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O OUTRO

Estava assim à procura do tempo e o avistei sozinho. Parado que se encontrava à porta da igreja. Barba longa, desleixo involuntário. Pele escura, encardido. Sol a pino, um boné velho, virado para o lado, uma gosma escorrendo no canto da boca entreaberta com dentes falhados, amarelos, mastigando levemente a vida. Nos olhos, uma fuga estranha, um olhar para dentro, um não sei o que faço, que assustava. Por um momento, senti certa náusea. Olhar aquele ser humano, e poder enxergar esta condição, me apavorava. Difícil para qualquer um entender. Difícil pensar no assunto e enfrentar a situação. Aproximei-me com moedas pesadas, ajustadas na palma da mão, mergulhadas que estavam no bolso, escorregadias no tilintar dos dedos. Acho que o assustei, porque me olhou de soslaio, meio apalermado, temendo talvez uma sacudida, um pedido que saísse, ou uma ordem de evacuação do espaço. Que nada. Sorriu ao ver o brilho das moedas, bem maior para os seus olhos. Segurou-as rápido e afagou a min

Mormaço de domingo

Sentia o cheiro acre das calçadas sujas. O encardido denso esquentava os paralelepípedos mal estruturados. Um sol de ressaca, quase mormaço, mas nada pior do que o constrangimento de vê-lo ali, estirado na esquina, encostado no átrio da porta. Parecia franzino, quando o avistei do outro lado da rua. Cabeça estirada nas tijoletas quentes, os cabelos revoltos, os braços escondidos sob o corpo. Por um momento, pensei em chamá-lo, acordá-lo do torpor, que me parecia, se encontrava. Outras pessoas passavam mais adiante, olhavam curiosas, como eu, mas se dispersavam logo: um mendigo, um drogado que se abateu na noite e se transformou naquela figura estática e indefesa. Talvez não houvesse o que fazer mesmo. Para que acordá-lo? Por que trazê-lo ao mundo dos normais, se havia talvez muito mais intensidade na conduta que o levara ao abandono que ora demonstrava? Talvez uma noite de festa, bebedeiras, mulheres, alegria, e todos os prazeres da carne e da mente. Do físico, da alma? Uma peque