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Mostrando postagens com o rótulo família

As sutilezas da felicidade

Os dias pareciam dissolver-se no anoitecer que se alongava. Ao voltar do trabalho, o seu hábito era tomar o chimarrão, enquanto ouvia o Repórter Esso. Após o jantar, costumava abrir o Correio do Povo para lê-lo na mesa. Era um ritual ao qual estávamos habituados e sempre interagíamos entre algum comentário ou mesmo sobre a dúvida de um vocábulo desconhecido. Olhávamos para meu pai e procurávamos descobrir a solução através de dicas que ele informava. Lembro de minha irmã e eu buscando métodos mais rápidos para chegarmos a algum resultado. Ela pegava os dicionários ou revistas nos quais houvesse palavras semelhantes. Também ele tinha por hábito pesquisar os atlas, cujos mapas mostravam centenas de países e cidades das quais nem imaginávamos a procedência. Até mesmo no Brasil, começávamos com as capitais, depois as cidades do interior e teríamos que procurar no mapa e ao acertarmos, ganhávamos um ponto. Tudo era considerado uma competição, na qual nos esforçávamos para chegar à

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO XXXV - FINAL

A SEGUIR ÚLTIMO CAPÍTULO DE NOSSO FOLHETIM DRAMÁTICO – A CASA OBLÍQUA Clara correu ao escritório, juntou rapidamente os documentos,examinando-os por um momento, verificando se não havia nenhuma falha na escritura e na procuração efetivada por Dona Luiza, guardando-os com cuidado. Depois, descontrolada, escancarou a janela, fixando-se no outro apartamento. Do outro lado, Cida sorria, irônica. Tomada de ódio, Clara fechou as venezianas, machucando os dedos nos ferrolhos e imaginou que todos estavam em concordância com Cida. Juntos, se preparavam para dar o golpe fatal, pra tomar o que era seu. Não permitiria, lutaria até o fim, nem que para isso fosse necessário matar aquele impostor. Era uma mulher livre, mais dia, menos dia, tudo seria arquivado. Não tinha o que temer: era uma trabalhadora e cumpridora de seus deveres. Respirou fundo, para acalmar-se. Empurrou a veneziana lentamente para se certificar que Cida ainda se encontra lá. Não havia ninguém. Clara sorriu. Ela havia de

Dessolidões

Meu vizinho sofria de uma doença estranha. Foi ao médico, ao curandeiro, ao pastor, leu todos os livros de autoajuda, e nada. A tal da moléstia não o deixava em paz. Era um vazio no peito, uma fome de não sei o quê, um vagar assustado pela casa, um temor de qualquer coisa que não se parecesse com movimento e folia. Não tinha o que se queixar, sua vida era perfeita, muito amado nas redes sociais, vivia em noitadas, antecipada aos happy-hours cercados por amigos. Mas o que acontecia que o aporrinhava tanto? Não passava um minuto sozinho, não tinha nada que o aborrecesse de verdade, até no trânsito costumava se divertir: carro potente, som atordoante, quase um trio elétrico. A vida se lambuzava de prazeres e o mundo nada mais era do que o seu portal de acesso. Estava sempre entre os melhores, aparecia com as mulheres mais lindas, era conceituado como um grande executivo, um homem de negócios e de valor. Até que apareceu aquela dor no peito, aquela quase falta de ar, aquela opacidade

A fotografia da vida de Santa -CAP. 24

NESTA TERÇA-FEIRA 29 DE NOVEMBRO, PROSSEGUE O NOSSO FOLHETIM DRAMÁTICO, AGORA COM O CAPÍTULO 24. Capítulo 24 Santa estava muito nervosa com o sofrimento de Linda. Afinal, o sobrinho havia sido assassinado. De repente, as situações revelavam um caminho bem diferente do que Santa tinha imaginado. Ela agora, arrependia-se por ter pedido ao rapaz que descobrisse o que Linda estava tramando contra ela em conluio com o próprio marido. Precisava provar aos filhos que o seu objetivo era torná-la uma incapaz. Mas não era essse o caminho que queria para a família, ao contrário, queria o bem para todos. Por que tudo desandara dessa maneira? Até ela se envolveu nessa intriga. Por que não foi clara com Sandoval, com os filhos, por que não abriu o jogo. Isso tudo a deixava mortificada. Não era o que a Virgem lhe indicara, ao contrário, afastava-se cada vez mais dos objetivos de união e credenciamento de novos rumos para a família. Estava assim, perdida em seus pensamentos, quando Sandoval e

A fotografia da vida de Santa - CAP. 9

No capítulo anterior, quando Linda começou a revelar o que motivara Santa a fazê-la permanecer na reunião, Sandoval teve um mal súbito interrompendo-a. Após a intervenção médica e constando-se que ele não tinha um problema grave, Santa ameaçou-o que se ele não contasse aos filhos sobre o fato que o relacionava à revelação de Linda, ela cumpriria a missão que se propusera. A seguir o nono capítulo de nosso folhetim dramático. Capítulo 9 Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/m%C3%ADstico-árvores-nevoeiro-misty-918502/Unsplash Sandoval levanta-se da cama e caminha pelo quarto em extrema ansiedade. De repente, a estabilidade de sua família está a perigo. Santa intervém na vida de todos com uma finalidade que não lhe parece nada espiritual, ao contrário, é cheia de vingança e desejos moralistas. Mas o que fazer para impedir que leve adiante esse delírio? As últimas palavras da mulher ecoam em sua cabeça, colocando em suas mãos a decisão de propor uma nova reunião.

Um cirurgião de almas, apenas

Às vezes, fico imaginando algumas coisas de um modo estranho que não combina com o que muita gente pensa. E me pergunto, se há alguma maneira de pensar da mesma forma. Claro que não há. Por mais que nos esforcemos em sermos semelhantes, somos muito diferentes, e por conseguinte, nosso modo de agir e de pensar. Que bom que pensamos de maneira distinta, porque aí se dá a democracia de ideias, tão arranhada hoje em dia. Cada um com o seu jeito, a sua história de vida, a memória que carrega consigo entrincheirada nas suas vivências e experiências com os seus e os que estão próximos. Pensamos antes na família, depois na escola, nos amigos, mais tarde nos colegas de profissão e assim por diante. Mas, às vezes fico pensando um pouco diferente demais, se é que é possível engendrar esta expressão assim, no nosso rico idioma. Por exemplo, observo a maneira contraditória como as pessoas agem em relação a determinados temas, como por exemplo, a leitura da realidade que fazem através da míd

A fotografia da vida de Santa - CAP. 1

Santa, a matriarca de uma família rica e respeitada, muito religiosa e benfeitora da comunidade prepara-se para uma ocasião especial, que é o seu aniversário de sessenta anos celebrado por uma missa. Aos poucos a fotografia de sua vida revela que a harmonia da família é apenas um flash da câmera e aos poucos, todos vão mostrando o seu discurso, em cujo tema a hipocrisia humana é flagrada. Assim começa o nosso folhetim dramático. A seguir o 1º capítulo (as publicações dos capítulos são feitas aos sábados e terças-feiras) Fonte da ilustração: MichaelGaida. Do site www.pixbay.com Nem sempre se tem a convicção de que a vida revela uma atmosfera de conforto ao espírito, mas para Santa, tudo parecia suave e doce, a ponto de transportá-la aos melhores momentos de sua infância. Enquanto se dirigia para a igreja, lembrava da mãe, sempre zelosa com o vestuário e de seu cuidado obsessivo com o comportamento. Nada lhe escapava: um gesto sorrateiro, um olhar gracioso para o irmã

A VISITA

Chegar a casa, percorrendo as ruas estreitas, de paralelepípedos irregulares, batida incerta no peito, olhos febris. Difícil saber o significado da visita, entender a expectativa da hora, o aperto de mão. Minha mão na do meu pai, caminhando orgulhoso, torcendo os pés nas pedras incólumes. Tropeçando, olhos pairando nos céus, gestos hesitantes, braços indagando inquietos. Segui-o em tudo, até na incerteza. Tinha de fazê-lo para chegar lá. Saber como o tal tio nos receberia e ter ao mesmo tempo a convicção do acolhimento sereno. Muito se falava nele. Meu pai tinha orgulho da sabedoria, da linguagem precisa, do seu amor pelas letras e filosofia. Eu divagava, mão apertada, coração aos saltos. Via as sombras das pernas longas de meu pai no sol da calçada. Os pés grandes, apressados. Se soubesse o quão distante seria o caminho, talvez não me levasse. Mas valia à pena o sacrifício para transmitir conceitos saudáveis que talvez eu apreendesse. Agora sei que ele estava certo, porq

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XI

HOJE, TERÇA-FEIRA 16/02/2016, SEGUE O NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 11º CAPÍTULO . Capítulo 11 Às vezes, penso em escrever um livro. Um livro que contasse a história de minha família, mas ao mesmo tempo em que me acomete esta idéia, sei que não ousarei seguir adiante. Relembrar os meses em que Luisinho ficou em coma naquele hospital é reviver a dor em toda a sua intensidade. É proclamar o dia da execução final. Não, não devo mais sofrer, já bastam as lembranças diárias que tenho dele, desses seus últimos momentos. Pudesse voltar os ponteiros do relógio e fazer a minha vida retroceder a um tempo anterior àquele acontecimento. Se pudesse impedir tudo aquele nefasto acidente. Se pudesse argumentar pra mim mesma, que tudo tem um motivo, um fim, uma conseqüência. Mas não consigo acreditar que fosse preciso ele morrer, ele que era tão cheio de vida, de amor ao próximo, de idealismo. Isso não devia acontecer assim, com os velhos. Não devíamos