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sábado, outubro 29, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 15

No capítulo anterior, Santa sente-se isolada da família e até mesmo Linda que a ajudaria, parece empenhada em desestabilizá-la. De repente, Santa percebe que alguma coisa nova está acontecendo, da qual ela não tem o mínimo conhecimento. Linda tenta convencê-la de que está confusa, a ponto de negar tudo que acontecera, inclusive as suas conversas. Por fim, convence Santa a tomar uma xícara de chá que a deixa zonza. A seguir o décimo quinto capítulo de nosso folhetim dramático, neste sábado,29/10/16.

Capítulo 15

Santa aos poucos, acorda com a sensação de que levou uma bordoada na cabeça. Não sabe com certeza o que aconteceu, lembra apenas que Linda estava ao seu lado e que teve a sensação de desmaiar. Olhou em torno e tentou levantar-se. Por que estava ali afinal? Se desmaiara, por que Linda não a ajudara? Esforçou-se para sentar na poltrona, sentindo-se um pouco zonza. Lembrava que Linda havia trazido uma xícara de chá.

Neste momento, Linda aparecera, mostrando-se ansiosa e preocupada:

— Ainda bem que a senhora melhorou. Eu fui chamar ajuda e não encontrei ninguém, por isso, havia saído.

— O que aconteceu, Linda? Eu estava no chão, tive uma dificuldade imensa em levantar-me. Lembro que tive uma sensação de desmaio.

— É verdade, dona Santa. Eu fiz tudo para acordá-la, mas não consegui, por isso fui buscar ajuda.

— Mas e Sandoval? E os demais empregados?

— São uns inúteis, cada um nas suas tarefas. Quando consegui comunicar-me, já era tarde demais. Então decidi chamar o médico e vir para saber como estava.

— Descarte o médico. Estou bem.

— Tem certeza de que está bem, dona Santa? Não gostaria que a minha amiga piorasse.

— Estou bem, sim. Mas e Sandoval, você não me disse onde estava. Que aconteceu com ele?

— Ele havia saído.

— Está bem, então acho melhor ir para o meu quarto. Estou cansada.

— Eu posso ajudá-la.

— Linda, parece que nós estávamos conversando e o assunto me parecia importante, só não consigo lembrar. De que se tratava?

— Ah, nada importante, dona Santa. Não quero constrangê-la de modo algum.

— Como me constranger?

— Acho que disse uma bobagem, é que a senhora me pareceu muito confusa. Não dizia coisa com coisa. Mas vamos esquecer isso. Vou lhe trazer alguma coisa para comer, a senhora vai para o seu quarto e descansa. Amanhã, com certeza, estará melhor.

— Você quer dizer que eu me constrageria por estar confusa? É isso?

— Esqueça isso, dona Santa. é uma bobagem.

— Espere aí, Linda. Agora estou me lembrando. Você negou o seu passado, tudo o que sabemos e compartilhamos juntas. Você negou que tem um filho com o meu marido.

— Eu já tinha lhe pedido para esquecer esta história maluca.

— Não, não quero esquecer, ao contrário, quero lembrar tudo muito bem.

— Quem sabe, conversamos isso noutra hora? Olhe, tomei a liberdade de trazer um comprimido para acalmá-la.

— Não preciso de calma – ao dizer isso, sente uma forte dor de cabeça acompanhada de uma leve tontura – meu Deus, parece que não estou bem mesmo.

— Que está sentindo, dona Santa? Por favor, me fale, me ajude a ajudá-la!

— Estou bem, Linda. Não foi nada.

— Quem sabe tomando a pílula que trouxe, vai melhorar? Quer tentar, foi o seu médico que receitou.

— Está bem. Dê-me este comprimido e vamos para o quarto. Quero dormir e esquecer tudo isso. Amanhã, colocarei tudo em pratos limpos.

— É o que mais desejo, dona Santa. Não gosto de vê-la assim, com estes transtornos. Quero-a lúcida, como sempre foi.

Santa não responde. Acha melhor não questionar mais nada à Linda que parece determinada em pôr um véu em tudo que ela pensa. Na verdade, quer livrar-se dela e ir para o quarto. Está exausta e sua vontade é não ver ninguém. No entanto, sente-se fraca e precisa da ajuda da empregada, que a ampara até o quarto.

Na mãe seguinte, Santa acorda com dificuldade, como se o mundo viesse abaixo. Sabia que deveria consultar o médico, mas ao mesmo tempo percebia que havia alguma coisa errada nesta situação. Refletiu muito em tudo o que acontecera, a mudança extraordinária de Linda, a ausência de Sandoval e até mesmo dos filhos. Então, tomou uma decisão, que parecia a correta. Quando Linda apareceu, ela resolvera tomar o café na varanda, que se ligava ao jardim.

Linda aproximou-se, solícita, tentando agradá-la.

— Não precisa se preocupar em servir-me, Linda. Ana já fez o serviço com muita dedicação.

— Esta moça está há pouco tempo aqui, é muito inexperiente.

— Mas está aprendendo. É o que importa.

— Sem dúvida. Espero mesmo que ela progrida. A senhora precisa de pessoas que lhe ajudem, não a atrapalhem. Não é por me gabar, mas sempre fui uma presença amiga, e só lhe falava ou a servia, quando me pedia.

— Então, me faça um favor, Linda. Diga-me o nome do rapaz que trabalha no jardim, o último que você contratou.

Linda tem um leve estremecimento, mas se contém. Pergunta, dissimulada de quem se trata.

— Você já o esqueceu? Se não me engano, ele é seu sobrinho.

— Ah, a senhora se refere ao Fernando. O que pretende com ele, dona Santa?

— É um assunto que terei apenas com ele. Acha que devo informá-la antes, Linda?

— Não, de forma alguma dona Santa. Eu, na verdade, não tenho nada a ver com isso. Apenas, fiquei preocupada, a senhora sabe como são estes rapazes hoje em dia, eles estão sempre querendo subir na vida, e fazem qualquer coisa para conseguir o seu objetivo.

— O seu sobrinho é deste naipe?

— Não, acho que não, mas sabe como é, tem pouca maturidade, pode ser influenciado por outras pessoas.

— Então você pode influenciá-lo a se comportar bem. Fale com ele e diga que quero conversar com ele no gabinete, ainda hoje à tarde.

Linda suspira, nervosa. Mas em seguida, conclui que fará o que a patroa pediu. Em seguida, tenta mudar de assunto:

— Parece que a senhora está muito bem hoje, não. Eu vi quando o seu Sandoval saiu bem cedinho, mas a senhora decidiu esticar um pouco mais na cama.

Santa não respondeu. Linda então, prossegue, fingindo-se animada:

— Fico contente que tudo tenha passado, aquele seu mal estar foi coisa pequena, com certeza, embora eu ache que devesse procurar um médico.

— Linda, me diga uma coisa, você aprendeu muito nesta casa. Você teve até uma professora particular que a ajudou a escrever bem, a ler, a falar com muita propriedade. Você aproveitou as oportunidades. Acabou inclusive fazendo um curso técnico.

— Sim e sou muito grata por isso, dona Santa. Eu jamais poderei agradecer o que vocês fizeram por mim. Mas por que está falando sobre isso?

— Nada, estou só lembrando. É bom a gente de vez enquanto refrescar a memória, para saber em que patamar estamos dentro de determinada realidade.

— A senhora me deixa assustada. Parece que fiz alguma coisa errada.

— E não fez?

— Eu sou sua amiga, dona Santa. Sou capaz de dar a minha vida pela senhora.

— Então, não vamos mais falar nisso, Linda. Sente aí e tome café comigo. Hoje será um novo dia.

Linda sorriu, aliviada. Ainda perguntou se deveria sentar-se à mesa, mas pelo gesto impaciente de Santa, decidiu obedecer. Serviu-se e esperou que a patroa propusesse alguma coisa.

Foi em vão. Alguns minutos depois, Santa acabou o desjejum e afastou-se. Linda a acompanhou sorrindo, mas só por um instante. Quando Santa desapareceu no interior da casa, ela fechou a cara, acabrunhada.

Em seguida, pegou o celular e ligou para o jardineiro.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/salada-verão-verdes-vegetais-775949/

terça-feira, outubro 25, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 14

No capítulo anterior, tudo parecia desandar na vida de Sandoval. O seu plano era questionado por Linda, que sabia muito mais do que podia imaginar. Se ela estava disposta a levar o seu próprio plano adiante, ele teria de algum modo tomar uma atitude que a impedisse, mas que ao mesmo tempo, também pudesse livrar-se de Santa. De todo modo, sentia-se perdido, e naquele momento, não sabia o que fazer. A seguir o décimo quarto capítulo de nosso folhetim dramático, nesta terça-feira, 25/10/16.

Capítulo 14


Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/menina-relógio-pessoa-tempo-1563986/

Linda foi quem atendeu a porta. Ao ver Santa, Sandoval teve um estremecimento, temendo trair-se num gesto inesperado ou até mesmo ficando em silêncio.

Linda, ao contrário, parecia muito tranquila e segura. Aproximou-se de Santa, sorrindo e perguntando se havia assistido a missa.

— Não, Linda, você sabe que só fui rezar um pouco. Depois andei um pouco pelo bairro, precisava relaxar um pouco.

— Mas o motorista a acompanhou? Não é muito seguro andar sozinha por aí, dona Santa.

Santa a olhou intrigada. Não respondeu, apenas acrescentou que depois conversaria com ela.

Linda concordou, submissa. Em seguida, pediu licença e afastou-se.

Santa entrou e sentou-se numa das poltronas em torno da mesa, fitando Sandoval e esperando que ele dissesse alguma coisa. Sandoval sorriu e serviu-se de uma bebida.

— Você vai beber, Sandoval? Não acabou de ficar doente?

— É verdade, Santa, mas é que estou um pouco tenso, acho que um licorzinho fraco desses não vai me fazer mal.

— Você é quem sabe. Mas me diga, como foi a reunião? O que decidiram? Você contou a eles a minha condição? Ou melhor, o motivo de minha condição?

Sandoval senta-se no outro lado da mesa, toma um gole do licor fazendo uma careta. Disfarça, tentando ganhar tempo para imaginar o que deve dizer-lhe.

— Muito doce este licor, só as mulheres para gostar disso!

— E então, Sandoval? Vai me contar ou não?

— Calma, Santa, calma. Não faça tantas perguntas ao mesmo tempo.

Santa aproxima-se dele e senta ao seu lado. Sandoval por um momento, pensou que fosse agredi-lo, mas sabia que a mulher não seria capaz de cometer qualquer violência. E depois, havia vindo da igreja! Se bem, que as coisas também por lá não estavam tão tranquilas, só em pensar no tal do bispo Martim, lhe dava arrepios.

Santa, no entanto, parece que tinha alguma novidade para contar-lhe. Olhou-a de vesgueio e comentou:

— Você está diferente, Santa. Parece que está tramando alguma coisa.

— Eu? Tramando? Você é muito dissimulado, Sandoval. Quem fez esta reunião com a família, sozinho, não fui eu.

— Mas eu lhe expliquei as razões, você sabe. Eu não queria a sua presença, porque me sentiria muito mal, você sabe.

— Então, fale o que aconteceu na reunião. Vieram todos?

— Sim, vieram. O Alfredo estava muito nervoso, como sempre. Ele não conseguia entender porque você estava ausente. Mas quando eu revelei tudo, ele e os demais entenderam.

— Você revelou tudo?

— Sim, mas… bem, eu tinha de fazê-lo, não? Não era o que você queria?

— Era o melhor para a família.

— Sim, você tem toda razão, Santa.

— E qual foi a reação de nossos filhos?

Sandoval silencia por alguns minutos, mas em seguida, revela uma fisionomia de réu, suspirando. Santa parece não ter muita paciência com o marido e o instiga a detalhar a reunião.

— Você me parece muito nervosa, Santa. Não quer descansar primeiro? Olha, você mesma disse que veio caminhando da igreja, deve estar cansada.

— Não se preocupe comigo, Sandoval. O meu cansaço físico não é nada comparado com a curiosidade que tenho. Quero saber como Letícia, Tavinho e Alfredo reagiram. Eles não podem ter aceito tudo como uma coisa natural, você não acha?

— Não, claro que não. Mas por que você não pergunta a Letícia? Você sabe que ela é a mais explosiva dos três.

— Eu farei isso, mas custa você me contar agora? Ou você não tem nada a dizer, Sandoval?

Neste momento, batem à porta. Santa levanta-se irritada. Pergunta a Sandoval se ele chamou alguém. Ele acena a cabeça, indeciso. Na verdade, não sabe se deve concordar que esperava alguém. Talvez fosse Linda colocando o seu plano em prática.

Santa abre a porta e Linda aparece com uma xícara de chá.

— Desculpe, dona Santa, sei que não devia, mas vi que a senhora voltara muito preocupada da igreja.

— Linda, eu estou conversando com o meu marido. Desde quando você se intrometeu assim?

— Sei que a senhora tem toda razão, dona Santa, mas é que … desculpe, fui uma tonta, mas eu percebi que estava muito pálida, e fiquei remoendo na cozinha, preocupada.

— Está bem, Linda, deixe o chá aí. – Aponta para a mesa, mas Linda aproxima-se dela e lhe diz ao ouvido. – Preciso falar-lhe.

Santa então, muda a atitude, e mais amena, se dirige à Linda, como se já esperasse aquela reação.

— Você sempre tão atenciosa, Linda. – E voltando-se para Sandoval – Acho melhor tomar o chá lá na saleta. Vou deixá-lo Sandoval com seus pensamentos. Amanhã, você me conta o que aconteceu.

Sandoval sorri, satisfeito. Linda retira a bandeja da mesa e afasta-se em direção à porta, seguida por Santa.

Ao sairem, Sandoval dirige-se à janela que dá para o pátio e sente um arrepio. Aquelas sombras das árvores que se assemelham à silhuetas produzem em sua mente uma angústia, como se representassem a estrutura articulada do plano de Linda.

Aquela mulher era assustadora, tinha pensado em tudo com perfeição e estava manipulando Santa e a todos naquela casa. O que ele poderia fazer? Se conseguir o seu objetivo que é o de enlouquecer Santa, acabará destruindo o seu patrimônio e fazendo chantagem.

Quem poderia afirmar que ela não o incriminaria no golpe que está planejando?

Sandoval afasta-se da janela e pensa numa maneira de impedir Linda de cometer aquele crime contra a sua família, contra ele, principalmente.

E se contasse tudo à Santa? Ela acreditaria nele?

Decide por fim, sair da biblioteca e conversar com Santa, pelo menos, tentar convencê-la a esquecer aquela história. Despediriam Linda e tudo acabaria bem. Mas e a gravação do celular? Ele precisava de um tempo, pois teria de saber a quem ela enviara uma cópia. Provavelmente, o filho, mas não tinha certeza. Por isso, devia tornar-se amigo de Linda até convencê-la a dizer com quem estava a cópia. Depois, destruiria a prova e acertaria a situação com Santa. Não havia outra solução.

Ao aproximar-se da saleta, observa que as duas conversam, mas sabe que não deve interrompê-las. Até é melhor que Santa perceba o quanto está sendo manipulada, pois ele a alertará aos poucos.

Afasta-se, enquanto as duas agora parecem velhas amigas.

Linda o vê afastar-se e levanta-se para observar até onde vai. Depois volta até ao encontro de Santa. Sorri, dissimulada.

— Veja, como o seu marido está preocupado. Mas agora, podemos conversar tranquilas, ele já foi na direção do quarto.

— Então, você me diz que não aconteceu nada demais. Não estou entendendo, Linda. – Conclui, Santa intrigada. Linda a observa com um olhar afetuoso, e quase sorrindo, acrescenta:

— Eu também não podia acreditar no que estava ouvindo, mas fiquei muito feliz em saber que a sua família a ama. Que a reunião não passou de uma oportunidade de lhe fazerem uma surpesa, uma boa surpresa.

Santa porém, não concorda com aquela animação toda. Ao contrário, desconfiada, exige que ela esclareça com detalhes aquela história que não merece crédito algum. Linda, no entanto pretende convencê-la de que a família tem outros planos para ela.

— Não fique desconfiada, dona Santa. Tenha certeza de que todos estão apenas interessados em fazer-lhe um agrado. Eles não querem, pelo que entendi, que a senhora fique estressada com esta missão. Querem lhe dar de presente uma viagem maravilhosa.

Santa reage, indignada:

— Eu não preciso de viagens! Se quisesse, estaria longe daqui!

— Sem dúvida! A senhora e eu sabemos disso, mas deixe que eles a presenteem, eles querem lhe fazer este agrado.

Santa levanta-se da poltrona e caminha pela sala de leitura, achando que tudo não passa de uma grande encenação. Mas sente-se ainda mais perturbada pela conduta de Linda que demonstra uma tranquilidade que em vez de deixá-la confiante, a inquieta ainda mais.

— É só isso? E a gravação no celular? Por que você não me mostra?

— Eu sinto muito, dona Santa. A senhora sabe que não sou muito boa nestas modernidades, e , bem, me desculpe. Acabei não gravando nada.

Desta vez, Santa explode de raiva:

— Não gravou nada? Não é possível! Eu já tinha ajustado o aplicativo da gravação para que você não se perdesse! Como aconteceu isso?

Linda esforça-se para parecer arrependida, mostrando-se nervosa com a revelação:

Desculpe, dona Santa, eu não sei como aconteceu. Estava muito nervosa, e de repente, eu devo ter digitado alguma coisa, não sei.

— Você é uma idiota, Linda. Não fez nada do que combinamos! Eu lhe disse que você me devia essa!

— A senhora disse? Ah, sim, disse. Olhe, dona Santa, tome mais um pouco do chá, não quero que fique mais nervosa por minha causa.

— Eu não estou nervosa, Linda! Estou muito bem. Bem, nem sei se estou, acho que este chá está até me deixando zonza! – Ao dizer isso, volta a sentar-se, angustiada – Mas escute, quem sabe gravou alguma coisa e você não sabe reproduzir.

— Não, tenho certeza de que não gravei. Até abandonei o celular no bolso, desligado. Mas como lhe disse, não aconteceu nada.

— Está bem, não aconteceu nada, mas a revelação de Sandoval sobre o filho que tem com você. O que os meus filhos disseram?

Linda a fita com surpresa, como se a não reconhecesse. Agora, encaminha-se até uma estante e fica apoiada, demonstrando insegurança e medo:

— Não sei do que está falando, dona Santa.

— Não sabe? Você está louca, criatura?

Linda volta em seguida, aproximando-se da patroa, mudando a fisionomia e o cenário. Mostra-se afetuosa e preocupada.

— Acho que a senhora está muito nervosa. Está confundindo as coisas.

— Linda, não é hora para brincandeiras. Por que você está dizendo isso?

Faz-se um silêncio providencial. Afinal, Linda sabe que deve representar o seu papel de modo a deixar dicas aos poucos, como se precisasse do apoio técnico do outro personagem. Na verdade, um personagem que ela mesma criara. Suspira e fala quase em segredo, num tom mais baixo:

— Porque nunca houve nada entre nós, Deus me livre. O senhor Sandoval é um homem íntegro, honesto.

Santa grita, exasperada:

— Por favor, Linda, saia daqui.

— Dona Santa, pense bem. A senhora está confusa, talvez esteja confundindo uma outra história, talvez dessas que ouvimos todos os dias na TV.

— Você está dizendo que estou louca? Sim, só pode ser isso, para contrariar tudo que sabemos sobre o seu passado!

Não diga isso, dona Santa. Eu jamais pensaria uma coisa dessas, mas quero que reflita bem, nunca houve nada entre eu e o Sr. Sandoval, pelo amor de Deus!

— E seu filho? O que me diz sobre isso? Ele também é uma imaginação minha?

Linda a encara com frieza. Sabe que deve ser perspicaz e direta, quando necessário.

— Não sei do que está falando. Eu sou uma mulher solteira, tenho apenas um sobrinho. É a ele a quem a senhora se refere?

— Vá embora daqui, vá embora!

— Dona Santa, acalme-se, meu Deus, que está havendo?

Santa levanta-se da poltrona, dá alguns passos e tenta segurar-se na parede, perdendo as forças e caindo ao chão. Linda corre ao seu encontro. Percebe que a patroa está desmaiada, então dirige-se à mesinha e retira a bandeja com o chá. Afasta-se fechando a porta, com um sorriso.

terça-feira, agosto 02, 2016

Alfredo Martins: o homem ideal e as várias formas de amar

Todas as noites Alfredo Martins fechava a porta de ferro do velho cartório, sempre de maneira metódica, puxando-a devagar para não desengatar o trilho e agachando-se enquanto trazia até o chão, para finalmente engatilhar o trinco e o cadeado ao mesmo tempo. Era de praxe. Era o modelo deixado por seu pai. Era o correto.

Alfredo Martins era na vida pessoal, como agia em seu trabalho: um tabelião responsável e rígido. Tinha a pontualidade e a responsabilidade no trabalho como modelo indispensável para uma integridade ética e moral em suas relações profissionais. Casado, sem filhos e afeito a servir à comunidade através de missões filantrópicas de forte poder ético, o abonavam como um homem de qualidade familiar e social. Religioso e pacato em sua vida particular, Alfredo Martins tinha um único único hobbie, que era a pesca e o fazia apenas acompanhado da esposa, porque considerava de bom tom experienciar também os prazeres como um casal.

Naquela manhã porém, Alfredo Martins sentia que alguma coisa havia quebrado dentro de si, quando antes de abrir a cortina de ferro do cartório, retirou o cartaz de aviso fúnebre. Leu a frase, como se desconhecesse o conteúdo e depois dobrou-o, guardando o pedaço de papel no bolso. Em seguida, levantou a porta com cuidado, como de hábito, mas suas mãos tremiam. Seu corpo parecia debilitado e um suor frio escorria por sua coluna vertebral, invadindo além das costas, as nádegas, que agora, agachadas, sentiam o frio instalar-se como se estivesse molhado. Levantou-se com esforço.

Antes de abrir a porta de vidro, que ficava um pouco além da cortina levantada, parou um momento, observando o próprio rosto, parecendo um desconhecido. Acenou triste, a cabeça e abriu a segunda porta, dirigindo-se para o interior do cartório.

Levantou a portinhola do balcão e sentou-se em sua mesa, como de hábito.

Daqui a pouco, chegariam os cinco funcionários que trabalham consigo.

Jarbas, o mais velho de todos, que fora inclusive contratado por seu pai, nos anos 70 e que já deveria ter se aposentado.

Luís, um bonachão que aparentava quarenta anos, que dizia ser casado, mas passava as noites divertindo-se com mulheres e bebidas. Tinha um certo rancor por essas demonstrações de alegria e obscenidades que ele tanto desaprovava.

Nataliya deveria ser a mais nova, embora às vezes parecesse uma mulher tão velha quanto Eva, requisitando a todos, exigindo provas e justificativas, assoberbada como se estivesse prestes a ter um colapso nervoso. Raramente parecia calma e controlada. Será que Nataliya era casada? Nunca soubera de sua vida pessoal, a não ser o que um ou outro comentava, como por exemplo, que tinha vindo da Ucrânia e morava com uma mulher idosa que ajudara a cuidar. Diziam as más línguas que ela pretendia ficar com o apartamento da velha. Mas quem poderia afirmar tal coisa? Às vezes, vinha-lhe na mente o pensamento de que ela era lésbica e não podia evitar uma certa repulsa.

Depois deles, dois estagiários, uma jovem muito bonita, mas um tanto intrometida nos assuntos do cartório e segundo alguns, um tanto desfrutável. Por último, um rapagão de seus 18 anos, muito tímido, mas bem responsável.

Alguns dias atrás, também havia seu pai, que gostava de ficar algumas horas no lugar onde passara a vida trabalhando, tal como ele, um tabelião tão bem conceituado na cidade. Hoje porém, ele tirava o aviso fúnebre avisando que seu pai não viria mais. Era por isso a fisgada no peito, o suor destemperado, o tremor nas pernas. Alguma coisa se quebrava dentro de Alfredo Martins.

Tinha vontade de tomar um café, mas não iria na padaria da esquina. Não queria ver ninguém, muito menos conversar.

Olhou para o relógio e percebeu que ainda faltava uma hora para o início do expediente.

Não conseguira dormir toda a noite, ficara o tempo remoendo pensamentos confusos, situações que lhe vinham à mente, problemas que o perturbavam, mas dos quais não poderia tentar nenhuma solução. Ah, fora uma noite terrível.

Lá fora, agora começava a garoar. Tinha a ver com a atmosfera triste. Garoa e frio. Daqui a pouco, quem sabe, uma chuva torrencial.

Voltou-se para o velho relógio da parede, devia ter uns cem anos, no mínimo, afinal passara de geração a geração e continuava lá firme, badalando as horas, as meia-horas, o tempo passando. As pessoas vindo e saindo, vozerio lá fora, buzinas, apitos, roncos de carros, conversas animadas, brigas, violência. Tudo passava à frente de sua porta envidraçada.

Virou o rosto para a porta, tendo a impressão que ouvira uma batida fraca. Era verdade. Havia alguém na porta, um homem aparentando uns trinta anos, de casaco preto e bastante alto.

Tinha vontade de não atender, mas alguma coisa lhe dizia que devia fazê-lo.

Aproximou-se da porta e abriu uma folha, perguntando o que queria.

O homem o fitou longamente como se o conhecesse. Depois, num meio suspiro, fez-lhe um pedido: — Pode me emprestar o celular?

Alfredo emudeceu. Seria um assaltante àquela hora da manhã?

O outro prosseguiu, esclarecendo, ansioso, a voz falhava de vez enquanto, o olhar sempre fixo no de Alfredo, como se tentasse provar que não lhe faria mal.

— Desculpe, meu nome é Jean Marques. Tive um pequeno acidente na esquina aqui perto e fiquei sem bateria. Preciso falar com uma pessoa, mas como vê, a cidade está vazia. Então percebi que havia alguém aqui, no cartório e decidi pedir ajuda.

Alfredo fez um gesto apontando o telefone fixo.

Jean sorriu, com um comentário.

— Não tinha percebido que havia um. Que bom. Será bem rápido, está bem?

Alfredo levantou-se e encostou-se no balcão, olhando para a rua, enquanto o outro se aproximava do telefone na mesa próxima. De canto de olho observa a cena: o homem falando com uma ansiedade exarcebada. Percebeu que estava bem vestido, roupas de grife e parecia bem apessoado.

A ligação não demorou muito, mas parece que não teve um bom resultado, pois Jean se mostrava desanimado.

Desta vez, Alfredo interviu: — Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu. Quero dizer, não se preocupe. Eu vou dar um jeito, com certeza.

— Como foi o seu acidente? – completou, justificando-se – Desculpe, ouvi alguma coisa sobre isso...

— Na verdade, eu não bati em ninguém nem fui batido. O meu carro caiu num buraco, uma verdadeira cratera na esquina. Rebentou o pneu e o aro entortou. Agora terei que esperar o guincho para que tirem o carro de lá e perderei muito tempo.

— E como pretendia resolver a situação?

— Queria que um amigo me ajudasse tomando essa responsabilidade para si, mas não foi possível. O cara não me ajudou, sei lá, deu uma desculpa. É que não tenho ninguém na cidade, apenas ele, entende? Agora vou perder o meu compromisso.

— Não pode adiar para outro dia?

— Infelizmente não. Era uma entrevista de emprego. São três candidatos selecionados, eu era um deles, minha entrevista seria a segunda e não poderia perder de forma alguma.

— Acha que não dá mais tempo?

— Meu amigo, tenho 12 minutos para percorrer 50 quilômetros. Acabou. Perdi. – terminou a frase em total desamparo.

Alfredo o olhou intrigado. Pretendia perguntar alguma coisa, mas viu a decepção estampada no rosto do homem. Então, acrescentou que sentia muito. Se pudesse ajudá-lo, faria de bom grado.

— Não tem problema, isto é, problema tem e bem grande, mas agora não há o que fazer. Vou tentar ligar para uma oficina mecânica para levarem o carro. Não posso deixá-lo lá, abandonado.

Alfredo observou que a joalheria defronte começava a abrir as portas, então a hora do início do expediente não demoriaria muito. De certa forma, a proximidade do movimento do dia o incomodava, principalmente porque estava sendo inútil em sua atividade rotineira. Auxiliar aquele homem o perturbava, forçava-o a sair dos trilhos do trabalho.

Quando voltou-se para o homem, na expectativa de que se afastasse, percebeu que ele cambaleou um pouco, parecendo sentir alguma tonteira.

— Ei, está se sentindo mal?

— Só me faltava essa. Eu não to bem mesmo, acho que vou desmaiar.

— Espere aí, quem vai desmaiar não anuncia – mas ao terminar a frase, o homem foi amolecendo o corpo e segurando-se no balcão para não cair.

Alfredo correu ao seu encontro, tentando levá-lo para a parte traseira do cartório, onde ficava um pequeno refeitório e um quarto onde seu pai às vezes, costumava tirar uma soneca. Com muito esforço, segurou o rapaz pela cintura e foi carregando-o até o quarto, quase puxando-o pois seu corpo se transformava frágil e ao mesmo tempo muito pesado. Pedia que ele o ajudasse, que não se apagasse, que lutasse para ficar alerta, bem atento, mas quase não conseguia seu intento.

Felizmente, deu tempo para que o deitasse na cama. O homem não desmaiara e em dado momento, seu corpo ficou muito próximo ao de Alfredo, porque a coberta presa sob o corpo o impelia ao seu encontro.

Alfredo ainda tentou se afastar, sentindo os lábios do rapaz roçando os seus e teve um estremecimento, quase um abalo. Num salto, levantou-se, enquanto o homem se queixava de muito frio.

Alfredo foi até uma cômoda velha, retirou um cobertor de lã e cobriu o rapaz.

Afastou-se um pouco e o observou da porta, tendo uma sensação estranha que o incomodava.

Retirou-se rapidamente e dirigiu-se para a frente do cartório, acomodando-se no balcão.

Em seguida, os funcionários começaram a chegar. Alguns o cumprimentavam pela perda do pai, outros apenas acenavam a cabeça e se dirigiam ao cartão-ponto.

Alfredo reuniu-os num círculo e elaborou um pequeno discurso, pedindo que fizessem o trabalho como de hábito, como se seu pai estivesse ali. A vida continuava e ele tinha que tocar o negócio em frente.

Quando acabara a conversa, Jean que deixara o quarto e em passos firmes apareceu na porta.

Todos o olharam intrigados.

Alfredo, constrangido, tentou esclarecer o motivo daquela presença ali, em seu cartório. Embasbacou-se na explicação e exigiu que se afastassem e começassem as suas tarefas. O dia estava apenas começando, incentivou.

Jean aproximou-se de Alfredo, que o olhou enviesado, irritado por aquela aparição inadequada. Que dia, meu Deus, pensou, tudo acontecia ao mesmo tempo.

— Desculpe o incômodo, meu amigo. Mas acho que me restabeleci, foi uma tontura idiota, certamente pelo nervosimo da situação, mas estou bem agora e preciso resolver os meus problemas.

— Acho que tem razão.

— Gostaria de saber o seu nome. Afinal, você foi muito solidário comigo, jamais vou esquecer a sua atitude – e completou, com um olhar profundo, ao qual Alfredo evitou – muito obrigado.

— Todo mundo me conhece por aqui. Se você perguntar em qualquer esquina, descobriria o meu nome – respondeu ríspido. Em seguida, emendou – Alfredo Martins é o meu nome.

— Prazer Alfredo, mais uma vez quero agradecer pelo que fez por mim – estendeu-lhe a mão e ficou à espera de Alfredo, que demorou a estender a sua. Jean ainda completou: — Espero sinceramente que nos encontremos novamente. Em seguida, pegou a mochila que havia deixado numa cadeira e afastou-se ante o olhar de Alfredo e dos funcionários que da outra sala espiavam curiosos.

Um zum-zum se formou, a princípio um ruído moderado, mas logo se transformando numa algazarra de vozes e sorrisos. Alfredo, irritado, dispersou o grupo mandando que voltassem ao trabalho.

Entretanto, durante todo o dia, Alfredo tinha a sensação de que alguma coisa nova e desagradável interferia em seus pensamentos, de modo a tornar-se angustiado, como se o mundo andasse para trás.

Já não bastava a morte do pai, surgia uma ausência não conhecida, uma saudade de alguma coisa que não vivera, uma estranha melancolia.

Decidiu ir ao quarto, para verificar se estava tudo em ordem. Percebeu que a coberta estava dobrada sobre a cama estendida.

Sentou-se e fez um afago sentindo ainda o calor do corpo que ali estava. Retirou a mão, como se esta queimasse numa chama ardente.

Levantou-se, andou pelo aposento e de repente avistou um objeto no chão. Abaixou-se e pegou um pequeno cartão com o nome e o telefone de Jean Marques. Pensou em jogá-lo fora, na lixeira, mas num pequeno lapso de tempo, decidiu guardá-lo no bolso.

À noite, ao voltar para casa, a vida de Alfredo transcorria normal. Tudo como era antes, sem qualquer vestígio de sentimentos confusos, a não ser o luto natural pelo pai.

Jantou com a mulher, teceu alguns comentários sobre o trabalho, sobre o tempo injusto de garoa e frio ou sobre qualquer coisa que justificasse um comentário insignificante.

Também assistiu TV e fez críticas ferrenhas ao governo, mas só quando foi dormir que a coisa voltou.

No quarto escuro, a mulher dormindo ao seu lado, um tilintar de chuva no telhado, a persiana batendo com o vento e aquela sensação de abandono e dor.

A melancolia de um passado que não foi seu, de uma história não vivida e uma leve excitação o deixava ainda mais confuso.

A imagem do homem vinha ao seu encontro, o olhar profundo, a barba rala e o seu jeito de passar a mão leve pelos lábios, como se precisasse tocá-los para pensar no que diria, a voz grave e serena.

Além disso, aquele leve roçar de lábios, aquele gesto pecaminoso e devasso. Por que aquela imagem não lhe saía da cabeça?

Alfredo não conseguia dormir.

Levantou-se e dirigiu-se para a janela da sala. Olhou pela vidraça e a chuva se tornava cada vez mais insistente.

O mundo parecia desabar naquele momento.

Talvez o seu mundo interior também começasse a ruir.

Afastou-se da janela, foi ao banheiro para urinar e teve uma ereção.

Sentiu seu corpo tremer e de repente, como um adolescente, começou a masturbar-se e o fez com tanta intensidade e furor, que um jato intenso de esperma atingiu a parede, deixando-o com as pernas trêmulas e o coração assustado.

Abaixou a cabeça na pia, lavou o rosto com água fria e chorou.

Olhou-se no espelho e via Jean sorrindo, agradecendo a ajuda. Socou o espelho com raiva até ferir a mão e fazer um traço no vidro quebrado.

Voltou para a sala, pegou o celular e deixou-se ficar, mexendo a esmo nos aplicativos, como se assim, liberasse o sofrimento que o invadia. Mas nada o afastava de seus pensamentos, de sua aflição.

Sabia que alguma coisa havia mudado dentro de si ou talvez apenas houvesse um despertar de um desejo latente, que nunca fora liberado.

Deixou o celular sobre a mesa e voltou para o quarto. Precisava dormir porque no dia seguinte, tudo voltaria ao normal.

Alfredo Martins era na vida pessoal, como agia em seu trabalho: um tabelião responsável e rígido. Tinha a pontualidade e a responsabilidade no trabalho como modelo indispensável para uma integridade ética e moral em suas relações profissionais. Não destoava em nada a sua vida pessoal de homem bem casado e benemérito da sociedade.

Olhou mais uma vez para o relógio da parede que devia ter mais de cem anos, as badaladas nas horas certas, nas meia-horas, o tempo passando, o mundo girando, a vida assumindo o seu espaço e ele como o seu pai assistindo o passar das horas, dos dias, da vida.

No bolso, um cartão queimava-lhe os dedos.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/homem-solitário-parque-noite-1394395/

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