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terça-feira, novembro 21, 2017

Acertar a mão

Segundo Antônio Cândido, em seu brilhante ensaio Direito à literatura, “... as palavras organizadas são mais do que a presença de um código: elas comunicam sempre alguma coisa que nos toca porque obedecem à certa ordem.” E mais adiante, ele sugere que o material bruto da linguagem, oriundo do processo de elaboração, torna-se um caos originário deste material a partir do qual o produtor escolheu uma forma e que se torna ordem. Por isso, segundo ele, o caos interior do leitor também se ordena e a mensagem pode atuar. “Toda obra literária pressupõe esta superação do caos, determinada por um arranjo especial das palavras e fazendo uma proposta de sentido.

Seguindo esse princípio do grande sociólogo e crítico literário, eu trampus a técnica para o meu trabalho, como produtor de narrativas. Deste modo, produzi a expressão adequada para dar forma e sentido do eu e do mundo no meu texto, quando organizei o caos. Sempre que inicio um romance, uma novela ou conto, há uma gama de temas que me vem à mente e que me são caros ou que me impressionam de alguma maneira. Na minha narrativa longa “A biblioteca e a barca: um romance sobre como livros também foram sitiados em tempos de repressão", temas como a leitura, o sonho infantil, as descobertas da adolescência, a biblioteca, a ditadura e as dúvidas e questionamentos do protagonista em relação ao pai e a si próprio, dão a dimensão do caos em que se encontrava a minha produção. Eram temas importantes para mim e interessantes à medida em que eu provocava emoções e desafios aos presumíveis leitores. Quem era o vilão? O pai, o tio ou o sistema? E durante muito tempo, inclusive na maturidade, o protagonista é questionado por si e pelos outros.

Finalmente, para dar forma e sentido e transformar este caos num código que também transmitisse a mensagem, eu refiz muitas vezes o texto, além de retirar alguns capítulos que se mostravam excessivos ao tema e incluí outros. Somente aí, tive a convicção de que o meu sentimento e as provocações podiam ser apreendidas pelo leitor. Apesar do tema se realizar num cenário particular de uma cidade do interior, numa biblioteca universitária, nas ruas e praças dos anos 60 e dos dias atuais, concluí que o sentimento ali manifesto é universal, bem como o tema que o reveste. Neste momento, percebi que acertei a mão.

Fonte:

Candido, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 3 ed. revista e ampliada. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

Corrêa, Gilson. A barca e a biblioteca: um romance sobre como livros também foram sitiados em tempos de repressão. Porto Alegre: Metamorfose, 2017.

sábado, outubro 01, 2016

Um cirurgião de almas, apenas

Às vezes, fico imaginando algumas coisas de um modo estranho que não combina com o que muita gente pensa. E me pergunto, se há alguma maneira de pensar da mesma forma. Claro que não há. Por mais que nos esforcemos em sermos semelhantes, somos muito diferentes, e por conseguinte, nosso modo de agir e de pensar.

Que bom que pensamos de maneira distinta, porque aí se dá a democracia de ideias, tão arranhada hoje em dia.

Cada um com o seu jeito, a sua história de vida, a memória que carrega consigo entrincheirada nas suas vivências e experiências com os seus e os que estão próximos.

Pensamos antes na família, depois na escola, nos amigos, mais tarde nos colegas de profissão e assim por diante.

Mas, às vezes fico pensando um pouco diferente demais, se é que é possível engendrar esta expressão assim, no nosso rico idioma.

Por exemplo, observo a maneira contraditória como as pessoas agem em relação a determinados temas, como por exemplo, a leitura da realidade que fazem através da mídia tradicional.

Se há um autor de algum romance ou crônicas ou mesmo poesias, citado em alguma cena de dramaturgia da TV, elas de imediato o consideram um excelente autor, que deve ser um dos eleitos em sua biblioteca, seguindo a opinião do personagem.

Por outro lado, se uma atriz ou um ator decide publicar um livro, embora sendo escrito por um ghost-writer, estas pessoas correm às livrarias para comprá-lo como se estivessem à frente de uma obra prima.

Entretanto, se um escritor brasileiro ganha um conceituado concurso literário e publica um excelente livro, preferem um escritor estrangeiro e de preferência, bem citado pela mídia. Se o autor é de autoajuda, aí seu sucesso é imediato.

Destacando outro tema, percebo que caso um artista, principalmente de televisão faça um plástica sem interessar de que parte do corpo seja, ela (ou ele) é aceita (o) e aliada (o) a uma série de justificativas que levam ao julgamento elogioso do mesmo.

Caso um amigo ou parente, ou vizinho ou aquele colega do outro departamento decida consertar o nariz adunco e meio torto, a censura é quase unânime.

Então reflito que na relação com os artistas ou celebridades da mídia, as pessoas não enxergam o ser humano, mas o personagem que ali está embutido. O que conhecemos do Tony Ramos, por exemplo? O que a mídia inistentemente nos mostra? A imagem de um homem honrado, educado, amigo generoso e solidário. Em parte, pelos papéis que costuma representar, na maioria e em parte porque é a maneira como ele se mostra para os telespectadores e fãs.

Pode ser que ele seja mesmo assim, até acredito que seja um bom homem. Mas quem pode garantir que ele não é ranzinza, mau colega e até negligente com a família? Não sabemos nada dele, além do que a telinha da TV, as revistas especializadas e os sites de celebridades nos mostram. Mas amamos o personagem que vemos, que nos é descrito e apresentado como um produto bom.

Há também a possibilidade de passarmos horas discutindo a separação de Angelina Jolie e Brad Pitt, quando nossos casamentos transcorrem enfadonhos e destinados a aceitar a rotina ou a indiferença. Por certo, questionar estas divisões de casais famosos expande nossa zona de conforto, sem mergulharmos em nossos problemas. É uma atitude humana que causa estranhamento, mas só para quem pensa.

Por outro lado, quando morre um artista, sofremos como uma pessoa muito íntima, ou quando ele sofre um acidente ou foi assaltado em seu condomínio de luxo, ficamos imediatamente indignados. Não percebemos, porém, as pessoas que morrem a nossa volta, às vezes um vizinho que costumamos cumprimentar quando nos detemos no elevador, ou um colega de trabalho que conhecemos há trinta anos ou o carteiro que foi assaltado quando nos levava a mercadoria à nossa porta.

Esses fatos passam como corriqueiros. São personagens bem mais apagados, sem o glamour da mídia, sem o sorriso franco de dentes de porcelana das celebridades, sem aquela presença constante em nossa casa, como se fossem parentes muito próximos, cuja conduta jamais é reticente, ao contrário, complexa e verdadeira.

É aqui que o belo personagem, com sua perfomance adequada aos nossos sentimentos, que manda. É por eles que choramos. Por eles dobram os sinos. Não o carteiro que mal conhecíamos e nem nos parecia tão simpático, ou aquele vizinho que aparecia nas horas mais impróprias nos pedindo alguma ferramenta ou aquele colega de trabalho, que apesar de convivermos tanto tempo, nunca o conhecemos tão profundamente, como o Tony Ramos, por exemplo.

Eram personagens fracos, que não nos sensibilizavam nem enfeitavam nosso mundinho cinza.

Por isso penso, que deveria haver algum cirurgião de almas. Sim, que fizesse uma plástica que rejuvenescesse, não o nosso rosto, mas a nossa alma, que a transformasse numa alma menos enrugada e insossa, menos atrofiada por preconceitos e mais apaixonada, menos iludida por personagens e mais humana.

É, um cirurgião de almas. Deveria haver, quem sabe, consertaria o mundo.

Fonte da ilustração: https://morguefile.com/search/morguefile/3/actors/pop. Autor: DuBoix

domingo, outubro 25, 2015

PÓS-ESCRITO SOBRE O CONTO “O DILEMA DA PRIMEIRA-MINISTRA"

1. O desafio

No conto “O dilema da primeira ministra”, participei do desafio de uma oficina literária online, cuja provocação era evitar o assassinato de Indira Gandhi, de modo inusitado, através de personagens cujas existências não fossem do mesmo período de tempo. Indira Gandhi foi assassinada a tiros, em Nova Déli, diante da residência governamental, por dois agentes de sua própria guarda de segurança, no ano de 1984. Neste ambiente político que cercava a primeira ministra, deveriam se reunir o Papa João Paulo I e um emissário da Mossad, chamado Hersch.

Foi um trabalho complicado, principalmente para dar verossimilhança ao discurso dos envolvidos no conflito. Para tanto, pesquisei sobre a história da Índia, principalmente sobre a Primeira Ministra Indihra Ghandi, o partido comandado pela doutrina religiosa Sikh, sobre a morte do Papa João Paulo I e o movimento de espionagem chamado Mossad.

2. Algumas pesquisas

Desse modo, reuni no mesmo cenário, o Papa João Paulo I, que havia morrido seis anos atrás, ou seja em 29 de setembro de 1978. Segundo relatos, uma freira chamada Vicença encontrou o Papa sentado na cama com uma expressão de agonia. Num outro momento, no entanto, informou que o havia encontrado no banheiro, já morto, com as roupas papais. Com a intenção de equilibrar o clima religioso com o político, dispus na mesma cena, o Papa João Paulo I e o emissário Hersch interagindo no mesmo contexto político que cercava a primeira-ministra da Índia. Os dois estavam imbuídos em ajudá-la a safar-se da difícil situação política em que se encontrava, com risco de vida, por ter enfrentado o grupo religioso cujo principal discípulo liderava o maior partido da Índia.

O primeiro personagem interviria no destino da Índia através do resgate do perdão, que considerava a única saída para a Primeira Ministra safar-se do cruel destino que a aguardava. Por outro lado, o emissário da Mossad tem como missão a outorgada por sua organização que se ocupa em libertar judeus e capturar seus perseguidores, principalmente os nazistas espalhados pelo mundo, inclusive, os que ainda existem nos tempos atuais. Este movimento realizou perseguições na Argentina e inclusive no Brasil, quando seus representantes descobriram que o médico Joseph Mengele, responsável por experimentos macabros em Auschwitz, vivia no interior de São Paulo. Sua intenção portanto, era salvaguardar as comunidades judaicas na Índia, o único país onde os judeus não sofrem discriminações, Segundo ele. Entretanto, a comunidade mulçumana está crescendo muito e este grupo religioso não respeita os judeus. Conclui-se, portanto que esta organização de espionagem internacional se ocuparia do líder missionário Sikh, cujo poder se intensificava na Índia. Havia a intenção de os Sikhs proclamarem uma comunidade soberana que devia se autogovernar.

Outro trabalho importante de pesquisa foi relacionado à própria situação da Índia, no governo de Indira Ghandi, principalmente no aspecto religioso e politico dominado pela doutrina Sikh. Os sikhs são membros de uma seita religiosa que defende a fundação de um país independente no Estado do Punjab. Desde a infância os membros dessa comunidade recebem formação religiosa e militar. Muitos deles fazem carreira, ocupando postos de importância no Exército e nos serviços de segurança indianos. Esta doutrina com traços do hinduísmo e islamismo se tornou uma força política imensa, comprometendo a democracia. A intenção dos partidários Sikhs era proclamarem uma comunidade soberana que devia se autogovernar. Numa intervenção para derrotar esta rebelião, Indira Gandhi deu ordem ao Exército para irromper pelo santuário e os ocupantes recusaram-se a sair. Na luta que se seguiu houve 83 soldados e 493 ocupantes mortos, incluindo os líderes, além de numerosos feridos. A partir daí, houve um rompimento grave nas relações entre os hindus e sikhs, que levariam finalmente a seu assassinato.

Indira foi assassinada por um de seus guarda-costas de maior confiança: o inspetor Beant Singh, que exercia o cargo há dez anos, informado à AFP por um membro dos serviços de segurança que presenciou o atentado. Beant Singh e o capitão Sawant Saingh, um guarda-costas nomeado recentemente, dispararam contra Indira às 9h18 locais , quando ela se dirigia para uma filmagem com o ator britânico Peter Ustinov, que estava na Índia rodando um seriado sobre líderes políticos. Ustinov estava do lado de fora da casa num gramado onde seria feita a entrevista, junto com o secretário de Imprensa Sharda Prasad, quando os guardas atiraram. Eles presenciaram toda a cena. "Tudo estava pronto, o chá servido e ela caminhava em nossa direção, quando ouvimos três disparos", contou Ustinov à televisão francesa, acrescentando: "Por um momento pensamos que fossem fogos de artifício, mas logo após um dos guardas disparou a metralhadora contra ela". Segundo a agência France Presse, o ator teria filmado o atentado.

3. As personagens

Indira Ghandi

Examinando a figura de Indira e pesquisando a personalidade retratada nos jornais e em pesquisas embasadas em fatos históricos, desenhei com simplicidade a imagem de Indira, de acordo com as cenas apresentadas. Tentei mostrá-la como uma mulher forte, tranquila, habituada às reviravoltas políticas, mas que no momento estava desorientada. Fazia questão, porém de mostrar-se calma e segura, tendo este desempenhado completamente se transformado a partir das visitas inusitadas que recebera. Afinal, encontrava um homem que morrera um tempo atrás, e que lhe dizia coisas que pareciam um vaticínio, além de lhe mostrar outro caminho, que Segundo ele, seria o do perdão. Por outro lado, o emissário da Mossad era uma figura pouco provável em seu context politico, apesar de haver certas discriminações aos judeus em seu País, através da religião mulçumana que crescia grandemente. Tentei mostrá-la como uma pessoa forte, por sua posição política, mas ao mesmo tempo frágil por todos os acontecimentos conturbadores que ocupavam seu cenário de governo, aliados às revelações que acabava de ouvir. Embora não possuisse traços de beleza, era uma mulher que irradiava austeridade e uma certa delicadeza através dos gestos delicados e firmes. Imaginei também que fosse recatada e através de sua sobriedade, revelasse certa beleza. Possuia uma vaidade velada, que não costumava admitir. Havia naquele momento de incertezas um medo que a desorientava. Numa epifania do personagem, ao ouvir o pedido de perdão que deveria fazer à comunidade silkh, a primeira ministra se emocionou e viu através da janela os seus agentes que a protegiam. Por serem eles, silks, ela viu o quanto lhes devia pedir perdão, transferindo para os agentes toda a gama de sentimentos de arrependimento que a tomavam. Afinal, jamais fariam nada contra ela. Estavam ali para defendê-la.

Emissário Hersch

Tentei representá-lo como um homem muito seguro de si, com um olhar frio, embora complacente, embora não tivesse qualquer dúvida sobre sua missão. Tiha os olhos claros, os lábios finos, o que para mim, identificava o biotipo que se tem em mente dos conspiradores, capazes de qualquer coisa para terem a missão cumprida, como os representantes anglo-saxões. Mas aqui, seria somente uma licença poética, porque ele era um judeu. Não tinha o hábito de sorrir, mas confiava plenamente na palavra do Papa, embora o seu objetivo se limitasse ao aspecto puramente politico. O papa seria para ele uma espécie de acesso ao problema.

Papa João Paulo I

O Papa João Paulo, cabelo grisalho alinhado para a direita, cujos olhos pequenos pareciam menores sob os óculos pesados. Revelava uma fisionomia alegre, sorriso denso e uma capacidade infinita de mostrar-se o quanto era sincero. Seu interesse era resgatar a paz na Índia e salvar a Primeira-ministra através do pedido de perdão aos sikhs pela terrível chacina no templo. Segundo ele, este pedido selaria a paz e a reconciliação entre as várias facções políticas e religiosas no país. Era um homem de Deus. Um homem de bem, que justificava o seu destino pela impermanência da vida. Veio com a convicção de que convenceria a estadista e assim o fez.

Peter Ustinov

Ator inglês que faria uma entrevista com Indira, mas que somente é citado no texto.

4. Conflito

O conflito se resume na proposta de salvar a vida de Indira, através do convencimento pelos dois personagens que a visitaram. Um, considerando que a convenceria pela prudência política e diplomacia, pois através de sua atitude, ela acabaria realizando a própria missão de sua organização a favor dos judeus. O outro representante estava convicto que pela bondade do coração da estadista, chegaria a bom termo, a fim de conseguir a paz almejada, resultado de seu pedido de perdão e consequente preservação de sua vida. Afinal, ela era um mulher que lutara pelos pobres, que transformara os país numa democracia, que conseguira melhorar a economia com a nacionalização dos bancos e fôra responsável em grande parte pela vitória da Índia no conflito contra o Paquistão, além de outras medias que a tornaram querida entre os cidadãos e a classe média indiana. Entretanto, para banir as rebeliões, ela governou com mãos de aço, inclusive com poderes quase ditatoriais.

No conto, entretanto, o plot se resumia em salvá-la de um presumível ataque pelos agentes que trabalhavam em sua residencia, comandados pelos rebeldes. Os dois enviados ao seu encontro tiveram sucesso através de suas forças de convencimento e a epifania da personagem ocorreu no momento em que ela viu com olhos de compaixão os agentes que a protegiam e que pertenciam à doutrina sikh do templo que invadira.

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