a valorização da classe mais carente, é o ajustamento das camadas sociais, transformando em iguais aqueles que são desprezados pela sociedade.

É o direito à cidadania, ao poder de compra, ao acesso ao trabalho e aos meios de produção, à inclusão das pessoas em diversos níveis de atividade, tanto no âmbito escolar, quanto na democratização da comunicação, dos direitos humanos e sociais. E tudo acontece a partir de medidas sociais e o aumento do capital, através da distribuição de renda, melhoria do mercado e oportunidade de oferta e procura dos bens.

Numa sociedade de consumo, como a nossa, é normal que os bens sejam distribuídos e que a indústria, o comércio, as empresas, os bancos e a população sejam contemplados.

É obvio que há grandes corporações que injetam grandes fortunas e absorvem o mercado, às vezes de forma abrangente e até agressiva. Mas, o fato de observar que centenas de pessoas saíram da linha de miséria, que a bolsa família é uma oportunidade para ingressarem no mercado de trabalho e dos bens e serviços, que os filhos estão incluídos neste processo, com a obrigação de manterem seus estudos, que os negros são respeitados e que leis de apoio às mulheres são elaboradas para a sua proteção, já capacita o sistema em ser o mais indicado para o país.

Como citei, não sou político, muito menos economista. Sou um escritor, que tenta expor aquilo que o emociona ou angustia, ou mesmo o instiga a exercitar a sua opinião. Utilizo a política, como um cidadão, como todo mundo. Tenho a pecha de ser de esquerda, como se fosse uma cicatriz ferrenha, como um estigma, visto que,  na maioria das vezes, as pessoas acreditam na balela de que os de esquerda tiveram uma lavagem cerebral para serem assim, seres tão radicais (sic).

Na verdade, não sou filiado a nenhum partido político, já votei no pt, no psd e até  no pdt.

Sempre digo que sou orientado à esquerda, mas prioritariamente humanitário, um cara que acredita nas medidas sociais, no acesso da sociedade à leitura, à internet, à universidade, à cultura, e acredito piamente que as cotas sociais e as medidas de ajuda financeira ou alimentar, são transitórias, até que a miséria seja afastada definitivamente de nosso pais.

Posso ser um idealista, mas tenho os pés bem no chão. Sei até onde os governos podem ir.

E se há corrupção, se há roubalheira, se há malfeitos, que sejam punidos, mas punidos de acordo com a justiça do país, sem maniqueísmos, que sigam  um modelo político ditado por uma mídia manipuladora, regida pela ideologia reacionária e econômica.

Em tempo, hoje em dia, as pessoas se manifestam no sentido de que não há mais diferença entre esquerda e direita. Não é verdade. Há conchavos políticos sim que integram estes dois regimes, há acordos com os quais, em sua maioria não aprovo, mas as diferenças são explícitas, a ponto de não haver convergência quando o assunto é a igualdade social. Estes argumentos, na verdade querem desestabilizar os poderes constitucionais do Brasil, através do descrédito da população, colocando em risco a democracia.

Portanto, quando os meus amigos me classificarem de esquerdista, o façam com a parcimônia dos sensatos e educados. Sou antes de tudo, um humanitário, que deseja que o povo de seu país seja o protagonista da história e não apenas um coadjuvante da riqueza de poucos.

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