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sexta-feira, agosto 24, 2018

Alfredo Ferreira Rodrigues, um grande literato e historiador rio-grandino

Alfredo Ferreira Rodrigues, cuja qualidade intelectual foi grandemente propagada em sua obra, que registrou o seu fazer literário, o seu talento especial para as artes, revelando-o como um admirável historiador, além de escritor talentoso.

Alfredo Ferreira Rodrigues nasceu no distrito do Povo Novo e muito pequeno passou a residir em Pelotas, sendo que aos 16 anos, por sua elevada condição intelectual, começou a ministrar aulas de várias disciplinas. Trabalhou como revisor na Livraria Americana e mais tarde, passou a trabalhar em sua filial em Rio Grande, vindo a morar definitivamente em nossa cidade.

Dedicou-se a vários gêneros literários, tais como crônicas, ensaios, contos, relatos históricos e poesia. Sua intelectualidade o conduziu a ser historiador, poeta, ensaísta, biógrafo, charadista e professor.

Nascido a 12 de setembro de 1865, Alfredo Ferreira Rodrigues foi um homem de seu tempo, preocupado em divulgar ao público a história e características singulares do RS.

Interessou-se por toda a história nacional, mas especializou-se na história regional, divulgando-a aos seus compatriotas, principalmente a partir da organização do Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande Sul. Este Anuário foi publicado a partir de 1889 e prosseguiu até 1917. Aqui, eram publicados diversos textos de entretenimento e artigos culturais de autores gaúchos, assim como os seus próprios contos, ensaios e crônicas, que eram ansiosamente esperados pela sociedade da época e rapidamente esgotado nas bancas. Foi um vencedor. Além do bem sucedido Almanaque Literário, publicou livros, livretos e artigos em diversos periódicos.

Apesar das inúmeras dificuldades que enfrentou, principalmente em âmbito financeiro, tinha um sonho que era o de elaborar um grande relato da Revolução Farroupilha, um movimento no qual possuía um interesse especial. Sua literatura, neste particular, se dava sob a ótica positivista da época, preocupado com a reconstrução histórica da formação rio-grandense. Para tanto, esforçou-se em reunir documentos históricos em todo o Estado, bem como em diversos lugares do Brasil e do exterior, de modo que a história do Rio Grande do Sul fosse amplamente detalhada e divulgada a partir de seus registros.

Costumava também fazer traduções do inglês, alemão e, inclusive traduziu o clássico “O corvo” do escritor americano Edgar Alan Poe, publicando-o no Almanaque.

Foi homenageado por muitos Institutos, dos quais participava em seus quadros sociais, como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco, da Bahia, de São Paulo, do Ceará, do RS, da Sociedade Geográfica de Lisboa, além de ser membro fundador da Academia Rio-Grandense de letras.

Na virada do século XIX para o XX, foi um dos articuladores do monumento-túmulo de Bento Gonçalves, situado na Praça Tamandaré.

Suas crônicas, contos, ensaios , relatos históricos, eram estruturados numa linguagem simples, econômica, mas ao mesmo tempo cheia de lirismo e intencionalidade política, quando o texto exigia e objetividade ao se tratar de uma informação mais técnica, o que o tornou um dos maiores intelectuais da época. Um rio-grandino, que amava a sua terra e que queria deixar um legado, um registro, do seu fazer literário através de sua vida dedicada à literatura, revelando-o um grande historiador.

Seu nome dá o título à Escola Pública Estadual no distrito de Povo Novo e designa uma rua no Balneário Cassino, em Rio Grande.

Este homem ilustre é o patrono da cadeira n° 3, a qual humildemente ocupo na Academia Rio-grandina de Letras.

segunda-feira, novembro 09, 2015

A CALÇA COMPRIDA

Lembro-me dele. Chamava-se Camilo, um nome que eu achava estranho. Mas nossa amizade era segura, firme, quase madura. Confidenciávamos sobre tudo o que nos acontecia, falávamos da família, das ideias políticas de nossos pais, das agruras de minha avó, que se limitava a sentir aquela falta de ar absurda, o sorriso complacente e tranquilo de meu avô, o seu olhar sereno e belo.

Parecíamos adultos, mas éramos crianças e não passávamos da 5ª. Série.

Ele parecia mais velho, era mais forte, mais ágil. Eu franzino, pernas finas, calças curtas, meias até o joelho.

Estávamos felizes. Aproximava-se o dia da procissão de Corpus Christi que eu ansiosamente aguardava, não exatamente a procissão, mas a oportunidade que se antecipava de eu usar calças compridas. Minha mãe prometera que usaria neste dia.

Naquela época, usar calças compridas significava quase a passagem para a vida adulta, um símbolo de masculidade. Estávamos ficando homens de fato, portando-nos como tal.

Minha mãe passou dias na costura. Antes porém, enveredou-se por lojas, buscando o tecido adequado, a cor, naturalmente azul-marinho, um tecido firme e ao mesmo tempo maleável, que fosse possível se fazer o friso.

Acabou na mesma loja de sempre, onde se encontravam os tecidos finos e mais baratos. Comprou a fazenda, como ela dizia, cortou o pano ante meus olhos grandes por detrás da mesa, espiando, fingindo preocupar-me com as figuras dos jogadores da copa, ocupado em que estava em demonstrar indiferença.

De vez em quando, meus olhos aflitos se deparavam com os de minha mãe. Ela olhava-me, encarava por alguns segundos, depois, se mantinha entretida nas linhas, nos dedais, retroses, carretéis, tesouras e agulhas.

Contornava delicadamente o tecido, desenhando um esboço de calça que me encantava. Suas mãos brancas, de dedos pequenos e finos percorriam delicados os viés da costura, os tortuosos vai-e-vem dos alinhavos, na construção da obra imaginada. Em seguida, um corte aqui, uma fisgada no dedo ali, um jeito ágil de chupar o sangue e esquecer de imediato a dor, partindo para a atividade almejada.

Eu corria os olhos atentos, obedecendo a ordem de ligar o interruptor, clarear o ambiente, buscar o pão quentinho, estalando nos dentes no caminho, roubando um pedaço rápido, antes de chegar em casa, conhecendo de antemão a rotineira repreensão.

Coração aflito, voz esganiçada, perguntando se queria mais algum favor. Não queria, nem precisava, o que me angustiava mais.

Desejava permanecer ali, ao seu lado, parado, vendo o espectro tornar-se real: a calça imaginada correndo comigo, passeando orgulhosa entre os colegas menores, seguindo a procissão, ouvindo o “louvado-seja-nosso-Senhor-Jesus-Cristo-do-padre”, com um olhar entre orgulhoso e cúmplice, querendo dizer “tu, heim, já é um homem, de calças compridas” e eu mais orgulhoso e seguro”para-sempre-seja-louvado”, querendo dizer ”isso-mesmo-seu padre-já-sou-um-homem, igualzinho ao meu pai.”

Mas ela não se dispunha a ouvir-me, mandava-me estudar, os livros me esperavam no quarto, a escrivaninha estava cheia, um dez não basta, um dez não é definitivo, é preciso alimentar a cabeça. Que ela queria dizer com isso? Que eu ainda não estava feito por inteiro? Seria por causa das calças curtas? Mas logo, logo, eu usaria as tão esperadas e amadas calças compridas, como todo o mundo.

E vinha dia e voltava noite e a labuta na costura ficava ainda mais acirrada. Era uma briga constante com a máquina, dor nas costas, olhos inchados, pouco dormir, camisa por fazer, ah, branca, colarinho de entretela, passado na goma para ficar bem duro. Cinto? Aquele de couro que ganhei no Natal.

Até que chegou o grande dia. Meu coração saltitava exuberante no peito, os olhos grandes vibravam, o espírito voejava translúcido, a boca estremecia ressequida, ofegante, esperando os olhares invejosos dos menores ou dos que não tinham conseguido uma calça comprida e além de tudo, o respeito dos mais velhos.

Minha mãe ficou me vigiando da esquina, não sei se orgulhosa de fato comigo ou com a sua obra-prima.

Na verdade, ficava feliz com a minha alegria. Tanto que passara horas na noite anterior, espargindo borrifadas de água, com leveza, para ajustar o vinco com o ferro quente. Depois de alisada, observada, examinada e almejada, deixara-se ficar assim, a calça, quase feliz como eu, estirada na cadeira, preguiçosa, longe de qualquer toque mais abrupto para não desmanchar o desenho. A camisa branquinha, lavada em anil, de gola bem engomada e passada rigorosamente para não fazer feio na procissão.

Como a noite custou-me a passar. Só fui vencido pelo sono e não sonhei com nada. Quando acordei, já me via longe, abanando para a mãe que prosseguia na esquina, até eu desaparecer no colégio.

A pequena igreja estava em construção. A escola em rebuliço. As crianças eufóricas.

Meu amigo Camilo foi o primeiro a me ver com a calça nova. Sorriu satisfeito e mostrou a dele, de tergal, com um certo brilho, meio furta-cor, que me incomodava um pouco. Mas não comentei nada.

Em seguida, o orgulho deu lugar à euforia das brincadeiras. Outros chegaram e passamos, como de hábito a correr, pega daqui, esconde ali, agora pelos escombros da igreja antiga, subindo no altar ainda em construção da nova e gigante que se antecipava aos nossos olhos e corações.

Corria tanto que nem via padre, ou professora, ou qualquer outra autoridade que me fizesse parar. O prazer era mais forte do que meus brios de homem recém adentrado na sociedade masculina. Tanto foi, que no puxar de cá, empurra pra lá, caí de um aterro da construção de concreto, assim, de modo abrupto, rasgando inexoravelmente a calça, bem na altura do joelho.

Meu amigo me viu e não deu muita importância. Falou alguma coisa como voltar para a casa, trocar de calça.

Os demais chegaram rápidos como saídos do ninho, bando em disparada, ao meu encontro. Era tudo que eu não queria.

Voltei para casa decepcionado.

Na cadeira, como se estivesse a minha espera, a calça curta, marinho, velha amiga de guerra, das brincadeiras de criança, menino que não queria mais ser.

Minha mãe assentiu com a cabeça, como se conhecesse antecipadamente o meu infortúnio. Não tinha remédio. Voltei para a procissão de calças curtas. Percebi que nada havia mudado. Só a certeza de que não seria daquela vez que eu usaria definitivamente as calças compridas. Quando isto ocorreu? Acho que não teve nenhum sentido. Talvez tivesse amadurecido naquele tombo e descoberto que não significavam nada a mais do que um vestuário novo. Só lembro que voltamos da procissão com a sensação de liberdade plena, como se a nós fosse dada a oportunidade da vida e livrarmo-nos de todas as opressões da infância. Talvez por isso, tocássemos “indisciplinadamente” a campainha de todas as casas que víamos pela frente.

domingo, outubro 11, 2015

A PALESTRA

Entrei inopinadamente na sala, pernas bambas, suor na testa, nas mãos, lábios trêmulos, vexado. Elaborei desculpas. Desviei das centenas de olhares que investigavam curiosos. Fazia calor e eu vestido da cabeça aos pés com agasalhos pesados, maleta na mão, celular no bolso, relógio descolando da pulseira. Investi até uma cadeira, abri a pasta, espalhei papéis, fiz barulhos estrondosos no silêncio absoluto.

O palestrante pigarreou, deu alguns passos, me olhou de soslaio, retomou o tema, irritado. Juntei o que pude, caído ao chão, esparsos documentos, entre fotografias, pregos, alfinetes, alicate de unhas, chaveiros. A cadeira rangeu, eu me abaixei devagarinho, mas empurrei os pés de metal, riscando o piso. Foi o suficiente para cessar a palestra. Ele me olhou novamente, e quase em súplica, exigiu silêncio, apenas com os olhos. Todos os demais viraram os pescoços, narizes, ventas e resmungos em minha direção. Retorci-me levantando a pilha de objetos do chão, fazendo movimentos de malabarista, temendo aumentar o ruído. Ajeitei-me na cadeira. Aquietei-me. Só por fora. Coração alertava, espaldando-se dentro do peito, batucando que nem índio em dia de festa. Estava pálido, acho que até os lábios embranqueceram. Era desafio grande ficar ali, atrasado, danoso, inoportuno.

O mestre recomeçou. Tentei prestar a atenção, mas os pensamentos se confundiam e se misturavam na minha mente, fazendo um entrelaçado de imagens que eu não conseguia sintonizar. Respirei fundo, imaginando o ar inspirado invadir o cérebro e limpar de vez as teias de aranha, há tempo engendradas, ocupando espaços indevidos. Expirei com força para fora, expelindo o negativo, numa nuvem preta, maciça, intensa. Foi um som tão forte e inesperado, até por mim, que o homem parou novamente, desta vez assustado, talvez pensando que eu estava passando mal. Pedi desculpas, expliquei que estava tentando relaxar, me concentrar para entender bem a palestra, mas o som saiu assim forte, assim intenso, assim inesperado que até eu me arrepiei. Parecia espírito do além.

O palestrante era baixinho, agora reparava bem. Foi bom falar, esvaziei um pouco a ansiedade. Tanto que pude observar as coisas, até o jeito dele. Nariz adunco, boca grande, lábios finos e olhos pequenos, salientes, caídos das órbitas sob uns óculos leves, na ponta do nariz. O cabelo, entradas enormes, clareiras imensas na floresta rala de pelos alinhados para trás. A voz era forte, gutural, enérgica. Falava em... em que mesmo? Ah, inserção de valores. Como assim? Natureza morta? Seria sobre arte, pintura, ecologia? Nada disso, o assunto versava sobre política, mas tudo é política. Até o ar que respiramos está atracado à política. A água, cada vez mais rara. E o tratado de Quioto?

Faltava-me ar, naquele momento. Pensar nisso me dava aflição. Até alergia. Pior, comecei a fungar. Fungar baixinho, pigarreando de leve, tentando conter o espirro. Parecia cacoete, mas sempre que alguma coisa me incomodava, vinha aquela cosquinha irritante na garganta, aquele arder nos olhos, uma tosse iniciante decidida a permanecer ou um monte de espirros magistrais, exagerados, exorbitantes. Respirei fundo novamente, mas desta vez, sem nenhuma técnica para não acordar a plateia. Mas alguma coisa me irritava, porque o nariz coçava, a tossesinha surgia no fundo da garganta, aparecendo desanimada no início. Eu, evitando o pior. Se me desse conta o que me fazia mal, cessava definitivamente a alergia. Mas eu ainda não sabia o que era. Olhei para alguns participantes que estavam mais próximos, eu na cadeira, no corredor do meio. Ao me lado, fileira de dois de um lado, e no outro, outras duas alas totalmente preenchidas. Um rapaz negro do meu lado, uma tarja na testa, segurando os cabelos. Olhar compenetrado, jeito estudado de intelectual, postura adequada, pernas esticadas, mãos nas coxas, como esperando a apoteose final, o confronto das ideias, o debate, a resposta definitiva. Ao seu lado, uma moça, cara de estudante, óculos pesados sobre o nariz arrebitado, boca entreaberta mastigando vez que outra um lápis com o qual devia fazer anotações. Cabelos castanhos, luzes, soltos sobre os ombros, mãos finas e pequenas, unhas pintadas de rosa. No chão uma mochila gorda, cheia de penduricalhos, inclusive um chaveiro com um ursinho na ponta.

Parei de examinar a plateia, porque ouvi um hã hã de censura, do senhor que estava ao meu lado, sentindo-se incomodado pela minha cabeça virada em sua direção, nariz quase colado no dele, o qual nem tinha percebido. Tinha um bigodão, desses de contornar lábios, quase se juntar na testa, olhar aguçado, perspicaz, interessado. No colo, um laptop, conectado à Internet. O reflexo não me deixava ver, mas eu jurava que era um chat em que participava, dissimulado, aparentemente anotando informações. Então resolvi perguntar: –quem é ele? – apontei para o palestrante.

O homem parecia ter sido atingido por um bombardeio no Líbano. Sacudiu o bigode, mexendo a boca, aflito. Olhou-me com censura. Foi falar alguma coisa. Mas espirrei. Espirrei uma, duas vezes, três, inúmeras vezes e um muco insistente corria-me do nariz à boca, misturando-se ao queixo e eu passando as costas da mão, desolado.

O orador interrompeu a palestra mais uma vez. Ia pedir para eu afastar-me, tentar melhorar lá fora, talvez depois voltar, mas não lhe dei o prazer de dizer-me tudo isso.

Levantei-me, fiz um gesto explicando a alergia, um aceno qualquer, nem precisava e ia afastar-me, empurrando a cadeira devagar. Nisso, o bigodudo afirmou: – é um candidato. Está fazendo campanha. Nós somos seus correligionários, entende?

Ele foi generoso e paciente. Talvez quisesse a minha aprovação. Mas agora, eu tinha entendido o motivo da minha alergia. Puxei a ponta da camisa e assoei o nariz, com náusea. E me fui.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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