Mostrando postagens com marcador crime. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador crime. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, agosto 02, 2017

UM GOLPE NO OUVIDO

Juntou as chapinhas de bebida e sentou-se à sombra, olhando para o nada, mas com a certeza de que aquela árvore o acolheria para sempre. Puxou um real do bolso e pensou no que poderia fazer dali em diante. Quem sabe, voltar à oficina, juntar os seus pertences, pegar a mochila farrapada e tomar um rumo na vida. Entretanto, sentia-se impotente, até assustado com a situação. Voltar a juntar latas de alumínio, chapinhas de refrigerante, limpar as lixeiras e esconder-se embaixo de qualquer marquise era uma onda que não queria reviver.

Lembrou-se do Guto, com aqueles olhos esbugalhados e a boca aberta, o sangue escorrendo pelo chão visguento de diesel. Sentiu um arrepio. Tinha mesmo que dar o fora, antes que alguém chegasse e o acusasse de ter matado o negrão. Por que ele tinha voltado àquele lugar? Tinha passado tanto tempo e tudo ficava na mesma. A mesma galera, as bebidas de sempre, a maconha, a farra, mas nada tão pesado e difícil. Havia um líder e não era ele. Ele era um pobre coitado que se agregara `aquele pessoal que nem se interessava com a sua presença no barraco.

Melhor seria voltar para casa, pra cidade do outro lado do canal e viver a vida que não pedira a Deus. Mas não pedira aquele caos também. Não quisera participar do tráfico e hoje não era nada, mas a qualquer momento, poderia ser mais um presunto espalhado pela cidade.

Tinha que fugir, desaparecer do mapa, esquecer a mochila, esquecer as latinhas, o material pra vender e tomar outro rumo. Já pensara nisso um milhão de vezes, mas não bastava o pensamento. Precisava de ação, mas não tinha coragem. Precisava de uma coisa forte, não uma simples maconha que só o deixava ausente. Queria um crack, uma cocaína, qualquer merda que funcionasse a cabeça, que o libertasse do medo e enfrentasse o mundo.

Outros lhe vinham à mente, principalmente, o Zarão, um x-nove de primeira, aquele que podia levá-lo a ruína. Ele ia juntar as coisas: ver a mochila, as suas roupas, aquele retrato da família e acusá-lo. Não descansaria enquanto não o pegasse e fizesse justiça conforme as leis do bando.

Não, ele não queria ser torturado, trucidado, morrer feito um infeliz pedindo por clemência.

Ele que já fora um poeta, um cara que curtia compor e cantar na comunidade. Ele que sabia distinguir uma boa letra de um agrupamento de frases sem sentido, sem lirismo, sem sentimento, sem beleza.

Ele que chorava, às vezes, ao ouvir determinada melodia, ele que já fora até humano. Mas agora, precisava juntar as latinhas, vender o que podia para ganhar algum e por o pé na estrada.

Por um momento, sentiu-se atropelado por um pensamento estranho, como um golpe no ouvido. E se o Guto não tivesse morrido? E se o presumível assassino estivesse por aí, procurando-o porque ele mexeu nas coisas, investigou o cenário, certificou-se de que havia furos de balas nos carros e que a gasolina se misturava a todos os óleos que faziam parte da oficina.

Mas por que o matariam se o Guto não houvesse morrido? Por que o procurariam se não fez nada, a não ser deixar marcas pelo piso escorregadio e a maldita mochila esfarrapada, nada mais. Por que o acusariam se não poderia responder por nada?

A cabeça dóia, os cabelos grudavam pelo suor e seus olhos pareciam injetados de sangue, como se todas as drogas que usasse fizessem efeito ao mesmo tempo.

Precisava fazer alguma coisa, antes que alguém chegasse e o crucificasse ali, naquela árvore, em plena sombra numa tarde de verão.

Procurou os documentos no bolso e viu um nome que não era seu: Gustavo da Silva. Não deviam estar ali, nos seus bolsos os documentos do Guto, quem os colocara, o que estava acontecendo? Por que não o deixavam em paz?

E seus documentos, e seu nome e sobrenome que haviam desaparecido. Também ele se esquecera, também ele não sabia de quem se tratava e a cabeça doía muito quando tentava lembrar.

Foi aí que o carro da polícia parou ao seu lado. Eles se aproximaram rápidos, levantaram-no do chão e o algemaram.

O que pensam eles? O que querem dele? Não foi ele quem matou o Guto. Ele é que era o dono da boca. Apenas trabalhava na oficina, era um simples borracheiro.

Disse-lhes ainda que era cantor, que tinha sentimentos, que não estava nessa de crimes, de tráfico de drogas.

Eles sorriram e o empurraram para o camburão e o pior: insistiram em chamá-lo de Gustavo da Silva, vulgo Zarão.

domingo, janeiro 15, 2017

A barca e a biblioteca: um romance como livros foram sitiados também em tempos de recessão

É a trajetória de um homem que aos poucos vai se inteirando da verdadeira história de seu pai e o quanto ela ainda o influencia nos dias atuais, forçado a recorrer ao passado e reconhecer nele um caminho novo, de liberdade e orgulho, que não identificava anteriormente. Uma história que vai modificar e completar a sua. Com o conhecimento destas vivências, cresce como ser humano.

Tudo começa nos anos sessenta, cuja curiosidade infantil o impulsiona a conhecer determinados documentos que parecem comprometer o pai, e que tanto o angustiavam pelo forte conteúdo político que continham.

Ao mesmo tempo, levava a vida de menino, confrontando a fantasia de aventurar-se na barca à beira do cais, sempre impedido pela mão forte do pai, enquanto, que através de outros caminhos, imergia no mundo sagrado da biblioteca, batizado que fôra nas letras, podendo singrar os mares tal como os navegadores antigos, sem que houvesse qualquer intervenção. Aqui ocorre a metáfora da barca que não ousara entrar, mas que se materializava no ambiente dos livros.

Em meio a tudo isso, há a luta política do pai, como voluntário no movimento da legalidade, quando Brizola instalava a rádio nos porões do Palácio. Em decorrência destas atitudes, fôra perseguido e torturado, a partir da derrocada da liberdade pelo advento da ditadura.

Na fase adulta, envolvido com os documentos confidenciais do pai, misturam-se personagens que gravitam em torno deste mistério, na trama que ocorre no cenário de uma biblioteca, chegando ao ápice, a partir de um crime.

Nesta atmosfera misturam-se sentimentos muito fortes, mas bem distantes dos relacionamentos idealizados de sua infância.

sexta-feira, janeiro 06, 2017

Ventos escassos de Brasília

Saí pela rua, dobrando esquinas, pesquisando um ar mais puro. Respirar fundo e sentir-me apoiado. Entretanto, alguma coisa ao meu redor revela um futuro incerto, uma armadilha, talvez. Esta quase certeza da ameaça (medo e prazer) que se aproxima.

Embrenhar-me no parque escuro e sentir suas mãos incólumes em minha veia. Um encontro tão próximo, que pensava ser de gozo.

Um homem de olhar intenso, sorriso reluzente, alma escancarada. Um homem que me procura na noite insana dos exilados. Um homem que lança olhares e serpenteia meu corpo suado de fazeres políticos. Um homem que se instala em meu mundo tão cercado, acabrunhado na segurança de meus seguidores.

O desejo é mais forte do que meu raciocínio, o desejo imantado no metal precioso e acalentado nas noites impróprias. Quisera fugir, quisera seguir os caminhos seguros, mas meu coração palpita adiantado. Sabe antes de mim de meus desejos infecundos.

Eu, um homem de meia idade que se esconde de suas vontades mais intimas.

Ele sorriu e se aproximou. Do jeito franco, acostumado à provocação. Dizia que eu não podia fugir agora.

– Não sei, aqui é estranho. Não estou acostumado com estas coisas, estes encontros — foi o que pude dizer a meu favor.

Ele sorriu despropositado. Um sorriso branco na noite de sombras produzidas pelas folhas dos ipês. Sombras que pintavam o chão e cambaleavam ao meu olhar aflito.

Ele não me deu tempo, se aproximou ainda mais com a mão no pescoço, alisando carinhoso, a ferida de minha alma. Amalgamando as dores e prazeres num só momento. Minhas pernas tremeram. Tentei argumentar, arfante, que era um homem casado, um deputado, homem de imagem ilibada, que não estava ali a procura de programas.

Um homem com dinheiro e poder para sacar qualquer prazer.

Um homem que afastara uma presidente.

Mas não consegui.

Soltei a maleta a meus pés, que me doíam os pulsos. Ele se achegou arfante e me disse coisas aos ouvidos, que há muito tempo desconhecia o teor. Coisas que me confortavam, que me deixavam lúcido, de uma lucidez também há muito esquecida em um arquivo qualquer de meu computador.

Então me beijou lascivo e retribui, afoito, num desempenho infantil e desesperado. Suas pernas me prendiam, habilitando o aconchegar do sexo vigoroso em minhas coxas e suas mãos se apossavam em desacato de meu corpo, deslizando rápidas, investindo em caminhos que me faziam rogar desatinado. A barba roçava na minha e nossas bocas vorazes se procuravam, sem medida, sem respeito. Nossos corpos se engalfinhavam, ali mesmo, no deserto de minha alma incompleta, esquecido de tudo, do início e do fim, do infinito, do marco zero de minha vida.

Foi um tempo quase ínfimo, quase imperceptível, pois o mundo se deteriorou num instante. No momento preciso em que a ameaça se tornou real e a mão forte se apoderou do único dom não disponível, a minha vida, de forma cruel e insana.

Também ele queria a vida que eu tinha. Também ele queria o poder. O poder de ter e distribuir talvez com os seus.

Suas frases se tornaram duras e precisas. A poesia despencou das nuvens. O sorriso claro se fechou num punho selvagem, aqui, na terra. Encostou a arma em meu peito, exigiu muito mais do que podia lhe dar. Impeliu meu corpo no chão cheio de manchas. Exigiu o pouco que restava.

E depois de tudo pego e acertado, disparou com raiva no corpo indefeso e desapareceu, formando outras sombras que desapareciam nos pés velozes.

Percebi, que as nuvens não se deslocavam claras, nem as via, deitado. Apenas vestia-me assim, da cor vermelha que tingiu a camisa branca.

Ver uma multidão que se aproximava, carinhosa e festiva. Um carinho sórdido a quem carrega consigo uma mala executiva. A quem tem o poder.

Abrir a porta da sala, sentar na primeira cadeira, ouvir os comentários e espiar as luzes filtradas pela cortina semi-cerrada. Ouvir as queixas, as sugestões. Sentir os tapas nas costas e a dor nos olhos.

Cabeça titubeante.

Desequilíbrio.

Perceber que a esperança escorre ali, pelos dedos, enquanto mãos me tocam afetuosas, se despedem felizes.

No elevador, torcem narizes, fazem muxoxos. Eu sei. Eu também aqui, agora, sozinho, nesta sala grande, com os cotovelos na mesa, também faço. Torço o nariz, faço muxoxos, balanço a cabeça com náusea, mas ainda espio lá fora.

Quem sabe pela luz filtrada da cortina, ainda enxergo o menino escamoteando o tempo, sugando a vida sem pressa e pensando que a vida é só isso, essa felicidade quase plena.

Mas é um espaço de tempo tão tênue e sinto que meu corpo já não obedece meus gestos e nem estou a minha mesa, no meu gabinete.

Nem as cortinas brincam nos ventos escassos de Brasília.

É um quarto branco, de luz fraca e todos parecem estar de branco e quem vejo ali, acena tragicamente a cabeça.

Meu assessor me olha e percebo no seu olhar uma censura implícita que não dissimula. Então arquejo, a voz entrecortada, a respiração curta e um ódio tinge de desespero minha retina sem vida. Envieso o olhar para a vidraça sem glamour e aperto o cenho com dor.

Volto-me para ele e observo-lhe as olheiras que emolduram o rosto desorientado e imagino a morte. Acho que grito:

— Essas cortinas estão me matando, um de nós tem que sair!

sábado, dezembro 17, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 28 - ÚLTIMO CAPÍTULO

Capítulo 28 - Final

Santa e os filhos esperavam angustiados a longa espera por Alfredo. Embora felizes pelo pesadelo ter acabado, ainda havia marcas muito fortes que comprometiam um momento mais festivo. No fundo, Tavinho e Letícia sentiam-se culpados por terem sugerido a limpeza no cenário do crime, o que de certo modo, estimulou a prisão de Alfredo. Quando o viram, abraçaram-no, aliviados. Santa enxugava algumas lágrimas ao ver o filho tão abatido, mas estava feliz.

Após alguns minutos de intenso desafogo emocional, Alfredo perguntou por que o pai não havia vindo.

Todos ficaram em silêncio. Santa pediu que se afastassem logo dali, já que estava tudo em ordemcom os documentos e pertences pessoais e se dirigissem ao carro que os estava esperando. Alfredo insistiu que o levassem ao seu apartamento, pois precisava tomar um banho e trocar a roupa. Foi o que fez, acompanhado de Tavinho e mais tarde iriam para a casa para comemorarem com Santa, que mandara preparar um jantar especial para aquela noite.

No apartamento, enquanto Alfredo se dirigia ao banho, Tavinho tocou no assunto do pai.

– Nosso pai está muito aborrecido com você, ou melhor, aborrecido é eufemismo, ele está indignado. Não era pra menos, né? Ele até acredita que você sempre o odiou.

Enquanto se ensaboava, Alfredo comentava a observação do irmão.

– Eu sei do que você está falando. Talvez ele tenha razão em reagir assim, afinal eu ia cometer uma loucura.

– Que ideia era essa de sequestrar o velho? Você pirou?

– Na verdade, não era bem um sequestro. Eu confiava muito no jardineiro e sabia que ele não faria nenhum mal ao nosso pai. Sei que foi uma ideia idiota, mas eu estava desesperado com aquela intenção dele de afastar mamãe de tudo, de torná-la uma incapaz. Eu não podia aceitar aquilo, então pensei , que com ele fora de cena, seria mais fácil acertar as coisas. – De vez enquanto, ele sai um pouco do boxe para que Tavinho o ouça e volta para o chuveiro deixando-se envolver pela torrente de água, como se fosse necessitasse de um banho eterno – Mas, eu só queria ele longe por um tempo e pregar-lhe um susto por ter enganado a mamãe, tê-la traído daquela maneira. Depois, que eu resolvesse a situação, ele voltaria são e salvo.

– Mas nós concordamos com a proposta de nosso pai. Todos aceitaram, ficaram quietos.

– Veja bem, eu não estava convencido. Achava que era uma maneira dele livrar-se dela. Ainda tinha a intromissão dessa mulher, essa tal de Linda que não sai da nossa vida.

– Entretanto, foi essa mulher que o salvou. Foi ela que foi atrás do bispo, que descobriu tudo, que colocou ele contra a parede e fez um acordo com a polícia. Havia uma escuta no local, sabia?

– Pois é, isso sim é uma coisa estranha. Mas é problema dela. Depois do que ela estava aprontando para a nossa mãe, eu não quero vê-la mais na minha frente.

Termina de secar-se e veste a roupa enquanto Tavinho passeia pelo quarto. Pega um livro que estava sobre a cômoda, examina-o e volta-se para Alfredo, concluindo:

– A bem da verdade, todos nós erramos. Eu, em ficar quieto, na minha, você por tomar esta atitude disparatada, Letícia pelo fato de ir na onda do velho, e ele por querer se apropriar de todo o patrimônio, além de ser chantageado por Linda. Sabe de uma coisa, Alfredo, havia aí uma história que não sabemos muito bem.

– Eu sei muito bem: ganância. Se esta mulher estava fazendo jogo duplo e chantageava ele, é porque sabia de alguma sacanagem de nosso pai. Esta mulher deveria estar no olho da rua! Não sei porque a toleram tanto!

– Mas há mais uma coisa que você não sabe, o que nosso pai agora pretende fazer.

– Não me diga que tem mais alguma coisa, depois dessa tramoia toda.

– Sim, ele vai sair de casa. Disse que fará uma viagem pelo exterior durante alguns meses e depois provavelmente entrará no processo do divórcio, em definitivo.

– E mamãe, o que pensa disso? Ela que sempre quis a família unida, que lutou por isso!

– Por incrível que pareça, ela está conformada com a situação. Uma mulher tão religiosa, tão apegada à família tradicional, é de se pensar né? Mas, que seja assim, que a coisa se resolva da melhor forma possível.

Alfredo acaba de calçar os sapatos, pega as chaves do carro e do apartamento e convida Tavinho a se dirigirem à casa da família. Por um momento, parou e olhou para o irmão. Aproximou-se.

Tavinho o olhava, surpreso.

– O que aconteceu, Alfredo?

– Sabe, Tavinho, naquela prisão, passando por tudo o que passei, eu pensei muito em nós, na nossa família. Acho que na verdade, nós estamos nos conhecendo e nos aproximando agora. Nunca fomos realmente unidos, como nossa mãe sonhara, acho que até mesmo por culpa deles, daquela falsa moral, daquele apego às aparências, sendo tudo que era desfavorável aos conceitos estabelecidos, escondido sob o tapete.

– E por que este discurso, agora?

– Porque uma das pessoas que nunca entendi, foi você. Quero aceitá-lo meu irmão, como você é. Talvez um dia, você me aceite também.

Tavinho por um momento emociona-se, mas disfarça com um sorriso irônico. Mesmo assim, aproxima-se de Alfredo e o abraça. Depois, afasta-se rápido, apressando-o para sairem.

– Não se esqueça, que o jantar de dona Santa promete! Vamos embora!

Algum tempo depois, estava todos reunidos à mesa posta para o jantar. Santa, apesar dos últimos transtornos e reviravoltas que sua vida dera, incluindo a ausência do marido, sentia-se tranquila, quase feliz com a presença dos filhos. Além dos três, também o genro estava presente, e como de hábito, fazendo indagações inconsequentes, como o motivo da ausência de Sandoval. Letícia não controla a impaciência:

– Você sabe que eles estão se separando, deixe de ser idiota.

– Eu sei, mas nada o impedia de estar aqui.

– Ainda tem o problema do… você sabe.

– Tenho certeza de que ele vai perdoar Alfredo.

– Cale a boca.
Alfredo decide intervir no diálogo que lhe diz respeito.

– Deixe Letícia, ele tem razão. Papai também não deve ter vindo por minha causa, mas eu o compreendo. Só o tempo pode amainar esta situação.

Santa que se mantivera calada até então, tenta encerrar o tema.

– É verdade, meu filho, não vamos mais falar nisso.

Neste momento, Linda entra na sala e aproxima-se da mesa, à espera de alguma ordem. Alfredo, exasperado, pergunta:

– O que esta mulher está fazendo aqui?

Santa intervém, nervosa:

– Por favor, Alfredo, vamos ficar em paz. Já passamos por tantos momentos difíceis. Linda está aqui apenas para nos servir e comandar os demais criados. É a sua função.

– Mas esta mulher é a causadora de todos estes momentos difícieis aos quais a senhora se refere. Não se esqueça que ela a traiu!

– Alfredo, você sempre foi tão tolerante, eu não o estou reconhecendo.

– Deixe-o dona Santa, se quiser eu me retiro.

Alfredo grita, ainda mais indignado:

– Não, nao saia ainda. Tenho uma pergunta para lhe fazer. Qual era o seu interesse nesta historia toda? Porque partindo de você, coisa boa não era, pela sua conduta recente. Mas como você armou para descobrirem que o bispo Martim era o culpado? Como chegou até ele?

Linda suspira, angustiada. Olha a princípio para Santa, como se lhe pedisse orientação para prosseguir. Santa abaixa os olhos indecisa. Os demais observam a cena, intrigados. Linda então, continua.

– Eu tinha algumas dúvidas, senhor Alfredo, mas com o passar do tempo, analisei os fatos e associei uma coisa com a outra. Por fim, investiguei nas anotações de meu sobrinho, nos seus objetos particulares.

Alfredo prossegue, impiedoso.

– Ah, tinha me esquecido, você é boa nisso. Está sempre fuxicando na vida de todo o mundo. Mas por que não me deixou apodrecendo na prisao? Queria se passar de boazinha para minha mãe? Ou para meu pai, para conquistá-lo?

– Senhor Alfredo, nao me humilhe! – exclama com os olhos marejados de lágrimas. Alfredo levanta-se da mesa e todos os olhares o seguem, como se temessem uma agressão maior.

– Humilhá-la? Você humilhou a todos nós nesta casa! Ou quer que eu a agradeça? Pois saiba, que eu jamais agradecerei pelo que fez. Não me interessa como conseguiu as provas, nem se estava preocupada em descobrir o verdadeiro assassino ou porque cargas dágua se envolveu nisso. Aliás, você se dá muito bem com estes tipos, é da mesma laia.

Linda então o encara e grita numa voz potente, como se houvesse reunido todas as forças para aquele desfecho.

–Eu fiz porque nao suportei vê-lo preso. Eu sabia que era inocente.

– Ora, não seja idiota. Não se faça de boazinha, estou cheio da sua hipocrisia!

Santa então pede que ele volte a sentar-se e a deixe em paz. Segundo ela, não é o momento para aquela discussão inútil.

– Você ainda a defende, mamãe? Defende esta mulher que manupulou a nossa vida, que chantageou meu pai, que a traiu? Pois saiba que a quero longe desta casa, quero esta mulher no olho da rua! E tem mais, se eu soubesse que era você quem me ajudou, eu preferia ficar preso.

– Eu não queria, eu não queria… que você… eu nao queria que sofresse, eu sempre o defendi… eu …

Santa a interrompe, cada vez mais ansiosa:

– Pare Linda, nao fale mais nada.

– Não fale o quê, mamãe? O que esta megera ainda tem a dizer? Eu já deixei bem claro que não preciso dela para nada! Mas fale, infeliz, o que você queria dizer?

Linda parece transtornada, apenas encarando Alfredo, como se somente ele existisse naquele momento. Por fim, responde o que pretendia contar.

–Eu sou sua mãe, Alfredo.
Santa levanta-se, pedindo que Linda se afaste. Os demais observam a cena, embasbacados. Alfredo começa a rir com ironia.

– Ah, hoje é o dia das piadas? Que interessante! Qual é a próxima? Que você vai casar com o meu pai?

Santa então decide dizer a verdade. No íntimo, acha que basta de mentiras e que tudo deve ser esclarecido de uma vez por todas. Linda encosta-se na parede oposta ao lugar onde se encontra Alfredo, ocultando o rosto com as mãos. Santa aproxima-se de Alfredo e complementa o assunto.

– Alfredo, meu filho, é verdade. Vocês acabaram sabendo que seu pai tivera um filho com Linda. Essa era a chantagem que ela fazia, mas o que não sabíamos, nem eu, até o momento, era que … – Santa interrompe-se, emocionada – era que você era o filho de Linda com Sandoval. Sei que também sou culpada, eu nunca disse que você era adotado, pois para mim, você sempre foi o meu filho, como todos os outros. Só que para meu castigo, por eu ter escondido de você a vida toda isso, é que a criança que Linda tivera com Sandoval era você, a criança que eu adotara, sem saber. Quando seu pai confessou sobre a chantagem, eu exigi o DNA e então… não havia mais como não ter a prova. Mas você é o meu filho, não importa a mãe biológica, eu o criei com todo o carinho, todo o meu amor.

– Você está louca, mamãe, voce quer acabar comigo, é isso? Já não basta o que me aconteceu?

Houve um silêncio absoluto por um pequeno intervalo de tempo, quebrado apenas por Ricardo, que comenta com Letícia:

–É por isso que ele é assim, nao acha? Tá no dna, olha o sobrinho, quer dizer, o primo dele.

–Cale a boca, Ricardo.

Linda volta-se da parede e antes de sair, decide desabafar.

– Eu vou sair, dona Santa, Alfredo tem razao, eu devo ir embora – Alfredo a interrompe, gritando que não pronuncie o seu nome. Linda prossegue, mesmo assim – Antes de sair, preciso dizer que fiz tudo para que ele fosse libertado. Quando soube que estava sendo acusado, que era suspeito da morte do meu sobrinho, eu fiz das tripas coração para descobrir o verdadeiro assassino. – E voltando-se para Alfredo, que neste momento está com o rosto enfiado na mesa, completamente abalado, ela insiste – Eu fiz isso por você, Alfredo. Não importa o que pense, o que sinta por mim. Fui uma sombra ao seu lado, mas sempre estive por aqui, cuidando de você, toda a minha vida, todos os dias, toda as horas, todos os minutos sempre ao seu lado, mesmo que fosse apenas uma criada. Fiquei calada para sustentar o título de familia bem estruturada que vocês representavam. Mas voce é o meu filho e bem ou mal, embora você nem se lembre, eu semper o ajudei e sempre estive ao seu lado.

Ao terminar, afasta-se em silêncio, fechando a porta atrás de si. Todos os olhares agora se voltam para Alfredo, que também se levanta, indicando que deixará a sala.

– Mamãe, vou me retirar. Isso tudo me dá nojo!

Santa ainda tenta remendar a situação:

–Um dia, voce me entenderá.

–Não, nunca a entenderei. Nunca entenderei como me adotou sem se preocupar em saber a minha origem, sem nunca me contar quem eu era. Também nunca entenderei, dona Santa, a senhora, uma mulher tão religiosa, como conseguiu mentir por todo este tempo. Agora fica cada vez mais clara a lógica dessa família falsa. Uma arremedo de família. Eu nao quero mais participar dessa mentira.

Afasta-se em seguida, enquanto Santa o chama em desespero:

– Alfredo, volte aqui meu filho.

Da porta, ele responde com raiva:

–Não me chame de filho, você não é minha mãe.

Todos ficam em silêncio. Em seguida, Tavinho dirige-se na direção da porta e Santa pede que fique. Ele responde, desolado.

– Não, mamãe, vou procurar Alfredo. Não sei mais que revelações ainda teremos hoje. Estou cansado e não quero saber mais nada.

Letícia levanta-se e Ricardo resmunga, perguntando pelo jantar. Ela se aproxima da mãe e faz uma breve carícia em seu rosto. Depois, diz-lhe baixinho, que acha melhor irem embora. Na verdade, não há nada para celebrar.

– Mas vocês não acham que estão sendo cruéis demais? O que vai ser de mim?

– Mamãe, a vida continua. Não se preocupe, que tudo se acerta.

Ricardo insiste: – Não é melhor a gente comer e depois ir embora?

Letícia faz uma careta, exigindo que ele a acompanhe. Em seguida, saem deixando Santa sozinha, à beira da imensa mesa de jantar. Ao vê-los se afastarem, ela ainda pergunta, desconsolada: – E a fotografia que tiraríamos juntos? A fotografia de nossa vida?

FIM

terça-feira, dezembro 13, 2016

A fotografia da vida de Santa -CAP. 26

Capítulo 27

Linda levantara mais cedo do que de costume. Após chamar um táxi, afastara-se da casa imediatamente, sendo observada por Santa, que se perguntara onde ela iria. O motivo que relatara é que retiraria uns documentos no correio, mas Santa não acreditara na desculpa. Em todo caso, agora nada importava em relação à Linda, a não ser esperar o momento certo para desmascará-la e a afastá-la para sempre de sua casa.

Neste momento, suas preocupações principais referiam-se à situação difícil em que o filho se encontrava. O caso ficava cada vez mais difícil de ser esclarecido, tornanando-o responsável pelo assassinato de Fernando.

Além disso, Alfredo estava ainda mais implicado com a acusação de sequestro revelada na gravação do celular da vítima, no qual o próprio Fernando dizia não querer tomar parte e por isso, se garantia de uma presumível acusação.

Santa observava pela janela Linda afastar-se rapidamente e ficar na porta da casa, quase na esquina à espera do veículo. Em seguida, não a viu mais e voltou para os seus pensamentos que a deixavam mais aflita. Como estaria Alfredo, numa situação deplorável de preso comum, um homem educado, que nunca tivera contato com marginais e que de uma hora para outra, convivia nos mesmos espaços.

Enquanto isso, Linda não demorara muito no seu trajeto, descera rapidamente e se aproximara de uma casa modesta.

Ao chegar na porta, ligou para alguém tentando confirmar o encontro.

A mulher que abriu a porta, parecia um pouco surpresa com a sua presença, embora soubesse que a encontraria lá. Pediu que entrasse e esperasse uma xícara de chá, que prepararia em seguida.

Linda olhou a amiga sem mostrar nenhum interesse. Disse que apenas esperaria a pessoa que chegaria, conforme o combinado.

Lúcia sentou-se ao seu lado e insistiu que tomasse o chá, pois era bom para quem estava nervosa como ela, segundo supunha.

– Você tem razão, Lúcia, mas pretendo acabar com esta história de uma vez por todas. Não tenho vontade nenhuma de tomar chá.

– É uma pena tudo que aconteceu, Linda. Eu sinto muito, de coração. Sei o quanto você está sofrendo e como amava aquele sobrinho.

– Pois é, Lúcia. Eu não podia passar por isso. Tudo poderia ser diferente, se você não tivesse entregado a mensagem com aquela gravação para dona Santa. Depois que ela soube de tudo, as coisas começaram a mudar muito naquela casa, ela fez tudo para me prejudicar.

–Pensei que você se referia ao seu sobrinho. Foi uma morte cruel.

–Sim, também e sabe Deus como morreu, como mataram ele! Tudo resultou naquela morte terrível. Mas eu estou falando noutras coisas.

– Me desculpe, Linda. Você sabe que eu não entendo bem dessas tecnologias, eu estava atrapalhada na igreja, o celular dava um sinal a cada um minuto. Foi então, que dona Santa pediu para ver o que estava acontecendo e tentou ajudar-me.

–Ajudou tanto que pegou pra ela a gravação. Mas deixa pra lá, agora isso também já é passado. Eu preciso descobrir uma coisa e isso é mais importante do que tudo, neste momento!

– Desculpe lhe perguntar Linda, você sabe que não gosto de me intrometer na vida dos outros, mas você é minha amiga e me sinto na obrigação de lhe perguntar. Você se refere ao Bispo Martim?

– Sim, você tem razão, quero ter uma conversa muito séria com ele, mas parece que está receoso em vir. Estou aqui há quase uma hora e nada dele aparecer.

– Ele não é um homem de faltar a seus compromissos, a menos que tivesse algum compromisso urgente, de última hora.

Linda fica em silêncio um pouco, pensativa. Depois, se volta para Lúcia e pede que ao chegar o bispo, ela se afaste e os deixe sozinhos, pois se trata de um assunto confidencial.

– Não se preocupe, Linda, fique à vontade. Você sabe que sou sua amiga.Eu não vou ficar atrás da porta ouvindo a conversa.

Neste momento, elas ouvem o barulho de um carro se aproximando. Lúcia corre à janela e percebe que é o bispo Martim que está chegando. Linda pede que Lúcia se retire para o interior da casa e a deixe sozinha. Depois, decide dar-lhe algum dinheiro para que saia de casa e compre algumas coisas. Pretende ter uma conversa sozinha com o Bispo.

–Mas não é preciso tudo isso, Linda.

–É sim, você estando na casa, ele ficará temeroso em se abrir, não vai querer falar nada. Por favor, Lúcia, voce já me decepcionou uma vez, não o faça de novo. Vá ao shopping, fique um tempo lá, pelo menos uma hora. Olhe aqui tem também dinheiro para o táxi. Você faz isso por mim?

– Está bem, Linda, se você acha melhor desse modo, eu vou. Pode ficar tranquila.

– Agora, abra a porta e aproveite para sair. O homem já tocou duas vezes, daqui a pouco, desiste.

Linda pega um casaco rapidamente e abre a porta, cumprimentando efusivamente o bispo Martim que se surpreende com a sua saída. Ela afasta-se e Linda aparece, pedindo que entre.

O homem a cumprimenta e senta-se no sofá na ponta oposta à que Linda estava sentada. Linda então, levanta e aproxima-se dele sentando-se numa poltrona mais próxima. O bispo fica pouco à vontade e pergunta, intrigado:

– Linda, o que aconteceu? Foi a sua patroa que a mandou até aqui? Não entendi porque não foi até a igreja.

– A igreja não é um lugar adequado para a nossa conversa, bispo.

O bispo retira um lenço do bolso e o passa pela testa secando o suor que a invade, desde às grandes entradas até alguns fios que estão molhados. Olha-a com desconfiança.

– Você não me respondeu, foi Santa que a mandou aqui?

– Não bispo Martim, eu é que queria ter um assunto muito sério com o senhor. Dona Santa não tem nada a ver com isso!

– E por que na casa de sua amiga? Por que não na sua casa, onde mora na mansão com a Santa?

– Eu não moro na mansão, o senhor sabe. Fico numa pequena casa aos fundos. Lembra-se que meu marido era o caseiro, principalmente quando todos viajavam?

– Sim, é claro que sei, foi o que eu quis dizer.

– Pois bem, lá eu não teria liberdade de conversar com o senhor, sem que todos soubessem que estava lá.

– Está bem, Linda, o que é que você quer de mim?

– A verdade, bispo Martim. A verdade.

Ele novamente passa o lenço pela testa, agora trazendo-o até a boca, que parece ressequida. Pede um copo de água e levanta-se apreensivo.

–Sente-se, bispo, sente. Eu já lhe sirvo.

– Obrigado, Linda. Eu só levantei para tomar um pouco de ar, vou abrir a janela um pouco, se não se importa, está meio abafado.

– Está bem, espere aí que já volto.

Linda corre até a cozinha e volta com a água. O bispo torna a sentar-se e enquanto absorve o líquido, a observa com curiosidade. Linda percebe e parece sentir-se mais segura em seus objetivos. Senta-se a sua frente novamente e começa a falar.

– Eu falei sobre a verdade que eu queria saber. Refere-se ao meu sobrinho Fernando.

O bispo Martim estremece o lado esquerdo da boca. Em seguida, faz um gesto sombrio, como se devesse mostrar um sentimento triste. Junta as mãos, tocando-as na boca e abaixando os olhos. Depois, complementa:

– Você deve estar muito triste Linda, eu entendo o seu sofrimento.

– Não tanto quanto devia. Estou triste sim, mas Fernando sempre foi um incômodo para mim. Eu o ajudava, mas ele não correspondia. Estava sempre aprontando das suas. Ele queria vencer na vida a qualquer preço e embora se fingisse de humilde e trabalhasse como jardineiro, ele tinha planos bem pretensiosos.

O bispo insiste no melodrama:

– Ele me parecia muito apegado a você. Sempre demonstrava um carinho por sua pessoa, inclusive eu percebia que a tratava muito bem.

– O senhor não precisa tentar me agradar. Eu sei que ele não gostava de mim, ele me suportava, porque precisava do emprego, para poder ficar em liberdade. E ele não gostava das condições que eu impunha.

O bispo Martim mostra-se surpreso.

– Mas então?

– Então bispo Martim, que não quero falar sobre mim, nem sobre a maneira como ele me tratava. Quero falar na relação que o senhor tinha com ele.

O bispo empalidece. O lábio volta a tremer e parece sentir-se perdido, sem saber o que dizer. Linda percebe o seu estado perturbado e prossegue, enfática:

– Não cabe a mim julgar ninguém, nem me interessa a vida dos outros, mas sei perfeitamente que existia uma relação muito estreita entre vocês dois.

O bispo abre o colarinho, tentando sentir-se melhor. Cada vez mais pálido e com a voz trêmula, se atreve a retrucar:

– Não diga bobagens, Linda. Você está falando coisas que desconhece.

– O senhor tem razão, bispo, sei muito pouco sim, por isso quero que me diga a verdade. Estou esperando.

Desta vez, ele parece recobrar a confiança, embora se levante com dificuldade. Depois disso, afasta-se em direção à porta. Volta-se e encara Linda com desprezo.

– Sabe de uma coisa, Linda? eu não tenho nada a fazer aqui. Não sei a que você se refere e não estou interessado. Por favor, se me dá licença…

Linda porém o intercepta antes que chegue à porta, retirando uma arma da bolsa e apontando-a em sua direção. Ele se assusta, arregalando os olhos, surpreso. Pergunta, ainda tentando tomar o controle da situação.

– O que está acontecendo Linda, você está louca? Você me respeite e sente-se onde estava. Você, uma mulher temente a Deus, fazendo um papel destes! Largue esta arma, Linda!

– Acha que estou louca bispo? Pois então, o senhor que deve ser um homem temente a Deus, deve obedecer-me e contar tudo o que sabe ou lhe meto uma bala na cabeça. É isso que quer?

Ele da alguns passos incertos aproximando-se do sofá onde estava. Pede que ela se acalme e reflita bem no que está fazendo. Aos poucos, senta-se, sempre com os olhos fixos em Linda. Sua expressão revela intenso pavor. Linda ao contrário, está segura i e determinada a conseguir a confissão que deseja.

– Vamos, que está esperando? Eu não tenho todo o tempo do mundo.

– Mas o que você quer saber, Linda? Pelo amor de Deus!

– Não fale em Deus, seu canalha! Eu nunca vi alguém testemunhar ao contrário a doutrina da igreja com tanta eficiência como você! Eu quero saber se Fernando pagava você para terem relações sexuais, se fazia chantagem com você, quero saber tudo!

– Mas para que, Linda? O que você vai conseguir com isso? O que vai conseguir com estes insultos a minha pessoa? Eu sou um religioso, Linda, veja bem a que você está me expondo.

– Por enquanto, eu não lhe expus a nada. estamos só nós dois nesta casa e a única coisa que quero é a verdade. Agora, desembucha que estou perdendo a paciência!

O bispo quase se descontrola, soluçando por alguns minutos, mas logo se recompõe, assoando o nariz e limpando diversas vezes o suor da testa, que se torna mais intenso. Com os olhos vermelhos, tenta se defender:

– Você sabe, como todo ser humano, eu tenho falhas. Sou fraco, muito fraco, e olhe que lutei toda a minha vida, mas há um momento, em que cedemos, em que não temos forças suficientes para vencermos a tentação.

–Não enrola, bispo. Vá em frente, sem muita lamúria.

–Bem Linda, eu sempre tive atração por rapazes.

– Parece que você tem atração por tudo, pegou até a velha mãe de Sandoval! Talvez tenha tesão até por árvores!

– Por favor, não me humilhe, Linda. Eu estou desconhecendo você, tão ponderada, tão afeita à moral, à educação, à religião. Por que me trata assim? Eu estou desesperado, falar isso para você é muito difícil para mim.

– Eu também o desconheci muitas vezes, mas isso não vem ao caso. Quero ouvir de você tudo! é só o que me interessa!

– Pois bem, quando eu visitava a dona Santa, eu costumava conversar com o rapaz. Ele sempre fora muito gentil, até parecia ter uma empatia comigo.

Linda sorri irônica, mas fica em silêncio, esperando o desfecho.

– Certa noite, ele me pediu carona, parece que pretendia fazer algumas compras, se não me engano, precisava de algumas roupas. – ele faz uma pausa e olha para Linda submisso – Linda, você não se importaria de apontar a arma para outro lado, sei lá, de repente, você se engana e atira. Eu fico nervoso com esta situação.

– Está bem, mas não faça nenhuma besteira, não tente se levantar deste sofá, que eu atiro. Agora, prossiga.

– Bem, como eu estava dizendo, as caronas se sucederam. Sempre que o via, até mesmo na rua, ele me pedia que o levasse em algum lugar. E sabe, ele me olhava de uma maneira que não deixava dúvidas. Ele me seduzia com o olhar, Linda, então, eu não tive alternativa, eu acabei caindo na dele, entende?

– E depois, o que aconteceu?

– ele começou a pedir-me presentes, roupas, sapatos, até dinheiro.

– E onde se encontravam?

– Linda, é claro que nos motéis. Eu pagava a ele, Fernando era um garoto de programa, pelo menos para mim, embora eu sentisse muito mais do que uma simples atração sexual. Eu tinha um carinho especial por ele.

– Um garoto muito caro, não?

– Sim. Ele era esperto, começou a exigir bem mais do que eu podia dar, eu precisava arranjar dinheiro todas as vezes que nos encontrávamos, além das coisas que comprava.

– Muito mais do que bens materiais, ele era caro em relação ao que ele sabia. Você poderia perder o seu cargo, ser execrado da comunidade, talvez até expulso da igreja ou no mínimo, mandado embora.

– Sim, é verdade.

– E o que aconteceu depois?

– Depois não aconteceu nada. O pobre rapaz foi assassinado. Eu não sei de nada, não sei o que aconteceu.

–Mas ele lhe fazia chantagens.

– Não, ele apenas brincava, que um dia contaria tudo, que falaria na igreja, no bispabo, mas nunca dei importância. Sabia que era apenas uma maneira de me prender a sua sedução, sabe? Na verdade, ele nunca fez chantagens.

– E esta carta aqui que eu tenho a cópia, que ele mandaria para o bispado, contando tudo, toda a sacanagem que vocês faziam? Isso não é chantagem?

O bispo fica desolado. Abaixa a cabeça, quase levando-a ao colo, segurando-a com as mãos. Ainda, sem olhar para Linda, pergunta:

– E como você tem esta cópia?

– Porque eu sabia tudo que acontecia com ele. Não se esqueça que ele morava comigo, me devia favores. Fernando era um cara que devia à justiça e eu o ajudava, tanto que ele nunca teve problemas, mesmo estando no regime de condicional.

– Mas eu jamais tive contato com esta carta. Soube qualquer coisa, mas não dei importância, ele nunca me faria mal.

– Não se faça de idiota, bispo Martim. Você sabia e muito mais, porque ele lhe fazia chantagens, a ponto de lhe pedir muito dinheiro. E outra coisa de muito valor que não era sua: a bússola de ouro. Ele queria a bússola que estava na igreja, que pertecera à família de dona Santa.

– Por favor, Linda, pare com isso, por favor, você está me deixando doente, estou passando mal. Olhe, como estou suando.

– Não é pra menos, mas se quer acabar com isso, fale tudo. Diga o que aconteceu com Fernando.

– Eu já lhe disse tudo, eu caí na tentação, fui um louco, um idiota, eu nunca deveria ter feito aquilo! Estou muito arrependido, se eu soubesse meu Deus, o que ele faria, jamais teria me aproximado daquele rapaz!

– Fora toda a sacanagem que fizeram juntos, isso não me interessa. Quero saber sobre as ameaças. Quero saber se você se vingou de Fernando, pela sua boca, agora, neste momento ou lhe mando para o inferno! – nete momento, ela volta a apontar a arma para o bispo – Estou aqui pra tudo bispo, quero a verdade ou lhe dou um disparo bem no peito! É isso que você quer?

– Voce pretende me matar de qualquer jeito, eu já entendi tudo.

– O senhor é inteligente, bispo. Mas se não há alternativa, então fale tudo. Fernando o ameaçava, o que mais ele fazia para apavorá-lo?

– Está bem, está bem, eu falo então. Ele escrevera a carta, mas havia um video, um video íntimo nosso, que ele dizia que publicaria na internet.

– Que nojo! Você me dá asco, bispo!

– Você não pode me julgar, Linda. Ninguém pode me julgar, só Deus! Além disso, você não é a santinha que parece, você tem um filho com o Sr. Sandoval. Pensa que é melhor do que eu?

– Mas eu não matei ninguém!

– O que você quer dizer?

– Que você veio aqui, na noite do crime, que você o matou antes de Alfredo chegar! Você é o assassino! Foi você seu miserável! Confesse, desgraçado, confesse que matou o meu sobrinho!

– Já que você quer saber, Linda, eu matei sim! Matei aquele desgraçado que queria a minha ruína, que queria acabar com a minha vida! Eu o matei porque era ele ou eu, pois saiba, eu tinha a chave da casa, eu transava com o seu sobrinho na casa que era de sua irmã, e foi ali, que marquei mais uma vez um encontro, só que para matá-lo! Agora me mate, acabe comigo e me mande para o inferno, como você disse! Vamos, acabe com isso!

– Não, você está enganado, eu não vou matá-lo, você vai para um lugar muito pior, pois a polícia vai prendê-lo agora, porque eu combinei com eles que estão na escuta e com um toque no celular já estão aqui para pegá-lo.

Neste momento, a porta se abre e três policiais surgem, enfrentando o bispo Martim, acusando-o de homicídio premeditado e algemando-o.

sábado, dezembro 10, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 26

Sábado, 10/12/16 - Em breve o final deste folhetim dramático.

Capítulo 26

Após o enterro de Fernando, Linda voltou para a casa e trancou-se em seu quarto. Apesar de todas as desconfianças e presumíveis ameaças da empregada, Santa estava penalizada com o seu estado de sofrimento. Tentou ser solidária embora Linda se mantivesse reticente. Santa também estava desolada pelo fato de Alfredo estar preso. Tudo parecia voltar-se contra a sua família e não havia nada que pudesse fazer. Então teve a ideia de fazer uma nova reunião, já que não havia conseguido unir a família pela missão que acreditava ter que cumprir, a uniria pela salvação do filho.

Aos poucos, todos foram chegando. Sandoval aguardava ansioso e transtornado pelos últimos acontecimentos. Letícia e Ricardo foram os primeiros a chegar. Tavinho desceu do carro, em seguida, incomodado por mais uma convocação da mãe, que achava que poderia resolver tudo ao seu modo. Entrou na casa e foi na direção da biblioteca, mal humorado. Santa aproximou-se do filho e o beijou, pedindo em seguida que sentasse numa das cadeiras em torno da mesa. Em seguida, iniciou a conversa.

– Mais uma vez estamos juntos, só que nunca imaginei que seria desta forma, principalmente por Alfredo estar longe de nós – a voz estremeceu, emocionada ao falar no filho. – Entretanto, precisamos unir forças para tirá-lo daquela prisão.

Ricardo abre uma agenda e rabisca alguma coisa. Fala com certa irritação sobre a ida de Letícia à casa de Fernando, ao lado de Tavinho.

– Se eu soubesse que Letícia tinha feito a bobagem de ir até aquela casa, eu não teria deixado. Aliás, não entendi até agora o motivo.

– Por favor, Ricardo, já conversamos sobre isso. Não recomece.

Santa os interrompe, impedindo que a briga deturpe o objetivo do encontro.

– Agora não é momento para recriminações, Ricardo. Eles foram até lá e assunto encerrado.

– Desculpe, Santa, mas não é assunto encerrado. Eu gostaria que meus filhos explicassem porque foram conversar com o jardineiro naquele dia. Quero saber o motivo, afinal vocês colocaram toda a família em risco.

Letícia fita o pai com certa indignação e responde com veemência:

– Então está bem, papai, já que o senhor quer realmente saber. Nós fomos falar com o Fernando sim, porque ele devia saber muito mais coisas do que sabíamos, principalmente sobre o senhor e Linda.

Sandoval empalidece, mas não se deixa abalar. Defende-se como pode.

– Na verdade, Letícia, sua mae sabe tudo o que aconteceu. Eu fiz questão de esclarecer tudo a ela, contei inclusive que estava sendo chantageado por Linda por causa da gravação de nossa reunião, naquele dia.

Tavinho suspira, manifestando certa culpa pelo que fora proposto na reunião e que certamente Santa devia ter conhecimento de tudo. Aproxima-se da mãe e acaricia-lhe o ombro, desajeitado.

– Mamãe, você deve ter ouvido toda aquela papagaiada, eu só concordei porque quero viver a minha vida, eu fiquei alheio a tudo aquilo.

– Eu sei Tavinho, todos vocês tiveram papel crucial naquela decisão. Todos tinham os seus interesses particulares, ninguém pensou em mim, que seria considerada uma velha louca.

–Não é bem assim, mamãe!

– É sim, Letícia, você sabe que é. Você declarou que eu estaria tirando a liberdade de vocês, talvez tenha razão. Você achou que eu havia me arriscado demais, me metendo onde não devia. E você Tavinho, você lavou as mãos, como Pilatos. O único que sofreu mais e relutou com a decisão foi o Alfredo. Ele concordou também, mas não queria que eu descobrisse que fosse tachada de louca. O Ricardo inclusive, colocou em dúvida a aparição da Virgem, julgando-me sem qualquer escrúpulo.

Ricardo a interrompe, desculpando-se: – Ah, dona Santa, a senhora há de convir que era tudo muito estranho e se o próprio Seu Sandoval, seu marido afirmava isso, seria eu que duvidaria?

Ela o olha entediada. Volta-se para Sandoval e dispara, com raiva:

– E você Sandoval, foi o traidor, infelizmente.

– Por favor, Santa, não vamos recomeçar! Agora não entendo como você sabe de tantos detalhes. Quem lhe contou? Foi você, Letícia?

– A senhora não disse a ele, mamãe?

– A que você se refere Letícia - e voltando-se para Santa – há mais alguma coisa que desconheço, Santa?

– Mamãe recebeu a gravação quando Linda enviou a mensagem para uma amiga. Ela sabia de tudo desde o primeiro momento, por isso não caiu na armadilha que vocês arquitetaram!

– Você sabia, Santa? Então eu não tinha motivo nenhum em obedecer àquela mulher.

– Naquele dia, eu havia ido à igreja, e uma amiga de Linda recebera a mensagem com a gravação. Ela seria o suporte dela, mas eu acabei sabendo de tudo, passei para o meu celular na hora. No entanto, fiquei quieta, pois precisava saber até que ponto você iria, até que ponto tentariam me anular, me transformar numa mulher imprestável.

– É papai, o senhor pisou na bola e mamãe foi muito esperta.

– Mas eu não entendo. Linda deveria ter descoberto que a a tal mulher, se era amiga dela, mandou para você a mensagem.

– Não sei, isso é um mistério. Ela deve ter se comunicado com Lúcia, a mulher que recebeu a mensagem com a gravação. Deve ter contado tudo, mas você sabe que Linda é dissimulada. Certamente, ele mudou de planos. Talvez nem você Sandoval fizesse mais parte dos seus planos.

– Isso é um absurdo, meu Deus! - exclama Sandoval, aniquilado. Santa levanta-se da cadeira e encaminha-se para uma posição em que consegue observar a reação de cada um. Assim, em pé, continua:

– Mas eu não os chamei aqui para ficarmos remoendo esta história. Há muito tempo eu já sabia de tudo, já tinha me frustrado com todas as conclusões que tiveram e agora acabou. Só me interessa encontrar uma maneira de ajudar Alfredo.

– Mas por que vocês acham que o rapaz sabia mais alguma coisa sobre essas manobras de Linda? - pergunta Sandoval, dirigindo-se aos filhos. Santa porém responde com frieza.

– Você mesmo disse Sandoval que ele era o homem que nos assustara naquela noite, andando pelo jardim, aparecendo e desaparecendo e jogando um bilhete pela janela. Você afirmou que tudo fora tudo articulado por Linda.

– É verdade, é verdade. Tenho certeza disso, ela me confiou o seu plano. Mas então… Alfredo também tinha a intenção de descobrir alguma coisa com ele?

Ricardo olha para a mulher intrigado, pretendo impulsionar alguma explicação.

– Vocês dois combinaram ir na casa de Fernando, foi o que você me disse. Eu sabia os motivos, mas por que Alfredo estava lá. Ele deve ter dito alguma coisa para vocês, Letícia.

– Calma, Ricardo. Parece que você está mais interessado do que o papai. Alfredo estava lá, sim, quando chegamos, mas provavelmente tinha a intenção de encontrar alguma coisa que revelasse uma provável armação de Linda. Ele andava desconfiado há algum tempo.

Ricardo intervém, insinuando:

– Eu já tenho as minhas dúvidas, vocês sabem como ele tem interesses estranhos. Vai ver que não era nada do que vocês estão pensando!

– Você é terrível, hem Ricardo, quer calar a boca?

– E o que você acha que tenho que pensar? Você mesma já pensou nisso, que eu sei. Além disso, devemos avaliar todas as hipóteses, querida.

Santa interfere, amargurada:

– Esse não é o caso, gente, pelo amor de Deus. Alfredo é um homem de bem. E por favor, vamos tentar ajudá-lo, não crucificá-lo.

– Estamos aqui para isso. – Complementa, Tavinho.

– Então, contem o que aconteceu naquela casa. - Insiste Sandoval.

Neste momento, batem à porta e Santa afasta-se, tentando saber o que estava acontecendo. Linda surge com o olhar aflito, com olheiras ainda sublinhando a dor que manifesta. Avisa à patroa que o o doutor Tavares, advogado de Alfredo está na sala anterior e tem interesse em conversar com eles. Todos observam a cena surpresos. O que estaria fazendo ali o advogado de Alfredo, o que teria acontecido? Linda afasta-se ao ouvir a ordem de Santa, para que o advogado se dirigisse à biblioteca.

Quando entra, o homem revela-se muito preocupado. Todos fazem silêncio e Santa pede que ele sente à cabeceira da mesa, cedendo o seu lugar. Em seguida, acomoda-se ao lado de Tavinho. O homem começa a falar, desculpando-se.

– Eu não esperava que estivessem tendo uma reunião, por isso peço desculpas. Tenham certeza de que serei breve. Por um lado, foi bom encontrá-los juntos, porque assim, poderei conversar com todos. Como já devem estar imaginando, o assunto só podia referir-se a Alfredo.

– O que aconteceu com meu filho doutor?

– Ele está bem, dona Santa, claro que dentro das condições em que se encontra. Não é nada agradável estar preso, mas pode ter certeza de que está sendo bem tratado, inclusive, por enquanto está numa cela sozinho.

Santa não consegue esconder algumas lágrimas. Tavinho acaricia-lhe as mãos, por um momento. Enquanto isso, o advogado prossegue, enfático.

– Pois é pessoal, eu vim aqui porque preciso da ajuda de vocês para tirar o seu irmão da cadeia. Sei que poderão me informar fatos mais detalhados, que tenho certeza, poderão ajudá-lo com muita eficácia. Infelizmente, posso lhes afirmar que Alfredo está bem encrencado.

– Como assim, o que o senhor quer dizer com isso? - pergunta Sandoval, ansioso.

– Se possível, senhor Sandoval, peço a todos que me ouçam com atenção. Somente assim poderão me ajudar, de algum modo.

– Está bem doutor, por favor, fique à vontade.

– Bem, há uma prova física de que Alfredo esteve lá, embora esteja nos autos que ele confessara ter estado na casa do morto.

– Mas então, essa prova não significa nada. - intervém Ricardo.

– Na verdade, senhores, esta prova corrobora com o que ele disse à polícia. Ou seja, de que esteve lá. O problema é que houve uma limpeza no ambiente, no cenário do crime, entendem? Esta limpeza o incrimina ainda mais, porque ele deve ter feito isso para escapar da condição de suspeito.

– A prova física foi a lente que ele perdeu, doutor? - pergunta Letícia, interessada.

– Sim, foi encontrada, examinada e comprovada que era dele.

– Como meu irmão foi burro! Ele disse que tinha perdido uma lente!

– Meu Deus, Letícia, pobre do seu irmão! Ele é inocente, doutor! Ele não seria capaz de um ato tão torpe!

– É, entretanto alguém tentou se livrar da acusação, seja ele sozinho ou incentivado por outros.

– Estes outros somos nós, não é doutor? É a gente que o senhor se refere?

– Sim, Tavinho, vocês estiveram lá e encontraram o seu irmão apavorado, tentando descobrir se a vítima ainda estava viva. Mas, temos outro problema pior, embora pareça impossível. Uma gravação foi encontrada no celular da vítima. Uma mensagem do próprio Fernando referindo-se a Alfredo.

– Sim, eles devem ter combinado se encontrarem, isso é óbvio.

– Não se trata disso, apenas Letícia.

– Havia mais alguma coisa, doutor? - pergunta Ricardo.

– Sim, eu disse que era uma mensagem do Fernando, uma espécie de monólogo, não uma troca de mensagens apenas.

Santa está cada vez mais nervosa. Questiona o advogado, com a voz trêmula, prevendo que o pior está por acontecer.

– Mas o que o meu filho tem a ver com isso?

– A mensagem é muito grave, dona Santa e está nas mãos da justiça.

– Do que se trata doutor Tavares?

– Senhor Sandoval, eu não gostaria que o senhor soubesse assim dessa maneira do teor da gravação, mas é necessário. Infelizmente, o senhor é o pivô da mensagem deixada pela vítima.

– Mas o que eu tenho a ver com isso?

– O que supomos e o que até mesmo a polícia acredita é que o Fernando, a vítima, tenha feito a gravação para se defender, para garantir que estava isento de um presumível crime que estava prestes a acontecer.

– O senhor pode explicar melhor, doutor? Não estou entendendo nada.

– Bem, Sr. Sandoval, a vítima diz textualmente que Alfredo planejava sequestrar o senhor.

– O que? Isso é um absurdo! Meu filho não faria isso! - grita Santa, em desespero.

– Isto é mentira doutor, meu irmão não teria sangue frio para isso.

– Calma Leticia, deixa o doutor continuar - argumenta Ricardo interessado.

– Alfredo não ia se meter numa merda dessas, a menos que estivesse louco. – conclui Tavinho.

– Bem, pessoal, continuando: A vítima deixa claro que Alfredo queria que ele sequestrasse o pai e o levasse para a casa onde estava morando por um tempo determinado, o tempo suficiente para que ele, Alfredo, pudesse comprovar que a mãe era lúcida e capaz de tomar suas decisões quanto ao patrimônio, longe da presença do pai que para todos estaria viajando. Para isso ele daria uma grande recompensa em dinheiro ao rapaz. Mas, segundo as palavras da vítima, ele jamais faria isso, porque seria preso e não teria chances de sair da cadeia. Entretanto, queria deixar claro quem era o culpado de tudo.

Sandoval levanta-se transtornado e golpeia a porta da biblioteca com raiva. Grita indignado:

–Maldito! Meu próprio filho queria a minha ruína! Ele sempre me odiou, aquele bicha miserável! Com certeza, queria matar-me, acabar comigo!

–Não diga isso Sandoval, pare de insultar o nosso filho, com certeza isso é tudo uma armação. Alfredo é um homem doce, de coração bom. Isso não é verdade, não pode nem ser verdade! - Santa conclui descontrolando-se e caindo num choro convulsivo.

Letícia aproxima-se dela e a abraça, pedindo que se acalme para ouvir o que o advogado tem a dizer. Tavinho também conforta a mãe, ao seu lado. O advogado prossegue, expressivo:

– Verdade ou não, o fato é que esta gravação piorou em muito a situação de Alfredo. Para a polícia, ele é o único culpado do assassinato do rapaz e só falta saber a causa motivadora de tal crime.

– Meu filho não seria capaz de um ato tão torpe! -– Insiste Santa, enquanto Letícia exclama, confusa – Eu estou pasma! Alfredo estava louco, possesso!

– Ou ele queria acabar com o seu pai mesmo, Letícia. O dinheiro, o poder, o patrimônio, tudo conta numa hora dessas. – Afirma Ricardo, categórico. Tavinho insiste:

– Deve existir outra coisa nesta historia toda. Não pode ser isso. Eu também não acredito nessa lorota, meu irmão não ia planejar isso. É loucura. O advogado olha em torno e observa que todos estão muito confusos. Então, responde a Tavinho, tentando esclarecer a situação:

– Loucura ou não, Tavinho, nós não sabemos. Eu conversei com ele, ele foi reticente. Mas o problema é o que lhes falei. Ele está muito encrencado!

– Que apodreça na prisão, esse miserável! - grita do outro lado da sala, Sandoval completamente alterado. Santa o repreende, assustada:

– Não diga isso Sandoval, tenha piedade de nosso filho! Ele é inocente!

– Pois saiba Santa, que já nem tenho certeza de que ele é inocente ou matou mesmo o jardineiro! Um homem que planeja sequestrar o próprio pai, é capaz de tudo!

– Você não pode acreditar nisso, é um erro muito grande. Este rapaz estava louco, certamente queria fazer chantagem com Alfredo, não há dúvidas.

O advogado tenta apaziguar a situação.

– Por isso estou aqui, para ajudá-lo. A polícia já sabe que vocês estiveram lá, então é o momento de dizerem o que viram naquele cenário, o que Alfredo estava fazendo. Você Letícia e você Tavinho precisam detalhar o que viram, dar argumentos para a presença de vocês, pois convenhamos, esta história está muito confusa. Vocês precisam ajudá-lo.

– Eu não tenho mais nada a dizer. Cheguei lá e vi o Alfredo segurando o corpo. Nunca imaginei aquela cena horrenda! - exclama Letícia, enquanto Tavinho complementa que vira o irmão em absoluto desespero, por isso pensaram em ajudá-lo naquele momento.

– E como o ajudaram? De quem foi a ideia de fazer uma limpeza na cena do crime?

– Foi minha, claro. Todos nós estariamos implicados, afinal mexemos em tudo naquela casa. Passamos pra lá e pra cá, porque estávamos muito nervosos, inclusive porque o verdadeiro assassino poderia estar ali, bem perto.

– A gente estava ferrado, por isso, fizemos o que Letícia sugeriu.

– Mas vocês sabem que mexer na cena do crime, desfigurar as provas é um considerado uma falta grave, o fato de extinguir os registros que comprovam um assassinato é uma prova de que queriam se livrar de alguma transgressão. Vocês podem ser acusados de serem cúmplices do assassino. Você deve saber isso muito bem, Letícia. É uma promotora. Eu não entendi porque fizeram isso, uma coisa tão primária.

– O senhor tem razão doutor, é que estávamos muito nervosos, como lhe disse, a família toda ali envolvida, Alfredo apavorado. Não sabíamos o que fazer.

– Foi mal mesmo. – Completa Tavinho.

Em seguida, Sandoval abre a porta da biblioteca e se volta para o grupo, desolado.

– Eu vou me retirar, isso já está me dando náusea. Meu próprio filho armando contra mim e os demais limpando a cena do crime. É uma frustração muito grande.

– Não se esqueça que no fundo, o senhor é o culpado de tudo isso que está acontecendo papai. – Reitera Letícia, sem piedade.

Sandoval afasta-se sem olhar para atrás. Santa está desconsolada, ora dirige-se ao advogado, ora aos filhos tentando achar uma solução. O doutor Tavares ratifica o seu pedido: acha que devem comparecer à delegacia e explicar como tudo se sucedeu, provando que o rapaz já estava morto quando Alfredo chegara. Entretanto, Tavinho faz uma pergunta, que faz todos se olharem surpresos.

– Tudo bem, a gente fez tudo isso, a gente ajudou o Alfredo, mas, vejam, não to afirmando nada, e se meu irmão for o verdadeiro culpado? E se ele matou o tal Fernando?

– Você não acredita nele? - indaga o advogado, intrigado, enquanto Santa acena a cabeça desiludida.

– Eu acredito, mas sei lá, agora veio esta confissão do jardineiro dizendo que ele queria sequestrar o pai.

– Isto é um absurdo, Tavinho. É tudo mentira desse homem!

– Não sei, mamãe, me desculpe, não quero que a senhora sofra mais do que já está sofrendo, mas e se for verdade? Eu já não sei em quem confiar!

– Então deixe que a polícia descubra, que a justiça encontre o verdadeiro assassino. Não será você quem julgará o seu irmão, não acha? Quero apenas que cumpra a sua parte. Você e Letícia devem abrir o jogo, contar o que sabem daquele momento. É só isso o que o advogado está pedindo.

terça-feira, novembro 29, 2016

A fotografia da vida de Santa -CAP. 24

NESTA TERÇA-FEIRA 29 DE NOVEMBRO, PROSSEGUE O NOSSO FOLHETIM DRAMÁTICO, AGORA COM O CAPÍTULO 24.

Capítulo 24

Santa estava muito nervosa com o sofrimento de Linda. Afinal, o sobrinho havia sido assassinado. De repente, as situações revelavam um caminho bem diferente do que Santa tinha imaginado. Ela agora, arrependia-se por ter pedido ao rapaz que descobrisse o que Linda estava tramando contra ela em conluio com o próprio marido. Precisava provar aos filhos que o seu objetivo era torná-la uma incapaz. Mas não era essse o caminho que queria para a família, ao contrário, queria o bem para todos. Por que tudo desandara dessa maneira? Até ela se envolveu nessa intriga. Por que não foi clara com Sandoval, com os filhos, por que não abriu o jogo. Isso tudo a deixava mortificada. Não era o que a Virgem lhe indicara, ao contrário, afastava-se cada vez mais dos objetivos de união e credenciamento de novos rumos para a família.

Estava assim, perdida em seus pensamentos, quando Sandoval entrou na sala. Observou que ele estava com um ar cansado, como se não tivesse dormindo toda a noite. Por um momento, lembrou das jogatinas, das festas longe de casa, mas poderia ser outro motivo. Quem sabe, ele também não estava triste pela morte do jardineiro.

Ele aproximou-se e sentou-se ao seu lado. Santa pensou em falar tudo que estava pensando. Naquele instante, sentiu uma certa ternura pelo marido, uma coisa antiga, que já não sentia há muito tempo. Entretanto, reprimiu o sentimento. Sandoval não lhe despertava confiança, como antes.

Ele a olhou amargurado e perguntou:

– O que está acontecendo nesta casa Santa? O que está acontecendo com nossa família?

– É isso que me pergunto Sandoval, a todo momento. Mas você estava tão bem, afinado com a família, fazendo uma reunião sem a minha presença. Parece que tudo está nos conformes, não?

– Não diga isso, Santa. E por favor, não vamos brigar, eu preciso conversar com você, com calma.

– Eu sei, eu também estou muito aflita com tudo que está acontecendo. A morte desse rapaz…

– E você sabe que Alfredo foi chamado para depor?

– Alfredo? O que você está dizendo, Sandoval? Por que meu filho teria que depor sobre a morte de Fernando?

– Não sei. Só sei que as câmeras da rua registraram o carro dele ou um vizinho chamou a polícia, coisa assim.

– Mas o que Alfredo estava fazendo lá?

– Ele encontrou o rapaz morto. E tem mais, depois chegaram Letícia e Tavinho. Por enquanto, a polícia não os chamou, mas não vai demorar muito, porque as câmeras pegaram a imagem de outro carro, certamente o deles.

– E como você sabe de tudo isso?

– Acabei de chegar do escritor de Letícia, ela está muito nervosa. Daqui a pouco, tenho certeza, vão começar os interrogatórios.

Santa não consegue conter as lágrimas.

– Meu Deus, como pode chegar a esse ponto. Não era isso que eu queria que acontecesse para a nossa família.

– Sinto muito lhe dizer isso, Santa, mas você foi a culpada. Foi você que veio com esta história de dividir o nosso patrimônio com aquela gentalha da ilha isolada, e esse desejo de modificar as nossas vidas. você começou com essa loucura!

– E o que isso tem a ver com o pedido de Nossa Senhora?

– Letícia me contou, que foi pedir ajuda ao rapaz. Ela e Tavinho estavam desesperados, porque você os instruiu contra mim. Mas você sabe, Letícia é estômago frio e acabou me contando tudo.

– Eu pedi que eles descobrissem o que você está tramando contra mim. Você induziu a família a pensarem que estou louca!

– E isso não é uma loucura? Acabar com o patrimônio da nossa família, dar dinheiro para essa gente, se misturar com eles, sei lá que insanidade você está planejando.

– Cale a boca, Sandoval! Cale a boca! Porque você ia muito mais longe, você queria me deixar uma incapaz, uma mulher que não pode decidir nada. Não pense que sou uma idiota, eu sei de tudo.

Sandoval tenta acalmar-se. Sabe que precisa de tempo para convencer a mulher e muito mais do que tempo, paciência. Talvez seja necessário mostrar-se arrependido do que fizera e até pedir-lhe perdão. Santa prossegue, indignada. Decidiu dizer tudo o que sabe, às claras, chega de mentiras, de meias-palavras. Chegou o momento da verdade.

– Eu sei que você fez um acordo com Linda.

– Como assim, de onde você tirou essa bobagem?

– Eu percebi quando ela começou a me tratar como se eu fosse uma demente, que esquecesse o passado, que esquecesse por exemplo que não tem um filho com você. Ela queria me fazer acreditar que eu estava fantasiando e me trazia chás com calmantes, eu tenho certeza disso. Um dia escondi os comprimidos e mostrei-os ao doutor Oliveira. Ela não deve estar fazendo isso sozinha, Sandoval. Você está nisso.Não tente me enganar, pelo amor de Deus.

Sandoval percebe que precisa fazer da mulher uma aliada. Então, decide contar-lhe toda a verdade. Levanta-se, fecha a porta da sala e volta a sentar ao seu lado. Fala em tom mais baixo.

– Santa, você tem razão. Eu vou contar-lhe toda a verdade.

– Eu sabia que você seram cúmplices!

– Mas agora, você precisa me ouvir, com calma. Temos que nos unir contra esta mulher, principalmente agora, que ela está fragilizada. Precisamos agir de uma maneira, que ela fique encrencada com a polícia e vá embora desta casa!

– Mas o que vocês estavam tramando contra mim?

– Começou com você, quando a mandou gravar a nossa reunião.

– E o que você queria que eu fizesse. Uma reunião que não teria a minha presença. Você acha justo isso?

– Santa, agora não é mais momento de pensarmos se é justo ou não. O fato é que ela gravou, mandou a gravação por mensagem para alguém para se assegurar que eu não tiraria dela a tal prova.

– A prova de que você convenceria os meus filhos a me considerarem louca.

– Não fale nestes termos.

– Mas é verdade. Não foi isso que foi tratado naquela reunião?

– Sim, foi, mas olhe. Vou ser sincero com você Santa, todos acabaram concordando comigo. Os nossos filhos pensaram bem e viram que eu tinha razão.

Santa emudece. Uma lágrima corre rápida dos olhos. Sente-se desolada. Os filhos concordaram que ela não deveria decidir sobre mais nada em sua vida.

– Sinto muito Santa, mas não posso omitir nada de você. Bem, quero falar de Linda. Ela fez uma chantagem comigo, disse que mostraria a gravação para você se eu não fizesse o que ela queria.

– Ela quer o quê? Acabar comigo?

– De certo modo, sim. Ela quer que eu assuma o nosso filho, que lhe dê o meu nome, que divida a fortuna com ele também. Ela quer ser a dona desta casa!

– Então quer me matar realmente.

– Não, o combinado era deixar você cada vez mais incapaz. Ela sugeriu isso, até você não ser mais nada nesta casa, até… bem quem sabe, se afastar daqui, de uma vez por todas.

– E você concordou com isso?

– Claro que não, eu fiquei louco, mas acabei concordando, pedi um tempo de 6 meses para poder por em prática o plano, até conseguir fazer o que ela queria.

– Até me enlouquecerem! Você é tão cruel quanto ela! Você é um criminoso, Sandoval!

– Mas eu não faria isso.

– Seja sincero. Você deixaria que ela tomasse as rédeas, como tentou fazer e me enlouquecer, me deixar tão fraca que acabaria pensando que estava louca realmente.

Sandoval não responde e Santa percebe que está em plena solidão, naquele vendaval de mentiras e planos criminosos.

– Seu miserável! Você é tão indigno quanto ela! Eu o odeio! E odeio aquela mulher!

– Santa, Santa, por favor, eu mudei de ideia, você está vendo. Eu não quero mais fazer isso, precisamos acabar com esta mulher, mandá-la embora. Por isso estou aqui, com você, ao seu lado.

– Nunca mais você estará ao meu lado, como não está agora Sandoval. Você está no seu lado. Você está com medo desta mulher, porque apesar de tanta covardia e sujeira, você nào queria que tudo viesse à tona, que nossos filhos soubessem e principalmente, você não quer dar nada a ela. Pois eu lhe digo, só há uma solução: você legalizar a situação do seu filho, dar-lhe algum dinheiro e a mandar embora. Você não precisa casar com Linda para fazer isso, então não se preocupe tanto com a situação.

– Mas você acha justo? E se este rapaz não for meu filho realmente?

– Faça o DNA. Vá para a justiça. Ela existe para isso.

– E quanto ao sobrinho? Ela tinha algum plano contra nós através dele?

– Sim, naquele dia em que um homem apareceu em nossa casa e deu um susto em você, foi tudo arranjado por ela. Era o tal sobrinho, que se fez de estranho para assustar todo mundo.

– Mas e o bilhete do bispo Martin?

– Linda o tinha pego no dia da reunião o e deu para ele, para parecer mais real.

– Então esta mulher é muito perigosa.

– Sim, por isso, precisamos nos unir, Santa.

– Eu já lhe disse o que fazer. Faça a coisa legal. Quanto a ela, não temos provas de que esteja tramando coisas contra nós, contra mim, principalmente. Não podemos chamar a polícia. Mas o que interessa agora é quanto aos nossos filhos, que parecem implicados com este crime. Afinal, por que mataram o rapaz? Você sabe alguma coisa Sandoval?

sábado, novembro 26, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 23

Capítulo 23

Naquela noite, a polícia foi chamada porque havia um movimento suspeito na casa que estivera há tempo tempo desabitada. Encontraram o corpo de Fernando estirado no chão e nenhuma impressão digital. Entretanto, investigaram com afinco as redondezas e descobriram quem tinha chamado a polícia.

O vizinho do prédio à frente, havia visto as pessoas entrarem e sairem da casa e tinha a impressão de que havia algo errado. Os policiais também examinaram as câmeras de segurança na rua, mas não conseguiram ver as placas dos carros. Entretanto, o final de uma delas estava bem nítido e o vizinho ainda auxiliara, dizendo que anotara a placa de um carro, embora não coincidisse com a parte da placa que surgia nas câmeras. Já no âmbito da polícia, analisando detidamente as cenas, puderam constatar que a placa anotada era de um dos carros que parara no local.

Dali em diante, foi fácil encontrarem o dono do carro, Alfredo Sampaio. Na manhã seguinte, Alfredo recebe uma intimação para ir à Delegacia. Apavorado, liga para Letícia.

– Letícia, o que vou dizer agora? Vão pensar que matei Fernando! Como chegara até mim?

– Calma, Alfredo, você está me deixando nervosa. Não se esqueça, que nós três estávamos lá naquele momento, que nós três fizemos a limpeza das digitais. Meu Deus, se eu for envolvida nisso, estarei perdida!

–E o que devemos fazer?

– Em primeiro lugar, manter a calma. Tente descobrir como eles ligaram você ao crime.

– Não me ligaram a nada. Não diga besteiras. Alguém deve ter me visto por ali.

– E o seu carro? Alguém pode ter anotado a placa, ou quem sabe, viram através de alguma câmera da rua?

– É verdade, pode ser isso. Estou apavorado.

– Já lhe disse que não pode ficar assim. Diga-lhes que foi pedir um favor, afinal ele não era o jardineiro de mamãe?

– Sim, mas não posso dizer isso. Eu não posso contar o que eu queria dele.

– Então diga o óbvio.

– A que você se refere?

– Que vocês tinham um caso.

– Você está louca?

– Não, estou tentando ajudar você, seu bobo. E pense bem no que vai dizer, não vá nos envolver nisso. Eu não deveria ter ido lá, foi uma loucura!

Ele desliga o celular ainda mais confuso do que estava antes. Decide vestir-se e ir até a delegacia. Precisa acalmar-se, pensar numa solução para o problema. Afinal de contas, ele não deve nada à justiça. Pensando nisso, tomou um banho rápido e preparou-se para sair.

Quando chegou, o delegado Santos pediu que aguardasse. Alfredo estava muito nervoso. Olhava em torno, tentando encontrar um motivo coerente para o encontro com Fernando, mas nada lhe vinha à mente e o fato de seu carro estar estacionado em frente à casa e principalmente ter sido filmado, o deixava apavorado.

Um policial o encaminhou para a sala do delegado e afastou-se, deixando-os às sós. Pela vidraça que separava da outra sala, Alfredo observava o movimento dos funcionários, computadores e conversas ao celular. Alguns grupos se posicionavam próximos à parede de vidro, numa conversa animada, como se estivessem na mesma sala. Entretanto, não se ouvia o que diziam.

– Muito bem. O seu nome é Alfredo Sampaio.

– Sim, senhor.

– Nós fizemos uma pequena pesquisa a seu respeito: sabemos que é um empresário no ramo de celulose.

– É verdade.

– Senhor Alfredo, o senhor sabe o motivo desta intimação ou pelo menos, imagina, não é mesmo?

– Na verdade, delegado, eu fiquei muito surpreso. Sei que ocorreu um crime, que o rapaz daquela casa foi assassinado. Mas eu não tenho nada a ver com isso.

– Engraçado. Eu não tinha falado sobre nenhum crime.

– Não? É que pensei…

– Pode falar, senhor Alfredo, fique à vontade.

– Ah, senhor delegado, estou muito confuso, essa história toda está me deixando com os nervos à flor da pele.

– A que história o senhor se refere?

– Bem, o senhor mandou me chamar por causa de Fernando?

– Parece que o senhor sabe muito mais do que a polícia. Por isso, o chamamos até aqui.

– Não, eu não sei de nada. Mas o senhor se refere a este caso, não? Ao rapaz que foi assassinado.

– E o nome dele era Fernando?

– Sim.

– E morava na rua Dutra, 53.

– Ele havia se mudado para lá há pouco. Eu sei de tudo, porque ele é o jardineiro de minha família.

– Ah, sim. E é parente de uma empregada de sua família. Neste momento, a polícia está entranto em contato com ela.

– Meu Deus, pobre Linda!

– Pois é, senhor Alfredo, como o senhor mesmo disse, houve um crime na casa deste rapaz, sendo que ele mesmo é a vítima. Nós estamos investigando e por isso, o chamamos.

– O senhor deve ter me chamado, porque ele trabalha conosco, quero dizer, com a minha família, mas eu não posso lhe adiantar muita coisa. Quase não o conhecia.

– Tem certeza de que não o conhecia?

– Na verdade, algumas vezes eu o vi por lá. Poucas, sabe.

– Mas então, o senhor pode me dizer o que fazia em sua casa, ontem à noite, quando ocorreu o crime?

– Foi uma terrível fatalidade. Quando entrei, eu o encontrei atirado no chão, ensanguentado. Tentei reanimá-lo, mas ele já havia morrido.

– Então quer dizer que o senhor esteve lá realmente?

– Não, quero dizer. Eu fui lá porque precisava levar um recado de minha mãe, mas … o senhor está me deixando confuso, delegado.

– Eu estou sendo absolutamente claro, senhor Alfredo. Sabemos que ocorreu um crime, que segundo o que o senhor mesmo afirmou, a vítima estava estendida no chão e tinha levado um tiro.

– Eu acho que foi um tiro.

– Sim, foi um tiro. O senhor tentou reanimá-lo.

– Eu fiquei muito nervoso, chamei por ele. Acho que tentei, agora estou tão nervoso, que nem sei de nada.

– Então, procure acalmar-se, senhor Alfredo. O senhor percebeu que o rapaz estava morto. Por que não chamou a polícia?

– Porque não podia fazer mais nada. Fui embora, apavorado. Foi isso que fiz.

– Mas é muito estranho. Não havia nenhuma impressão digital, como se quem estivesse ali, houvesse apagado todas as impressões.

– No meu caso, eu não toquei em nada.

– Nem na maçaneta?

– Não, a porta estava entreaberta.

– A porta estava entreaberta e o senhor entrou, chamando pelo rapaz, o nome dele era Fernando, não?

– Sim. Fernando.

– Recapitulando: o senhor viu a porta aberta, o que é muito estranho também, chamou por Fernando e não obteve resposta. Então aproximou-se do corpo, deve ter se abaixado para verificar se ele estava vivo ainda.

– Sim, mas não toquei nele, não toquei em nada. Em seguida, fui embora.

– O senhor sabe que havia outro carro estacionado na frente da casa?

– Não, eu não vi ninguém. Mas como o senhor pode afirmar que eu estava de carro? Podia ser o carro de outra pessoa.

– Um vizinho anotou a placa e nas câmeras aparece o seu carro e também o outro.

– Sim, eu vim no meu carro, eu não estou negando que estive lá. Mas como o senhor pode ver, delegado, alguém chegou antes de mim e matou o rapaz. É preciso verificar estas câmeras antes de eu chegar, talvez muitas horas antes.

– Talvez o senhor tenha razão.

– E como viu, não há nenhuma impressão digital, eu praticamente entrei e saí daquela casa. Fui na hora errada, no dia errado. O senhor sabe o que me deixa mais indignado? É que o assassino deve estar andando por aí, rindo da nossa cara, e nós perdendo tempo. O senhor me intimando como se eu tivesse alguma coisa a ver com este crime. Eu nem conhecia o rapaz, direito, como lhe falei!

– Mas apesar de toda a limpeza, achamos alguma coisa que mantém ainda as impressões digitais de alguém, talvez possamos descobrir o DNA através dela.

– Como assim?

– Uma lente de contato. O senhor usa lentes de contato, senhor Alfredo?

sábado, novembro 12, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 19

Capítulo 19

No carro, faz-se um silêncio pesado. Parece que nenhum dos dois sabe o que dizer. Fernando porém ensaia alguns temas como o próprio trabalho, o tempo em que ficou desempregado e a proposta da tia para trabalhar na casa de Santa. Alfredo parece entediado. Não lhe interessa aquele assunto, muito menos falar sobre a vida profissional de Fernando.

Fernando conclui, satisfeito:

— Parece que somos amigos há muito tempo. Engraçado, quando há empatia, o assunto flui, não é mesmo?

Na verdade, não era o que estava acontecendo entre os dois, mas Alfredo concorda. Por fim, pergunta:

— Não acha que devemos parar num bar? Como lhe disse, seria bom conversarmos com mais calma.

Fernando sorri, confiante. Em pouco tempo, estão num bar, tomando uma cerveja.

— Então, me diga, o que é que você queria me dizer?

— Não sei, Fernando. É que sou um homem muito solitário.

— Mas nós não somos amigos. Sou apenas o jardineiro de sua mãe.

— Há pouco tempo, você disse que havia empatia entre nós.

— É verdade, mas… deixa pra lá. Não precisamos de um motivo para tomar uma cerveja, não é mesmo?

— Tem um motivo.

— Como assim?

— Você sabe que venho observando-o há algum tempo, deve ter percebido, não?

— Olha aqui, Alfredo, só quero lhe dizer uma coisa: eu não sou gay.

— Meu Deus, o preconceito é uma coisa terrível.

— Não, eu não tenho preconceito, se tivesse, não estaria neste bar, desculpe a franqueza, conversando com você.

— Você acha que dou pinta?

— Não, você parece mais macho do que muito cara que conheço, mas todo mundo sabe…

— Não se trata disso, Fernando. Não tem nada a ver com orientação sexual. Na verdade, eu nunca pensei em ter um caso com você, se é isto que o está afligindo.

— Ah, sim.

— Como disse, eu venho observando você, além disso, você sabe, sou advogado. Sei que não é uma coisa muito honesta, mas no meu meio, sabe-se de tudo.

— Que eu fui presidiário?

— É verdade. Eu sei tudo sobre a sua vida, sei também que você matou um homem.

— E o que isso tem a ver com o nosso papo?

— Quero que você me ajude. Acho que você é a única pessoa com quem posso contar.

— E o que você quer de mim?

Alfredo entorna o copo, sentindo a bebida gelada escorrer-lhe pela garganta. O suor empapa-lhe o colarinho da camisa. Por um momento, tem a sensação de que está conversando com a pessoa errada, na hora errada, mas agora não há como recuar. Solta o copo e abre um pouco a camisa, enquanto olha fixamente para Fernando.

— Sei que as coisas estão difíceis para você. Olhe, eu não tenho nenhuma intenção de prejudicá-lo, só falei isso porque você precisava saber com quem está lidando. Não podia simplesmente fingir que somente o conhecia como o jardineiro de minha mãe.

— Muito bem, até aí, eu concordo. Mas não entendi qual é a sua intenção.

— Bem, na verdade, eu preciso de um favor.

— Um favor? De repente, todo mundo precisa de um favor meu.

— Por que você diz isso?

— Nada. Esquece.

Alfredo faz uma pausa, pensativo. Em seguida, pergunta se Fernando não quer outra bebida.

— Você não acha que está bebendo muito para quem está dirigindo?

— É verdade, mas você não quer repetir a dose?

— Não. Gosto de beber com amigos, desculpe. Acho que esta já é de bom tamanho.

— Acho que você tem razão. É a segunda vez que afirma que não somos amigos.

Fernando fica calado, olhando para o copo. Alfredo prossegue, um tanto ansioso.

— Claro, claro, não faz diferença.

— Meu amigo, não enrola. Me diz como posso ajudá-lo.

— Preciso explicar-lhe com calma. O assunto é delicado.

Fernando decide pedir outra cerveja, considerando que o assunto será longo. Faz o pedido e o garçom se aproxima, trazendo a bebida em seguida. Alfredo então, põe as cartas na mesa.

— Bem, Fernando, a minha família está passando por um momento muito complicado. Vou resumir a parte que interessa e depois, vejamos como você pode me ajudar.

— Você se refere a sua mãe?

— Um pouco sobre ela sim, mas o problema maior é o meu pai.

— Seu Sandoval?

— Ele está com uns planos malucos, está sendo desonesto com minha mãe e eu preciso ajudá-la de qualquer maneira. Não vou deixar que a considerem louca.

Fernando lembra-se da conversa que tivera com Santa e do segredo que ela lhe confiara. Teria a ver com o que Alfredo falava neste momento?

— E o que você quer que eu faça?

— Quero que dê um susto no meu pai. Não quero matá-lo, não faria isso, mas quero que ele desapareça por uns tempos.

— Cara, eu não sou bandido. O que está havendo hem, todo mundo ta querendo me ferrar, é isso? Eu estou em liberdade condicional, querem que eu volte pra cadeia?

— Escute, Fernando, você vive naquela casa, praticamente todo o dia. Sei que desde que foi para lá, tem ficado na casa dos fundos, junto com Linda. Você deve estar a par de tudo.

— Eu vou sair de lá. Você sabe para onde estou indo agora.

— Tudo bem, você vai voltar para a casa que era de seus pais, mas continuará trabalhando em minha casa.

— Como assim, um susto?

— Eu pensei muito quando você pretendeu se mudar. É uma casa abandonada, num lugar afastado. Eu quero que você o leve para lá, por uns tempos, até que eu resolva todos os problemas de minha mãe.

— Você quer que eu sequestre o velho?

— Sim, mas será por um mês.

— Você não parece advogado, né, a menos que queira me ferrar mesmo! Então não sabe que toda a polícia vai procurar o velho na minha casa? Será o primeiro local que procurarão.

— Não, ninguém o procurar, não se preocupe, porque direi que ele decidiu viajar. Invento qualquer coisa em relação à empresa. Não se preocupe, não acontecerá nada com você.

— Que família desgraçada, hem!

— Por que diz isso?

— Porque a sua mãe também está planejando contra o velho.

— Como assim?

— Contra ele e minha tia. Parece que os dois estão de conluio, estão querendo enlouquecer ela, foi o que me contou. Então, ela quer que eu descubra tudo e consiga provas para mostrar a vocês, a toda a família o que eles estão aprontando.

— Meu Deus, eu tinha razão. Meu pai quer ficar com toda a fortuna, sozinho.

— Mas tem mais coisa aí, você sabia que seu pai tem um filho com Linda? Foi o segredo que sua mãe me revelou.

— Miserável! Eu não sabia de nada!

— Os dois tem um plano, mas não sei ainda se estão juntos por conveniência ou por que minha tia o chantageou.

— Então, o meu plano tem muito mais razão de existir. Este canalha não pode ficar impune!

— Mas o que você pretende fazer com o sumiço do velho?

— Nesse meio tempo eu pretendia provar que minha mãe é uma pessoa lúcida e capaz. Não posso deixar que ele participe do processo, porque vai moldar a situação de acordo com seus objetivos. Mas, agora sabendo o que sei, que você me disse, o caso muda de figura.

— Por que?

— Porque é muito mais grave do que eu pensava. Nós sumimos com ele e você aperta com sua tia. Nós vamos provar que os dois estavam planejando se livrarem de minha mãe.

— Eu não posso fazer nada contra minha tia, porque ela me ameaça, me joga na cadeia novamente.

— Mas você pode fingir que não sabe de nada e começa a se preocupar com ela, perguntar coisas. Não pode enfrentá-la, apenas. Tem que ser cínico.

— E o que eu ganho com isso?

— Eu posso lhe dar um bom dinheiro, é isso que interessa, não é mesmo?

— E o que eu faço com a proposta de sua mãe?

— Faça a sua parte, descubra tudo com a sua tia, não é o que ela quer?

— Sim, inclusive sobre os remédios. Sua mãe desconfia que minha tia está lhe dando calmantes fortíssimos, para que se esqueça das coisas.

— Muito bem, faça isso. E faça o que lhe pedi, tenha certeza que só tem a ganhar.

— E como vou fazer isso? Eu já lhe disse, eu errei uma vez, fiz uma burrada, acabei matando um homem, mas não sou um bandido. Eu não quero voltar pra prisão!

— Só tem uma maneira: fazer a coisa certa. Pode deixar, eu vou ajudá-lo.

Fernando coça a cabeça, intrigado.

quinta-feira, agosto 04, 2016

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - CAPÍTULO 18

Capítulo 18

Naquela noite, Júlio Ramirez não conseguia dormir. A cidade natal que cultivava em sua memória como um sonho de paz e felicidade se revelava um aglomerado de pessoas estranhas, com princípios totalmente diferentes dos seus. Nada era como imaginara, ao pensar até em voltar a morar ali. Entretanto, este tempo estava sendo de uma aprendizagem do ser humano, especialmente para o seu livro, que além de uma biografia, provavelmente seria um estudo sociológico. Havia muito a contar sobre àquela gente que costumava ser tão polida e ao mesmo tempo com segredos inconfessáveis. Provavelmente, eram iguais a todo o mundo, só que ali, o caldo cultural era muito expressivo, juntando todos com características muito peculiares.

Estava assim pensativo, quando tocou o celular quase ao seu ouvido e estremeceu, assustado. Estava ficando velho, pensou, qualquer ruído bastava para deixá-lo em estado de alerta. Devia ser uma mensagem qualquer, dessas de publicidade que acabam com a paz de cada um.

Entretanto, decidiu ver do que se tratava. Era uma mensagem de Ana, a menina que costumava fazer as suas festinhas no rio e que afirmara ter ouvido o grito por socorro de Taís. Custou-lhe abrir os olhos e encarar a luz azul do visor. Não conseguia entender, além disso, as letras eram pequenas e precisava de óculos. Agora sentia frio, por não ter se coberto, nem colocado um pijama. Procurou os óculos pela mesinha de cabeceira, achou-os no chão. Pegou-os esticando um braço, sentindo uma torção no músculo pela extensão involuntária e colocou-os imediatamente no rosto.

Leu a mensagem e ficou intrigado. “Por favor Dr. Júlio, venha aqui, na ponte, a mulher quer me matar, ela está desesperada. Acha que eu sei de tudo”.

A mensagem fora digitada há alguns segundos. Mas e se fosse uma cilada? Por que o queriam na ponte? Talvez quisessem acabar com ele para parar com a investigação que começava a incomodar muita gente. E se a polícia estivesse envolvida? Se tivessem matado a moça, por algum motivo relacionado ao tráfico de drogas?

Afinal, parece que havia uma turminha da pesada por ali. Sabia porém que precisava ir, tinha que atender o chamado. Não poderia deixar a menina à própria sorte. Mas por que diabo ela estava na ponte àquela hora. Será que esta garota não tem família?

Júlio então vestiu a roupa rapidamente e desceu até a portaria, onde deparou-se com Anderson, o garçom. Perguntou-lhe por Rosa.

— Pois é, eu estou fazendo o papel de porteiro, o senhor acredita? Aqui eu faço de tudo. Isso é que dá trabalhar em hotel pequeno, uma espelunca como essa.

— Você parece irritado, Anderson. Acalme-se rapaz.

— É que Rosa deveria estar aqui, hoje era dia dela. Faz uns plantões, sabia?

— Certamente aconteceu alguma coisa, mas me desculpe Anderson, estou com um pouco de pressa.

Afasta-se e corre para o estacionamento. No carro, fica o tempo todo revendo a cena em que Ana lhe contava sobre o que sabia do crime, ou o que imaginava, ao mesmo tempo que se mostrava transparente em seus objetivos. Não se importava em perguntar se ele já tinha fumado um baseado. Era lá que costumava encontrar os seus amigos, por isso voltava todos os dias ao lugar. Esta mensagem, no entanto o intrigava. Por que Ana o chamaria daquela maneira. Tudo estava muito estranho. Não demorou muito, porém, Júlio chegava à região em que a adolescente indicara, ficando um pouco afastado, à espreita. Escondeu-se atrás de um painel de publicidade, mas percebeu que havia duas mulheres na parte final da ponte e dali, apesar da pouca iluminação percebia que se tratava de Ana realmente. Não conseguia identificar a outra pessoa. Quem poderia ser, quem estaria ameaçando a menina e por que motivo? Era o que precisava descobrir. Aproximou-se um pouco, tentando esconder-se para não ser visto e tomar alguma atitude, caso fosse necessária. Foi aí que teve a grande surpresa: reconheceu a mulher que discutia com extrema agressividade. A mulher a quem Ana se referia era Rosa, a maestrina. Então era como pensava, Rosa estava envolvida de alguma forma com o crime. O que levaria uma mulher aparentemente segura e independente tomar aquela atitude com Ana? Se bem, que Rosa já apresentara nuances bem estranhas em sua personalidade.

Júlio ficou num ponto estratégico, sem que Rosa o visse, mas que poderia interceder no caso de uma tentativa de agressão mais perigosa. No fundo, considerava um exagero o fato de Ana pedir por socorro, aventando uma presumível tentativa de assassinato, mas mesmo assim, não custava prevenir. Esforçou-se para ouvir o diálogo exaltado.

–O que a senhora quer de mim? Eu já lhe disse que não sei de nada.

– Você não sabe de nada agora, mas andou dizendo coisas por ai, que deixou muita gente de cabelo em pé. Andou até vendo o carro do médico no dia do crime, você é uma vadia drogada, e eu sei que vai fazer tudo pra conseguir se safar da prisão.

Júlio não podia acreditar que Rosa estivesse tão desfigurada, como se tomada por uma fúria incontrolável. Revelava-se uma mulher violenta, capaz de cometer qualquer ato de vingança.

– Não seja idiota. Eu não tenho motivo para ser presa. Além disso, sou menor. E o que eu fiz pra senhora? O que tem a ver com o crime? Por acaso foi o seu amorzinho Paulo que matou a moça?

– Sua desgraçada, cale essa boca. Você não me fale do Paulo, que é um rapaz bom, direito. O que você tinha que dizer que viu o carro para o detetive, agora ele já sabe que não foi o médico que estava no carro, porque estava na oficina, naquele dia. Agora, ele já deve estar sabendo que o Paulo estava dirigindo o carro do médico, sua vaca!

– E o que ele fazia com o carro do doutor? Veio participar do nosso lual?

– Ele não usa as suas drogas, sua vagabunda! Você tem que sumir dessa cidade, já que não tem mãe, não tem família, vive com tio que não passa de um marginal!

– Então é verdade! Foi o Paulo que matou a Taís! Claro, ele era apaixonado por ela, estava morto de ciúmes. O seu amorzinho é o assassino! Pois fique sabendo que vou contar para o detetive e ele vai apodrecer na cadeia!

— Não vai não, isso eu tenho certeza de que não vai fazer, sua putinha, sabe por quê? Porque eu vou matar você! Vou fazer o mesmo que ele fez com Taís, a outra vagabunda , vou te atirar daqui. É isso o que você queria, não é?

Segura-a pelo pescoço, tentando arrastá-la para o meio da ponte. Neste momento, Júlio surge de seu esconderijo, gritando: – Parem. Parem onde estão. Parem ou eu atiro!

– Detetive! - exclama Rosa em absoluto desespero. Júlio continua apontando a arma, enquanto a acusa.

– Vou chamar a polícia, Rosa você será presa por tentativa de homicídio e o seu protegido por assassinato.

– Não, doutor, pelo amor de Deus, ele é inocente. Eu juro! Essa menina anda inventado coisas por aí.

– Mas foi você mesma quem afirmou que ele pegou o carro do médico que estava na oficina, certamente para incriminá-lo, para ele mesmo fazer o negócio. Foi um plano muito bem pensado, não é Rosa?

– Meu Deus, o que eu fui fazer - grita em desespero, sentido-se perdida - que desgraça, meu Deus! Paulo não pode sofrer uma fatalidade destas! Ele vai morrer, ele é muito fraco, doutor!

– Mas foi forte o suficiente para matar uma moça indefesa. Assim como você iria fazer! Agora fique quieta ai, que a polícia já vai chegar! E você, Ana, para onde vai?

– Vou embora, não tenho nada mais a fazer aqui.

– Tem sim. Você vai depor na polícia. E eles farão um mandado de busca a Paulo, que está na capital, pois que volte em seguida. Será preso.

– Eu não sei quase nada doutro, só o que lhe falei, que ouvi o grito de Taís, quando foi assassinada. Eu nem sabia que o idiota tinha pego o carro do doutor.

– Você sabe mais coisas, sim, Ana e terá de depor. Vamos. Não tente fugir.

Nisso,Ana foge, desaparecendo na escuridão da ponte, perdendo-se entre as ribanceiras e entrando no bosque, região que ela conhece muito bem. Júlio até dispara um tiro para assustá-la e impedir a fuga, mas é ineficiente. Rosa sorri com ironia, enquanto resmunga: – Sobrou pra mim, aqui, a velha que não tem nada a ver com isso.

Postagem em destaque

A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

PULICAÇÕES MAIS VISITADAS