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sábado, agosto 19, 2017

Impressões de uma Romênia tradicional e bela = Impresii ale unei Românii tradiționale și frumoase

Luisa estabeleceu-se num vagão meio vazio. O trem passava por pequenos vilarejos e ela podia avistar, além deles, Cárpatos, a cadeia de montanhas que domina a paisagem da Romênia.

Havia algumas pessoas e num banco na lateral esquerda, um casal conversava quase em sussurros, ao contrário de algumas senhoras que não paravam de confabular, quase uma discussão política. No entanto, percebia-se um aconchego familiar, risadas e vozes aflitivas, querendo dizer coisas que somente a elas interessavam. Uma outra senhora de lenço azul, com alguns desenhos geométricos coloridos, o ajeitava o tempo todo, tentando cobrir o cabelo, talvez pelo hábito ou por alguma espécie de coceira não identificada. O homem, que devia ser o marido, mexia nos bolsos e mostrava alguns documentos, manifestando um certo nervosismo e discutia o assunto com energia e logo em seguida, os guardava com cuidado. Ficava pensativo e logo examinava os papéis novamente. Discutiam um pouco e ficavam em silêncio, perdendo-se na paisagem velha conhecida.

Luisa esqueceu-os por um momento e ficou também observando as montanhas. Sentia um certo frio, apesar de ser apenas o início do outono, por isso tentava agasalhar-se, vestindo um casaco fino de lã, com uns botões que se fechavam até o pescoço. Deixou-se ficar assim, tentando envolver-se na paisagem bucólica, mas teve um sobressalto, quando um menino loiro correu na direção do fundo do vagão, com a intenção de pegar alguma coisa que lhe havia escapado, fruto de alguma brincadeira.

Luisa tentou descobrir do que se tratava, mas não conseguia ver nada, pois o brinquedo devia ter escorregado para debaixo dos últimos bancos. O barulho chamou a atenção da senhora de lenço azul, pois olhara para trás por alguns minutos. Logo se voltara para o marido e comentara alguma coisa. Os demais pareciam muito envolvidos com seus pensamentos e problemas ou não se interessavam pelo acontecido. Os pais do menino, no entanto um casal que estava na primeira fileira, aos quais Luisa nem percebera, chamaram o menino com severidade. Ele, entretanto, estava agachado entre os últimos bancos, na tentativa de pegar o brinquedo, mas com o balanço do trem, a coisa desembestara para cada vez mais longe, percorrendo cantinhos estranhos e de difícil acesso. O menino não desistia e por isso, escorregou para debaixo do banco, esticando-se e tentando colher o objeto. Luisa, então, levantou-se e sacou uma foto pelo celular. Guardaria aquela cena consigo: um menino romeno procurando o seu brinquedo. O pai levantou-se e encaminhou-se para os fundos, exigindo que ele saísse daquele lugar. Neste momento, Luisa percebeu tratar-se de um cubo mágico. Ele levantou-se com a calça do agasalho empoeirada, mas orgulhoso por ter resgatado o pequeno jogo. Quando passou por Luisa, atrás do pai, sorriu, ao que ela retribuiu. Neste momento, Luisa sentiu uma espécie de conforto, como se a vida se tornasse mais leve, a partir daquela ação do menino.

Luisa ficou observando-os com a sensação de que estava num mundo distante, provavelmente o passado. Era uma jornalista e como tal, tinha ao hábito de observar as pessoas, ouvir as conversas, tal como costumam fazer os escritores. Entretanto, com o passar das horas, tudo aquilo se apagava e ela sentia-se cansada. Esperava chegar cedo à Bucareste, mas sabia que o trem demoraria pelo menos, umas duas horas.

Quando o trem parara na estação de Bucovina, o distrito romeno de Suciava, já da plataforma ela pressentiu o cenário pastoril da região. Sentiu uma estranha vontade de descer ali, misturar-se com aquelas pessoas e descobrir o que faziam. Sabe agora, que deveria ter seguido em frente e alcançar aquelas duas horas que faltava para Bucareste, mas fez tudo ao contrário. Desceu na estação de Bucovina, o que aumentou o tempo de chegada à capital, pois para chegar até lá, era necessário esperar o próximo trem, o que demoraria muito mais do que imaginava. Mas assim, seguiu seu tino jornalístico.

Luisa desceu do trem e espalhou-se entre alguns romenos que pareciam dirigir-se a algum evento muito importante. Na pequena vila, vinham a pé e a maioria era conhecida, e pelo que Luisa conseguia entender, eram conhecidos de muito tempo, desde outras gerações, sendo a maioria vizinhos muito próximos.

Muitas mulheres com lenços na cabeça, vestidas com casacões e alguns homens de gorro de lã e jaquetas pesadas, outros vestidos com menos acessórios, mas bem agasalhados. O frio parecia ser mais intenso devido à região de montanhas. Isto, porém não os impedia de empreenderem conversas bem altas, com muita risada e comentários, que deviam ser relacionados a fatos locais. Por certo, faziam mais sucesso que qualquer publicação em redes sociais.

Luisa percebeu que os vários grupos se dirigiam à igreja ortodoxa, por isso decidiu segui-los um pouco de longe.

Quando todos entraram, ela se estabeleceu ao fundo da igreja e esperou o início do ritual religioso.

Após uma serie de orações e bençãos inerentes à liturgia, Luisa percebeu que o tema principal da cerimônia era a celebração dos vivos e dos mortos, os parentes dos que participavam da cerimônia. Eles recordavam os seus mortos e manifestavam muito mais do que um sofrimento contido, uma espécie de alegria, relembrando frases, expressões ou desejos dos falecidos.

A surpresa para Luisa, entretanto, não parava por aí, porque eles se afastaram da igreja logo após terminar o culto e dirigiram-se para um pequeno cemitério, ali perto, onde conversavam muito e riam e contavam fatos relacionados com os parentes que ali estavam sepultados. Em seguida, estendiam toalhas sobre os túmulos, abriam cestas e serviam sanduíches organizando um piquenique naquele cenário. Todos lembravam os parentes com ternura, algum sofrimento misturado à alegria, mas principalmente a necessidade de trazer à tona a personalidade do indivíduo, como se ainda estivesse entre eles. Conversavam alto e brindavam à vida.

Luisa conversou com um e outro, mais por mímica do que pela fala, pois não falavam inglês, embora como o seu idioma seja latino, arriscava uma frase ou outra e até mesmo algumas expressões conhecidas.

Agora, sentada próxima à janela, observando a paisagem próxima a Bucareste, lembrava dessas imagens e sentia-se recompensada, como se houvesse encontrado pessoas em plenitude de vida, devido à integridade de pensamento, manifestando a liberdade de ser apenas. Sem máscaras.

Ela gostaria tanto de andar pela bela Bucareste, dirigir a bicicleta às margens do rio, passar pelo pomposo prédio do Parlamento e chegar ao Carol Park, desfrutando a harmonia e o sossego das árvores. Sabia, no entanto, que o povo e suas tradições lhe haviam proporcionado uma vertente que indicava alguma coisa no horizonte, que sabia um dia poder alcançar. E ela nem tinha conhecido o castelo e o túmulo de Vlad, pensou sorrindo.

quinta-feira, setembro 17, 2015

Minha avó e a Apollo 11

Havia um clima de angústia e alguma agitação na casa. Foi no dia do casamento dos dois.

Minha avó estava deitada em seu quarto. Eu tinha a impressão de que ela observava a minha mãe com um olhar de súplica e até um pouco de desconfiança. Talvez imaginasse que aquele casamento pudesse curar a sua doença, ou pelo menos, não a matasse de vez.

Minha mãe, ao contrário, por mais que evitasse demonstrar, apresentava uma inquietação em cada movimento ou conversa. No fundo, ela sabia que a morte era inevitável. Apenas, desejava que a mãe não sofresse tanto!

E aquela falta de ar que não passava, aquela angustiosa espera de que alguma coisa acontecesse e por um milagre, ela voltasse a conversar normalmente, a respirar com fluidez, voltar a sorrir.

Minha mãe chorava pelos cantos, mas na frente dela, sorria e dava esperanças.

Meu avô parecia não entender bem aquela história, mas aceitava pacificamente a ideia do casamento. Não sabia porque a filha inventara um casamento religioso, tanto tempo depois, velhos e cansados, que diferença fazia? Mas se é o que se devia fazer, que se cumprisse.

Naquela época, o homem estava prestes a ir à lua. Era uma esperança para a humanidade, a certeza de que muitas coisas mudariam, talvez doenças fossem curadas, ou em consequência dessas viagens espaciais, até se descobrisse alguma forma de vida. Não se conhecia muito do assunto, mas tínhamos certeza de que alguma coisa boa viria daquelas viagens interplanetárias. O homem riscando os céus, descobrindo novos mundos, enfrentando o espaço. Havia slogans na TV, na rádio, nos jornais. Todo mundo falava na era espacial.

Eu ficava dividido entre estes dois mundos. O mundo imaginário, com um quê de realidade, bastava que o homem pisasse na lua para tudo ficar real e decisivo. Por outro lado, havia o meu mundo pequeno, real, no qual as noites eram intermináveis, em de algum modo, participava das dificuldades de meus pais, na tentativa de uma melhora de minha avó, na busca por médicos, por remédios especializados ou uma provável hospitalização.

Até que marcaram o dia em que a Apolo 11 rasgaria o céu em direção ao astro tão almejado, no caso o satélite natural da terra.

No meu mundo particular, marcaram a data do casamento. Era uma noite fria de maio. Um maio que se arrastava em suas derradeiras noites, porque nas noites as coisas aconteciam, nas noites em que minha avó gravitava como um pêndulo, numa falta de ar que ia e vinha, sem tempo da oscilação parar. Um maio quase junho parecendo persistir no frio. Um vento que também oscilava lá fora.

O Padre Costa chegou e aproximou-se dos dois, sorrindo. Meu avô o olhava desconfiado, sentado ao lado da cama.

De meus olhos de criança, observei a cena, através de uma janela que dava para uma área lateral. O cenário pronto, os protagonistas aptos e os personagens em volta.

Com a presença do padre, minha avó parecia ter melhorado da falta de ar. Uma tia de olhar intrigado afastava-se do quarto, em direção à cozinha. Não acreditava que nada mudasse. Para ela, tudo não passava de crendices. Minha mãe nada argumentava. Ela sabia que a esperança era quase nula, mas por que não levá-los ao encontro com o sacramento, por que morrerem sem esta oportunidade?(No fundo, era o que pensava).

O padre realizou a cerimônia. Eles, sentados e encostados na cabeceira da cama. O ritual consolidado. Cumprimentos. Sorrisos.

Quando o padre foi embora, houve um certo alívio para a tia descrente e parece que tudo se aquietou.

O maio terminou. Junho chegou rápido e foi um dos meses mais frios do ano.

Em 20 de julho de 1969, o homem pisou na lua pela primeira vez. Minha avó ainda resistiu um tempo, até para descrer daquela façanha. E numa noite de julho, dois anos depois, ela também se foi. Foi uma noite fria, tão fria quanto àquela.

O dia? Foi cinzento.

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