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sábado, julho 20, 2024

Uma pessoa má

Não sou uma pessoa boa. Talvez tenha até boa índole, mas costumo procrastinar em várias circunstâncias de minha vida. E isso, eu sei, me torna uma pessoa má. Não má, a ponto de planejar algum malefício, ou mesmo, exceder-me em ímpetos de fúria. Mas como disse, postergar, atrasar, adiar providências. Quem sabe, atrasar alguns recados, algumas notícias adversas, algumas informações duvidosas, não fosse de todo mal. Mas, tenho a péssima mania de esquecer determinadas ações a que me propus e isso me torna uma pessoa má. Se não, vejamos, quem esqueceria de entregar figuras de santos em virtude de uma promessa para a saúde de alguém? Quem esqueceria de divulgar, espalhar e ampliar a fé para atingir um objetivo maior, se não, a melhoria da saúde da pessoa? Eu. Outro dia, encontrei centenas deles, espalhados em uma gaveta, hoje já não tão seguro de sua influência nos objetivos terrenos. Por outro lado, quem esqueceria dar um mimo para um amigo, após uma viagem? Como por exemplo a miniatura de um azulejo de Lisboa, a torre Eiffel ou a medalha de Lourdes? Quem os esqueceria no fundo de uma gaveta e um ano depois, os encontraria com o nome das pessoas citadas, enroladas com uma fita, indicando a lembrança do amigo? Eu. E tem aquelas roupas que separamos das usadas no roupeiro, deixamos limpas e perfumadas, guardamos numa sacola para uma futura distribuição nos dias frios e ficam eternamente à espera da correta ação. Quem somente lembraria quando uma alma atenta às atribulações humanas, comentasse dos dias difíceis de um inverno incessante. Eu. Mas faço-o sem planejamento ou organização. A doação ocorre no momento da dor, do sofrimento, do encontro, da imagem da pessoa, olho no olho. Talvez aí, ocorra a minha absolvição. Não sei. Ou talvez nada absolva meus erros, nem conforte meu espírito, talvez, quem sabe, uma virada de chave. Talvez eu precise apenas olhar para dentro de mim, observar as gavetas, mitigar as dores e encontrar as saídas.

segunda-feira, setembro 12, 2016

Sonhos que jazem acordados

Fonte da ilustração: waldryano do site www.pixabay.com

Olhar-se no espelho, meio dormindo, assim pela manhã e deparar-se com uma face nova, que não a sua, não é tão surpreendente assim.

Acontece, às vezes, com qualquer mortal. Principalmente, se ele está completamente desiludido de seus sonhos.

Aconteceu com Gustavo, certa vez.

Olhou-se no espelho, demorado. Piscou um olho, a resposta simultânea assegurava que era ele. Mas tinha consigo, que alguma coisa estranha tinha acontecido naquela noite.

Afinal, o mundo desandara a seus pés.

Escrevera mil histórias, publicou algumas, contos, crônicas, artigos em revistas, até um romance, considerado o primogênito bem amado. Esperou afoito que acontecesse, que desabrochasse para as audiências, que o lessem sofregamente.

Nada aconteceu. Nem um comentário, nem uma notícia boa, nem uma página de jornal.

Tudo burocrático, organizado por ele e 10% pela editora.
Como pensava que teria este vigor todo para tocar em frente, conquistar as plateias, dar entrevistas, divulgar o seu produto.

Apenas um filho, acalentado em sonhos durante as viagens que fizera em torno da imaginação claustrófoba.

Nada acontecera. Fizera umas sessões de autógrafos, umas reuniões com os amigos. Vendera alguns livros, mas só isso.

Não foi adiante.

Teve que tomar uma decisão difícil. Botar a boca no trombone, gritar aos quatro ventos, mostrar o que tinha produzido e revelar ao mundo a enganação que sofrera, ingenuamente.

Pensara que seria ajudado pela editora, que teria sua obra fixada no mural dos autores, que veria resenhas nos jornais, em páginas da Internet. Ilusão.

Calar-se. Era a outra atitude.

Aquietar o espírito e conceber a si mesmo que a estrada bifurcava logo ali adiante e que não havia caminhos paralelos.

Foi o que fez ou o que se permitiu fazer.

Deprimiu-se. Foi desta vez, que se olhou no espelho e viu apenas um espectro de si mesmo, um reflexo apagado da própria figura.

Era apenas mais um, na busca de um troféu que não era o seu, de um prêmio que não lhe entregaram, de um reconhecimento que não tivera.

Gustavo ficou assim, se olhando por mais um minuto. Mas foi só.

Afinal, o tempo passava depressa.

Aquele hálito pegajoso no espelho, já não era mais seu. Era do espelho, que bafejava satisfeito na sua cara.

Abandonou-o de vez e disse para si mesmo que recomeçaria mesmo assim.

Não com aquela manifestação de espírito exacerbada, mas com a vontade de expressar-se sob qualquer circunstância, em qualquer suporte, em que pese as dificuldades para fazê-lo.

Quem sabe, num feedback de comentários, sinta novamente o sabor da luta.

sexta-feira, julho 08, 2016

Por que temer a travessia?

Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/metamorfose-casulo-borboleta-macro-228720/

Não penses que a borboleta baterá trezentas vezes as asas aos teus ouvidos, nem que as flores vicejarão impunes, mesmo que as regues e cuides todos os dias de tua vida.

Um dia te cobrarão pela beleza que expressam.

Um dia exigirás que seu perfume abranja um espaço maior e que seus brotos e ramos pululem abrangendo tua paisagem interior.

Nunca pensaste que a vida viraria de ponta-cabeça, que o mundo que corria lá fora, corria muito mais veloz dentro de ti mesmo?

Nem percebias o quanto teu espírito sugava o néctar de cada flor e as examinava muito mais do que as borboletas ou quaisquer outros insetos.

Por certo, ficavas plasmado como uma folha tenra, mas sem vida, caída ao tronco da árvore, próxima à raíz, embora sem qualquer ligação com a seiva-mãe.

Foi num salto que a vida te mostrou sem ressalvas o que eras e o que no fundo já sabias.

Foi num salto que mergulhaste no nada, um vazio tão grande que pensaste em desaparecer.

Que nada!

Aí estava o furo da placenta, o regurgitar do prazer contido, o explodir pro macho, pra fêmea, pro bicho, pra flor.

Por que temer esse riso medonho, a achincalhada travessia, se teu destino começa agora?

quarta-feira, fevereiro 03, 2016

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO VIII

Capítulo 8

HOJE, QUINTA-FEIRA 04/02/2016, CONTINUAMOS O NOSSO FOLHETIM "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 8º CAPÍTULO.


–Cruz credo! A senhora ta com espírito ruim! Eu nem bem cheguei e a senhora ta me mandando sair. Que aconteceu dona Úrsula?

Úrsula abre os olhos, ainda estirada no sofá, sem entender muito bem o que está acontecendo. Dulcina a sua frente, falando sem cessar e uma luz forte invade a sala, ferindo a retina. Um olhar apalermado de quem não teve uma boa noite de sono.

–Tá com cara de quem tava na gandaia. Parece que passou a noite de porre!

–Me respeita, Dulcina. Não seja atrevida.

– Desculpa, dona Úrsula, mas me diga uma coisa, a senhora dormiu?

– Não sei, acho que dormi. Agora dei pra dormir, não sei se fico feliz ou assustada. Eu, que não saía da minha janela, que passava a noite vendo o céu escurecer e clarear, agora, fico dormindo no sofá. Será que você não me deu nada pra dormir?

–Ei, me tira dessa jogada. Não me mete em fria. A senhora quase me ferrou, ontem à noite. Agora que me acusar de envenenamento.

– Eu nem sei porque aturo você.

–Porque gosta de mim. Porque só tem eu pra conversar, pra brigar, pra botar os bicho pra fora.

–Você é muito convencida, mesmo. Mas como você entrou?

–Dona Úrsula, esqueceu que eu tenho a chave? Só não tenho a do prédio, lá de baixo, mas a do apartamento está aqui, comigo.

–Como é que eu fiz uma loucura destas, dar a chave pra você, que perigo estou correndo.

–Perigo nenhum, ao contrário, se bate as bota, de repente, tem que ter alguém pra abrir a porta.

–Ora, não diga bobagens, sua atrevida. Principalmente depois do que você me disse.

–O que eu disse?

–Eu não vou repetir.

–A senhora é quem sabe, mas tenho certeza de que não disse nada de mal. Muito pelo contrário, tudo que lhe digo é pra lhe deixá bem, pra cima!

–E sobre o meu algoz?

–Sobre o quê?

–Deixa pra lá.

–Ah, não, se começou, tem que terminá. Mas, eu to ligada. Se refere ao velho do prédio da frente, né? Eu tava brincando, não vou trabalhar com ele, não – sorri, acariciando a voz, outrora robusta e altiva, agora doce e suave –ta louca, pensa que vou limpá bunda de marmanjo? Gosto de trabalhar com gente assim, que nem a senhora, elegante, culta, artista.

–Por que você disse isso?

–Isso o quê? Que é artista? Ué, a senhora não toca piano?

–Me refiro ao velho, sua tonta. Nem me atrevo repetir o que você disse.

–Ah, sobre limpá a bunda dele? A Marielsa do 42, aquela pretinha nanica, sabe quem é ela, a que trabalha com o casal do banco – está bem, está bem. Não interessa, fale do velho – pois é, a Marielsa disse que ele faz as necessidades nas calças, parece que não dá tempo. Sabe como é, o cérebro não comanda. Um tico não bate com o outro, entende?

–Bem feito!

–Credo, como a senhora é má!

–Só eu sei o motivo. Mas parece que você não gosta dele, também.

– Ele fica cuidando a senhora. Não pense que ele não fica planejando alguma coisa, falando sozinho, de vez enquanto, dando uma olhada.

–Planejando o quê?

–E eu vou saber? A senhora também tá sempre matutando. Coisa de velho, ora. Agora, se me dá licença, vou pro meu trabalho.

–Você é muito desrespeitosa, Dulcina, sabia?

sexta-feira, julho 17, 2015

A dor

Tenho medo da dor. Da dor incólume dos que procuram o prazer. Da dor doída dos que abandonam. Da dor dos indefesos. Da dor estúpida dos perdidos e humilhados. Tenho medo sim, da dor. Não da dor física, somente, mas da dor da alma, esta que dilacera e corrói o espírito, que diminui o homem e institui o animal. Um animal que pode ser frágil, manso, passivo ou violento, inóspito, hostil. Um animal que luta, que esbraveja, que se vinga. Ou um animal que acolhe sem súplica o que a vida lhe dá, resgatando apenas o sentido da falta de sentido. O viver da não vida, o quase zumbi do ser. Pudera quem sabe fugir da dor e assim, covardemente anunciar ao mundo uma vitória inglória de quem não vence mas finge. Uma vitória insossa de quem permanece vivo, mas não vive. Quem sabe pudera enfrentar a dor e abrir as entranhas, e mesmo morrendo deixar entrar a luz da esperança. Uma esperança acolhida e amada, mergulhada no insofismável perecer. Se perecer é dor, melhor escolher outra saída. Quem sabe enfrentar sem dor. Viver apenas. Mas viver com a dor mastigada, alimentada, produzida, sem temor. Apenas vivê-la, como se respira, assim, suavemente, naturalmente. Sem luta, sem grandiloquência, sem vitória ou derrotas. Só viver. E viver é dor também.

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