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quarta-feira, maio 31, 2017

ISSO NÃO DEU NA TV

No meio do quartinho, Nízia passava roupas numa mesa adaptada. O ferro quente tinia e o calor se propagava também no seu rosto, no colo suado, no qual punha a mão para assegurar-se de que estava viva.

O coração batia forte e descompensado, mas que fazer? Não podia parar o trabalho. Dezenas de camisas do patrão, roupas dos filhos e da patroa, principalmente os vestidos de tecidos finos e leves, aos quais devia prestar muita atenção para não estragá-los. As mãos dificultavam o estender do tecido, trêmulas e quase incapazes de cumprir a tarefa. Será que seu corpo todo desandaria assim, de uma hora para outra, quando precisava tanto de sua energia.

Sempre fora uma mulher forte. Era elogiada pela patroa, pelos poucos amigos, por alguns parentes. Embora solitária, soubera dar um rumo a sua vida.

Pretendia estudar um pouco, pelo menos sair daquele b-a-b seboso que não levava a caminho nenhum.

Queria ir mais longe, mas quanto mais pensava, menos tempo tinha. Era praticamente da família. Passava os dias e as noites experimentando as horas de sucesso, de festa ou angústia.

Muitas vezes, acalentara o menino que chorava para a mãe desfrutar do passeio ou do jantar. Outras, vira o sol nascer ao lado da menina com febre e olhos murchos, pensando que ela era mais uma ferramenta para passar a dor.

Na verdade, gostava de seu trabalho, gostava dos filhos que não tivera, gostava da família que era sua.

Nem sempre, porém foi um ente familiar. Muitas vezes, precisou afastar-se quando os momentos não indicavam a sua presença. Dócil e cuidadosa, afastava-se devagar, às vezes arrastando chinelos pelo avançado da noite.

Mas vivia em seu quartinho, hoje tão quente por causa do ferro elétrico.

Tinha uma TV no quarto e se satisfazia em ver que as atrizes negras faziam papéis semelhantes aos que ela desempenhava.

E amavam os patrões tanto quanto ela.

E até sofriam caladas em seus quartos.

Então, estava tudo certo. Ela aprendera com a TV. Aprendera muito.

Também aprendera que a maioria dos homens presos e considerados bandidos eram negros e principalmente jovens. Eles não usufruiram das escolas boas, nem dos conselhos dos pais, nem da disciplina escolar. Não eram bons como os filhos da patroa. E se o governo dava escolas, dava educação (ela considerava assim, que tudo era dado e grátis), eles não aproveitavam. Preferiam ficar na rua fumando maconha, vivendo entre gente ruim.

Os outros não fumavam maconha. Aproveitavam a oportunidade e se acaso acontecesse um acidente, eram reconduzidos ao rumo certo, cuidados em clínicas e tudo ficava bem.

Ela tinha aprendido isso na TV.

Também percebera que as meninas negras e pobres, muitas vezes, se desviavam do bom caminho.

Não iam à escola e se iam, desobedeciam as regras, nem participavam da igreja, não se harmonizavam em grupos para estabelecer boas relações, como os filhos da patroa e seus amigos. Acabavam na vida fácil, tinham filhos sem a idade adequada e às vezes, morriam fazendo abortos.

Eram meninas desprezíveis para a sociedade e para a família religiosa.

As filhas da patroa e suas amigas sabiam resolver suas pendengas, caso acontecesse uma tragédia. Eram levadas a clínicas com muita cautela e carinho e voltavam como se o mundo recomeçasse.

Talvez houvesse uma maneira de reconstruírem as suas vidas, que somente pessoas de classe como a patroa soubessem discernir.

Isso também ela tinha aprendido com a TV.

Algumas meninas de seu bairro foram estupradas e o que saía na mídia e nos círculos de fofoca é que elas incentivavam aqueles homens a agirem como animais.

Portanto, eram culpadas, pois usavam roupas vulgares, mostrando mais do que deviam, dançavam funk e portanto, nem podiam reclamar.

Afinal, os homens tem seus desejos e muitas vezes, não conseguem controlar-se, ainda mais quando incitados.

As meninas da casa, como as da patroa, ao contrário, sabiam muito bem manipular um homem, à custa de sua educação e inteligência. Quando iam a festas, só saiam com o seu grupo, porque não lhes interessava quem não fosse da mesma classe. E tinham razão. Não se misturavam com qualquer um. E se dançavam funk nas festas ou usavam algum incentivo à alegria, tudo eram muito bem controlado pelo grupo. Elas sabiam se comportar.

Tudo isso, Nízia aprendera na TV.

Havia também alguns meninos que eram até seus parentes, um que outro jogador de futebol, mas alguns que tinham essa mania de virar mulherzinha. Queriam usufruir dos mesmos desejos das mulheres, como se assim fossem. Uns até usavam maquiagem. Outros andavam se agarrando, desejando outros homens e até considerando-os namorados.

Um deles, aquele que era seu parente, fora assassinado, alvejado por um policial, que se dizia assediado.

Afinal, devia ter sido muita pressão para o tal policial, afinal ser assediado por um gay! Ele, um cara da lei! Houve até a interferência de um deputado homofóbico contra o menino, é claro.

Mas está correto, ele se desviou do bom caminho. Isso é uma doença.

Na casa grande, quero dizer, na da patroa, também ocorreu algo parecido, mas foi com o dono da casa, o patrão, parece que um amigo do filho o assediou ou foi ele, não sabia. Claro que a coisa fora resolvida na base da educação. Aquilo tudo não passara de uma brincadeira, em virtude de terem bebido um pouco demais e a patroa entendera e todos foram felizes.

Tudo isso, ela havia aprendido na TV.

Certa vez, Nízia recebeu uma visita de um grupo de mulheres negras que lutavam pela dignidade da mulher e sabedoras de seus problemas relacionados à família, ao seu bairro e a pessoas que conhecia, tentaram ajudá-la.

Deram-lhe folhetos, indicaram leis, avaliaram até o seu trabalho, como se morasse na senzala.

Nízia ficou muito braba e não entendeu o que diziam, na verdade, não encarava como verdadeiros aqueles fatos.

Naquela noite, porém, Nízia não conseguiu dormir.

Ligou a TV, assistiu a novela, depois um programa humorístico que mostrava uma mulher negra que reforçava o estereótipo de mulher sensual, de bunda grande e poderosa.

Mais tarde, abriu o folheto e leu alguma coisa relacionada a mulheres negras que venceram como advogadas, educadoras, escritoras ou funcionárias públicas. Não representavam ela.

Isso ela não aprendeu na TV, por isso perdeu o sono.

terça-feira, abril 04, 2017

Dessolidões

Meu vizinho sofria de uma doença estranha. Foi ao médico, ao curandeiro, ao pastor, leu todos os livros de autoajuda, e nada. A tal da moléstia não o deixava em paz. Era um vazio no peito, uma fome de não sei o quê, um vagar assustado pela casa, um temor de qualquer coisa que não se parecesse com movimento e folia. Não tinha o que se queixar, sua vida era perfeita, muito amado nas redes sociais, vivia em noitadas, antecipada aos happy-hours cercados por amigos. Mas o que acontecia que o aporrinhava tanto? Não passava um minuto sozinho, não tinha nada que o aborrecesse de verdade, até no trânsito costumava se divertir: carro potente, som atordoante, quase um trio elétrico.

A vida se lambuzava de prazeres e o mundo nada mais era do que o seu portal de acesso. Estava sempre entre os melhores, aparecia com as mulheres mais lindas, era conceituado como um grande executivo, um homem de negócios e de valor. Até que apareceu aquela dor no peito, aquela quase falta de ar, aquela opacidade no olhar que às vezes se revelava no espelho, aquele murmúrio no meio da noite, com um ah abafado de quem sofre. Mas ele não sofria, era feliz e bem sucedido. Que diabo de doença o acometia?

Até que um dia, sem querer uniu-se a uma turma muito diferente da sua. Um pessoal que costumava flertar com leituras, com estética, com natureza, com vida ao ar livre, com família, com pequenos prazeres jamais considerados por ele.

No meio do papo, à beira da praia, já anoitecendo, começou a se questionar. Perguntou-se o que fazia no meio daquele grupo. Entretanto, deixou-se ficar, já que parecia agradável, uma sensação ímpar, que nunca tinha experimentado. Então, começou a falar de si, de suas vitórias na escalada social, nos grandes negócios, as conquistas as mulheres mais lindas e invejáveis do país. Não houve muito interesse. Em seguida, começou a se queixar. Não entendia o sofrimento do qual era passível. Afinal, a casa era sempre cheia de gente, onde ia, se reunia com as pessoas mais glamorosas, e mesmo assim, sentia este vazio, esta dor no peito, este desconforto que o atormentava. Até que um deles, um barbudo que parecia um guru oriental concluiu que ele sofria de dessolidão.

O prato estava cheio demais, de interesses perdulários, de objetivos materiais e muita, muita aparência. Não gostou do que ouviu, mas à noite refletiu.

É, meu vizinho sofria de dessolidão. Mata mais do que a solidão bem vivida.

sábado, outubro 01, 2016

Os dez textos mais lidos no mês de setembro de 2016

O que vem na lancha?

Trabalho voluntário no hospital psiquiátrico: uma provocação para a vida

Piolhos de rico

Metáforas cruéis: desqualificação das mulheres e negros

Candidato inflamado

As divagações e sonhos de Marina

A fotografia de Santa - CAP. 2

Os pecados de Xavier

A fotografia de Santa - CAP. 1

Sabrina

sexta-feira, agosto 05, 2016

OS DEZ TEXTOS MAIS LIDOS NO MÊS DE JULHO/2016

1º - O cofre e as moedas

2º - A identidade subjetiva, a alteridade e as diferenças

3º - Um crime na cidade que sabia demais

4º - Morte lenta

5º - Moedas nas frestas

6º - Momentos e encontros

7º - Iolanda

8º- Por que temer a travessia?

9º - Metáforas cruéis: desqualificação das mulheres e negros

10º - A varsóvia que vi: suas peculiaridades, beleza, modernidade

sexta-feira, janeiro 22, 2016

Mormaço de domingo

Sentia o cheiro acre das calçadas sujas. O encardido denso esquentava os paralelepípedos mal estruturados. Um sol de ressaca, quase mormaço, mas nada pior do que o constrangimento de vê-lo ali, estirado na esquina, encostado no átrio da porta. Parecia franzino, quando o avistei do outro lado da rua. Cabeça estirada nas tijoletas quentes, os cabelos revoltos, os braços escondidos sob o corpo. Por um momento, pensei em chamá-lo, acordá-lo do torpor, que me parecia, se encontrava. Outras pessoas passavam mais adiante, olhavam curiosas, como eu, mas se dispersavam logo: um mendigo, um drogado que se abateu na noite e se transformou naquela figura estática e indefesa.

Talvez não houvesse o que fazer mesmo. Para que acordá-lo? Por que trazê-lo ao mundo dos normais, se havia talvez muito mais intensidade na conduta que o levara ao abandono que ora demonstrava? Talvez uma noite de festa, bebedeiras, mulheres, alegria, e todos os prazeres da carne e da mente. Do físico, da alma?

Uma pequena inveja assolou minha alma, por um momento. Pudesse eu desfrutar daqueles momentos de derrame da vida, mesmo que o resultado fosse uma poça de baba na boca, uns olhos apertados no sol, o corpo doído na calçada suja.

Nem sei se pela inveja ou por piedade, ou mesmo medo de que fosse vilipendiado, roubado, ou mesmo assassinado, que o chamei. Afinal, não se tratava de um mendigo, haja vista as roupas que usava. Um paletó cinza, camisa preta, calça de um cinza mais claro e sapatos sociais. Não havia dúvida que foi o que me levou a tentar acordá-lo. Se fosse um mendigo miserável ou um craqueiro indesejável, eu como de resto, seguindo o senso comum das pessoas de bem, me afastaria rapidamente, provavelmente atravessando para o outro lado da rua e desaparecendo nas calçadas seguintes.

Então me aproximei devagar, dobrei o corpo para que me ouvisse e o chamei algumas vezes. Ele abriu os olhos, apertou-os com força em virtude da luz intensa, fechou-os rapidamente, virou o corpo em direção à parede e esticou as pernas, encolhendo-as novamente, deixando-se ficar na posição fetal. Dava a sensação que não queria conversa.

Insisti: companheiro, não pode ficar aí. É perigoso. Tens documentos, carteira?

Ele não respondeu. Resmungou alguma coisa sem sentido e encolheu-se ainda mais, escondendo a cabeça com as mãos.

Ia desistir do meu intento. Que se amolasse. Que roubassem o seu dinheiro, seus documentos, que o agredissem. O dia passaria rápido, e naquela rua vazia, numa tarde de domingo ensolarado, a solidão era propícia aos vândalos.

Voltei-me, abandonando a ideia de ajudá-lo, quando de repente, num salto, ele se levantou, como se imbuído de uma estranha energia. Então, insisti.

– Companheiro, é melhor ir pra outro lugar. Ficar aí, sozinho, deitado na calçada, não é bom. Alguém pode te assaltar.

Ele não me respondeu. Olhou-me atentamente, como se quisesse descobrir qual era a minha verdadeira intenção. Uma suspeita implícita.

Perguntei, intrigado.

– Escuta, cara, não tens nenhum amigo?

Ele foi taxativo. Olhos arregalados, uma certeza única: meu amigo é Jesus.

Talvez pretendesse dizer-me que não tinha amigos e que não confiava em ninguém. Achei melhor dar por encerrada a minha missão.

– Está bem, só insisto que não fiques aí deitado. Daqui a pouco, pode passar algum policial e vai implicar contigo – e conclui com um “até logo”, entredentes.

Ele voltou a deitar-se, agora sob a marquise do prédio ao lado. Pelo menos, estava na sombra do edifício. Afastei-me alguns metros e ele sussurrou, levantando a cabeça na minha direção.

– Não tenho documentos, não tenho dinheiro, não tenho nada.

Decidi não dar atenção. Estava cansado destas ladainhas. Pessoas que se mostravam incapazes de voltarem para as suas cidades porque perderam tudo, ou que pediam dinheiro porque haviam sido roubadas, ou porque precisavam de um medicamento com urgência. As histórias soçobravam em minha mente e aqueles textos amarfanhados se repetiam da mesma forma como os flanelinhas inventavam maneiras de agradar os presumíveis clientes.

Ele disse aquelas palavras, azulou os olhos aguados e deixou-se ficar na mesma postura, sem iniciativa. Era um convite ao desinteresse. Segui então o meu caminho e enquanto me afastava, lembrava de momentos em que passei sérias dificuldades. Situações absurdas em que fui envolvido sem qualquer lógica que justificasse os sacrifícios passados. Mas, eu era responsável, um homem que sempre trabalhou em toda a sua vida. Não podia ficar me comparando com um homem que fica na passividade permissiva do pedido, da esmola, da auto piedade. Mas volta e meia, surgia a tal da culpa cristã que me acompanhava.

Aos poucos, o mormaço me deixava cada vez mais cansado. O suor escorria pela testa e uma sensação estranha de frio me atingia, como se uma febre terçã se estabelecesse em meu organismo, tornando-me frágil e incapacitado para seguir adiante. Por sorte, havia o banco da pequena praça de esportes, no qual me sentei, estirando as pernas. Tinha a sensação que também as pernas esfriavam e se distanciavam do resto do corpo, como se não mais fizessem parte dele, antecipando-se à grama que ora cercava-me os pés.

Reflexos de histórias passadas, de situações vividas, vinham à tona e se misturavam com a realidade do dia de mormaço. Eram noites quentes que se revezavam com o frio que acompanhavam a rigidez de meu corpo, num desafio entre a vida e a morte. Mas podia ver, ao longe, como numa tela mesclada com vários filmes, mulheres que se aproximavam em danças orgíacas, oferecendo bebidas e sorrindo numa sensualidade mórbida, onde a boca vermelha se aguçava num sangue, que ora escorria derradeiro, como se as mordidas do amor, também fossem as da morte. Ao mesmo tempo em que homens se insinuavam e lambiam suas coxas e seus ventres enquanto prostitutas se aproximavam, misturando taças de champanhe com sugestões sexuais. Talvez meu corpo latejasse de frio e tesão. Talvez o frio que sinta agora seja o medo de aceitar a sexualidade estendida na bandeja, da incapacidade de amar e me relacionar, da infinidade de desejos preteridos e outros engajados em buscas que não eram minhas.

Talvez tenha medo de ajudar aquele rapaz e descobrir em suas vestes, os resquícios das noites dionisíacas, nas quais meu corpo se incendiava e temia descobrir verdades tão ocultas e bem colocadas no rol das intimidades bem aceitas. Talvez tema resgatar esta faculdade de amar, de viver de forma libertina e liberada, de enfrentar a verdade do desapego de meus conceitos, de encontrar nele, aquele que pretendi ser e não fui.

Talvez devesse voltar até a marquise e enfrentar o mormaço do domingo, quem sabe passaria este frio que me enrijece a língua e me impede de falar, como num pesadelo no qual, nos esforçamos em abrir e fechar a boca e o som nunca sai. Quisera ter a coragem de voltar, de encontrá-lo novamente e desafiar o medo que corrói minhas vísceras. Mas se voltar, não será tarde demais? Já passou tanto tempo. Já não existem as noites límpidas, a brisa suave abrigando a testa, o sorriso sincero e a vontade de viver. A vida foi passando assim pálida, assim deslocada da realidade, apenas compartilhando momentos roubados, obscenos, perdidos, alinhados a noites de fúria e medo. Para se tornar plácida, tranquila, morna, insossa, culminando neste mormaço de domingo.

fonte da ilustração: InfoKeywordsCommentsGeo CIMG5050 (2)ee.jpgBy endiku

sábado, dezembro 19, 2015

PENSO NO NATAL

Talvez falasse em consumo, em presentes, em comilança, em festa.

Talvez falasse no Aniversariante, engendrando questões que explicassem, sob um viés capitalista, porque não se preocupam com Ele, ou só o consideram de passagem.

Talvez falasse do Natal, como um feriado para compartilhar com parentes e amigos, a celebração da vida, a tentativa de ser feliz, pelo menos por um dia.

Talvez comentasse tudo isso, mas prefiro pensar no silêncio.

No silêncio daqueles que sofrem em hospitais, dos marginalizados nos depósitos psiquiátricos, dos alienados da vida real, dos que perambulam pelas ruas, dos que bebem da água que sobra nas garrafas sujas, jogadas após uma noite de festa.

Dos amargurados, impedidos de falar, silenciados pelo peso da dor ou do jugo do parceiro.

Das mulheres que descreem da vida, apartadas do seus, nos desvios produzidos por regimes.

Nos pais que não enterraram os filhos, ocultados sob a dor de períodos de trevas, onde a liberdade era apenas um discurso político, e apesar do passar do tempo, revivem a cada Natal, o sorriso do filho, que deixou o quarto intacto.

No silêncio dos meninos de rua, dos palhaços de sinal, dos pedintes, dos incapazes de sonhar. Nos que morrem no trânsito, nos que se suicidam nas estradas, nos que fugiram covardemente da vida.

Nos bêbados andrajosos, nos viciados, perdidos em noites escuras estruturadas em túneis sem fim, bamboleando entre vielas sujas e mal cheirosas, buscando o pouco de vida que lhes foge a cada acesso de prazer.

Nos solitários, nos patéticos frente a monitores, assistindo de longe a vida como cenário abstrato de poucos, tão fugaz e inatingível. Dos que se perdem nos bastidores de softwares, chips, megas, tentando encontrar outros ou a si mesmos, ineptos das ações mais humanas.

Nos velhos solitários, observando a vida da janela, borbulhando a dor nos ossos, na pele flácida, nos olhar aguado, assistindo as imagens em movimento, com alma em apuros; um item do passado, que o mundo esqueceu de conferir.

Penso neles. E também nos que percorrem a vida com calma, vivenciam a dor humana, consolam, ajudam, compartilham. Por tudo isso, penso no Natal. Um Natal que muitos não possuem, ou talvez, não propriamente como imaginamos, mas um Natal que se consagra aos poucos, no dia a dia de suas atribulações, quem sabe, um respaldo para o encontro maior com o Senhor.

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