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A ARMADILHA

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Era magro, alto, estapafúrdio. Cabelos loiros, nariz adunco, olhar disperso. Vestia-se com primor. De nome Eugênio, julgava-se o espírito inspirador. Mais velho do que nós, esnobava qualquer gesto que imitasse seus artifícios. Esperto, namorador, conquistador das meninas do bairro. Nós, os da turma de baixo, não passávamos de crianças e devíamos como tal sermos tratados. Às vezes, aos sábados, em pé de conquista, passava como quem flutua, olhando ao longe, pesquisando os desafios e a melhor maneira de vencê-los. Era meu vizinho, mas somente se relacionava com os de sua idade. Nós, entre os 10 e 12 anos nos preocupávamos com o destino do Agente 86, das peripécias do Major Nelson da Jeannie, dos pequeninos de Terra dos Gigantes, das vilanias do Dr. Smith dos Perdidos no Espaço ou das brincadeiras de luta livre que faziam parte de nosso cotidiano. Eu sempre fui observador e no meio de toda a barafunda de aventuras, arriscava-me em analisar as atitudes dos que me cercavam: Seu Alencar da...

Isto é Natal

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Hoje, acordei, nem sei porquê, tendo como imagem a presença de um buraco ou talvez, a ausência da areia, que ao ser retirada, para constituir a cavidade, aumente cada vez mais a lacuna. E me veio à mente, o que é natural, que cada vez que se retira a areia, ou a terra, ou a lama, ou o entulho, o buraco fica maior, vira cratera e parece invencível, com sua boca enorme, pedindo mais. Na verdade, quanto mais se tira, mais se precisa e nos parece que a cavidade que estamos produzindo, nunca chega ao seu termo. Então, relacionei a areia retirada com os prazeres, que ao serem desfrutados, cada vez mais se precisa de outros maiores, mais intensos e complexos para satisfazer o vazio que se forma. Os prazeres precisam alimentar a fome que se tem da vida, esse enorme buraco que se forma, pedindo mais, tornando-se o vácuo maior, como uma grande boca sedenta ou faminta. É o que frequentemente se faz no Natal, queremos tapar esta boca imensa, essa cratera que temos através de presentes,...

A GOTA DERRAMOU

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Sabia o quanto ainda o esperaria. Guardou os chinelos, desfez-se do roupão e deu uma arrumada na casa. Tinha consigo que precisava cumprir o método. Rotina. Repetida, contínua, perfeita. Não devia se prestar a devaneios, a pensar coisas que não se referissem à família. Bem que pensava em si, às vezes. Pensava numa vida fulgurante, cheia de brilhos, luzes ofuscantes nos olhos cinzentos. Como seus olhos poderiam ter um tom assim? A mãe, via de regra, a chamava de olhos de gato. Achava-a, no fundo, estranha. Mas que fazer, se até sua mãe a criticava com tanta acidez. A vida lhe parecia dura, às vezes. Era uma mulher perfeita: boa mãe, ótima esposa, excelente dona de casa. Não era uma mulher de seu tempo. Não trabalhava fora, como as amigas. Amigas? Muito poucas, aquelas que sobraram dos bancos de escola, das poucas baladas que participara, das noites de verão, quando ficava na casa de uma tia, lá em Florianópolis. Eram dias felizes, em que conhecera rapazes diferentes dos de sua c...