Este blog pretende expressar a literatura em suas distintas modalidades, de modo a representar a liberdade na arte de criar, aliada à criatividade muitas vezes absurda da sociedade em que vivemos. Por outro lado, pretende mostrar o cotidiano, a política, a discussão sobre cinema e filmes favoritos, bem como qualquer assunto referente à cultura.
quinta-feira, maio 13, 2021
Onde ficou a poesia?
Onde ficou a poesia onde só há dor? Onde ficou a alegria onde só há morte? Onde ficou a segurança e a confiança, onde só há descalabro? Onde ficou a verdade, onde só há fake news?
É uma dor contínua, que agoniza ante nossos olhos diariamente.
Uma dor que nos invade, que nos impede de sonhar, de sorrir.
Uma dor que nos deixa inerte, sem espírito de luta, sem esperança.
Pois quem devia alertar a população, produzindo campanhas de vacinação e isolamento social, quem devia comprar vacinas desde o ano passado e não o fez, quem debocha de países que nos proporcionam os insumos de nossas vacinas, está inerte, preso em suas opiniões insensatas, frágeis e desonestas. Como pensar em poesia, em música, em belos dias e outonos floridos, se a agonia de nossos irmãos bate quase que diariamente a nossa porta.
sábado, março 13, 2021
Mudez
Fico calado. Não tenho o que dizer. O silêncio, às vezes, é uma benção. Pelo menos para os que dividem, não argumentam, nem ouvem. Mas ficar calado, não impede a ansiedade e a frustração. Estas aumentam, devoram-nos e num círculo vicioso, nos fazem calar ainda mais, embora nosso coração grite de angústia e dor.
Há tanto o que dizer! Mas quem há de ouvir? Quem se interessa? Há tanto a pedir, há tanto a lutar! Mas a luta parece inglória. Perdemos sempre. As ondas virulentas se sucedem, tão fortes e resistentes quanto o ódio. Nada importa. Não importa que nossos irmãos morram, agoniados, sem ar, sem força, como animais desamparados ao relento. Não importa, que muitos passem fome, e se espalhem pelas favelas como moscas contagiosas, onde não lhes é permitido qualquer brecha de vida ou esperança. Não importa a morte porque ninguém é culpado, ou melhor, todos são, com exceção do governo. Este que lidera com intolerância e ódio genocida a uma legião de “homens de bem”, parece estar muito tranquilo com sua consciência.
Por isso, fico calado. Minha mudez talvez seja uma covardia, mas sinto que entreguei os pontos. Não por ele, mas pelo povo que o acompanha.
quarta-feira, março 25, 2020
Indignação
Há um tempo atrás, eu comentava muito sobre política nas redes sociais, mas com o passar do tempo, percebi que falava apenas para uma bolha, que acreditava nos mesmos ideais e valores políticos com os quais eu me orientava. O outro lado, a outra bolha, não dava a mínima importância. Eu jamais mudaria o pensamento ideológico de alguém, com os meus argumentos.
Nem se podia conversar com franqueza nessa dicotomia que passou a vigorar no Brasil, embora sempre houvesse de forma disfarçada. No máximo, o que passei a fazer, foi alguns comentários em publicações de amigos ou curtidas ou mesmo alguns compartilhamentos. E se publicava alguma coisa, o fazia de modo subjetivo, no qual, quem o lesse, perceberia nas entrelinhas o pensamento crítico ali embutido, pelo menos, é o que eu pretendia.
Mas hoje, porém, com o funesto e histórico discurso do Presidente da República, que repudia tudo o que está sendo elaborado e executado pela sociedade civil, através das recomendações da OMS e do próprio Ministro da Saúde, neste caso da pandemia, não há como ficar calado.
Não vou falar o que o cientistas da área médica exaustivamente já comentaram e teceram longos argumentos, apenas demonstrar a minha indignação com essa pessoa que deveria liderar a nação e ao contrário, desmoraliza e descontrói a luta contra o avanço do dramático vírus que avança em nossa população, contra o qual, os profissionais da saúde em suas várias especialidades e categorias desempenham com afinco no cuidado e no alerta à população para que faça o isolamento social, trabalhando de modo diuturno e arriscando as suas próprias vida.
Causa indignação e repulsa que essa pessoa faça um discurso na contramão de tudo que é cientifico e provado pelas autoridades médicas em todo o mundo e faça uma comparação esdrúxula com a Itália, salientando que aquele país é um país de idosos, como se somente estes possam adquirir o vírus, de modo que se conclui que esta parte da população brasileira de idosos não possui nenhuma relevância enquanto cidadãos, pois podem morrer à vontade, a partir do fim de confinamento da população ativa.
Nem me pergunto mais como grande parte dos eleitores (apesar dos fake nesws) foi capaz de votar neste homem, mas atualmente me questiono com tristeza e estupefação, como alguns ainda o defendem e repassam mensagens de whatsapps tentando enaltecer e ratificar atitudes que segundo eles, são adequadas, além de criticar outros países como a China e até, imaginar que esta nação é a grande culpada pela disseminação da epidemia.
Estes, na verdade, merecem o Presidente que tem. Nós, não. O povo brasileiro merece coisa melhor.
sábado, dezembro 23, 2017
Se o Natal te oferece
Se o Natal te oferece música, luzes e cores, aproveita. Usufrui da alegria e festeja.
Se o Natal te oferece abraços, risos e flores, aproveita. Corresponde à euforia e brilha.
Se o Natal te oferece fé, orações e lembranças do Aniversariante, aproveita. Ameniza os sentimentos, te doa, te alegra e reza.
Se o Natal te oferece passeios, encontros e festas, aproveita. Compartilha com os amigos e parentes as tuas memórias, os teus desejos, os teus caminhos para acertar nos trilhos e urgente, refaz o desfeito, acerta o erro e resgata a história.
Se o Natal te oferecer a mão, a comida, o amor, a bondade, aproveita. Retorna com mais amor, mais amizade, mais bondade e sustenta a mudança que talvez advenha desta passagem para o bem. Vive feliz e despreocupado. Te desembaraça de pensamentos confusos, de medos e cicatrizes. Te livra do mal.
Mas não esquece jamais, dos que ficam lá fora, longe das festas e dos fogos, longe dos amigos, dos parentes, dos vizinhos. Afastados da vida, mortos em seu caminhar obtuso, zumbis. Aqueles invisíveis que parecem passar por nós nas ruas do dia a dia. Lembra deles agora, porque é Natal. Lembra dos que juntam latas no lixo, dos que vivem no lixo, dos que chafurdam nas calçadas, deitados e papelões afugentando-se do frio e da sede, vivendo a morte em vida. Lembra dos que se sentem perdidos, em trajetórias aleatórias, pseudoescolhas sob domínio de drogas, arrebatados dos princípios mais íntimos que os impede de viver. Párias numa terra do nada.
Lembra dos exilados da própria pátria, pois são nada, talvez nem um número que os identifique entre os humanos. Os miseráveis que amplificam a cada dia a desumanidade das celas, provavelmente culpados, mas talvez elos nesta engrenagem suja e hipócrita em que vivemos, na qual a maioria dos que são presos e julgados são negros e pobres.
Lembra dos excluídos pela cor, pela orientação sexual, pela etnia, pela pobreza, por quaisquer preconceitos que desvalorizem o ser humano, dando-lhe uma dimensão aquém para rotulá-los e conformar o coração “bondoso" e afiado do brasileiro.
Lembra dos pacientes em leitos de hospital, dos que sofrem as mazelas dos governos que fingem protelar o orçamento em nome de uma administração financeira falsa ou mal intencionada.
Não reza pelos governos. Reza por ti por que te falta o 13º
salário, reza por ti que não tens esperanças.
Não reza por quem bateu panelas numa manifestação seletiva, porque até a corrupção é seletiva, segundo o Juremir Machado da Silva (Correio do Povo). “Uma das mais contundentes expressões do irrealismo brasileiro é dizer que a população não bate panelas contra Michel Temer por estar cansada, desiludida, anestesiada. As panelas não batem porque a corrupção do governo Temer não incomoda tanto quanto incomodava a do PT. No Brasil, até a corrupção é seletiva. Tem corrupção e corrupção. O corrupto chega nas altas instâncias e diz: “Você sabe com que ladrão está falando? E sai voando. Com Temer a turma dos camarotes vai se ajeitar nas poltronas de grife e continuar assistindo ao triste espetáculo da miséria nacional. Que importa a esse pessoal sofisticado se negros patinam na pobreza? Temer é herói nacional para o mercado, que ansiava pela reforma trabalhista, mesmo se ela está produzindo demissões em cascata em alguns setores. Era esse mesmo o objetivo.”
Entretanto, reza e sonha, porque é Natal. Tem esperança e te veste de azul, amarelo, verde, vermelho, cores alegres que manifestem a tua alegria. Mas não te esquece jamais, que o Cristo que vive em nosso coração, para quem é religioso, ou a sensibilidade que está em tua alma, só pode ser apurada e tornar-se plena, se lembrares que lá fora há outros Cristos esquecidos. Revigora teus sentimentos. Alimenta tuas esperanças, mas lembra, hoje os mísseis da indiferença, da covardia, do racismo, do fascismo, da face perversa do poder, da intolerância religiosa arrastam seguidores como um rio bravo e por enquanto, não escolhem os culpados, porque em breve, todos o serão.
Finalizando, citamos o dramaturgo alemão Bertolt Brecht que diz: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.”
Feliz Natal!
sábado, setembro 17, 2016
A fotografia da vida de Santa - CAP. 3
No 2º capítulo, Santa entrou na igreja ao lado do marido, observando a família. O filho, artista multimedia estava à esquerda dos demais, um pouco afastado dos parentes. Parecia intrigado com aquela exposição da mãe no dia de seu aniversário. Noutro banco, estavam a filha, uma promotora estadual que mostrava-se muito emocionada e o genro que acenava prudente. O outro filho, muito sisudo, esforçava-se em ajeitar a gravata e naquele momento, esboçar um sorriso. Mas uma outra surpresa foi capaz de desestabilizar Santa por completo, um relicário, um presente doado peloa igreja, através do bispo, que se mostrava sensibilizado. Era uma bússola, que provoca no marido de Santa uma certa indignação. Como hoje é sábado e nosso folhetim dramatico é publicado nas terças-feiras e no sábado, prosseguimos com o 3º capítulo. Divirtam-se!
Fonte da ilustração: site www.morgfile.com
Nem dava para perceber, mas o dia seguinte para Santa havia sido por demais estressante. Estivera entretida entre fotografias, álbuns, além de idas às compras vez por outra, para aviar as tarefas de rotina.
Talvez não precisasse disso tudo, pensou consigo. Afinal era uma mulher rica, que dispunha de um número razoável de empregados; havia coisas porém, que se atribuía a necessidade de se ocupar.
De repente, após o almoço, ficou sozinha.
As vozes que ouvia eram de pessoas quase estranhas, apesar de conviverem há bastante tempo. Pessoas que lhe serviam, que traziam chás, ou transmitiam recados. Pessoas que mantinham o seu bem estar.
Mas não se sentia bem.
A quantas andava o marido, não sabia.
Os filhos já voltaram para as suas atividades.
O tempo passava quase insalubre.
Doíam-lhe as pernas. Doía-lhe o corpo.
Deixou que os últimos servidores se afastassem e deitou-se no velho sofá da saleta de leitura, ajeitou as pernas, deixando os tornozelos encostados no tecido, meio que estirados.
Precisava se refazer do cansaço do dia. Um dia sem nada para contar, sem ter o que lembrar.
A festa do dia anterior, as expressões de carinho, de congratulações. Tudo já era passado.
Agora restava o dia depois, aquele que não devia existir. Como uma ressaca, uma vontade de não fazer nada, um tédio acumulado.
Que fazer, se as coisas mudavam assim, tão repentinamente e ela não mais desfrutava o passado recente como coisa presente. Não, ela já não se dava a estes desfrutes.
Ela se repetia na rotina e a dor parecia bem mais intensa e duradoura. Uma dor de saudade, de distância dos seus, de vontade de permanecer junto. Uma dor a mais.
Ligou a tv, trocou várias vezes de canal.
A tragédia da vida cotidiana pintava todas as telas. Nada acrescentava ao espírito. Quando muito, um filme arrastado, ao qual nem tinha paciência de assistir.
Seus pensamentos retomavam a infância, talvez a idade em que fora mais feliz.
As lembranças se acumulavam lentas, ultrapassando uma a outra numa tela distante. Tanto, que os olhos foram pesando e uma leve sonolência tomou conta.
Embora sem abrir os olhos, teve a sensação de ter alguém muito próximo.
Uma voz cálida que lhe dizia coisas difíceis de entender.
Aos poucos, a imagem foi surgindo, cada vez mais nítida e seu coração saltava em êxtase.
Um aroma suave de flores enchia o ar. Uma sensação de alegria genuína. Uma resposta a todas as dores e sofrimentos. Uma passagem para o bem.
Tinha a certeza de que a Virgem Maria estava ali, ao seu lado.
Encolheu-se no sofá, estremecendo. A voz cessou e um objeto tomava forma na mão da Virgem.
Uma bússola, tal como a sua, com a agulha apontando para o norte, indicando algum lugar por detrás das cortinas.
Santa tinha a sensação desfalecer.
A presença de Virgem Maria ali, na sua casa, com uma bússola devia ter um significado muito importante.
Alguma coisa que certamente mudaria a sua vida, que a transformaria numa outra pessoa, ou então, que ratificaria o rumo correto que alcançara na vida.
Mas por que aquela bússola na direção da janela?
O que havia lá, a não ser uma colina que se estendia até uma pequena ilha.
Por que ela surgira assim, daquela maneira, sem os habituais adereços, sem o rosário, sem as flores?
Por que trouxera um objeto que não agregava um símbolo significativo de sua missão?
Por que não aparecera como de hábito, apenas como a Senhora, a Mãe de Jesus, a Mulher que convidava ao conforto da oração ?
Por que a instigava daquela maneira, ela que sempre seguira os mandamentos, que fora uma mulher exemplar, uma benemérita da comunidade?
O que mais queria dela?
Que caminho estranho estava indicando para que seguisse?
Que chamado era aquele?
Por que ela não virara a bússola para outra direção, para o centro, por exemplo ou mesmo para o bairro onde se situava a catedral?
O que havia de tão importante naquele rumo?
Seria então este o caminho indicado pela Virgem? Uma trajetória desconhecida, a qual deveria se determinar a seguir?
Levantou-se num salto e abriu bem os olhos, mas a imagem não estava mais ali. Não havia nada, a não ser uma pequena brisa que balançava as cortinas da janela.
Então, com as pernas trôpegas aproximou-se da janela e olhou ao longe.
O que havia lá, além da colina, além daquela ilha solitária?
Uma região afastada, na qual vivia uma comunidade isolacionista?
Um povo estranho que se dizia sem regras nem leis?
Uns desviados da política, do poder, do governo.
Uns anarquistas, sem eira nem beira, que viviam às custas do que plantavam ou das trocas que faziam?
Santa estremeceu. Anarquistas? Seria este o caminho? Seria para que ela deveria seguir? Seria este o norte mostrado pela Virgem?
Começou a andar pela casa em absoluto desespero. Chamou os empregados.
Poucos apareceram. Não lhes disse nada. Pediu apenas que Linda, uma velha empregada que lhe servia há muitos anos, ficasse. Pediu que sentasse ao seu lado.
— A senhora quer que traga alguma coisa, Dona Santa? Um chá, um café?
⁃
— Não, não quero nada Linda. – a voz estava trêmula e uma ansiedade se fixava em cada sílaba – Linda, escute, se eu lhe dissesse que vi Nossa Senhora, você acreditaria?
Linda encarou a patroa, intrigada. Sempre fora religiosa, e já tinha visto muita coisa nessa vida, mas ver Nossa Senhora, assim, do nada, era demais.
Evitou porém, dizer qualquer coisa, mas por certo, concordaria com a patroa, para agradá-la.
— Você acha que estou louca, não é mesmo?
— Não, imagina, Dona Santa. Se a senhora disse, é porque é. Afinal, a senhora é tão religiosa. Nada mais justo que Ela aparecesse para a senhora.
Santa levantou-se e dirigiu-se à janela. Avistou um pássaro pousando suave no telhado vermelho que cobria a sacada lateral. As patas finas, o passo gracioso. Olhou para o alto e se benzeu.
Linda a observava, procurando certificar-se de que dissera a coisa certa. Dona Santa parecia transtornada. Melhor não contrariar.
Santa voltou-se e a interceptou, num ímpeto.
— Isso não importa, agora. Preciso saber de outra coisa.
— Como não importa, dona Santa? – insistiu, sem muita convicção. – É uma coisa maravilhosa! Se ela apareceu, é porque tem um motivo. A senhora lhe deve alguma coisa.
— Este é o problema, Linda, o motivo. Ela me pediu uma coisa extraordinária – afasta-se devagar da janela, aproximando-se da poltrona. Segura o encosto por trás, com as duas maos, dobrando o corpo e fala em tom quase confessional – Linda, ela quer que eu me envolva com aquela gente do lado de lá.
Linda ficou ainda mais confusa. – Aquela gente... do lado de lá...? – pergunta tentando adivinhar, sem saber a quem a patroa se referia.
Santa soltou o encosto do sofá e sentou-se na frente de Linda. Insistiu: — Você sabe sim a quem me refiro. O povo lá da colina, ou melhor, depois da colina. O tal povo da Ilha Libertária, parece que é assim que se autodenominam.
Deus me livre, aquela gente não presta. A Virgem não ia mandar a senhora pra aquelas bandas!
— Mas eu não sei ainda o que ela quer de mim, Linda – acrescenta, angustiada. – Talvez ela queira que eu me embrenhe naquela ilha, que convença aquele povo... ou... –
refletindo – talvez eu deva dividir a minha fortuna, minhas jóias, meus bens.
— Como assim, dona Santa?
— Eu sei muito pouco deles, mas dizem que não aceitam dinheiro, que utilizam trocas. Eles são militantes contra o nosso sistema capitalista. Cristo também era assim, como eles. Cristo era um anarquista e queria dividir tudo com todos. E também ele não aceitava governos, nem senhores. – Santa respira fundo, agora a voz soa forte e precisa. Parece fazer um discurso.
Linda a observa sem entender o que realmente pretende. Esforça-se em achar uma frase para participar da conversa.
— Não quero contrariar a senhora, não, dona Santa, mas aquela gente lá não é normal. Como é que um povo pode viver assim, isolado de todo mundo, meu Deus? Pra mim, eles usam é drogas.
— Não é nada disso, Linda. Você não entendeu a proposta, mas eu estou refletindo e aos poucos, estou chegando lá. Quem pode afirmar que eles não estão certos? Talvez seja esta a minha missão, entrar naquela comunidade, participar das suas crenças, ajudá-los. Se eles não usam dinheiro, eu posso ajudar a vida deles com o meu. Dizem inclusive, que são naturalistas, que respeitam a natureza, que vivem com a maior simplicidade.
⁃
— Contam por aí, que eles vivem do que plantam – confirma Linda.
⁃
Santa levanta-se mais uma vez e caminha pela sala enquanto fala. Quem a visse, além de Linda, diria que se trata de outra pessoa. Uma pessoa que encontrou um norte, um novo objetivo na vida.
– Eles são pessoas simples, que vivem do que plantam, você disse. Pois eu quero viver esta vida simples. Não foi o que Cristo disse aos dois irmãos ricos que lhe perguntaram como alcançariam o céu? Vá, vende tudo o que possuís e dá-o aos pobres. Pois bem, eu me acercarei destes pobres e seguirei as palavras de Jesus. A agulha da bússola apontava para aquela região. Pois lá, edificarei a minha seara.
— Dona Santa, não sei se deveria perguntar, mas os seus filhos vão aceitar isso?
— Claro, Linda. Todos entenderão que a partir de hoje, eu tenho um novo caminho a seguir. Portanto, vou reuni-los o mais breve possível, toda a família, para contar-lhes esta empreitada.
domingo, outubro 04, 2015
REFUGIADOS EM SEUS SONHOS
Nem que se diga, que lhes faltou o peito, nem que a fome durou;
nem que se saiba que a vida é árdua e a escola seja talvez o único acesso à dignidade.
Nem que os pais não lhes provejam o amor ou que o abandono se torne perene.
As crianças deveriam sempre vencer as dificuldades, sobreviver e se tornarem homens e mulheres mais fortes e guerreiros.
No entanto, às vezes, o homem no seu poder canhestro e torpe, investe na vida dos povos, interferindo em sua trajetória. E o poder se revela na intolerância religiosa, na ganância dos modelos econômicos, no imperialismo dos governos.
Gostaria de falar de nossas crianças em seu dia, de seus sorrisos, suas procuras pelo abraço e carinho, seus encontros e descobertas.
Mas como esquecer as que aparecem em nossos monitores diariamente, pedindo socorro ou registrando a sua falência. Como esquecer entre tantas, a menina praticante de Candomblé que foi agredida na escola, vítima de preconceito religioso, por outras de sua idade, que também são vítimas, pois repetem a norma do preconceito arraigado de uma sociedade em decomposição moral? Pensei nos pais dessa menina.
Como esquecer o menino sírio Ailan Kurdi, cujo corpo apareceu numa praia da Turquia, em setembro. Seu corpinho frágil registrando o sectarismo grotesco da humanidade, destoante dos melhores sentimentos fraternos. Como esquecer o irmão de 5 anos anos que se perdeu no mar e morrera como tantos outros.
Pensei nas crianças do Brasil. Pensei nas crianças do mundo.
Pensei no pai do menino, que na tentativa de fugir da Síria, imaginava um futuro para a família. Lembrei então da música “Cantiga de ninar” de Raul Seixas, cuja última estrofe enfatiza o que meu coração doído expressa:
"Fiz meu rumo por essa terra
Entre o fogo que o amor consome
Eu lutei mas perdi a guerra
Eu só posso te dar meu nome”.

O pai sírio que lutou para chegar à ilha de Kos na Turquia, perdeu a guerra. Nada mais lhe restou, nem a mulher, nem os filhos. Apenas lhes deu o nome. O nome de refugiado. Refugiados são todas as crianças, cujo direito de viver a infância lhes é tolhido, quando a intolerância, o racismo, o ódio, a esquizofrenia sexual de alguns, a violência e a incompetência das instituições impedem que sejam realmente crianças e se tornem apenas uma trajetetória interrompida. Uma ruptura da lógica infantil. São refugiados em seus próprios sonhos.
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