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sexta-feira, janeiro 12, 2018

O reflexo da porta

Patrícia mais uma vez olhou-se no espelho, mas agora seus olhos perdiam-se num passado distante. O reflexo da porta projetado pela sala contígua, apontava o perfil de Benvindo que se afastava, talvez à procura de uma juventude que havia perdido.

Talvez fosse a culpada de sua fuga: aos poucos negligenciara a aparência, o bem viver, o relacionar-se com os amigos e declinar de ser a protagonista. Não, ela era só a dona de casa que o acompanhava nos jantares, nas festas da empresa, na vida social do marido.

Talvez não fosse nada disso, pensou. Não passasse de um encanto transitório por um rabo de saia, uma mulher trinta anos mais jovem, um despertar para uma paixão fantasiosa, de um homem de meia idade. Afinal, não era o que acontecia com quase todos os casais?

Mas se houvesse uma saída, uma maneira de alterar essa situação, de modificar o rumo, esse consenso social? Ela seria outra pessoa, poderia tornar-se uma mulher ativa e participante de uma nova sociedade. Uma realidade em que ela fosse a protagonista.

Então mostraria a todos, se tivesse sorte, que ainda possuía seus encantos e vigor. Participaria do concurso de dança e usaria o vestido da suavidade da valsa ou da energia do tango. Ela seria a estrela, fotografada, anunciada nos microfones, revelada na ribalta. Era a realização do sonho, a virada tão desejada. Já tinha o convite, faltava participar.

Por fim, Patrícia afastou-se do espelho, deu alguns passos pelo velho parquê, torceu o salto fino e esbarrou no capacho. Segurou-se como pode na maçaneta da porta e chamou o táxi.

Em pouco tempo, estaria lá entre os seus pares, magra e linda, revivendo um passado que não fora seu.

O táxi chegou. O porteiro subiu. O elevador parou no andar de Patrícia. Tocaram a campainha. Ligaram.

Patrícia não atendeu.

sexta-feira, janeiro 08, 2016

Uma diretora valente

Amlid era diretora de uma escola de periferia. Lutara muito pela escola, nos tempos indefinidos, quando o aproveitamento dos alunos era zero, a liberdade era totalmente cerceada e poucos tinham acesso ao conhecimento. Lutara com seu próprio sangue, dando a sua juventude e energia à causa da aprendizagem.

Muitos eram contra o acolhimento dos alijados da pequena sociedade, inclusive acusando-a de rebelde, de ir contra aos princípios e normas do Estado. Mas ela não se acovardava, ao contrário, procurava os meios de realizar o seu projeto.

Até que o dia da vitória finalmente chegou e a maioria teve acesso aos livros, à merenda escolar, ao lazer, ao conhecimento na íntegra, respeitando a individualidade de cada um, inclusive com acesso à informação digital.

Apesar disso, forças se moviam, esgueirando-se pelos cantos das noites negras da desinformação e ignorância cultural, quando não pelo puro preconceito. Fizeram tudo para excluir de vez a valente Diretora.

Lutaram para tirá-la da escola, vasculharam a sua vida, fizeram inventários e dossiês para encontrar algum fato que a incriminasse, para finalmente expulsá-la. Não interessavam os benefícios aos alunos e à comunidade escolar. Não importavam os inúmeros que haviam ascendido ao patamar do ensino e educação. A única coisa que tinha valor era o fato de ocuparem o mesmo espaço de um grupo que não toleravam. Um grupo que passavam a odiar com todas as forças.

Amlid não recuou. Ao contrário, em cada acusação, esforçava-se em encontrar o culpado e puni-lo como mandava o estatuto da escola. Porém, por mais que seguisse a lei, era achincalhada de todas as maneiras.

Não suportavam uma mulher na liderança, mesmo que numa escola de periferia, onde havia tantos indesejáveis a utilizar os mesmos instrumentos pedagógicos sem a capacidade dos eleitos, segundo seus conceitos retrógrados.

Talvez Amlide tenha errado, quando pensou que sua gestão seria fácil tendo prometido uma aprendizagem segura, sem a intervenção de pedagogias externas. Entretanto, nada pode vencer a maioria da comunidade da escola que exerceu o direito fundamental do cidadão, que é o voto livre e fundamentado. Afinal, entre professores, alunos e pais, ela recebeu como prêmio, a maioria dos votos. Sua eleição foi exemplar.

Entretanto, Amlid terá muito que lutar em 2016, porque as forças conservadoras e retrógradas ainda lutarão muito para retirar o que recebeu de direito pelo povo escolar. Esperemos que a verdade se estabeleça e que a democracia da pequena escola de periferia persista.

E que o mundo não dê marcha à ré.

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