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sexta-feira, novembro 11, 2022

Um certo despertar

Seguia pela Av. Portugal numa dessas tardes primaveris, um tanto outonais, atualmente. Um pouco de frio, um sol que aquece à tarde e parece indicar uma proximidade real com o verão. Que nada, daqui a pouco, retorna o ciclo de calor e frio. A natureza tem suas regras e talvez uma delas seja apenas nos preparar aos poucos, para a mudança que transcorre lentamente.

Mas olhando ao longe, embora de carro, pude ver um céu muito azul, de vez enquanto, entrecortado pelas árvores que se debruçavam distraídas em suas copas pela avenida. Meus olhos acostumados com o nosso céu, no entanto, parecia encontrar nele e naquelas ocorrências de cores, nos caminhos da Cidade Nova, um certo despertar, que há tempos não experimentava. Como se gerasse uma nova era e um vento suave, quase brisa, soprasse devagar novos ares, novas descobertas, novas esperanças. Então, meu coração deu uma sacudida, de leve, delicado com meu corpo há tanto calejado, nestes últimos tempos, com meus olhos sem muita iluminação e minha vida vacilante.

Então, parei o carro ali mesmo, observando os espaços entre as árvores, as pessoas em atividade física ou seguindo seus caminhos entre crianças, brinquedos e bicicletas. Na minha playlist, ouvia a música “Lâmina de amor” de Chico Salem e a letra realçava exatamente este meu sentimento, da salvaguarda da esperança. “Quanto tempo até isso virar um país e o navio negreiro incendiar vazio?” “Quanta munição vai querer dinamitar nosso cancioneiro e nosso refrão?” “Não vou cansar, nem desistir, meu canto é lâmina de amor”. Que preservemos esses novos tempos, como inspiração e resgate de uma vida mais digna e amorosa.



fonte da ilustração: https://www.freeimages.com/pt/photo/world-photo-file-vii-1163456

sexta-feira, julho 12, 2019

O ipê pensante

Sentei-me sob a sombra de um ipê de minha rua. Um ipê roxo, altaneiro, elegante, agora com poucas folhas e ramagens. Um ipê que sofre o processo do inverno e como tal, se recolhe à seiva mantenedora, abrigando-se e perdendo aos poucos as flores, as folhas e alguns ramos. Espera resignado a primavera. Por certo, observa o sol alongado no céu, enfraquecido e distante.

À noite, espera a lua que às vezes, se some, esquecida entre nuvens e neblinas, trazendo mais escuridão.

O que pensará o ipê de minha rua, se todas as coisas são assim, se sempre foram as mesmas, as temperaturas frias, os ventos que oscilam seus galhos, as noites cada vez mais longas. Talvez alguns pássaros comentem: esta noite não acaba mais. Talvez ele ouça sussurros, arrepios de frio, penas ao vento, brisas inesperadas vindas sabe lá de onde, provavelmente do mar. Talvez ele espere os dias maiores, as manhãs aconchegantes, o sol mais forte, as brotos surgindo, as flores antecipando a primavera e os ventos fortes trazendo os pólens. Outros pássaros, outros sons, outros sussurros, outras vozes.

Mas tudo não é a mesma coisa? As noites, os dias não se sucedem iguais? Se o ipê de minha rua pensasse, se é que não pensa, por certo diria: não! Nem tudo é igual, nem tudo soma, nem tudo evolui, nem todos os sons são claros e vibrantes, nem todas as sombras são as mesmas das árvores, nem o vento sibila do mesmo jeito.

Há algo diferente, algo que o ipê não sabe. Nem o homem comum, o transeunte, o atarefado do dia a dia. Talvez os cientistas saibam, talvez os pensadores, os filósofos, os educadores, os que pensam a vida e o País saibam. Aquela sombra do ipê, aquele dia ensolarado, aquele frio intenso nunca mais será o mesmo, porque a lâmina que decepa cabeças pensantes atua precisa e tal como o ipê, seus pares nunca mais serão os mesmos.

quinta-feira, outubro 11, 2018

A primavera e o ódio

Talvez eu devesse falar na primavera, afinal ela está aí, já brotando flores e enfeitando árvores, apesar do frio que ainda persiste em acompanhá-la em seus dias.

Talvez eu devesse caminhar a esmo, de preferência pelas margens da laguna e observar a mudança gradativa dos ventos, das nuvens, dos novos cheiros e brisas.

Talvez devesse espiar as escolas, os adolescentes que na primavera, parecem explodir em sentimentos e lutas internas, como frutos, sementes e flores ressurgindo do nada, inspirados nos raios do sol e nos sussurros dos entardeceres.

Talvez eu devesse estudar novos rumos e pesquisar os trabalhadores que voltam às pressas para casa, envolvidos nas compras eventuais, nas contas a pagar, nas obrigações mensais. Talvez contem o dinheiro comezinho que lhes sobre, o tumulto do ônibus, as horas perdidas no trânsito, as horas inglórias da espera. Trabalhadores que perdem os seus direitos dia a dia, que quase sucumbem aos desmandos de um governo congelado numa depredação de patrimônio físico e humano.

Talvez, como o Severino de João Cabral de Melo Neto, venha a morrer de fome, de ódio, de bala, que segundo o irmão das almas, “mais garantido de bala, mais longe vara”. Sempre há uma bala voando desocupada.

Talvez eu devesse retornar, esquecer os tempos sombrios que se avizinham e pensar que o passado não está voltando. Que o retrocesso, o pior do século passado, já passou realmente.

Entretanto, há o temor de que o ódio persista e a humanidade pereça.

A esperança, porém é que talvez o círculo do tempo pare e uma força progressista se alastre e o mal se dissolva.

Porque há primavera e não há bala que a destrua.

Fonte da ilustração: MabelAmber in: www.pixbay.com

domingo, abril 22, 2018

Condutas da vida

Fonte da ilustração: Pexels in: pixbay

De repente, o tempo de calor intenso muda e parece que uma nova estação surge do nada. Para um escritor, falar do tempo soa como clichê, mas o que acontece é que, às vezes, este estado de mudança atmosférica parece intimamente ligado a nossas emoções, acompanhando situações e condutas de nossa vida.

Olhei para a rua ainda com as beiradas das calçadas com algum resquício de água, mas os paralelepípedos já brilhavam secos, pelo vento que soprava folhas ou a poeira instalada nas bordas, esvaziando o cenário. Tudo expressava renovação, talvez não com os auspícios de dias floridos da primavera, mas com ares de outono hibernal, que aos poucos vai dando mostras de sua força. Um friozinho que se instala entre as persianas, um vento que ruge de quando em vez, varrendo qualquer possibilidade de fuligem ou folhagens como pequenas sombras desgarradas na noite de poucas luzes. Uma limpeza que a natureza se propõe. Pena que nem sempre o nosso eu interior possui essa possibilidade de limpeza, ele que se expõe aos fracassos, às frustrações, aos desejos inomináveis, aos medos e carências. Impossível transfigurar a alma e transformar as emoções, impossível lutar internamente, impulsionado pela natureza que se distrai, límpida numa noite que extrapola luzes e sombras. No homem, mais sombras do que luzes, menos vida e mais poeira incrustada nos meandros do cérebro, nos neurônios enredados em teias de aranha, amarfanhadas de modo a impedir qualquer saída para a verdade absoluta.

Que fazer, se não esperar que a natureza nos mostre o caminho? Um caminho drástico de limpeza geral, e nós quando muito, extrapolamos o limite, o vínculo que nos liga à interação com o outro, cujo liame quando partido, se dilacera e não se recompõe. Mas quem sabe, amanhã, a calçada mais limpa, o ar mais puro, a temperatura mais fria e os primórdios de uma revolução pessoal. Só aquela, bem íntima, porque a coletiva, a ideológica, esta já está por demais engessada, quase mutilada e pobre. Pobre do homem que não se refaz como a natureza e muito menos se apropria de seu País.

quarta-feira, agosto 23, 2017

Cinema de rua e sonhos de primavera

Uma noite de primavera. A brisa leve sussurrava em nossas testas suadas. Meu pai vestia paletó azul, meio gasto.

O olhar se perdia ao longe, como se aguardasse o galardão de ouro. O longe que se perdia, na verdade era a tela de parede caiada. Ele parecia mais ansioso do que eu. Sua boca entreaberta sorria.

De repente, fitou-me e ficou sério. Eu é que deveria estar feliz e ter muitas expectativas naquele momento. Seria uma noite e tanto: uma noite só de homens. As mulheres ficaram em casa.

Daqui a pouco, chegaríamos na rua onde seria projetado o filme.

As pessoas se aglomeravam entre vendedores de algodão-doce e pipoca, enquanto atravessávamos ruas de paralelepípedos e trilhos. O caminho habitual agora atingia um ar festivo e uma euforia se rendia a nossas mentes curiosas. Aos poucos, o cenário quase onírico se formava.

Na calçada, paramos sob uma árvore, já apinhada de meninos à espera do espetáculo. Para meu pai, eram apenas meninos de rua, sem disciplina. Ele era assim: um homem que almejava o melhor para nós, a seu modo.

De repente, a música ecoou silenciando o burburinho. Nada havia, porém, que sugerisse uma imagem. Apenas o desejo incontrolável dos espectadores.

Meu pai punha as mãos nos bolsos e olhava o relógio, desconfiado. Dizia alguma coisa, tentando conservar o meu entusiasmo.

O pacote de pipoca acabara. Minha decepção só não fora maior porque, desta vez, irrompera uma imagem na tela, que parecia ocupar toda a plateia que se acotovelava nas paredes das casas.

Num alto-falante, alguém informava que a fita era uma obra-prima da sétima arte, dirigida ao seleto público.

No fundo, me encantei mais pelo espetáculo do cinema, pela preparação da festa, do que pela história.

No final da sessão, houve prêmios para o público e meu pai ganhara uma lata de biscoitos Aymoré.

Ele recebera o prêmio, próximo à tela, ainda iluminada. Eu observava o seu perfil azulado, como um personagem que se deslocava da tela para alcançar a realidade. Ali percebi que a magia do cinema, mesmo de rua, me encantava e me transportava a um mundo novo.

Voltamos em seguida para casa, com a lata de biscoitos na mão e muitos sonhos na cabeça.

quinta-feira, novembro 12, 2015

A primavera e a Academia Rio-grandina de Letras

Antes de iniciar a primavera, apavorado com o inverno, ousei fazer alguns versos o que chamei de poesia. Utilizando a mulher como a metáfora de primavera, eu a suplicava junto a mim, ouriçando-me os cabelos, guerreira e forte e superando o inverno que não acabava.

Hoje, porém, tive a primavera bem próxima. E não foram os ventos que a trouxeram, talvez a temperatura suave acalentada pelo sol esparso sobre as árvores. Pois revelou-se com o encontro. Um encontro inédito e espontâneo, que se deu, a partir da sessão da Academia que se desenvolveu sob as árvores da praça Xavier, na falta da chave da biblioteca.

Ali, nos expomos em nossas atitudes mais despojadas, sem didatismos ou preocupações formais. A ordem foi invertida, a lírica, a literatura e a harmonia dos textos chegou antes das atividades administrativas.

Até mesmo o tradicional chá com salgadinhos e doces, alternou-se com a poesia.

Senti o bafejo da primavera, bem perto, junto com meus colegas, perfazendo um círculo em que a alegria espontânea dava lugar a sisudez das discussões. Parecíamos mais livres e dispostos a interagir uns com os outros, mesmo ante os olhos desavisados que vez ou outra nos observavam intrigados.

Como um bando de crianças, nos divertíamos com o encontro, um piquenique da 3å infância, como nos intitulara o Gerundo. Cada um manifestava a sua personalidade, e eu, como de hábito, observava as nuances de cada um.

Uns brejeiros, conversando em brados, rindo com a interrupção inusitada de um entregador de folhetos religiosos, que irado, nos punia com o inferno.

Outros inferindo temas e possibilidades para presumíveis sessões em lugares públicos como aquele. Um na câmera, outros fazendo pose.

Entre registros fotográficos e dizeres poéticos, senti a primavera exaltar-se no grupo que se afinava num único objetivo: o fazer literário, experienciando o momento que a vida nos legava.

Que bom! Bendita chave que não apareceu! Bendito sol que nos aqueceu o coração e nos deixou mais próximos.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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