Capítulo 19
No carro, faz-se um silêncio pesado. Parece que nenhum dos dois sabe o que dizer. Fernando porém ensaia alguns temas como o próprio trabalho, o tempo em que ficou desempregado e a proposta da tia para trabalhar na casa de Santa. Alfredo parece entediado. Não lhe interessa aquele assunto, muito menos falar sobre a vida profissional de Fernando.
Fernando conclui, satisfeito:
— Parece que somos amigos há muito tempo. Engraçado, quando há empatia, o assunto flui, não é mesmo?
Na verdade, não era o que estava acontecendo entre os dois, mas Alfredo concorda. Por fim, pergunta:
— Não acha que devemos parar num bar? Como lhe disse, seria bom conversarmos com mais calma.
Fernando sorri, confiante. Em pouco tempo, estão num bar, tomando uma cerveja.
— Então, me diga, o que é que você queria me dizer?
— Não sei, Fernando. É que sou um homem muito solitário.
— Mas nós não somos amigos. Sou apenas o jardineiro de sua mãe.
— Há pouco tempo, você disse que havia empatia entre nós.
— É verdade, mas… deixa pra lá. Não precisamos de um motivo para tomar uma cerveja, não é mesmo?
— Tem um motivo.
— Como assim?
— Você sabe que venho observando-o há algum tempo, deve ter percebido, não?
— Olha aqui, Alfredo, só quero lhe dizer uma coisa: eu não sou gay.
— Meu Deus, o preconceito é uma coisa terrível.
— Não, eu não tenho preconceito, se tivesse, não estaria neste bar, desculpe a franqueza, conversando com você.
— Você acha que dou pinta?
— Não, você parece mais macho do que muito cara que conheço, mas todo mundo sabe…
— Não se trata disso, Fernando. Não tem nada a ver com orientação sexual. Na verdade, eu nunca pensei em ter um caso com você, se é isto que o está afligindo.
— Ah, sim.
— Como disse, eu venho observando você, além disso, você sabe, sou advogado. Sei que não é uma coisa muito honesta, mas no meu meio, sabe-se de tudo.
— Que eu fui presidiário?
— É verdade. Eu sei tudo sobre a sua vida, sei também que você matou um homem.
— E o que isso tem a ver com o nosso papo?
— Quero que você me ajude. Acho que você é a única pessoa com quem posso contar.
— E o que você quer de mim?
Alfredo entorna o copo, sentindo a bebida gelada escorrer-lhe pela garganta. O suor empapa-lhe o colarinho da camisa. Por um momento, tem a sensação de que está conversando com a pessoa errada, na hora errada, mas agora não há como recuar. Solta o copo e abre um pouco a camisa, enquanto olha fixamente para Fernando.
— Sei que as coisas estão difíceis para você. Olhe, eu não tenho nenhuma intenção de prejudicá-lo, só falei isso porque você precisava saber com quem está lidando. Não podia simplesmente fingir que somente o conhecia como o jardineiro de minha mãe.
— Muito bem, até aí, eu concordo. Mas não entendi qual é a sua intenção.
— Bem, na verdade, eu preciso de um favor.
— Um favor? De repente, todo mundo precisa de um favor meu.
— Por que você diz isso?
— Nada. Esquece.
Alfredo faz uma pausa, pensativo. Em seguida, pergunta se Fernando não quer outra bebida.
— Você não acha que está bebendo muito para quem está dirigindo?
— É verdade, mas você não quer repetir a dose?
— Não. Gosto de beber com amigos, desculpe. Acho que esta já é de bom tamanho.
— Acho que você tem razão. É a segunda vez que afirma que não somos amigos.
Fernando fica calado, olhando para o copo. Alfredo prossegue, um tanto ansioso.
— Claro, claro, não faz diferença.
— Meu amigo, não enrola. Me diz como posso ajudá-lo.
— Preciso explicar-lhe com calma. O assunto é delicado.
Fernando decide pedir outra cerveja, considerando que o assunto será longo. Faz o pedido e o garçom se aproxima, trazendo a bebida em seguida. Alfredo então, põe as cartas na mesa.
— Bem, Fernando, a minha família está passando por um momento muito complicado. Vou resumir a parte que interessa e depois, vejamos como você pode me ajudar.
— Você se refere a sua mãe?
— Um pouco sobre ela sim, mas o problema maior é o meu pai.
— Seu Sandoval?
— Ele está com uns planos malucos, está sendo desonesto com minha mãe e eu preciso ajudá-la de qualquer maneira. Não vou deixar que a considerem louca.
Fernando lembra-se da conversa que tivera com Santa e do segredo que ela lhe confiara. Teria a ver com o que Alfredo falava neste momento?
— E o que você quer que eu faça?
— Quero que dê um susto no meu pai. Não quero matá-lo, não faria isso, mas quero que ele desapareça por uns tempos.
— Cara, eu não sou bandido. O que está havendo hem, todo mundo ta querendo me ferrar, é isso? Eu estou em liberdade condicional, querem que eu volte pra cadeia?
— Escute, Fernando, você vive naquela casa, praticamente todo o dia. Sei que desde que foi para lá, tem ficado na casa dos fundos, junto com Linda. Você deve estar a par de tudo.
— Eu vou sair de lá. Você sabe para onde estou indo agora.
— Tudo bem, você vai voltar para a casa que era de seus pais, mas continuará trabalhando em minha casa.
— Como assim, um susto?
— Eu pensei muito quando você pretendeu se mudar. É uma casa abandonada, num lugar afastado. Eu quero que você o leve para lá, por uns tempos, até que eu resolva todos os problemas de minha mãe.
— Você quer que eu sequestre o velho?
— Sim, mas será por um mês.
— Você não parece advogado, né, a menos que queira me ferrar mesmo! Então não sabe que toda a polícia vai procurar o velho na minha casa? Será o primeiro local que procurarão.
— Não, ninguém o procurar, não se preocupe, porque direi que ele decidiu viajar. Invento qualquer coisa em relação à empresa. Não se preocupe, não acontecerá nada com você.
— Que família desgraçada, hem!
— Por que diz isso?
— Porque a sua mãe também está planejando contra o velho.
— Como assim?
— Contra ele e minha tia. Parece que os dois estão de conluio, estão querendo enlouquecer ela, foi o que me contou. Então, ela quer que eu descubra tudo e consiga provas para mostrar a vocês, a toda a família o que eles estão aprontando.
— Meu Deus, eu tinha razão. Meu pai quer ficar com toda a fortuna, sozinho.
— Mas tem mais coisa aí, você sabia que seu pai tem um filho com Linda? Foi o segredo que sua mãe me revelou.
— Miserável! Eu não sabia de nada!
— Os dois tem um plano, mas não sei ainda se estão juntos por conveniência ou por que minha tia o chantageou.
— Então, o meu plano tem muito mais razão de existir. Este canalha não pode ficar impune!
— Mas o que você pretende fazer com o sumiço do velho?
— Nesse meio tempo eu pretendia provar que minha mãe é uma pessoa lúcida e capaz. Não posso deixar que ele participe do processo, porque vai moldar a situação de acordo com seus objetivos. Mas, agora sabendo o que sei, que você me disse, o caso muda de figura.
— Por que?
— Porque é muito mais grave do que eu pensava. Nós sumimos com ele e você aperta com sua tia. Nós vamos provar que os dois estavam planejando se livrarem de minha mãe.
— Eu não posso fazer nada contra minha tia, porque ela me ameaça, me joga na cadeia novamente.
— Mas você pode fingir que não sabe de nada e começa a se preocupar com ela, perguntar coisas. Não pode enfrentá-la, apenas. Tem que ser cínico.
— E o que eu ganho com isso?
— Eu posso lhe dar um bom dinheiro, é isso que interessa, não é mesmo?
— E o que eu faço com a proposta de sua mãe?
— Faça a sua parte, descubra tudo com a sua tia, não é o que ela quer?
— Sim, inclusive sobre os remédios. Sua mãe desconfia que minha tia está lhe dando calmantes fortíssimos, para que se esqueça das coisas.
— Muito bem, faça isso. E faça o que lhe pedi, tenha certeza que só tem a ganhar.
— E como vou fazer isso? Eu já lhe disse, eu errei uma vez, fiz uma burrada, acabei matando um homem, mas não sou um bandido. Eu não quero voltar pra prisão!
— Só tem uma maneira: fazer a coisa certa. Pode deixar, eu vou ajudá-lo.
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