Este blog pretende expressar a literatura em suas distintas modalidades, de modo a representar a liberdade na arte de criar, aliada à criatividade muitas vezes absurda da sociedade em que vivemos. Por outro lado, pretende mostrar o cotidiano, a política, a discussão sobre cinema e filmes favoritos, bem como qualquer assunto referente à cultura.
Mostrando postagens com marcador estância. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador estância. Mostrar todas as postagens
sábado, agosto 22, 2015
Na fazenda
Ajeitou os documentos velhos e ficou olhando pela janela, perdendo os olhos nas montanhas, observando os cascos dos animais, mastigando os campos sem vida. Melhor fugir da fazenda e desaparecer pra sempre das lidas rotineiras. Bambaleando pernas, perseguindo alemoas nos salões de outono, pisoteando as terras vermelhas rachadas pelo vento. Pudera varrer consigo as lembranças, os pequenos achaques nas contas do bar, os muitos acessos de cólera na imensidão das noites vazias. Melhor seria escolher apenas as estrelas pintadas no céu, descobrir as vida faceira nos açudes de banhos gelados, afujentando a saudade sem dor, abrilhantando o que sobrara de ar. Mas não, as lidas na fazenda, o velho passeio de botas engolindo bombachas, o peitoril amassado da janela esperando conserto, o fustigar dos cavalos nos açoites de mãos violentas. Deveria persistir na mesma ladainha dos tempos idos, do despertar na cidade e amanhecer no campo. Tal como na época em que pensara crescer dentro de si a força e virilidade do macho erguendo o império. Um império que hoje se iguala ao braseiro apagado, acalentado pelo assopro frágil do velho simplório, que se vangloria do churrasco ardendo e das costelas doendo, dos quadris emperrados, dos joelhos dobrados na frente dos anos. Melhor seria viver a vida simples, sem o chafurdar dos "jipes", batizados nas lamas represadas em dias de temporal, avalizado por amigos endinheirados, vestidos de couro e camisetas rolê, sorrindo dentes brancos recém produzidos e mastigando a grama que lhes suga nos cantos da boca. Ou então beber do uísque os últimos sinais de lucidez e voltar molhado pra casa, pra beira do abismo, sentindo o frio coçar de leve as costas e não ter ninguém para amenizar a dor, a não ser o lençol elétrico. Mas que fazer se a vida no campo não corresponde mais à placidez do olhar, a natureza da criação, o fascínio das luzes e sonoridades do dia? Não assim, perto da alma, quando estavam juntos e pensavam arregimentar a vida a partir de suas escolhas. Que nada, tudo caiu no vazio, na falta de sentido, no alvorecer de amigos de todas as searas desfrutando apenas o consumo de seus desejos. Pudera voltar à solidez dos sentidos, à veracidade das palavras ditas e dos dizeres ouvidos, das amenidades das lembranças e das buscas no futuro, do viver junto e solitário, sem mistério ou mentira. Só que nunca vivenciou o que pensa e a fazenda ou a estância como seu pai dizia, não passara de um subterfúgio da vida fácil e fabricada, sem grandes objetivos a não ser dispor dos prazeres do poder e estar, sempre olhado, sempre vigiado, sempre apoiado, sempre servido, construindo e destruindo o império. O físico e o interno, aquele que somente sua alma podia edificar.
Assinar:
Postagens (Atom)
Postagem em destaque
A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

PULICAÇÕES MAIS VISITADAS
-
Estranha obsessão (2011), ( pode haver alguns "spoilers" ) em francês “Le femme du Vème” ou em inglês “ The woman in the fifth” é ...
-
Participávamos de um grupo de jovens religiosos, no início da década de 80. Era um grupo incomum, porque embora ligado à igreja católic...
-
Há quem adore rico. Certamente não àquele rico de fachada, que aparece toda semana nas páginas de socialite dos jornais ou fazendo campan...