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quinta-feira, agosto 04, 2016

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - CAPÍTULO 18

Capítulo 18

Naquela noite, Júlio Ramirez não conseguia dormir. A cidade natal que cultivava em sua memória como um sonho de paz e felicidade se revelava um aglomerado de pessoas estranhas, com princípios totalmente diferentes dos seus. Nada era como imaginara, ao pensar até em voltar a morar ali. Entretanto, este tempo estava sendo de uma aprendizagem do ser humano, especialmente para o seu livro, que além de uma biografia, provavelmente seria um estudo sociológico. Havia muito a contar sobre àquela gente que costumava ser tão polida e ao mesmo tempo com segredos inconfessáveis. Provavelmente, eram iguais a todo o mundo, só que ali, o caldo cultural era muito expressivo, juntando todos com características muito peculiares.

Estava assim pensativo, quando tocou o celular quase ao seu ouvido e estremeceu, assustado. Estava ficando velho, pensou, qualquer ruído bastava para deixá-lo em estado de alerta. Devia ser uma mensagem qualquer, dessas de publicidade que acabam com a paz de cada um.

Entretanto, decidiu ver do que se tratava. Era uma mensagem de Ana, a menina que costumava fazer as suas festinhas no rio e que afirmara ter ouvido o grito por socorro de Taís. Custou-lhe abrir os olhos e encarar a luz azul do visor. Não conseguia entender, além disso, as letras eram pequenas e precisava de óculos. Agora sentia frio, por não ter se coberto, nem colocado um pijama. Procurou os óculos pela mesinha de cabeceira, achou-os no chão. Pegou-os esticando um braço, sentindo uma torção no músculo pela extensão involuntária e colocou-os imediatamente no rosto.

Leu a mensagem e ficou intrigado. “Por favor Dr. Júlio, venha aqui, na ponte, a mulher quer me matar, ela está desesperada. Acha que eu sei de tudo”.

A mensagem fora digitada há alguns segundos. Mas e se fosse uma cilada? Por que o queriam na ponte? Talvez quisessem acabar com ele para parar com a investigação que começava a incomodar muita gente. E se a polícia estivesse envolvida? Se tivessem matado a moça, por algum motivo relacionado ao tráfico de drogas?

Afinal, parece que havia uma turminha da pesada por ali. Sabia porém que precisava ir, tinha que atender o chamado. Não poderia deixar a menina à própria sorte. Mas por que diabo ela estava na ponte àquela hora. Será que esta garota não tem família?

Júlio então vestiu a roupa rapidamente e desceu até a portaria, onde deparou-se com Anderson, o garçom. Perguntou-lhe por Rosa.

— Pois é, eu estou fazendo o papel de porteiro, o senhor acredita? Aqui eu faço de tudo. Isso é que dá trabalhar em hotel pequeno, uma espelunca como essa.

— Você parece irritado, Anderson. Acalme-se rapaz.

— É que Rosa deveria estar aqui, hoje era dia dela. Faz uns plantões, sabia?

— Certamente aconteceu alguma coisa, mas me desculpe Anderson, estou com um pouco de pressa.

Afasta-se e corre para o estacionamento. No carro, fica o tempo todo revendo a cena em que Ana lhe contava sobre o que sabia do crime, ou o que imaginava, ao mesmo tempo que se mostrava transparente em seus objetivos. Não se importava em perguntar se ele já tinha fumado um baseado. Era lá que costumava encontrar os seus amigos, por isso voltava todos os dias ao lugar. Esta mensagem, no entanto o intrigava. Por que Ana o chamaria daquela maneira. Tudo estava muito estranho. Não demorou muito, porém, Júlio chegava à região em que a adolescente indicara, ficando um pouco afastado, à espreita. Escondeu-se atrás de um painel de publicidade, mas percebeu que havia duas mulheres na parte final da ponte e dali, apesar da pouca iluminação percebia que se tratava de Ana realmente. Não conseguia identificar a outra pessoa. Quem poderia ser, quem estaria ameaçando a menina e por que motivo? Era o que precisava descobrir. Aproximou-se um pouco, tentando esconder-se para não ser visto e tomar alguma atitude, caso fosse necessária. Foi aí que teve a grande surpresa: reconheceu a mulher que discutia com extrema agressividade. A mulher a quem Ana se referia era Rosa, a maestrina. Então era como pensava, Rosa estava envolvida de alguma forma com o crime. O que levaria uma mulher aparentemente segura e independente tomar aquela atitude com Ana? Se bem, que Rosa já apresentara nuances bem estranhas em sua personalidade.

Júlio ficou num ponto estratégico, sem que Rosa o visse, mas que poderia interceder no caso de uma tentativa de agressão mais perigosa. No fundo, considerava um exagero o fato de Ana pedir por socorro, aventando uma presumível tentativa de assassinato, mas mesmo assim, não custava prevenir. Esforçou-se para ouvir o diálogo exaltado.

–O que a senhora quer de mim? Eu já lhe disse que não sei de nada.

– Você não sabe de nada agora, mas andou dizendo coisas por ai, que deixou muita gente de cabelo em pé. Andou até vendo o carro do médico no dia do crime, você é uma vadia drogada, e eu sei que vai fazer tudo pra conseguir se safar da prisão.

Júlio não podia acreditar que Rosa estivesse tão desfigurada, como se tomada por uma fúria incontrolável. Revelava-se uma mulher violenta, capaz de cometer qualquer ato de vingança.

– Não seja idiota. Eu não tenho motivo para ser presa. Além disso, sou menor. E o que eu fiz pra senhora? O que tem a ver com o crime? Por acaso foi o seu amorzinho Paulo que matou a moça?

– Sua desgraçada, cale essa boca. Você não me fale do Paulo, que é um rapaz bom, direito. O que você tinha que dizer que viu o carro para o detetive, agora ele já sabe que não foi o médico que estava no carro, porque estava na oficina, naquele dia. Agora, ele já deve estar sabendo que o Paulo estava dirigindo o carro do médico, sua vaca!

– E o que ele fazia com o carro do doutor? Veio participar do nosso lual?

– Ele não usa as suas drogas, sua vagabunda! Você tem que sumir dessa cidade, já que não tem mãe, não tem família, vive com tio que não passa de um marginal!

– Então é verdade! Foi o Paulo que matou a Taís! Claro, ele era apaixonado por ela, estava morto de ciúmes. O seu amorzinho é o assassino! Pois fique sabendo que vou contar para o detetive e ele vai apodrecer na cadeia!

— Não vai não, isso eu tenho certeza de que não vai fazer, sua putinha, sabe por quê? Porque eu vou matar você! Vou fazer o mesmo que ele fez com Taís, a outra vagabunda , vou te atirar daqui. É isso o que você queria, não é?

Segura-a pelo pescoço, tentando arrastá-la para o meio da ponte. Neste momento, Júlio surge de seu esconderijo, gritando: – Parem. Parem onde estão. Parem ou eu atiro!

– Detetive! - exclama Rosa em absoluto desespero. Júlio continua apontando a arma, enquanto a acusa.

– Vou chamar a polícia, Rosa você será presa por tentativa de homicídio e o seu protegido por assassinato.

– Não, doutor, pelo amor de Deus, ele é inocente. Eu juro! Essa menina anda inventado coisas por aí.

– Mas foi você mesma quem afirmou que ele pegou o carro do médico que estava na oficina, certamente para incriminá-lo, para ele mesmo fazer o negócio. Foi um plano muito bem pensado, não é Rosa?

– Meu Deus, o que eu fui fazer - grita em desespero, sentido-se perdida - que desgraça, meu Deus! Paulo não pode sofrer uma fatalidade destas! Ele vai morrer, ele é muito fraco, doutor!

– Mas foi forte o suficiente para matar uma moça indefesa. Assim como você iria fazer! Agora fique quieta ai, que a polícia já vai chegar! E você, Ana, para onde vai?

– Vou embora, não tenho nada mais a fazer aqui.

– Tem sim. Você vai depor na polícia. E eles farão um mandado de busca a Paulo, que está na capital, pois que volte em seguida. Será preso.

– Eu não sei quase nada doutro, só o que lhe falei, que ouvi o grito de Taís, quando foi assassinada. Eu nem sabia que o idiota tinha pego o carro do doutor.

– Você sabe mais coisas, sim, Ana e terá de depor. Vamos. Não tente fugir.

Nisso,Ana foge, desaparecendo na escuridão da ponte, perdendo-se entre as ribanceiras e entrando no bosque, região que ela conhece muito bem. Júlio até dispara um tiro para assustá-la e impedir a fuga, mas é ineficiente. Rosa sorri com ironia, enquanto resmunga: – Sobrou pra mim, aqui, a velha que não tem nada a ver com isso.

terça-feira, junho 28, 2016

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 9º CAPÍTULO

Capítulo 9

Júlio esperou algum tempo, após tocar a campainha do portão. O muro não era alto e podia ver a casa ao fundo, uma calçada de lajotas que perfilava um pequeno jardim e dois bancos instalados oportunamente sob uma árvore frondosa. Observou que a mulher que surgia à porta, parecia abatida e o atendia quase como uma obrigação, talvez por o ter chamado e agora não tinha como dispensá-lo. Ela apresentou-se, conduziu-o ao interior da casa , indicou-lhe uma poltrona para que sentasse, enquanto trazia um café. Ele recusou o café e insistiu que não entendera exatamente o que ela queria dizer no e-mail que lhe enviara.

—Vou lhe antecipar que sou um detetive particular, não tenho relação nenhuma com o setor policial.

— Caro detetive, eu quero a polícia longe de mim. Foi por isso que o chamei. Inclusive, por uma felicidade do destino, eu descobri que o senhor viria para cá, pois estava interessado em escrever um livro sobre a sua vida.

Júlio a olhava surpreso, imaginando como ela poderia saber de seu projeto. Ela percebendo o estranhamento do homem, decidiu esclarecer.

— Não leve a mal, é que meu filho costuma cantar no coral da igreja, sabe. Ele tem uma amiga que também trabalha no hotel. Parece que ela comentou alguma coisa.

— A senhora fala da mulher que trabalha na portaria?

— Essa mesma. Ela também é maestrina do coral e o seu nome é Rosa. Já conversou com ela, certamente. Se não me engano, ela trabalha três noites na portaria do hotel e mais duas manhãs nos dias que sobram.

— A senhora parece bem informada sobre ela.

Sara ficou em silêncio. Ajeitou-se na cadeira e retirou um pequeno folder com a ilustração do coral de uma apresentação passada. Mostrou a ele.

— Olhe, aqui ela escreveu à caneta os seus horários no hotel para facilitar o seu encontro, quando não está na igreja. Ela era professora, sabia?

— Não, dona Sara, eu não sei nada dessa senhora. Mas me diga uma coisa, como ela poderia saber sobre os meus planos, antes de eu vir para cá?

— Não sei de nada, a bem da verdade ela comentou isso com o meu filho. Provavelmente o senhor tenha dito alguma coisa, quando reservou o quarto.

Júlio então lembrou-se que comentara alguma coisa, como escrever um livro, que morava na cidade, que boca a sua, pensara. Mas agora isso não tinha qualquer relevância. Queria saber o motivo de ter sido chamado por aquela mulher.

— Não sei se deveria tê-lo chamado, Sr. Júlio, o meu filho chegará a qualquer momento. É que ele é o motivo de eu ter me comunicado consigo. Aliás, ele é motivo de minha preocupação.

— Mas então?

— Não sei se o senhor percebeu, mas estou muito nervosa. Meu filho é uma pessoa especial, um rapaz maravilhoso, mas anda meio problemático e isso já faz um bom tempo.

— Está bem, dona Sara, neste caso, a senhora me explique do início. Se o seu filho chegar, seremos o mais discretos possível. Quero que me esclareça porque pretendia que eu a ajudasse. Falou-me de serviços investigativos, mas não foi precisa no que queria.

— Está bem. Veja detetive, posso chamá-lo assim?

— A senhora já me chamou assim, quando cheguei e fiquei muito lisonjeado. Na verdade, estou meio enferrujado, mas ainda sou um detetive particular. O interessante, é que já me procuraram pela mesma razão.

— Sim?

— Mas, deixemos pra lá. Vamos ao que tem a me dizer, por favor.

— Quando eu mandei o e-mail, como lhe disse, houve este comentário que o senhor viria para cá. Eu já sabia de seus serviços como advogado e detetive. Não foi difícil fazer uma pequena pesquisa no google.

— Por isso me procurou. Mas qual é o motivo?

— Como lhe disse, eu estava muito preocupada com meu filho. Ele tinha uma namorada chamada Susi, com quem viveu por mais de dois anos, bem esta moça o abandonou e ele ficou muito depressivo, fazendo umas bobagens, inventando coisas meio absurdas.

— Não entendi como poderia ajudá-lo. A menos que estas bobagens a que a senhora se refere sejam atos ilícitos, contra a lei.

— Não, nada disso. Meu filho é um excelente rapaz. Eu me refiro ao fato de ele contar histórias que não condizem com a realidade. Ele falou que tentaram matá-lo.

— E como aconteceu isso?

— Bem, é uma história meio fantasiosa. Mas eu lhe explico em detalhes mais tarde. O problema, que junto a tudo isso, estão ocorrendo fatos extraordinários na cidade. Houve alguns assassinatos, não sei se o senhor soube.

— Sim, em sua maioria arquivados, com exceção do último, da filha do farmacêutico que dizem foi assassinada. Não há uma certeza absoluta.

— Eu soube do caso da filha do Seu Jairo, sim. Foi terrível.

— Mas a senhora me mandou o e-mail antes. Tem a ver com os crimes?

— Meu filho tem algumas suspeitas, mas eu não concordo com ele.

— Acho que preciso conversar com o seu filho.

Sara calou-se, ainda mais ansiosa. A respiração sôfrega, um ar de arrependimento pelo que dissera. Por fim, concluiu:

— Eu mandei o e-mail porque estou assustada sim, com o que está acontecendo. Mas é que tenho uma pessoa suspeita.

— A senhora se refere ao médico?

— O doutor Ricardo? Imagine, ele é um homem decente. Um ótimo médico. Quando chegou na cidade, eu até gostaria que morasse aqui, até arranjar um lugar para ficar, mas ele foi resistente. Acabou ficando no hotel mesmo. Acho que fizeram um acerto com ele, como um aluguel, entende? O coitado não achou nenhum apartamento que servisse até agora.

— Ouvi comentários de que o acusam do assassinato da moça.

— Esta gente fala o que não sabe. Todos aqui falam de todo mundo. São um bando de bisbilhoteiros, uma gente que não tem o que fazer! Só porque ele namorou a moça, inventaram esta história. Aliás, nem sei se ele teve algum envolvimento com ela, na verdade.

— Parece que a senhora está bem inteirada dos assuntos.

— Aqui, a gente fica sabendo de tudo, meu amigo.

— Me diga então, de quem a senhora suspeita?

— Eu deveria falar com a polícia, mas não tenho provas, é só uma intuição. De todo modo, o que vou lhe pedir que este assunto tem que ficar entre nós, não quero me envolver com esta gente! Tenho medo que alguma coisa me aconteça, entende?

— Sem dúvidas. Sigilo total.

— E depois, eu tentei falar com o senhor, principalmente, porque meu filho está neste coral há algum tempo, e sempre foi humilhado por esta mulher. Eu juntei as coisas e fiquei me perguntando se ela não teria alguma ligação com os crimes, não digo todos, mas os que se referem aos turistas… e agora, pensando bem, até mesmo em relação à jovem que morreu.

— De quem a senhora está falando?

— Da mulher sobre a qual conversamos ainda há pouco: de Rosa, a maestrina. A mesma mulher que trabalha no hotel onde o senhor está hospedado. A mesma que comentou sobre a sua vinda para cá. É sobre ela que me refiro. A mulher que tem interesse no meu filho.

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/inspetor-homem-detetive-masculino-160143/

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