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sexta-feira, novembro 17, 2023

Quisera

Nem sei o que pensas, se no poema que teces, há alguma trama com a minha marca. Não sei. Sei que teus olhos dizem coisas que jamais falarias. Tua boca sorri, quando quer se calar e teus sentimentos se escondem, sem que se possam ocultar.  Talvez, não saibas. Um amor assim puro, não faz parte das prateleiras dos grandes filmes. Jamais podem retratar o que meu coração exalta. Quisera dizer tudo que me é impedido, quando meus sentimentos quase mergulham num infinito de procuras em tua direção. Sinto a melancolia de momentos que não vivi, de expressões que não criei, de verdades que não disse. Mas está presente, quando caminho nestas folhas que ora caem, quando me afasto em direção ao mar, quando tento ouvir de soslaio, o vento que zune próximo aos ouvidos, quando a brisa se esvai e a força da natureza me impele a seguir o caminho. Quisera apenas respirar aqui, neste ar mais puro, neste espaço marítimo, mas sei que o avanço que espero, jamais será definido, que a vanguarda que procuro, jamais será alcançada. Sinto aqui, a dor da desilusão. Vejo-te ao longe, vejo-te em meus pensamentos mais sinceros e sinto que te afastas, mesmo que te aproximes, pois a barreira social é mais poderosa e impune do que os maiores sentimentos. Quisera sentir a tua mão em meu peito, concedendo-me a cura, o consolo, o conforto, o carinho que não tive, o amor que anseio. Quisera sentir o teu olhar no meu, embora tentando ser displicente, fugindo de vesgueio, procurando o nada, não importa. Estarias perto, então. Quisera ouvir tua voz e saber que os fonemas que emites contam coisas que meu coração desperta. Quisera te ouvir. E ter a impressão de que não estou tão só. 


quinta-feira, agosto 24, 2023

Um só suspiro

Se a noite despertasse um só suspiro que não fosse o meu, se a noite me levasse a sonhos que não despertassem, se a noite dispusesse apenas o silêncio e escamoteasse o medo. Não. Ela se apodera aos poucos de meus pensamentos e sublima as dores esparsas, mas constantes, transforma as linhas da tela, os ecos das músicas, os ruídos da rua. Talvez latidos distantes, resmungos de alguém que surrupia como um mágico também as suas dores. Ali passa, ali funga, ali fuma, ali fica. Depois, quando o mundo já se estabeleceu em sua mente, afasta-se devagar, vivendo outra história. Quem sabe a realidade também mude aqui dentro, as memórias se restabeleçam, a realidade se instaure de vez. Aos poucos, os sons desapareçam e os lamentos fiquem mais lentos e escassos e a noite se reintegre em sua natureza explícita de ceder ao dia que vai nascer.

quinta-feira, agosto 04, 2022

A fronteira dos pensamentos

O que me pedes do alto de teus argumentos? O que exiges da fronteira de teus pensamentos dispersos e esparsos? O que defendes de um sistema de morte, de guerra, de armas e dor? O que permites em tuas condescendências mais simples? A quem desejas a vida e a paz? Quem merece teu brilho, tua alegria e tua contemplação? Por certo, os de tua classe, os que pensam como tu, os que zelam por teu pensamento único de família, propriedade e este deus ao qual veneras, quando vela apenas por teu grupo. Sei que há muito, excluíste os que pensam de modo diverso, sei que defendes a estranheza para amalgamar a homogeneidade de tuas ideias. Sei que o mundo pra ti é de uma cor apenas, um fastio de diversidade, de alegria e poder, que me dá preguiça.

Sei que enxergas os demais de acordo com a tua ótica semelhante, na qual apenas os que estão na tua bolha são os eleitos. Parece que teu deus os acomoda assim e os aparta dos maus. A bondade que revelas é útil apenas para locupletar os teus desejos de poder, de tradição e conservadorismo. Talvez, a evolução do mundo e das ideias não te interessa, porque temes balançar essa planície que está tão bem cimentada em tua perspectiva. E os demais, que fiquem se contorcendo nas escarpas dos precipícios, segurando-se para não se depararem com o fim, encontrando caminhos, refúgios que não permitam o acesso. E o ideal, que se destruam e desapareçam para sempre.

Mas o mundo não é assim. A natureza comporta as evoluções e o homem faz parte deste liame progressista que une anseios de vanguarda aos desafios da existência.

Torço que mudes, um dia, que não destruas o poder da natureza, que despertes para a vida mais ampla, mais plena e com mais diversidade. Torço que a ótica com que julgas, sirva para observares o outro lado da lente e assim, te vejas, tão diferente e estranho, quanto os demais. Quem sabe, quebres o paradigma e encontres o verdadeiro sentido universal, que pensas pregar.


Ilustração do texto: https://pixabay.com/pt/illustrations/pessoas-smilies-emoticons-máscaras-1602493/Café

terça-feira, julho 12, 2022

Que rompa a aurora

Nascia na floresta um momento. É como brotar do nada, sem que se dê conta. Um gota que cai lambendo o galho verde até escorregar pelo tronco. E ninguém vê, mas a natureza se renova, se reveste, se recria. Um gorjeio aqui, um zunido ali. Um voo no alto, naquela nesga de céu. Um voo raso entre galhos e folhas. Um visgo que brilha nas ervas que crescem. Um cheiro. Um cheiro doce, adocicado, um cheiro de ar. Ar que revigora e se respira. Um gota que cai. Mais uma. Um sopro de vento. Um incêndio. Uma luz, o sol que incendeia, devagarinho, queimando, alvoroçando. Folhas que caem. Tudo se regenera. Tudo vive. Vida. Um momento nunca igual ao outro. Mais um momento que não se pode alcançar. Mas que há.

Até quando experimentaremos momentos, até que o gelo chegue, que o mar, os rios, as águas se unam? O sol se enfraqueça? Ou tudo queime? Até quando viveremos nesta gangorra de respirar e esperar, que o mundo acorde e sobreviva? Que as mentes se iluminem e que se possa romper a aurora.


Ilustração: https://pixabay.com/pt/illustrations/fogo-e-água-mãos-lutar-incêndio-2354583/

segunda-feira, setembro 27, 2021

O lado bizarro da alegria

O poeta tinge de cores fortes o que produz a mente, o escritor descreve o que seu sentimento aviva, enternece, destrói. Usa da palavra como adaga, faca afiada que lhe corta de modo cirúrgico a dor mais profunda, que o dilacera e o fragmenta. Não é possível falar de modo prosaico das cores primaveris, dos sorrisos das crianças que se enfeitam entre jardins e esquinas, dos jovens que se encontram, quando a máscara serve de anteparo à dor, à morte, ao medo. Não é possível a mesmice da alegria das borboletas, quando uma sombra obscura tolda o horizonte, por mais otimistas sejamos, por mais que tentemos ser felizes e descolados da realidade.
Mas eis que está aí, ante nossos olhos e corações e ao termos empatia, sentimos tão forte a dor, que nos encolhe e desaparece qualquer beleza primaveril. Dizem que o poeta é melancólico? Que o escritor é pessimista? Mas o que é a natureza, se não a humanidade que a compõe? O vírus faz parte da natureza. Os vermes e bactérias também. O mundo subterrâneo e destrutivo desencadeador de terremotos e tsunamis, também. Ou não são os raios, as tempestades, alagamentos e nevascas, elementos estruturais da natureza?
Dói presenciar nos pezinhos distraídos de crianças faveladas, afundando na lama das enchentes, com a barriga vazia e o olhar perdido dos que não têm futuro. E as patinhas dos animais queimados nas florestas, perfazendo estatísticas de fauna dizimada, transformados em cinza e dor? E a flora, se exaurindo na fornalha, dando cor ao deserto de morte injustificada? Não fazem parte da natureza?
Benditos poetas, escritores, cantores e artistas que cantam e revelam a natureza, sem os matizes da ufania abstrata e cínica que somente enxerga um lado. O lado bizarro da alegria, quando há tanta dor!

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/cervo-floresta-incêndio-1398064/

sexta-feira, maio 14, 2021

Não posso calar

Como falar dos dias tranquilos e ensolarados do outono, das tarde agradáveis e noites frias. Como falar das folhas amarelando pátios, calçadas e ruas? Como falar das aves que se apropriam dos espaços agora um tanto vazios e se mostram encantadas e encantando na sua beleza natural e avidez de liberdade e alimento? Como falar do vento que cria e recria dunas, que as destrói e reconstrói, que as troca de lugar e potencializa caminhos, às vezes mais arenosos, às vezes mais úmidos pela água do mar. Como falar das pequenas flores que se erguem submissas ao vento, calmas entre as depressões ali mesmo nos cômoros quase ondulantes? Como falar das ondas do mar, que se ajustam ao entardecer conservando vagas platinadas, quase translúcidas num avantajado azul? Como falar das gaivotas que riscam o céu, tão próximo ao mar que quase o tocamos, esticando o braço, esperando o pousar entre o céu e a mão nas garras molhadas e o bico salgado da pesca habitual. Como falar da lua que surge lenta e cordial, aparecendo de improviso neste céu quase tocado, compartilhando os raios fugidios do sol. Como falar da natureza que nos agracia com os sabores, perfumes, visões, imagens, cores e beleza? Como não falar dos homens e mulheres, cujas lágrimas se esvaem em súplicas, medos, dores e desesperança? Como não falar dos corpos que se amontoam numa guerra cujos generais salvaguardados em seus vis propósitos genocidas, se fartam e se empanturram em desejos de morte? Como não falar do número devastador de vidas perdidas diariamente numa pandemia cujo elemento principal é o negacionismo, o confronto com a ciência e o interesse perdulário das religiões? Como calar neste outono sinistro, onde parte da natureza se decompõe como traste sem serventia? Como se a vida nada mais importasse? Como calar ante o genocídio de um governo criminoso? Como calar e consentir na insanidade, sem se sentir culpado pelo silêncio? Como calar ante a dor de milhares de pessoas que não tiveram a chance de sobreviver, nem ao menos de procurarem ajuda? Como calar ante a dor da miséria, das crianças que morrem de fome, de ilusão, de sonhos? Dos adultos desnorteados ante a impotência? Como calar? Não. Não posso calar. A ferida é cruel e fere como fogo.
A ferida se alastra pelo País. A ferida vai muito além de nossa realidade. A ferida é. Está. Permanece. E não há quem a cure. Por mais que a natureza se esforce todo o dia renascer em sua beleza, há uma parte da natureza que agoniza e morre. Morre com ela o silêncio. Morre com ela, a beleza. Morre com ela o renascer, o reviver, o recriar, porque a morte é absoluta. Então, como falar na natureza e calar nesta parte que se consome e se destrói diariamente. Não. Não posso calar.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/photos/outdoor-grama-verão-campo-3202494/

terça-feira, abril 04, 2017

Dessolidões

Meu vizinho sofria de uma doença estranha. Foi ao médico, ao curandeiro, ao pastor, leu todos os livros de autoajuda, e nada. A tal da moléstia não o deixava em paz. Era um vazio no peito, uma fome de não sei o quê, um vagar assustado pela casa, um temor de qualquer coisa que não se parecesse com movimento e folia. Não tinha o que se queixar, sua vida era perfeita, muito amado nas redes sociais, vivia em noitadas, antecipada aos happy-hours cercados por amigos. Mas o que acontecia que o aporrinhava tanto? Não passava um minuto sozinho, não tinha nada que o aborrecesse de verdade, até no trânsito costumava se divertir: carro potente, som atordoante, quase um trio elétrico.

A vida se lambuzava de prazeres e o mundo nada mais era do que o seu portal de acesso. Estava sempre entre os melhores, aparecia com as mulheres mais lindas, era conceituado como um grande executivo, um homem de negócios e de valor. Até que apareceu aquela dor no peito, aquela quase falta de ar, aquela opacidade no olhar que às vezes se revelava no espelho, aquele murmúrio no meio da noite, com um ah abafado de quem sofre. Mas ele não sofria, era feliz e bem sucedido. Que diabo de doença o acometia?

Até que um dia, sem querer uniu-se a uma turma muito diferente da sua. Um pessoal que costumava flertar com leituras, com estética, com natureza, com vida ao ar livre, com família, com pequenos prazeres jamais considerados por ele.

No meio do papo, à beira da praia, já anoitecendo, começou a se questionar. Perguntou-se o que fazia no meio daquele grupo. Entretanto, deixou-se ficar, já que parecia agradável, uma sensação ímpar, que nunca tinha experimentado. Então, começou a falar de si, de suas vitórias na escalada social, nos grandes negócios, as conquistas as mulheres mais lindas e invejáveis do país. Não houve muito interesse. Em seguida, começou a se queixar. Não entendia o sofrimento do qual era passível. Afinal, a casa era sempre cheia de gente, onde ia, se reunia com as pessoas mais glamorosas, e mesmo assim, sentia este vazio, esta dor no peito, este desconforto que o atormentava. Até que um deles, um barbudo que parecia um guru oriental concluiu que ele sofria de dessolidão.

O prato estava cheio demais, de interesses perdulários, de objetivos materiais e muita, muita aparência. Não gostou do que ouviu, mas à noite refletiu.

É, meu vizinho sofria de dessolidão. Mata mais do que a solidão bem vivida.

quinta-feira, janeiro 12, 2017

Criei um fake

Criei um fake

Certa vez criei um fake de mim mesmo. Isso é normal, me perguntaram alguns amigos, não sei, nem mesmo sei o que realmente pode ser considerado normal. Afinal, as pessoas apresentam comportamentos distintos das normas concebidas como dentro da normalidade e tudo parece extraordinário, elegante, vanguardista, até pós-moderno (se é que isto existe).

Enfim, tudo depende do contexto em que se insere a situação ou o comportamento.

De todo modo, por um tempo, fui muito feliz com o meu fake, ou melhor, fui contemplado com alguns benefícios.

O meu fake participava de muitas redes sociais. Era esperto, inteligente, adequado às novas tendências tecnológicas e artísticas, além de ser politicamente posicionado, e no final das contas, um grande filósofo.

Mas era um fake, uma figura criada para me proteger, como uma bengala para me amparar, um personagem para dividir comigo as informações mais estrambólicas, para discutir os problemas sociais, para compartilhar as dúvidas existenciais, para tomar atitudes objetivas em relação aos mais diferentes pontos de vista. Sim, porque ele tinha um ponto de vista.

Ele possuía assertivas bem argumentadas, sabia expor suas ideias com incomparável maestria. Era um verdadeiro gênio na arte de examinar, avaliar, abalizar, confrontar situações, encontrar as mais diversas saídas e intervir despudoradamente nas conclusões de outrem, mostrando outros caminhos, outras maneiras de olhar o mundo. Olhares diferentes não lhe faltavam. Alegria e bem humor também. Era perfeito. Educado. Paciente, paciencioso, parcimonioso, contemporizador, elegante. Um gentleman.

Por um tempo, eu o acompanhei em suas elucubrações, suas ideias diversificadas, seus pontos de vista únicos, que fogem do senso comum e desacomodam as coisas.

Afinal, do alto de seus amplos conhecimentos, de suas vivências e sua atribulada trajetória mundana, espraiava pelas cercanias toscas das redes sociais, as mais amplas doses de novas descobertas, de novas maneiras de situar as lacunas, enchendo-as com experiência, conteúdo e ação.

Eu me acostumei com ele.

Habituei-me com o seu jeito de retribuir o que eu pensava, de compartilhar comigo as descobertas, de sinalizar os mesmos caminhos, de alargar horizontes que ao mesmo tempo nos pareciam tão próximos, tão atingíveis que bastava que esticássemos a mão, aquele dedo indicador, aquele que julga, que aponta, para chegarmos mais e mais perto, do objetivo alardeado, quem sabe da verdade.

Era assim que nos comportávamos quase arrogantes. Um entregando ao outro, de mão beijada, a contribuição precisa no momento certo. Como num jogo de dupla, onde um depende do outro. Jogo de tênis, preciso, tenso, concentrado, silencioso. Só o barulho da raquete, do suspiro da plateia, do grito de vitória.

Uma coisa que brilhava no céu empoeirado e nublado do facebook ou de qualquer outra rede social. Qualquer coisa que disséssemos valia milhões de acessos, por nós, é claro, que não estávamos interessados em frases de Arnaldo Jabor [sic], em comentários sobre bebida, cozinha, aquele churrasquinho íntimo, lavado na caipirinha e nos olhares vermelhos e estrábicos de quem abusou da alegria, coisas que só dizem respeito a quem posta na rede, ou na moto usada, no cachorrinho fazendo xixi no sofá, na sogra esticada na rede, mostrando as coxas disformes, ou nas mensagens melosas, instigando culpas e medos, procuras e respostas de correntes intermináveis.

Não, não era nada disso que procurávamos. Isso era coisa do falecido Orkut.

Mas, de repente, o fake foi sendo conectado por outros amigos, foi sendo abordado em pedidos de amizade, de compartilhamento, e cada vez mais assediado por suas ideias e manifestações impunes.

Todos queriam conhece-lo, saber mais do seu perfil, pesquisar suas fotos, seu mural. Queriam acompanha-lo, segui-lo, encontrar nele o caminho que parecia abrir tantas portas, tantas saídas e tantas maneiras de achar a verdade.

Nem todos, é claro. Não aqueles da caipirinha, das fotos pessoais, da mostra diária de seus afazeres, desde a comida do meio dia até a dor de barriga da tarde. Estes não. Estes estavam interessados em curtir outra coisa e compartilhar consigo a mesmice do dia a dia.

Aquela novidade era pra poucos.

Mas estes poucos iam se multiplicando, o que me deu algum medo. Medo de ser ultrapassado pelo fake.

Os meus amigos já nem me ouviam mais, nem compartilhavam o que eu postava, embora concordassem comigo, ah, só porque eu compartilhava com o fake, concordava com o fake, alimentava-me do fake. Eles queriam fazer o mesmo.

Foi um tempo de muito sofrimento. Uns diziam, porque que ele só compartilha contigo? Por que só concorda contigo? Porque descreve em pormenores, com muito mais argumentos, alicerçado em artigos de especialistas, em leituras adequadas, em conhecimentos científicos ou em suas próprias vivencias o que tu enuncias? Por que não colabora conosco, não compartilha conosco?

Então tive que dividir o fake. Ou melhor, tive que escrever por ele para os amigos também.

Então começara a chover  pedidos para acrescentá-lo em suas redes sociais.

Eles o queriam, eles o amavam.

Não era a mim que seguiam, não era o que eu pensava que valia, era o que ele afirmava, eram as suas atitudes que importavam. Ele era o rei da festa. Eu passei a ser só um coadjuvante.

Então tive uma ideia: decidi eliminar o fake.

Resolvi dar um basta naquelas atitudes arrogantes, naquele modo de pensar vanguardista, pós-moderno, aqueles pontos de vista avançados, aquele jeito ousado de fugir do senso comum.

Eu precisava eliminar o fake. Acabar com ele, acabar com sua fama, seu jeito desinibido de ser, sua intimidade cada vez mais exacerbada junto aos meus amigos, que agora eram mais seus do que meus.

Não havia saída. A única saída era acabar com ele.

Foi o que fiz.

Eliminei o fake.

Voltei a ser eu mesmo. A discutir os mesmos assuntos, a política, a sociedade, os movimentos sociais, a beleza da natureza e a luta por sua conservação, a busca pela igualdade étnica, a luta pelo fim dos preconceitos, a filosofia em suas mais diversas vertentes, a música clássica, a boa musica, o teatro, a literatura, a vida cultural... Também fugi do senso comum, vi e revi valores, avaliei outros caminhos...

Os amigos se afastaram, um que outro postava um “curtir” ou compartilhar alguma foto ou desejar uma boa noite, um bom dia, um boa tarde, um bom fim de semana...

E todos voltaram a mostrar as suas casas bonitas, recém-adquiridas, os seus carros último modelo, as suas motos, os seus casacos de couro, os seus churrasquinhos de fim de semana...

Enfim, a mediocridade que faz parte de suas vidas.

Acho que vou criar o fake novamente. 

sexta-feira, janeiro 15, 2016

O verão de nossos dias

Ilustração: pintura da artista Evanoli Resende Corrêa

Tanto se fala no verão. No sabor das águas, no saborear da brisa, quando não dos ventos do Cassino. Acima de tudo, o bate-papo com os amigos.

Verão é isso. Jogar conversa fora, sem muito compromisso.

Talvez seja mais do que um andar ao léu, ou margear a praia de bicicleta nos fins de tarde. Ou como diz Vinícius na música, “um velho calção de banho , o dia pra vadiar”. Talvez seja mais do que conversar sem compromisso. Talvez seja mais do que lagartear ao sol.

Talvez seja apenas viver. Viver plenamente, o que, às vezes, deixamos de fazer durante o ano.

Claro que não se quer um tempo exclusivo de fazer nada. Mas um tempo pra nós mesmos, onde nem nos olhemos tanto no espelho, nem nos preocupemos tanto com a sandália gasta.

Mas um tempo para ler aquele livro que prorrogamos sem a devida atenção, e que sempre nos vem à memória.

Um tempo para nos dedicarmos à natureza. Para pormos em prática a tranquilidade dos dias. Para esquecermos a rotina, a afobação dos bancos, das lotéricas, dos shoppings.

Para deixarmos o cidadão comum e sermos especiais. Especiais de um dia de verão.

Ah, as águas de verão. As chuvas de verão. Os amores de verão. O verão que temos em mente, na memória, no passado e no presente.

O verão de nossos dias.

Os dias que virão.

gcgilson4@gmail.com

sábado, novembro 28, 2015

O destino do homem?

Na fábula, o sapo foi terrivelmente traído pelo nefasto escorpião, ao ser transportado pelo rio.

Ao ser ferroado, o sapo pergunta, na agonia da morte, por que o escorpião fez aquilo, se assim os dois morreriam afogados, visto que somente ele sabia nadar.

O escorpião, então responde que é esta é sua natureza.

Observando as pessoas e fatos, fico me perguntando, o que leva certas pessoas a trair, a enganar, mesmo quando são acarinhadas em suas relações.

E logo, me vem a resposta do escorpião da fábula: é de sua natureza.

Seria este o destino do homem, seria esta a sua natureza, a de trair, de mentir, de enganar despudoradamente, mesmo que não haja qualquer ganho?

quinta-feira, dezembro 12, 2013

UM NATAL DISTANTE



Há quem se lembre dos natais da infância e são estes os que realmente preenchem a nossa memória, trazendo de volta a fantasia, a alegria e a recordação da família naqueles momentos intensos. Tenho comigo que os natais são todos bons, a menos que tenhamos tido algum sofrimento marcante e as coisas, aí, trilhem caminhos mais estreitos e tortuosos. Lembro de muitos natais da infância e acho que na maioria foram muito felizes. Entretanto, há um em especial, em que eu não era criança, nem adolescente, nem vivenciava aqueles momentos de encantamento em que somos pais com filhos pequenos. Tinha meus 20 e poucos anos e o Natal se resumia a um pequeno encontro de família, com os pais e irmãs, a missa do galo e no máximo, alguma festa maior à noite, em que houvesse danças e namoricos. Nada que se compare às baladas explosivas de hoje em dia. 
E este natal começou muito cedo. Na véspera, numa tarde de sábado. Um desses sábados à tarde em que as pessoas já fizeram as suas compras ou ainda permanecem comprando os últimos presentes que faltaram. Nas ruas, um pouco distante do centro comercial, a cidade parecia completamente deserta (principalmente nos idos dos 70, em que a cidade era bem menos povoada). Era uma avenida arborizada, com grandes canteiros centrais e árvores gigantescas que davam um ar de nostalgia para a véspera de natal, que já por conta de todos os envolvimentos emocionais, o Natal  em si, já é nostálgico para mim. Porque lembramos de entes queridos que já não se encontram em nosso meio, porque as famílias já se dissolveram e vivem em outros lugares distantes ou mesmo construíram outros lares e possuem outros relacionamentos, ou porque, sei lá, temos uma dificuldade interna de sermos felizes quando todos assim parecem. 
Pois, antes de chegar nesta avenida arborizada, eu resolvi visitar o asilo de pobres. Era uma experiência nova para mim, não que eu não tivesse ido até lá em outras oportunidades, ao contrário, já participara de outros encontros e dedicado alguns momentos que foram talvez bons para eles, mas muito produtivos para mim. De todo modo, a experiência a que me refiro, se chama véspera de natal. Na véspera de natal, os velhinhos parecem ter a obrigação de serem felizes. Os cuidadores riem, esforçam-se para incentivá-los e não admitem quaisquer reclamações ou tristezas. Alguns filhos os visitam, trazem os netos e outros parentes. Às vezes, até os levam para casa. Eu conversei com alguns idosos e havia lhes trazido presentes. Na verdade, guloseimas, porque o que interessa para um idoso  ganhar uma camisa nova ou uma blusa de rendas? Para onde eles vão? Com que se divertem? Como vestir roupas novas, se o seu destino inevitável é o quarto onde deitam suas dores? Então foi o que fiz. Presenteei-os com chocolates, biscoitos, cookies, balas e todos os tipos de guloseimas que pudessem adoçar-lhes a boca e o coração. Uns conversaram mais do que os outros. Uns se fecharam em si mesmos, embora  agradecessem os presentes, mesmo que momentaneamente, decididos a se afastarem, habituados a ficarem sozinhos. Houve os que contaram histórias, verdadeiras ou fantasia, mas que preenchia suas memórias de maneira intensa, mesmo que por alguns momentos. Talvez, o encontro tenha durado uma hora. Dali sai satisfeito e angustiado. Satisfeito por ter realizado o meu objetivo que era o de levar aquelas pequenas lembranças e angustiado, talvez por que outro objetivo não tenha sido alcançado, que seria o encontro. Acho que não houve o encontro entre nós. Não houve interatividade. Não houve partilha de sentimentos, de emoções, de troca de experiências. Houve apenas um encontro social, onde alguns fragmentos de sentimentos vieram à tona. De todo modo, fiz o que me propus e pensei que no próximo ano seria melhor. Depois, pensei melhor e me perguntei, por que no próximo ano? Por que não na próxima semana, no próximo mês, no forte calor de janeiro, no imenso frio do inverno? Há tanto momentos para serem compartilhados. Há tantos dias a serem preenchidos. E pensando desta forma, retirei-me, entre os cumprimentos e desejos de feliz natal e  anseios de um bom ano novo. 
Por um momento, lembrei de nosso trabalho no hospital psiquiátrico e o comparei com o asilo. Na verdade, a solidão e a fantasia eram as únicas coisas que os uniam. E talvez as únicas que realmente tinham alguma importância. Mas desviei o olhar, tentando não ver aquelas paredes escuras, cujas luzes pareciam focalizar apenas olhos assustados e ouvidos desatentos. Procurei não pensar e esquecer de vez esta visita. Muito menos divagar, fazendo comparações, cujas conclusões poderiam argumentar uma tese.  Afinal, o asilo já tinha preenchido bastante aquela tarde. 
Afastei-me devagar. Não estava tranquilo. Mas não devia me deter muito nisso. Teria mais tempo e mais angústias, que por certo aflorariam. Dirigi-me a algumas casas, onde deixaria  cartões sob as portas ou os entregaria pessoalmente. Nesta época, não havia cartões virtuais, nem redes sociais, nem comunicações online. Tudo era concreto. Tão concreto, quanto a calçada da avenida que eu, agora, após a entrega dos cartões natalinos, me dispunha a caminhar. Observei que o sol já se punha, devagar, bem lentamente. É um sol de verão e portanto, demora mais a se esconder. Entretanto, a noite se aproximava e devia me antecipar, porque havia muito mais a percorrer. Do outro lado da avenida, havia a igreja e nem uma pessoa na rua. Um silêncio sepulcral, como se todos houvessem abandonado a cidade. Um silêncio bom, que me deixava refletir, inclusive sobre a calma que a natureza despertava. O sol ao longe, se pondo, jogando seus raios por entre as árvores da avenida, a rua que se alongava em direção à saída da cidade, o silêncio intenso, tudo produzia uma paz que nem sabia explicar. Nem tentava, só absorvia. Por outro lado, estava satisfeito, porque a maioria dos cartões natalinos foram entregues.
Pensei comigo que esta tranquilidade contempla a condição de nos sentirmos plenos, inteiros em nossa caminhada. Atravessei a avenida e aproximei-me da igreja, agora já um pouco às escuras, pois o lusco-fusco aumentava, em virtude das luminárias serem acesas, amiúde,  e por momentos, via-se apenas a luz natural. Foi neste momento, ouvi um voz firme e forte, me chamando. Olhei para os lados e não vi ninguém. A voz insistiu, pedindo que o olhasse, com a convicção implícita de que o atenderia. Meio aturdido, voltei-me e avistei um homem encostado na porta da igreja, meio escondido, pois embora fechada, a porta fica um pouco para dentro, como um nicho. Percebi tratar-se de um senhor idoso, do qual não conseguia avaliar a idade que aparentava. Usava um terno escuro e vestia um colarinho de padre. Os sapatos pretos me pareciam de verniz.  Aproximei-me, agora tranquilo, apertei sua mão com firmeza e sorri, quando disse: — Tinha certeza de que conversarias comigo. Hoje em dia, todos estão muito apressados, mas tu já fizeste com calma o que te propuseste. Visitaste o asilo de pobres, entregaste os cartões natalinos e agora parasses para conversar comigo. Eu sabia que farias isso. 
Respondi com determinação e calma, que não havia motivo para não parar e ouvi-lo. Não entendi bem como ele sabia sobre o que eu havia feito, mas, de qualquer modo, tudo me parecia muito natural. Naquele momento, não achei que este detalhe tivesse alguma importância. 
Ele então, concluiu: — És um bom rapaz. Foi por isso, que parasses para conversar comigo. Sei que sempre evitas contar as tragédias que tens conhecimento pela tv, jornais ou por outras pessoas, para os teus familiares. Achas que não vale à pena incomodar teus pais com estas histórias tristes, até mesmo, porque tu não gostas de repetir estas coisas. Não acrescentam nada. 
Concordei com ele. Então, fez uma pequena revelação: _ A partir de hoje, véspera do Natal, ficarei aqui, nesta igreja, até o ano novo. Se quiseres me ver novamente, conversar comigo, eu estarei aqui, te esperando. Agora, vai, te esperam em tua casa. 


Apertei-lhe a mão e afastei-me ainda mais contente do que estava antes. Passou o tempo, esqueci do ocorrido. Naquela época, havia o cinema Lido, que ficava próximo à Igreja. Na véspera do  ano novo, eu e minha irmã decidimos assistir um filme, lembro que se tratava de um musical com Barbra Streisand.  Ao sair do cinema, passamos pela frente da igreja e, para minha surpresa, ele estava lá, sorrindo e me chamando para conversarmos. Avisei a minha irmã da pessoa que havia encontrado naquele mesmo lugar, na véspera do natal, da qual havia comentado anteriormente. Para minha surpresa, ela ficou em verdadeiro pânico, correndo em desabalada carreira, em direção à esquina, sem parar um segundo, muito menos atender aos meus chamados.  Ainda, antes de me afastar por completo, voltei-me e olhei para o homem que sorria e me acenava. As pessoas passavam rápidas, saindo do cinema e provavelmente conversando sobre o filme. Ele continuava lá, e nem sei se o viam, tal como eu. De todo modo, nunca mais o vi, embora ele deva ter ficado até o dia primeiro do ano novo que começava. Nunca mais o vi, nem tenho certeza de que a mensagem que deixara, fora apenas  uma invenção de sua mente. De todo modo, ratificou a ideia  de que devemos sempre fazer o melhor em quaisquer circunstâncias, a qual eu não tinha consciência plena. Que devemos preservar em nossa  missão e observar a natureza, vivenciando sem pressa os momentos em que estamos sozinhos ou reunidos. Isso é o que podemos chamar de momentos de felicidade. Provavelmente, seja este o significado maior do Natal. 

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