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quinta-feira, julho 07, 2016

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 12º CAPÍTULO

No capítulo anterior percebemos que as tramas se desenvolvem de modo a comprometer várias pessoas e parece que todos se acusam sem a menor preocupação. Embora alguns sejam reticentes, como um dos Silva, o dono da oficina, algum detalhe sempre é revelado, como o fato de Rosa ter um caso com o mecânico que trabalha com eles. Por outro lado, Júlio conseguiu algumas revelações de Ana, que vira o carro do médico no dia do assassinato de Taís. Aproveite o 12º capítulo de nosso folhetim policial.

CAPÍTULO 12


Rosa, a maestrina e porteira do hotel teria realmente alguma relação com o tal mecânico chamado Paulo? E o que ele estaria fazendo na capital? Teria a ver com a tragédia da filha do farmacêutico? Júlio não consegue parar de pensar no que ouvira, do homem da oficina, de Taís, do médico e da própria Sara, que o havia contratado e também acusara Rosa. Todos pareciam saber de tudo e falavam à meia boca. A não ser Ana, a jovem, que se revelava bem objetiva nas respostas. O que havia de tão misterioso nesta cidade? O que todos queriam esconder?

Júlio decidiu fazer o lanche habitual para depois dirigir-se à casa de Rosa, que hoje não viera ao hotel.

O garçom se aproximou amistoso.

– Então, gostou do lanche?

– Tanto quanto ontem. Perfeito.

– Acho que na alta temporada, o patrão vai aceitar a sua sugestão de lanche e começar a servir todos os dias para todos.

– Hum, boa ideia.

– Só que pra ser sincero, não acredito que dê certo. Aqui neste fim de mundo, nem no verão vem muita gente. Uma meia dúzia de gatos pingados.

– Você… Como é o seu nome mesmo?

– Anderson.

– Anderson, você sempre morou aqui?

– Eu nasci aqui, morei uns meses na capital, mas não me adaptei. Acabei voltando.

– É, a vida é dura. Na cidade grande, a gente tem que ter uma boa estrutura.

– O senhor falou tudo.

– Anderson, eu gostaria de saber onde mora a senhora que trabalha aqui no hotel, a da portaria.

– Ah, a Rosa? Sim, claro. Mora nessa mesma rua, umas seis quadras adiante.

– Ela é a mãe de Paulo, o mecânico?

O rapaz sorri, irônico:

– Dizem que é mãe dele, mas é o que a cidade quer ouvir. Ela é uma mulher madura e o povo não aceita.

– Não aceita o que?

– Que ela seja amante dele.

– Amante?

– Sim, preferem que seja mãe. É uma gente muito tacanha.

– Mas como vão dizer que é mãe se no passado, nunca a conheceram como mãe dele.

– Vai pensar o quê? Essa gente é maluca. Preconceituosa e louca, isso sim. Pra eles, o que vale é a aparência. Não importa se a pessoa é puta ou ladra, o que vale mesmo é como ela se apresenta na sociedade. Mas falando do Paulo, o que dizem, que o verdadeiro problema é que ele veio pra cá, procurando a mãe que não via desde pequeno. Encontrou essa tal de Rosa e ela o ajudou alugando um dos seus apartamentos. Dizem por aí, que ele nunca pagou nada e para completar, todos passaram a dizer que ela era a mãe dele.

– Que coisa absurda, você não acha?

– Tudo nesta cidade é absurdo, doutor.

Júlio voltou para o quarto para tomar um banho e trocar de roupa, quando recebeu uma ligação no quarto. Esperava que fosse seu amigo Jairo justificando ter dado o seu nome ao farmacêutico para investigar o caso. De todo modo, foi uma boa medida. Afinal, seria recompensado e cobraria uma bela quantia ao pobre homem. Não poderia é ser desonesto com a tal Sara Soares e deveria rescindir o contrato. Por outro lado, havia um caso concreto, um homem que precisava encontrar o assassino da filha ou pelo menos, saber o que tinha acontecido. Quanto à Sara, tudo o que dissera parecia ser uma justificativa para vingar-se de Rosa. Ele precisava esclarecer o crime, pois os fatos transcorriam de modo a condenarem uma pessoa inocente, como o médico ao qual o farmacêutico acusava com tanta veemência. Até que provasse o contrário, qualquer um seria o culpado, até mesmo a própria maestrina, como alguns suspeitavam. Também havia a hipótese da jovem ter se suicidado. Ou quem sabe, fora um acidente? O telefonema, porém não era de seu amigo e Júlio surpreendeu-se em saber que Rosa estava ligando para ele. Não pretendia sair àquela hora, deixaria a conversa com a mulher para o dia seguinte, mas ela demostrava muito interesse em falar-lhe. Na verdade, não se pode perder a oportunidade quando aparece assim, pensou o detetive. Talvez fosse um fato novo e se a maestrina queria tanto falar com ele, é porque havia alguma coisa a ser investigada.

Algum tempo depois, Júlio estava na frente do portão de grade, esperando ser atendido. Observou que uma luz se acendeu bem ao fundo, no interior da casa, deixando um pequeno foco para a calçada de lajotas. Olhou em torno e percebeu os olhos de um cão que o observava em silêncio. Tocou a campainha novamente e o animal rosnou sem mover-se. Rosa, em seguida apareceu, pedindo que o detetive aguardasse que ela levaria o cão para uma área, ao lado da casa. D’tartagham era um cachorro tranquilo, mas não se pode confiar, informou Rosa sorrindo.

Júlio voltou-se para o carro, que deixara sob o holofote de um poste e ficou esperando por Rosa. Por um momento, pensou o que estava fazendo ali. Um homem de sua experiência, de repente, atender o chamado de uma mulher, que poderia se configurar numa cilada. Respirou fundo. Ajeitou a gola rolê, cobrindo ainda mais o pescoço, fechou o paletó e aguardou que ela voltasse, com certa ansiedade. Em seguida, tentou desvencilhar-se daqueles pensamentos que imaginava serem absurdos, afinal, quem era Rosa, uma professora, maestrina do coral da igreja e em alguns dias da semana trabalhava na portaria do hotel. Como poderia pensar em alguma cilada de uma mulher como aquela? Por outro lado, jamais poderia imaginar numa história tão absurda com o mecânico da oficina, contudo, sempre fica a dúvida, afinal quem pode entender a psicologia humana? Cada um é como é, pensou. Nisso, Rosa apareceu, abriu o portão de ferro e pediu que entrasse. Júlio sentou-se numa poltrona próxima à área onde estava o cachorro e mesmo na escuridão podia ver os olhos do animal pela vidraça da janela, o qual parecia à espreita de algum movimento. Ao mesmo tempo, talvez pela área desembocasse alguma brisa, pois sentia o ar escasso no ambiente. Ela entendeu a dificuldade de Júlio, pois perguntou se queria que abrisse a janela.

–Se acha que não ficará muito frio, preferiria sim. - Respondera, agora mais tranquilo.

Ela abriu um pouco a persiana, depois sentou-se no sofá a sua frente. Antes perguntara se ele não gostaria de uma bebida.

–Não, não, obrigado. Acabei de fazer um lanche substancioso. Bem, parece que você queria falar comigo, Rosa.

– Pois é, pensei inclusive que o senhor não viria. Deve ter tantos compromissos e eu incomodando-o uma hora dessas. Mas é que não gostaria de falar-lhe no hotel, muito menos na igreja, onde temos o coral. Lá há sempre muita gente, principalmente neste horário.

– Não se preocupe, Rosa. Se eu não pudesse, diria na hora em que me convidou. Parece que você está preocupada com alguma coisa.

– Pra falar a verdade, estou sim. O senhor sabe que eu sou maestrina do coral da igreja.

– Sim, e pelo que me consta tem um bom grupo lá.

– Sim, por isso tenho muitos conhecidos, alguns amigos de algum tempo.

Júlio aquietou-se, esperando que ela falasse. Percebeu que Rosa estava disposta a contar-lhe alguma coisa muito grave, mas não poderia apressar os fatos.

Rosa levantou-se, foi até a janela que ficava na outra extremidade da sala e observou a pouca luminosidade do jardim. Perguntou, displicente:

– O senhor reparou com o meu jardim é escuro? Já mandei trocar as lâmpadas várias vezes, mas os marginais que passam por aqui jogam pedras e acaba nisso, nessa escuridão. Já estou desistindo, sabe?

– Mas é uma cidade tão pequena. Não reconheceram os vândalos?

– Ninguém dá a mínima para o que acontece com a gente, nessa cidade. Eu posso ser assassinada, posso morrer a qualquer momento e ninguém faz nada.

– Você parece muito nervosa, Rosa.

Rosa voltou a sentar-se e pôs as mãos na cabeça, como se fosse chorar, num gesto que parecia de desespero. Num segundo, porém, se recompôs e após um longo suspiro, levantou a cabeça, encarando Júlio de um modo bastante grave. A seguir, perguntou, disfarçando o nervosismo:

– Tem certeza de que não quer alguma coisa, detetive? Posso servir um suco.

– Não, não, como lhe disse, Rosa, para mim está de bom tamanho. Quero apenas conversar com você, saber o que lhe aflige, por isso vim aqui.

Ela permaneceu em silêncio, como se temesse prosseguir no assunto. Júlio então, a encorajava:

– Você me disse que tem muitos conhecidos no seu grupo, alguns amigos. E então, queria falar sobre isso, não?

– Sim, entre os meus amigos está o Pe. João. Ele é uma pessoa boníssima, tem os seus defeitos, como todo mundo, mas tem se mostrado um grande amigo.

– Há outras pessoas que considera amigas, dentro do coral?

– Eu tinha uma grande amiga, a esposa do Seu Domingues.

– E ela deixou de sê-lo?

– Infelizmente, ela morreu. Não sei se o senhor teve a oportunidade de conhecer o Seu Domingues? – Júlio acenou negativamente e ela prosseguiu. – É um velhinho muito querido aqui da cidade, o senhor vai encontrá-lo sempre jogando damas na praça ou então sentado tomando sol. Também passa muitas horas na loja de conveniência, onde trabalha uma nossa colega do coral, Marília.

– Por que ele fica lá?

– Aquela loja era dele há muitos anos. Tinha um posto de gasolina, a loja e até uma farmácia. Quando a mulher morreu acabou vendendo tudo, vive sozinho num apartamento, mas gosta de ficar na loja, tomando um café e conversando. Isso, quando está de bom humor, porque de uns tempos pra cá, anda muito amargurado.

– Pela morte da mulher?

– Pela idade, pelas dificuldades que possui como todo idoso, naturalmente e claro, sim, pela morte da mulher.

– É normal, você não acha?

– Até certo ponto, sim, mas é que segundo ele, tem outros motivos.

– Outros motivos?

– Bem, dizem que a mulher morrera em virtude de um erro médico. A coitada tinha diabete e parece que o médico deu uma dose errada, sei lá, uma coisa meio absurda, sabe?

– Este médico que atualmente é residente no hospital?

– Sim, o dr. Ricardo. Mas isso não aconteceu agora, foi no tempo em que ele era apenas um estagiário. Tinha se graduado, mas ainda não havia passado na prova de residência, por isso ficara estagiando por dois anos na cidade. Pelo menos, é isso que dizem.

– Esta história é comentada na cidade ou apenas pelo tal de Seu Domingues?

– Dá na mesma, detetive. Todo mundo sabe o que acontece. Seu Domingues deve ter comentado com alguém, e certamente passou de um para outro e todos acabam falando a mesma coisa.

– É, falam de todo mundo. Mas me diga, Rosa, o que a deixou preocupada, além das histórias de seus amigos, deve haver alguma coisa que diga respeito a você?

– Por exemplo?

Júlio pensou em disparar rapidamente, a palavra Paulo, o mecânico, mas se conteve. Não era o momento de abrir o jogo. Precisava saber mais, descobrir o motivo do chamado de Rosa. Então, deu meia volta e remendou:

– Por exemplo, pessoas do seu grupo que a importunam. Pensei que um desses a incomodasse, ou que a deixava apreensiva.

– Bem, acho que o senhor tem razão. Mas falei na mulher do Seu Domingues, chamava-se Lorena, sabe, era uma criatura dócil, amiga. Isso me deixou apreensiva, sim, porque é o caso da diabete. O senhor deve saber que há casos de pessoas que morreram envenenadas com insulina, nem sei se se pode afirmar assim, chamar de envenenamento, mas aconteceu de pessoas que não tinham a doença, morreram por terem sido injetadas nelas o medicamento.

– Isso foi provado?

– A polícia está investigando. Alguns casos foram arquivados. Não há como provar, sabe.

– Você acha isso possível?

– Eu fiquei pensando neste caso da Lorena. E depois me falaram de outros casos semelhantes, não de erro médico, mas relacionados à insulina. Para encurtar o caso, detetive, eu estou com medo, porque hoje fui ao médico, fiz uns exames e descobri que estou com diabete. Eu estou com medo de morrer doutor!

– Rosa, você se deu conta que há dois tipos de crimes na cidade e que um determinado grupo de pessoas chama a atenção e dá muita importância a um tipo de crime e outro grupo está muito preocupado com o outro.

– Como assim, detetive?

– Há estes crimes que você descreveu, sobre pessoas que foram, segundo o que se comenta, injetadas com insulina e morreram por não possuírem a doença, não é isso? Há outras pessoas que falei, como Sara Soares e parece que seu filho também foi vítima disso, embora não tenha conversado com ele ainda.

– O senhor se refere a Raul.

– Sim, parece que ele faz parte do coral e é muito amigo seu, não?

Rosa parecia desconsertada. Caminhava de um lado para o outro da sala, como se não soubesse o que dizer.

Júlio concluiu:

– Mais tarde, eu faço questão de falar sobre ele, mas quero completar o meu pensamento. Falei no primeiro tipo de crimes que estão acontecendo aqui, mas há um outro, que se refere a uma moça que foi assassinada ou se suicidou, não sabemos, mas é um caso que envolve alguns suspeitos e muita dúvida pela polícia. Há um pai em absoluto desespero, que quer justiça. Há um médico, este mesmo que é residente na cidade, que está sendo acusado e ninguém fala, a não ser algumas pessoas interessadas no assunto. Você entendeu o que eu quero dizer, Rosa?

–Eu soube sobre o crime sim, mas para mim, a polícia está investigando e vai chegar a uma conclusão. Mas no primeiro tipo, como o senhor diz, a coisa está muito obscura. Por isso, eu estou com medo. E quanto ao médico, ele me parece envolvido nos dois tipos.

– Mas vamos falar sobre o seu amigo Raul.

Rosa respirou fundo. Não gostaria de falar em Raul. Como dizer-lhe que a presença de Raul a deixava feliz, que era uma pessoa muito bem integrada no curso, o único que não professava a religião católica, mas que gostava do que fazia. Estava sempre pronto a aprender novos acordes, aceitava as críticas, era um participante que ajudava ao crescimento do grupo.

– E você Rosa, eu lhe peço que seja sincera, já que pretende que eu possa ajudá-la de algum modo. Você gostava de Raul? Quero dizer, sentia alguma atração por ele, como homem?

Rosa rapidamente corou, sentindo-se pouco à vontade com a pergunta de Júlio, mas tentou responder com firmeza.

– Eu sou uma mulher madura, detetive, ele é um homem que talvez tenha os seus trinta e poucos anos.

– Mas e daí, isso interfere em alguma coisa?

– Não sei, pode ser que não, mas em se tratando dessa cidade…

– Deixemos a cidade de lado e o que o povo pensa desse tema. Responda objetivamente a minha pergunta, por favor.

– De modo algum! - Responde categórica. - Ele foi um bom amigo, apenas. Sentia uma atração por ele, não vou negar, mas não fisicamente. Era uma coisa de carência, de querer ajudá-lo, talvez até meio materna, mas nunca passou disso.

– Você disse que ele era um bom amigo, então deixou de sê-lo?

– É uma longa história. Raul andou me apresentando, sabe? Começou a fumar maconha, talvez tenha sempre usado, mas ficou meio irresponsável. Certa vez, entrou em minha casa com a minha chave, drogou o meu cachorro, a partir daquele dia, fiz tudo para que saísse do coral. Só que nesse meio tempo, segundo o que dissera, tentaram matá-lo, injetando insulina, como nos outros. Só que ele não morreu, porque tinha a doença e os criminosos não sabiam.

– Então a coisa é mais séria do que pensamos. Precisamos fazer um relatório, vou tentar pegar informações com a polícia sobre esses casos. Entretanto, estou muito preocupado com o outro caso.

– Antes detetive, me diga, não acha que estou com razão por ter medo? Se descobrirem que sou diabética, poderão me matar também!

– Mas quem faria isso? Qual seria o motivo para matar todo mundo que tem diabete, embora pelo que entendi, só morre quem não tem a doença. Então, não tem sentido tentarem matar quem está doente.

– Sei lá, talvez alguém que quisesse se vingar.

– Alguém como o Sr. Domingues que você falou? Afinal, a mulher morrera por um erro médico. Ela tinha a doença. Vai ver que ele queira se vingar do médico, fazendo morrer todos que não tenham a doença e talvez jogando a culpa nele.

– Mas isso é um absurdo.

– É um absurdo, mas os criminosos estão aí para provar que cometem absurdos.

–Talvez o senhor tenha razão, mas me diga, como pode ajudar-me, detetive?

– Esperando que você me conte tudo o que sabe, Rosa.

– Como assim? Eu já lhe contei tudo o que sei, esteja certo.

– Você conhece o ex-namorado da jovem assassinada, Taís?

Rosa estremeceu. Deu um salto para trás, como se fosse atingida por um projétil vindo da janela. Lá fora, D’tartagham ladrou com extrema fúria, que impressionou Júlio. Rosa então aproximou-se de um pequeno móvel que tinha algumas bebidas e serviu-se de um licor. Ofereceu-o ao detetive, que recusou mais uma vez. Tomou-o de um só gole e comentou, distraída:

– Não sei exatamente a quem o senhor se refere.

Júlio foi categórico:

– Refiro-me ao mecânico que trabalha na oficina dos Irmãos Silva. Pelo que me consta, você o conhece.

– Sim, devo conhecê-lo, como o senhor sabe, todos conhecem a todos nesta cidade. - Respondeu ansiosa.

– Mas pelo que um dos Silva me afirmou, você o conhece muito bem, até o tem ajudado desde que veio para cá, à procura da mãe. Se não me engano, você até alugou um apartamento em troca de alguns favores.

– Do que o senhor está falando detetive? A maneira como fala está me ofendendo. Estes miseráveis Silva nem sabem o que estão dizendo.

– Na verdade, fui irresponsável, agora. O Silva disse que o mecânico a conhecia e que você o tinha ajudado, mas não me contara tudo isso que relatei. Eu confundi as fontes.

– Qual foi o vagabundo que lhe informou isso?

– Não interessa agora, Rosa. Quero saber se é verdade, se você conhece o mecânico Paulo e se tem alguma relação com ele. O que significa este rapaz para você?

Ao ouvir a pergunta sobre Paulo, Rosa emudeceu. Ele então mudou de tática.

– Está bem Rosa, então vou tornar a perguntar sobre a filha do farmacêutico. O que você tem a me dizer sobre o crime?

Rosa o olhava intrigada. Parecia que as coisas estavam por demais confusas, para enveredar por aquele assunto. Afinal, não foi para isso que chamou o detetive. De súbito, respondeu, irritada.

– Eu acho que ninguém a matou, ela devia estar tomando um daqueles banhos que costumava e despencou rio abaixo.

– Como assim?

–Ela tomava banhos a qualquer hora do dia e da noite e nua, como veio ao mundo! Era uma leviana! Ou o senhor pensa que era uma santinha?

– Disso eu não estava informado. Ninguém comentou. Viu que não é tudo que falam na cidade?

–É, talvez só falem o que interessa para eles, para agredir alguém.

– Você a considerava uma leviana por isso?

– Só por isso, não. Ela era uma jovem muito atirada, dava em cima de qualquer homem que lhe passasse à frente. E não pense que eu é que achava isso, toda a cidade comentava!

–E quanto a Paulo?

Rosa prosseguia no mesmo tom enfático, diferente da mulher tranquila e ponderada que demonstrava ser.

–O que eu tenho a dizer, é o que todos dizem por aí. Taís era namorada dele e o traiu com aquele médico. Não tinha compostura. Era uma desequilibrada. Além disso, fumava maconha e bebia como uma viciada!

– Meu Deus, tudo isso! Mas namorou Paulo durante muito tempo?

– Uns dois anos. Ele pretendia até casar-se com ela, contra a minha vontade é claro. Mas ele gostava muito dela, estava encantado e passava a mão por cima de todos os seus defeitos. Ela fazia qualquer coisa para conseguir as drogas, até se prostituir. Era uma infeliz!

Júlio percebia que os olhos de Rosa brilhavam, como se estivesse falando com a própria vítima. Então, perguntou, oportuno.

– Rosa, quer dizer que você odiava esta moça.

– Com todas as forças de minha alma. Ela era capaz de tudo e ia acabar com a vida de Paulo.

– Você ama muito este rapaz.

Ela fez um silêncio pesado. Então, levantou-se do sofá e aproximou-se de um balcão escuro, onde pegou um maço de cigarros. Retirou um, deixou entre os dedos, mas não o acendeu. Encostou-se no balcão. Quando falou, o fez quase numa súplica, encarando fixamente o detetive.

– Dr. Júlio, eu lhe peço, esqueça esta história. Volte para a sua cidade, essa moça, pobre coitada, a gente sabe, não merecia isso. Veja bem, não vai resolver nada. Nem o senhor nem ninguém vai trazê-la de volta.

– Por que quer que eu esqueça o caso? Fui contratado por Lucas, o pai da moça.

– Lucas, aquele maldito! Por que não deixa a filha descansar em paz?

– Mas qual é o motivo de querer deixar tudo como está? Não é melhor resolver o problema?

– Não, doutor, não é melhor. - E quase chorando. - Tenho certeza de que vão acusar o Paulo, só porque ele é um pobre coitado. É a parte mais fraca. Jamais vão acusar aquele doutorzinho de merda, o senhor pode ter certeza.

Júlio a ouvia surpreso. Fez uma pequena pausa e logo argumentou:

– Você sabe que na condição de detetive, preciso saber algumas coisas, como por exemplo, qual é a sua verdadeira relação com este rapaz.

Ela largou o cigarro sobre o balcão, desistindo de fumar e voltou a sentar-se no sofá. Enxugou algumas lágrimas e tentou parecer mais calma.

–Ele não é nada meu, mas me considera como uma mãe e diz para todo mundo que sou a mãe que procura há muito tempo. Eu, apenas lhe dei guarida, um dia. Ajudei-o quando precisou e foi ficando aqui, num apartamentinho que tenho para alugar. Sabe, doutor, ele tem a cabeça fraca, não é muito inteligente. Mas para mim, todos são iguais, por isso, eu o considero muito. Não quero que sofra por causa daquela desmiolada!

– Sinto muito, Rosa, não posso ajudá-la neste sentido. Não posso fazer nada. E depois, se acharem o verdadeiro culpado, ele será isento de tudo, se for realmente inocente.

– Não, vão fazer tudo para colocá-lo na prisão, tenho certeza!

– Mas afinal, por que motivo? Quem está mais enrascado, na minha opinião, é o médico. A menos, que existam outros fatos que eu desconheça.

– Não, não há nada. Só posso dizer que ele é inocente.

– Pois se ele é inocente, não tem por que se preocupar, precisa só responder algumas perguntas, como por exemplo, onde ele estava no dia da morte da moça.

– Isso, o senhor terá que perguntar pra ele. Eu não posso lhe dizer nada.

– E ele foi fazer o que na Capital?

– Ele foi lá buscar uns documentos. Foi assaltado certa vez na capital e agora os documentos foram encontrados.

– E quanto a você?

– Quanto a mim? O que quer dizer? Eu não tenho nada a ver com esta história.

– A mesma pergunta clássica: onde estava no dia do crime?

– Eu não sei. Como vou me lembrar? Nem sei o que comi no jantar ontem! Mas o senhor devia pesquisar o tal médico, porque o carro conversível dele estava parado por lá, bem na outra margem do rio, próximo à ponte. Já soube disso?

– E como você soube? Rosa, já percebeu que de repente, passou a incriminar o médico sobre um crime que você nem estava interessada? Parece que este rapaz é odiado nesta cidade, porque é culpado de tudo.

– Não sei, ouvi falar. Todo mundo fala tudo nesta cidade, lembra? Eu não tenho nada contra o médico, nem contra ninguém. Como lhe disse, estou assustada.

– Em todo caso, é bom você tentar lembrar o que fazia naquele dia, porque você demonstrou que odiava esta moça.

– O senhor não vai querer me acusar, detetive?

– Eu não acuso ninguém, Rosa. Procuro provas, só isso.

– Bem, acho que nosso assunto se esgotou. O senhor em vez de tentar me ajudar, acabou me acusando.

– Como lhe disse, não acuso ninguém. Mas há de convir que a sua reação foi muito estranha. Defendeu este rapaz, o tal mecânico com unhas e dentes, como se eu estivesse acusando-o de alguma coisa.

– Eu já lhe disse, doutor, estou muito nervosa e Paulo é uma pessoa muito boa, não merece que o acusem. Sei que mais cedo ou mais tarde, vão fazer alguma maldade contra ele, só porque ele andou com esta moça. Mas tenho certeza de que tem muito mais gente envolvida.

– Isso nós vamos descobrir!

quinta-feira, junho 09, 2016

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 4º CAPÍTULO

Capítulo 4


<p> Capítulo 4

Quando chegou ao quarto onde o amigo estava, Ricardo encontrou-o sonolento. Aproximou-se da cama e Raul abriu os olhos, sorrindo.

—Não reconheci você com este jaleco, cara. Que bom que veio, meu médico preferido.

—Não se agite, Raul. Sei que seu açúcar teve uma queda considerável.

— É verdade, eu tive tonturas, tive náusea e até agora estou suando frio, apesar do sono.

—Isso é assim mesmo, daqui a pouco passa. Mas já é hora de dormir. Afinal, é bem tarde. Assim, você descansa.

— Sabe, Ricardo, eu tenho medo que eles me matem. Que descubram que estou aqui… Você sabe.

–– Ninguém vai descobrir nada. Não pense nisso.

––Você anda muito ocupado, eu sei. Já estou acostumado com abandono, meu amigo. Eu lhe falei da Susi, lembra? Não da cachorrinha que tenho em casa…

––Sei, da sua namorada. Esqueça isso. Pense em melhorar depressa. Amanhã, você sairá daqui.

––Escute, você pensou na proposta que lhe falei?

–– Pensei, mas conversamos amanhã. Agora, eu só vim ver como você está. Não quero importuná-lo mais. Tente dormir. Raul o observou com certa ironia. Segurou a mão de Ricardo e perguntou com cumplicidade:

— Meu amigo, você andou bebendo. Não pode vir atender os pacientes neste estado, ainda mais usando jaleco, entrando no hospital com o crachá de médico…

–– Cale a boca, não repita essa bobagem aqui.

–– E você acha mesmo que é uma bobagem?

–– Não, não é, claro que não. Mas vim aqui para vê-lo. Que está insinuando?

–– Só estou querendo protegê-lo, meu amigo. Uma morte qualquer de um paciente pode responsabilizá-lo por incompetência, por estar usando bebida alcoólica.

––Eu não estou atendendo ninguém, você sabe disso.

––Mas numa emergência, podem precisar de você.

–– Você está me ameaçando?

––Jamais, meu amigo, jamais. Quero proteger você, como disse, até a morte, se necessário.

–– Então não se preocupe comigo. Sei me virar. Por isso, mesmo, vou embora, você já está muito bem, pronto pra outra.

––Meu amigo, quero lhe agradecer por não ter me abandonado. Sei que você vai fazer o que lhe pedi, vai tentar descobrir a causa da morte daquelas pessoas. Você vai provar que elas morreram por terem usado insulina.

— Eu já lhe disse que estou ingressando no hospital, não posso me envolver com nenhuma necrópsia e depois, isso é atribuição dos peritos da polícia civil.

—Mas você vai achar uma maneira de resolver isso, tenho certeza. E vamos culpar aqueles malditos da petshop.

Ricardo afastou-se encontrando alguns colegas que faziam o plantão da noite. Fez o possível para dirigir-se ao estacionamento o mais rápido que pode.

Quando estava no carro, no silêncio entre os poucos carros que ainda estavam no prédio, ficou inquieto, pensando nas palavras de Raul.

Às vezes, parecia que ele pretendia agredi-lo, agindo de forma irônica, como se pudesse acusa-lo de algum delito. Entretanto, o melhor que tinha a fazer era esquecê-lo e voltar para o hotel imediatamente.

Foi o que fez. Tentou dormir um pouco e ao levantar, parecia que carregava uma carga imensa nas costas. Antes de mais nada, decidiu ir até a casa da mãe de Raul. Precisava saber os detalhes da conversa que pretendia ter com ele, de preferência, longe do filho, como dissera.

Dirigiu-se ao endereço que tinha anotado, observou que era uma casa antiga, com um velho portão de ferro, meio enferrujado, precisando de uma boa pintura.

Tocou a campainha e uma mulher atravessou o pátio, vindo pela calçada que conduzia ao portão. Tinha o cabelo pintado de loiro, curto e uma estranha cicatriz perto do olho. Como médico, foi a primeira coisa que reparou. Não esqueceu também da voz rouca de quem havia fumado por muito tempo.

Ela abriu o portão e pediu que entrasse, apresentando-se, logo em seguida.

––Seu nome é Sara. Raul não havia falado na senhora.

–– Não?

–– Na verdade, comentara alguma coisa sobre a sua casa, herança que provavelmente seria dele…

–– Raul às vezes, é uma criança. Mas vamos entrar, não ficaremos conversando aqui no portão, até porque está meio frio, não acha?

Ricardo concordou e avisou que teria pouco tempo, no máximo uma hora, em virtude do compromisso no hospital.

Entraram na casa. Uma sala enorme, com alguns quadros inexpressivos na parede.

Sara o convidara a sentar-se numa das poltronas e afastou-se, dizendo que traria um café. Ricardo insistiu que já havia tomado café no hotel e que não teria muito tempo. O ideal é que fossem direto ao assunto.

Sara então, sentou-se na poltrona a sua frente. Ficou em silêncio, observando-o, o que o incomodou um pouco. Por isso, engatou o assunto:

–– A senhora disse-me ao telefone que gostaria de falar-me na ausência de seu filho. O que aconteceu?

–– Bem, eu diria que não aconteceu absolutamente nada.

–– Como assim?

–– Deixe-me explicar. Raul tem passado por um período muito difícil, desde que brigou com a namorada. Ele estava muito apaixonado, sabe?

–– Sim, ele me contou.

–– Acho que a separação o perturbou de alguma forma, porque anda inventando coisas, anda fantasiando, entende?

–– A senhor se refere aos crimes?

–– Exatamente. Quero dizer, mais especificamente, ao ataque que ele sofreu.

–– Ele foi atacado perto do petshop, no tal parque perto da loja. Foi isso que ele falou.

–– E você acreditou nesta história?

–– Por tudo que ele descreveu, pelo verdadeiro pânico que parece estar sentindo, não teria motivos para duvidar.

–– Mas não acha que aquela história do homem no carro oferecer carona é pura ficção? E depois, perder um cachorro, ele tentar ajudar e ser atacado! É muita fantasia, pelo amor de Deus!

–– Definitivamente, a senhora não acredita nele!

–– Pobre do meu filho! Ele anda imaginando estas coisas. Ele não tomou nenhuma dose de insulina a mais e se tomou foi a normal, de todos os dias. Ele começou a imaginar estas coisas… Tenho medo de que esteja enlouquecendo…

–– Muito bem, tudo é muito estranho, realmente. A história é até um pouco absurda, mas e quanto aos outros crimes? As vítimas existem, estão em todos os jornais. Há um assassino solto por aí.

––É verdade, existem sim. E nem sabemos se foram mortas pelas mesmas pessoas. Mas quanto a ele… não aconteceu nada. Por que o deixariam vivo, você já se perguntou isso?

–– A explicação dele é convincente. Ele seria o único que é realmente doente, por isso se salvou. Segundo ele, injetaram insulina nos outros e estes não sofriam da doença.

–– E quem pode provar que morreram disso?

–– É o que ele quer que eu ajude a provar, conversando com os peritos, com os inspetores que cuidam dos casos. Se fizerem necrópsia nos corpos das vítimas…

–– Se eu fosse você não me envolveria com isso. Vão chegar a um resultado lastimável…
.

–– Como assim?

–– Quero dizer, absurdo. O que eu quero, na verdade, o motivo que o chamei aqui, além de dizer isso, é que você não o abandone, que o ajude a sair dessa situação, entende? Eu preciso que meu filho volte à realidade. Que ele pare de pensar nestas bobagens, que volte a viver! Faz dois anos que se separou dessa mulher que ele tanto venera, agora chega. Tem que esquecer, tem que arranjar um trabalho decente. E só você pode ajudá-lo.

–– Eu estou tentando, dona Sara.

–– Sei, mas você tem que mudar o modus operandi, entende? Tem que esquecer essa história de crimes e levá-lo a se divertir, a conviver com outras pessoas, quem sabe lembrar do passado, do tempo em que eram crianças, rir um pouco, beber nos bares, saírem. É o que ele precisa. Eu até sugeri que você morasse aqui, por um tempo.

–– Foi a senhora que sugeriu?

–– Sim. Não é uma boa ideia? Até você encontrar um lugar para ficar. Esta cidade é pequena, não comporta bons apartamentos. A minha casa é grande, antiga, mas bem aprazível. Você terá um quarto e uma suíte, só sua. O que acha?

–– Raul lhe falou de minha namorada? Ela pretende vir para cá.

Sara aquietou-se. Levantou-se e perguntou novamente se ele não queria café. Desta vez, também sugeriu um chá. Ricardo recusou, dizendo que estava na hora de ir.

–– Eu compreendo meu filho, vá, desempenhe bem as suas tarefas e seja um bom médico. Você tem tudo para ser um grande profissional, diferente de Raul, infelizmente. Mas vá, daqui a pouco, ele estará em casa novamente. Pode ser, que mude de ideia e esqueça essa história de crimes.
Sara interrompeu-se por um instante e antes que ele saísse, pediu:

—- Espere, antes de sair me prometa uma coisa. Não diga nada a Raul sobre a nossa conversa. Ele tem tanta confiança em você, que se soubesse que esteve aqui, talvez desconfiasse de alguma coisa.

Ricardo concordou e afastou-se rapidamente.

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A boca vermelha, cabelos loiros, olhar perdido. Nem sabe se fazia pose, encenava ou apenas acessório do cenário. Assim os observava de re...

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