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domingo, abril 22, 2018

Condutas da vida

Fonte da ilustração: Pexels in: pixbay

De repente, o tempo de calor intenso muda e parece que uma nova estação surge do nada. Para um escritor, falar do tempo soa como clichê, mas o que acontece é que, às vezes, este estado de mudança atmosférica parece intimamente ligado a nossas emoções, acompanhando situações e condutas de nossa vida.

Olhei para a rua ainda com as beiradas das calçadas com algum resquício de água, mas os paralelepípedos já brilhavam secos, pelo vento que soprava folhas ou a poeira instalada nas bordas, esvaziando o cenário. Tudo expressava renovação, talvez não com os auspícios de dias floridos da primavera, mas com ares de outono hibernal, que aos poucos vai dando mostras de sua força. Um friozinho que se instala entre as persianas, um vento que ruge de quando em vez, varrendo qualquer possibilidade de fuligem ou folhagens como pequenas sombras desgarradas na noite de poucas luzes. Uma limpeza que a natureza se propõe. Pena que nem sempre o nosso eu interior possui essa possibilidade de limpeza, ele que se expõe aos fracassos, às frustrações, aos desejos inomináveis, aos medos e carências. Impossível transfigurar a alma e transformar as emoções, impossível lutar internamente, impulsionado pela natureza que se distrai, límpida numa noite que extrapola luzes e sombras. No homem, mais sombras do que luzes, menos vida e mais poeira incrustada nos meandros do cérebro, nos neurônios enredados em teias de aranha, amarfanhadas de modo a impedir qualquer saída para a verdade absoluta.

Que fazer, se não esperar que a natureza nos mostre o caminho? Um caminho drástico de limpeza geral, e nós quando muito, extrapolamos o limite, o vínculo que nos liga à interação com o outro, cujo liame quando partido, se dilacera e não se recompõe. Mas quem sabe, amanhã, a calçada mais limpa, o ar mais puro, a temperatura mais fria e os primórdios de uma revolução pessoal. Só aquela, bem íntima, porque a coletiva, a ideológica, esta já está por demais engessada, quase mutilada e pobre. Pobre do homem que não se refaz como a natureza e muito menos se apropria de seu País.

quarta-feira, novembro 09, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 18

Nosso folhetim dramático encaminha-se para os últimos capítulos. A seguir o capítulo 18, mas logo, logo chegaremos ao desfecho final.

Capítulo 18

As cores estavam esmaecidas. Paredes descascadas, velhas. Quando ele entrou e avistou a cena melancólica sentiu as pernas estremecerem e um rubor estranho percorrer-lhe o rosto. Aquele cheiro de coisa velha, mofada, o ar sofrido que o envolvia. Deu meia volta, pensando em fugir, mas desistiu. Parou na porta, segurando o marco, talvez para evitar afastar-se de vez. Seus olhos estavam perdidos. Não queria ver aquela coisa dissoluta que se transformara a sua casa. A sua vida, o seu passado.

Entrou devagar atravessando a sala em direção ao corredor que desembocava numa área que outrora fora verde. Quem sabe, respiraria melhor, ali. Seu coração estava agitado. Suas mãos suavam.

Procurou por alguma coisa no quarto. Sim, o quarto, antes de chegar a área. Era o seu quarto.

Aproximou-se da cama, deitou-se e ficou olhando para o teto. Estava tudo sujo, com teias de aranha e um cheiro de mofo que exalava dos cantos úmidos.

As palavras de Santa ainda martelavam em sua cabeça. Sabia que precisava ficar de um lado e estava com muitas dúvidas.

Fernando recostou-se na cabeceira e segurou a cabeça com as mãos. Por que sofria tanto, afinal a tia não significava muito para ele, a não ser que o havia ajudado a trabalhar naquela casa. Fizera-lhe um bem, é verdade, mas estava sempre ao seu encalço, rondando com uma certa ameaça, dizendo-lhe que um dia precisaria dele e que não poderia falhar. Se não a ajudasse, muito mais do que perder o emprego, seria perder a liberdade.

Na verdade, ela o usava, mas deixava o barco correr. Não podia fazer nada mesmo, estava bem daquele jeito. Tinha um trabalho, ninguém o incomodava.

Mas agora, havia aquele segredo que ele sabia e que talvez pudesse livrá-lo de seu jugo.

Por outro lado, teria de ajudar a patroa e fazer o que lhe pedira. Tinha que pensar.

Fazia tempo que não dormia naquela casa, que um dia fora de sua família e que agora estava abandonada.

Fazia tempo que não retornava ao seu quarto, às suas coisas, que deixara para trás, quando fora preso.

Ele agora senta-se na cama e revira as gavetas do criado mudo. Uma série de papéis, documentos, bulas de remédio. Talvez ainda houvesse alguma droga, mas não era isso que precisava naquele momento.

Levanta-se então e procura numa cômoda, abre várias gavetas e numa delas, encontra um embrulho com um elástico envolvendo-o.

Abre-o devagar, pensativo. Sabe do que se trata. Rasga o papel e retira uma arma, examina-a, engata o silenciador e fica apontando-a na direção da janela. Talvez precise usá-la.

Atira-se na cama novamente, e aponta várias vezes para o teto.

De repente, seus olhos se anuviam e sente uma forte raiva por Linda, ao mesmo tempo em que detesta Santa.

Afinal, as duas estão manipulando-o para conseguir os seus objetivos. O que ele nem desconfiava é que a tia tivera um filho no passado com o patrão. Onde estaria este rapaz?

O celular dá um alarme do whatsApp. Desbloqueia rapidamente a tela e vê a imagem de Alfredo surgir instantânea.

Pensa se deve responder-lhe. Fica em silêncio.

Em seguida, decide tomar a iniciativa que vinha protelando. Responde a mensagem. Alguns segundos depois, ele informa o endereço.

Solta o celular ali mesmo, na cama e sorri.

Quem sabe, as coisas podem melhorar para o seu lado, pensa.

Há tempos, o filho de dona Santa o olha de um modo estranho que parece convidá-lo a alguma coisa proibida.

Ao mesmo tempo em que se aproxima, também se afasta e o deixa entre os jardins, como se fosse um acessório que devesse observar e talvez achar bonito.

Algumas vezes, trocaram algumas palavras, nada demais, mas percebia em seu olhar uma intensidade que produzia muitas interrogações, nunca respondidas. Quem sabe, estava na hora de descobrir e encontrar um caminho para a sua vida que não estava nada tranquila, ultimamente.

Fernando já estava pensando em ir embora, quando tocaram a campainha.

Foi até a porta da frente e abriu-a para Alfredo, que o olhava angustiado.

Convidou-o a entrar, mas Alfredo exitava, dizendo que estava confuso e talvez fosse melhor conversarem noutro lugar.

— Mas qual é o problema? Esta casa era de meus pais, eu morei muito tempo aqui, agora estava abandonada e estou decidido a vir para cá. Por que você não quer entrar?

— Não é isso, quero dizer. Acho que deveríamos sair para um lugar público. Quem sabe, tomarmos uma cerveja.

— Do que é que você tem medo?

Alfredo olhou para os lados. Na esquina, um homem parecia observá-lo, caminhando pela calçada e voltando para o que ele supunha ser uma farmácia. Tudo, no entanto, parecia deserto.

— Eu não tenho medo de nada. É que nós nos vemos na casa de minha mãe, trocamos uma ou duas palavras, aliás, pouco vou lá.

— Mas então, o que você quer de mim?

Alfredo estremece. Olha novamente para esquina e observa que o homem se afastou em definitivo. Prossegue, ansioso:

— Você sabe, conversar um pouco. Mas acho que me enganei, forcei a barra com você, me desculpe, acho que fui longe demais.

— Não, espere, onde quer ir? Eu vou com você.

Alfredo se surpreende e responde, um pouco mais calmo:

— Estou com o carro aí na frente.

Fernando responde que é só o tempo de fechar a casa. Ao entrar, reflete no encontro que tivera com Santa e agora enfrenta o filho.

Sorri. Parece que a família está fechando o cerco.

Devem ter bons motivos para procurá-lo, principalmente Alfredo, pensa irônico.

Guarda a arma no bolso da calça e após fechar a casa, corre na direção do carro.

Alfredo o espera, sorrindo.

quinta-feira, junho 16, 2016

A ARANHA

A crônica "A aranha" está na antologia "Outras águas" e foi vencedora na categoria, juntamente com a crônica "A palestra" publicada neste blog.


Fonte da ilustração: Westermann, Johannes do site https://pixabay.com/pt/users/Westi2605-2708584/

Quando acordei, pensei que o mundo houvesse acabado, tão grande a agonia que sentia. Coração aos saltos, lábios trêmulos, língua paralisada. Estaria eu no fim? De repente, um assobio que se finava ao longe indicava drasticamente que estava vivo. Não tão desperto, como imaginava.

Sentei-me devagar, com dificuldade, procurando os óculos sobre o baú, entre frascos de comprimidos, colírios e livros. Passei a mão, ainda perturbado, empurrando tudo que se opunha ao meu gesto. Até que o estalido no chão obrigou-me a dobrar a coluna para encontrar o objeto de minha dependência.

Deitei-me de bruços na cama, enfiei um pé entre os cobertores ainda quentes e espiei pelo lado oposto onde estava deitado.

Mergulhei a mão, enveredei por cantos obscuros do parquê e embaracei os dedos em teias de aranhas.

Tirei a mão irritado, sem ter atingido o objetivo, mas neste gesto, bati em alguma coisa metálica.

Eram eles que se instalaram a poucos centímetros de meu caminho de busca.

Organizei novamente a expedição e os puxei resoluto.

Quando os engatei no nariz, olhei o mundo num relance, tendo agora certeza absoluta de que ainda estava vivo.

Um pesadelo resgatava um mundo oculto, funesto, cheio de pequenas obsessões não ditas, doses de concupiscência não manifestada, traços de egoísmo não declarados e desejos jamais confessados.

Por isso, esta aflição, este jeito de enfrentar a realidade e a fantasia, colocando-as em mundos opostos, como fazemos no dia a dia, mas que por um pequeno espaço de tempo, ao acordarmos, pendemos mais para o lado do sonho, que talvez seja muito mais real do que imaginamos.

E ao nos darmos conta, caímos no mundo que pensamos como único, verdadeiro e concreto.

Em vista disso, essa dor nas costas, este resfolegar de mãos suadas, torcendo uma na outra, como querendo limpar a sujeira do subconsciente.

Agora, tento levantar-me, olhando de frente, ou de soslaio, se for sincero, o meu mundo insípido, neste quarto sujo de teias de aranha.

E vejo-as passear pelo piso, fazendo tiro-ao-alvo de suas redes, prendendo-as aos pés da cama, esperando insetos incautos que se atrevam a bisbilhotar suas vidas ou mesmo integrar o mesmo espaço que tomam como direito. O meu espaço.

Se pudesse, as eliminaria de minha vida, tal como as teias de aranha que ficam em minha mente nebulosa, assustada pelos direitos que me dou a ser tão lascivo, enquanto durmo, tão ousado em meus devaneios, tão despojado de qualquer sentimento de culpa.

Por que agora me sinto tão culpado, examinando seus passos, seus caminhos subterrâneos, suas gosmas viscosas que grudam a qualquer estrutura, menos a suas patas.

Sinto-me assim, grudado ao meu mundo real, tão longe daquele idealizado, no qual o destino me atinge com suas tramas, como aranhas gigantes, largando sobre mim as teias que me deixam alienado, preso ao chão rasteiro de minhas dúvidas e temores, enquanto suas patas saltam livres e prosseguem a sua jornada.

Se pudesse ao menos, me desgrudar de suas teias, e tramas tão fechadas que me prendem como mosca tonta na busca frenética do alimento.

Se pudesse alçar vôos mais altos, sem preocupar-me com a queda ou a apreensão dos cuidados, sem a censura dos descaminhos.

Ah, se pudesse provar deste alimento que a aranha me induz para caçar-me, me deixa livre para decidir, sem que possa saborear a fruta que escolhi e se o faço, me lança à rede implacável, me prende na gosma e me tolhe, de joelhos a bendizer a morte que vaticina.

Tenho medo da aranha, mas muito mais de minhas escolhas.

quarta-feira, junho 15, 2016

Breve análise das crônicas “A aranha”e “A palestra”do livro “Outras águas”

Estas duas crônicas foram vencedoras em 1º e 2º lugar do XXIII Concurso Internacional Literário das Edições Ag.

A crônica “A aranha” revela o homem moderno, num mundo em que tudo é permitido, no qual todas as escolhas são possíveis e, ao mesmo tempo, fica dividido, tornando-se desta forma, confuso em seus relacionamentos, na sua vida cotidiana e profissional.

Apesar de todas as possibilidades que o mundo oferece, o homem se vê preso a padrões que remetem ao senso comum, induzindo a todos experenciarem o modo de vida da mesma forma, agindo segundo regras pré-estabelecidas, sejam morais ou éticas.

Entretanto, talvez pela complexidade humana, o homem despe-se deste ser correto e adequado à sociedade.

Tal como Jung declarava, o homem usa a persona para mostrar-se ao mundo, mas deixa a sombra oculta nas mais distintas ocasiões, sem que se revele a sua verdade.

Usa subterfúgios e máscaras no seu dia a dia, porque o que aparenta na família, no trabalho ou nos seus relacionamentos pessoais é o que considera adequado à sociedade.

Por isso, a dificuldade do homem em mostrar a sua verdade mais íntima.

Há portanto, o temor de fazer as opções, por mais simples que sejam, pois desafiam a maioria ou questionam o pensamento geral, padronizado e aceito.

Como a mosca, ele fica preso à aranha, o grande emaranhado de normas, leis, preconceitos e mentiras que regem as condições de relacionamentos e experiências modernas. Daí o seu sofrimento e confusão.

Agora fugindo um pouco da análise da crônica, mas utilizando o viés proporcionado pelo tema, observamos que o ser humano precisa desapegar-se de determinados sentimentos que o deixam agastado e triste.

Por exemplo, a necessidade extrema de competir, em qualquer área, em qualquer seguimento, para que na vitória sinta-se empoderado, a partir de um novo avanço em suas percepções.

Consideramos, inclusive, que em determinado limite, esta competição é saudável, entretanto o fato de viver comparando-se com os demais acarreta sentimentos de frustação ou auto-estima que infla o ego e descarta sentimentos de viver em comunidade.

Um outro fator desencadeado por esta competição, que atualmente atinge o homem, é o descomprometimento com a sua realidade, com a comunidade em que vive e o seu mundo particular.

O homem vivencia os acontecimentos que atingem a Antuérpia e não olha para vizinho ao lado.

Por outro lado, o julgamento de qualquer situação tornou-se supérflua a ponto de embutir-se uma dose de punição antes do crime justificado, usando-se para isso a intolerância e a arrogância, esquecendo-se de observer os dois lados da situação.

Provavelmente isto ocorra, porque não enxergamos nossas próprias falhas e é muito mais fácil apontar no outro o que ocultamos em nós mesmos.

Cristo já provocava seus seguidores com a questão que bem denota o falamos: E por que vês tu a aresta no olho de teu irmão, e não vês a trave no teu olho?

Quando o homem souber se desapegar destes sentimentos e fazer uma autocrítica de todos as situações onde põe o seu jugo, certamente encontrará mais tempo para regozijar-se com a natureza, com a vida, com tudo que o cerca.

Enfim, terá a plenitude de entender-se a si próprio, percebendo que é persona, mas também sombra e que são aspectos que não existem separados.

Somente aceitando a personalidade como um todo, o homem terá a saúde psíquica plena e saberá utilizar com inteligência os aspectos que privilegiem determinado enfrentamento de um problema.

A segunda crônica “A palestra” talvez seja uma complementação bem humorada da primeira, A aranha.

Ela descreve este homem dos dias atuais, ansioso e confuso, que tenta vencer o tempo divergindo das prioridades e perdendo-se nos espaços vazios dos horários.

As dificuldades se estabelcem em virtude do trânsito, da correria das compras, do conciliar compromissos, inseridas num complexo de informações oriundas de qualquer suporte com ou sem necessidades.

A partir desta convergência de fatos contraditórios , o homem se insere nesta atmosfera de caos através de suas dificuldades pessoais, profissionais ou familiares.

Enfim, o homem que também precisa fazer suas escolhas e às vezes, se equivoca, perdido nesta seara de informações descontroladas e tempo exíguo.

Isso ocorreu na na palestra em que o orador não passava de um político prolixo e o ouvinte estava no lugar errado, com outros interesses que não aquele tema.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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