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terça-feira, fevereiro 07, 2017

Uma bomba e a aeromoça gaúcha



Meu amigo tinha por hábito externar qualquer pequeno problema que o acometesse. Às vezes, um mudança abrupta no seu estado psíquico, como uma melancolia, uma vontade de afastar-se de onde estava ou simplesmente um pequeno ruído que o incomodava. Via de regra, sabíamos que reagia com certo exagero às circunstâncias, mas respeitávamos o seu modo de ser e procurávamos conciliar seus pequenos desajustes aos nossos interesses. 

Naquele dia, porém a coisa fora diferente. Estávamos reunidos no aeroporto para seguirmos à Brasília para um curso relâmpago de três dias. Éramos em torno de 30 pessoas e comemorávamos a ideia de projetar o nosso trabalho de marketing para a instituição em que trabalhávamos. 

Ao entrarmos no avião, fomos para nossos acentos e conversamos animados com a possibilidade de ainda chegarmos cedo à cidade para quem sabe, irmos num bom restaurante após a chegada no hotel e nos prepararmos para o dia seguinte que seria bem puxado. 

Meu amigo Júlio (era seu nome) estava num assento próximo à asa do avião. Fazia alguns selfies com os colegas, tirou também algumas fotos de alguns aviões estacionados e de repente, aquietou-se manifestando uma palidez que nos assustou. 

O avião estava prestes a decolar e Júlio parecia fora de si. Suelma, uma morena de olhos grandes, sempre extrovertida e dada a piadas, perguntou o que acontecera. Sandro, um dos que estavam no lado esquerdo ao de Júlio também ficara apreensivo, achando que o colega iria desmaiar. Eu tentei perguntar alguma coisa e fui interrompido antes que chegasse na primeira frase. 

Júlio avisou que estava ouvindo um ruído estranho que vinha de sua poltrona, era uma espécie de chiado, como se houvesse uma bomba ali instalada. Seus lábios estremeciam e sua voz saía rouca, como se o som precisasse atravessar um túnel que a interceptava. 

Alguns riram, achando que meu amigo fazia piada ou tinha na verdade, era medo de voar. Outros reclamavam, achando tudo uma grande bobagem. 

Sandro porém, era o único que parecia paralisado. Pálido, olhos arregalados, sem conseguir dizer nada. Olhava para a namorada um tanto apalermado, achando que alguma coisa errada estava acontecendo. Neusa, a companheira, ria desajeitada, esclarecendo que isso era coisa de Julinho, como ela o chamava. Nada demais. Ele costuma inventar estas bobagens, dizia sem muita convicção. 

Eu perguntei o que estava acontecendo de verdade.
Júlio voltou a afirmar que o chiado permanecia e cada vez mais insistente, como se o dispositivo estivesse ligado, talvez a ponto de explodir o avião. 

Na poltrona a sua frente, estava uma aeromoça de Porto Alegre. Levantou-se um pouco temerosa, aproximou-se dele e sentou ao seu lado, exclamando, naquele sotaque característico da capital: 
– Bah, eu nunca tinha ouvido este chiado antes! Faz muito tempo que tu ouve isso? 

Júlio apavorado, não sabia o que dizer, na verdade, sabia sim, afirmava que não, nunca tinha ouvido nada igual e que precisavam tomar alguma providência. O avião não poderia decolar de jeito algum. 
Os demais começavam a se irritar com Júlio, não se contendo em suas observações, uns afirmando que era uma situação absurda, não tinha nada a ver com bomba ou coisa parecida, outros porém tinham suas dúvidas e queriam descer do avião a todo custo. 

Sandro agarrava-se ao braço de Neusa, agora muito vermelho, como se ele fosse a própria bomba pronta a explodir. Doía-lhe a barriga e a sensação de que deveria ir ao banheiro imediatamente, pois seu organismo não o obedecia. Temia estar com dengue ou coisa parecida. Neusa acompanhou-o até a porta. Os colegas se olharam indignados. Só faltava agora um cagão no grupo! 

Alguns minutos depois, o que nos parecia um tempo interminável, Sandro voltava alisando a barriga e caminhando devagar ao lado de Neusa, que também ficava vermelha com os olhares curiosos. Sorria, acenando a cabeça, como quem diz, “coisas de Julinho”. Mas a situação piorava a cada instante, não no que concernia a Sandro, mas ao fato observado por Júlio, o tal chiado que não parava. 

A aeromoça, nestas alturas já se afastara, pedindo ajuda aos engenheiros e mecânicos do avião, mostrando-se apavorada. As demais procuravam não intervir e se limitavam a ficar na cabine, esperando os procedimentos do piloto. A ordem porém era impedir a decolagem imediatamente e aguardar a solução do problema. De vez enquanto, o piloto falava no microfone evitando alarmar a tripulação. 
Aproximei-me da aeromoça e perguntei o que ela pensava disso. Ela respondeu com uma pergunta: 
— Capaz!, tu não acha que o caso é sério? Tri responsável o rapaz avisar dessa coisa. Vai ver que é uma bomba, mesmo! 

Eu não tinha o que dizer. Fiz um gesto qualquer e me afastei na direção de minha poltrona, porque a conduta estabelecida era ficarmos em nossos lugares. Dali, observava os colegas, especialmente Sandro que parecia desabar na poltrona. Em dado momento, levantou-se, tentando falar com um comissário de bordo, que insistiu para que ficasse sentado. No entanto, não havia como impedir a marcha pelo corredor do pobre coitado, cujo único destino parecia ser o vaso sanitário. O comissário deu um meio sorriso e deixou-o ir, mas exigiu, dirigindo-se à Neusa: 
– A senhora não precisa acompanhá-lo. Fique onde está, porque estamos trabalhando para que tudo se resolva da melhor forma possível. É preciso que todos fiquem atentos! 

Ao ouvirem isso, todos começaram a falar em uníssono, já desesperados, temendo que o pior acontecesse. Um burburinho que se transformou em algazarra, com os ânimos cada vez mais exaltados. 

Suelma, a piadista, decidira rezar e o fazia em voz alta, deixando os demais ainda mais irritados. De vez enquanto, olhava de vesgueio para Júlio, quase suplicando que dissesse ser uma brincadeira. Em seguida, leu um salmo da bíblia e todos a mandaram calar-se. Ela sentou-se, pensou numa piada, mas decidiu ficar quieta. Era melhor obedecer.

Enquanto isso, os engenheiros e mecânicos trabalhavam no assento em que Julio se acomodara, do qual se ouvia o chiado , que parecia a todos, cada vez mais sinistro. Só faltava uma luzinha vermelha para que o dispositivo fosse acionado. 
Entretanto, os profissionais reviraram o banco de todas as maneiras e não havia nada que confirmasse a suspeita. Onde estaria a tal bomba? O que causava aquele ruído terrível, que deixava todos em pânico. 

Júlio sentou na poltrona próxima a minha, enquanto esperava o resultado fatídico. Sentiu um pouco de frio e vestiu a jaqueta de couro, que trazia no bagageiro. 

Neste momento, Sandro voltava pelo corredor, quase se arrastando, quando meu amigo resolveu enfiar a mão no bolso e retirar o celular. Quando o fez, não se conteve e exclamou animado, como se tivesse salvo a humanidade: 
— Pessoal, é o meu celular que estava ligado na tv fora do ar! 

Houve um silêncio absoluto, apenas quebrado pelo som surdo de Sandro desmaiando no meio do corredor. 

Os engenherios levantaram-se da posição que estavam, investigando a poltrona e o olharam com uma expressão que demandava uma fúria que em mil anos não se repetiria. 

Os demais levantaram-se dos bancos, também furiosos, como uma turba que planejava vingar a pátria e matar o inimigo. Queriam linchá-lo, não fosse Neusa que pedia clemência porque matariam o namorado pisoteado no piso da aeronave. Este abria um olho e o fechava, como se quisesse permanecer no sonho. 

Todos pararam e afastei-me com Júlio para a parte traseira do avião. De lá, ainda vimos Sandro levantar-se devagar e fazer um sinal para a namorada, que não havia mais tempo de ir ao banheiro. Todos voltaram correndo para a parte dianteira do avião. 

Nesse momento, a aeromoça gaúcha deu a palavra final: 
— Pessoal, pega o rabo quente, porque a única bomba que temos aqui é a do mate! 



sábado, outubro 15, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 11

Hoje é sábado, por isso, publicamos a seguir o décimo primeiro capítulo de nosso folhetim dramático. Sempre publicamos um capítulo na terça-feira e o outro no sábado. Bem, vamos fazer uma síntese do capítulo anterior. No décimo capítulo, Santa fizera um balanço sobre os desdobramentos da reunião familiar, na qual impora algumas condições à família, ao bispo Martim e à Linda. Estava preocupada e um pouco confusa. Não sabia se o que estava fazendo era o correto para a situação. Entretanto, Sandoval decidira fazer uma reunião sem a sua presença, nem a de Linda, o que lhe produzia um sentimento de desconfiança. Por isso, pedira à Linda que se escondesse na biblioteca e ficasse a par dos acontecimentos. Quando a reunião começara, ela tinha ido à igreja. Sandoval, como um trunfo para derrotar as condições de Santa, dissera à família que ela estava louca.

Portanto, a seguir o nosso décimo primeiro capítulo, com a pergunta de Letícia. Divirtam-se, amigos!

Capítulo 11

— Como louca? O senhor é que enlouqueceu, por que está dizendo esta bobagem?

— Voces acham que ela viu a tal Nossa Senhora? Vocês acham que a bússola apontava para aquela comunidade, ora pelo amor de Deus, só por aí, dá para perceber que ela não está no seu juízo normal!

— Eu estou com o sogro, sempre achei muita maluquice por parte de dona Santa esta coisa de visão, de missão, de querer mudar a gente.

— Cale a boca, Ricardo. – Letícia volta-se indignada para o pai – Escute aqui, papai, mamae pode estar estressada, talvez até a visão seja coisa da cabeça dela, afinal, ela é tão religiosa, tão carola, mas chegar ao ponto de acusá-la de demência, é demais!

— Eu sei minha filha, talvez eu esteja exagerando, talvez você tenha razao, mas veja bem ao caos que este capricho está levando a família. Não podemos ficar presos às atitudes insanas de sua mãe. Vocês se lembram qual era a verdadeira missão dela, inicialmente? Deveria juntar-se a uma comunidade de anarquistas, na ilha, depois às comunidades carentes que vivem nas redondezas, por fim, decidiu impor condições à família, exigindo mudanças no nosso comportamento. Ela não tem um rumo certo, não sabe onde chegar.

— E onde o senhor quer chegar papai? – pergunta Alfredo, desconfiado.

— Por favor, Alfredo, não me olhe com esta censura, sei que você ama a sua mãe...

—Todos a amamos, papai. – conclui Letícia, aborrecida.

— Sem dúvida, sem dúvida. Eu também a mãe de vocês, ela é uma mulher maravilhosa. Só está um pouco perturbada e nós temos a obrigação de ajudá-la. Entretanto, meus filhos, por mais que isso pareça duro e desumano, eu não posso deixar de pensar nos bens de nossa família, na indústria que mantém o patrimônio vivo. Do jeito que está, ela vai nos levar à falência.

— Como assim? Explique-se melhor, papai. – Letícia indagava ansiosa, ao mesmo tempo que voltava-se para Tavinho, que parecia muito à vontade com a situação. Por que ele não dizia nada, pensava.

Sandoval prosseguiu com uma voz entrecortada e triste. Às vezes, mostrava-se mais seguro, embora fizesse questão de informar de algum modo que aquela situação o magoava muito.

— O que eu preciso afirmar a vocês e quero que entendam a minha situação, é que sua mãe não pode dividir a herança, não pode dispor da parte dela para doar para esta comunidade. E ela é bem capaz disso, está convicta, diz que a Virgem exigiu. Imagine, se ela comete uma loucura destas, nós todos estaremos perdidos! Porque, pensem bem, eu tenho certeza de que nós jamais faremos o que ela deseja, por mais que tentemos, é impossível. O ser humano não muda, nós já temos os nossos hábitos arraigados, a nossa vida particular e não somos nenhuns monstros. – olhava em torno e perguntava, pedindo socorro. – Concordam comigo? Podemos até melhorar as nossas condutas, mas fazer a mudança que ela quer, é impossível. Já pensaram nisso, meus filhos?

Tavinho então decidiu intervir, sendo acompanhado pelo olhar de Letícia.

— De minha parte, papai, eu já nem pensava nessa bobagem. Eu jamais trabalharia na fábrica como ela quer e nunca vou deixar o meu curso ou mudar de profissão.

— Pois muito bem, Tavinho corrobora com o que eu digo. A gente não consegue, pessoal, por mais que nos esforcemos. Vamos melhorar sim, pelo bem da família, por sua mãe, mas jamais mudar completamente e ela, se vocês se lembram, foi bastante clara: ou nós mudamos ou ela entrega toda a forturna e vocês sabem que ela é bem capaz disso.

— E o que o meu sogro sugere?

— Eu vou ser muito franco, meus filhos, com o coração doído, mas muito racional e lúcido. A minha proposta é que consideremos oficialmente a sua mãe como uma mulher incapaz.

— Como assim? Ela é uma mulher lúcida, em pleno gozo de seus direitos e deveres, uma mulher que sabe o que quer, uma deusa da sociedade, da elite.

— Eu sei leiticia, eu sei. E já acrescentei que é com o coração doído que proponho isso, mas é a única solução. Precisamos provar que sua mãe está incapaz de decider qualquer coisa em relação ao patrimônio de nossa família, que está mentalmente perturbada, para evitar este desastre!

Ao ouvir a declaração de Sandoval, Alfredo intervém, indignado:

— Eu não acredito no que estou ouvindo, o senhor quer que a gente assine embaixo que nossa mae louca! O senhor é um canalha, papai!

— E você o que é Alfredo? O que você fez para ajudar a família, a não ser se esconder nesta carapaça estranha de efeminado?

— O senhor sempre quis dizer isso, não é verdade? O senhor sempre me odiou!

Ricardo percebendo que a discussão envereda por um tema que pode mudar o objetivo de Sandoval, com o qual concorda, interfere tentar conciliar os ânimos.

— Calma, pessoal, olhe, Alfredo, se a gente pensar friamente, com racionalidade, percebemos que seu pai tem razão. Você acha que não é duro para ele também nos falar sobre isso? Eu vi o sofrimento na fisionomia dele.
Sandoval o olhou, um pouco surpreso. Em seguida, voltou-se para Alfredo que gritava com raiva:

— Não é nada disso, será que vocês não enxergam? Ele quer é se livrar dela!

— Não diga isso, Alfredo. Eu amo a sua mãe, apenas não suporto a ideia de ficar na miséria. É crime isso? É crime tentar proteger o nosso patrimônio, a nossa vida em família? – E falando mais pausadamente – Vocês tem uma vida econômica boa, não há dúvidas, entretanto, todos sabemos que ainda precisam de nossos bens. E depois, tudo isso é de vocês! Se ela dividir o patrimônio, caberá uma parte menor a cada um. Então, qual é o problema, não vamos fazê-la sofrer, ela não precisa saber de nada no início, eu tenho um bom advogado, o doutor Orestes e ele acertará todos os trâmites para que a coisa saia a mais tranquila possível, sem atropelos, sem que apareça na imprensa, tudo na surdina.

— Parece que o senhor já encaminhou tudo, papai. – conclui Alfredo, desolado.

— Eu preciso do apoio de vocês. Ela não vai sofrer e aos poucos, cairá na realidade. Isso de visão da Virgem vai passar, vocês verão. Além disso, podemos fazer uma viagem pela Europa, passar um tempo juntos, até baixar a poeira. Tenho certeza, de que sua mae voltará renovada, uma outra mulher.

— Não sei não, mas que seria um alívio, seria. O que você acha, Tavinho?

— Partindo de você, Letícia, a mais revoltada de todos, dá o que pensar. Se não vai fazer mal à mamãe, por que não pensar no assunto?

Ricardo os observa e conclui a ideia, satisfeito:

— E tudo voltaria ao normal, a paz reinaria no seio familiar. Seu pai teve uma grande ideia, Letícia.Não acha?

— Agora, eu entendi tudo, entendi a ausência de mamãe, você preparou tudo, papai. Você foi cruel, desumano. Não papai, muito pior, você a traiu! Aliás, é moda no Brasil este tipo de traição, não é?

— Alfredo, eu precisei fazer isso. A sua mãe está em outro mundo, ela só pensa naquela gente infeliz, naquela comunidade de gente suja e medonha, que só vem perturbar a nossa família. Está na hora, meu filho, na hora de reagirmos. Infelizmente, é a sua mãe que está na roda, mas foi ela que criou esta história absurda, ela nos enredou nesta trama terrível. Por causa dela, vamos prejudicar toda a família. Ela pensa que uniria a família, mas ao contrário, essas condições destruirão odos de uma só vez, caso consiga o seu objetivo. Isso desagregará a família e vai acabar nos separando. Eu não quero isso!

Letícia, parecendo concordar com a proposta de Sandoval, tenta convencer Alfredo. Tavinho absorto, apenas observa o grupo, sem muito interesse.

— Vamos, Alfredo, procure tirar a mamãe desta história toda. O que papai propõe não é contra ela, é a favor da família, entende?

— É impossivel, Leticia, mamãe é o pivô de tudo que está acontecendo. E é com ela que a bomba arrebenta.

— Eu sei, eu sei, meu irmão. Mas lembre-se que não vai acontecer nada de mal a ela, como você pensa, apenas ela ficará alheia às decisões. Tenho certeza de que ela nos agradecerá no futuro.

— Você se convenceu depressa, convenhamos.

— É a vida, meu irmão. Mamãe se meteu onde não devia. Ela arriscou demais. Nós agora, queremos que tudo permaneça como antes, com ela ao nosso lado, mas sem interferir no nosso destino. Pensa bem o que sua irmã experiente está lhe dizendo, você continuará a sua vida, sem prestar contas a ninguém, não é maravilhoso? É a liberdade que ela nos tirou!

Tavinho aproxima-se um pouco dos demais e intercede:

— E depois, isso não ia dar em nada, Alfredo. Mamãe não tem experiência em lidar com pobre, assim, diretamente, como ela queria. Ela ia quebrar a cara.

— Você também, Tavinho, você está a favor desta crueldade?

— Não, eu lavo as minhas maos. Mas de todo modo, que tudo aconteça sem a minha presença, só para assinar alguma coisa, se necessário. Não quero me envolver nestas coisas de papeladas, de burocracia. Quero viver a minha vida, meu irmão.

— Então cunhado, já tomou uma decisão? – Dirigindo-se a Alfredo.

— Eu não sei o que fazer. Adianta eu me recusar?

— Meu filho, segundo o dr. Orestes, todos devem assinar os testemunhos. Está tudo pronto, basta que assinem concordando.

— Quando ela descobrir, ela vai nos odiar! – exclama Lavínia.

— Sua mae nunca os odiará, ao contrário, ela vai entender e certamente se ligará ainda mais à religião. Isso será uma benção, pois teremos a Santa que sempre conhecemos e o senso comum se restabelecerá. Esteja certo, meu filho, eu que convivo com a sua mãe, vinte e quatro horas por dia, tenho certeza de que esta é a saída para a saúde mental dela. Ela está a cada dia mais alucinada e este estresse alto vai levá-la a uma doença mais grave, vocês tenham certeza. Tudo o que fizermos responderá na saúde mental de sua mae. É a única maneira de salvarmos de uma depressão galopante ou de algo pior.

— Está bem. Eu concordo, mas com uma condição, que façam a papelada sem que ela sofra, de modo algum. Eu não quero minha mãe achando que está louca realmente e que nós a abandonamos. – conclui Alfredo, melancólico.

— Ao contrário, meu filho, ao contrário, estaremos cada vez mais perto, mostrando-lhe a realidade. – E emocionado. – Meus filhos, só eu sei o quanto tenho sofrido e escondido de vocês esta realidade, mas Santa às vezes, nem me reconhece. Outras vezes, fica completamente calada, e eu fico muito tempo esperando que melhore. Houve tempo em que eu lhe lia alguns livros para que se sentisse melhor, afinal ela sempre foi uma boa leitora. Mas graças a Deus, ela tem melhorado, até que começou a falar nesta visão escabrosa.

Letícia aproxima-se, emocionada e abraça o pai. Chama em seguida os irmãos e pede que façam o mesmo, afinal, trata-se do bem-estar da família e da saúde mental da mãe. Só agora ela percebera o quanto o pai estava sofrendo. Portanto, é hora de se unirem e fechar o pacto.

Alfredo arrasta-se da poltrona, desanimado, mas mesmo assim, completa o abraço unindo-se aos demais.

Sandoval enxuga algumas lágrimas, afastando-se do grupo, mas é interceptado pelo genro que o abraça efusivamente.

Atrás da cortina, Linda desliga o gravador do celular.

Fonte da ilustração:https://pixabay.com/pt/análise-pagar-empresários-reunião-626881/Geralt

sexta-feira, novembro 13, 2015

PRESSÁGIO

Colocou o notebook no colo e abriu, afoito, os e-mails, imaginando que pelo menos, naquela situação,  haveria alguma resposta. Era tardia, sabia, mas tinha de haver, tinha que acreditar, um último fio de esperança. Abriu e o que viu era a rotina de spans de sempre, cadastros mal elaborados, informações do trabalho. E nada dela. Nada de sua conduta marcada pelos tons nevrálgicos das discussões inacabadas.

Nada que valesse à pena esperar. Abriu uma página, duas, assustou-se com o imenso número de pessoas participando de chats àquela hora da tarde. Espiou um, bisbilhotou nas mensagens e arrepiou-se com o que viu. Sentia-se perdido no mundo de ilusões que criara desde a infância.

O barulho ensurdecedor do metrô abafou seus pensamentos. Milhares de pessoas corriam para a plataforma, filas se formavam e ele oculto dentro de si mesmo, olhando para o nada, esperando quem sabe, ser assaltado naquele terminal repleto de mal intencionados.

Um homem o olhava de soslaio, desconfiado, examinando-lhe a roupa, o terno bem cortado, a elegância dos sapatos e principalmente a maleta com o laptop em cima. Resolveu guardá-lo, fechar a maleta e levantar-se do banco. Passear dissimulado pela estação. O metrô afastou-se abarrotado, olhares pelas janelas, gente absorta como ele que olhava o que vinha pela frente, pensamentos do dia.

Ele pressentiu que o homem o seguia com o olhar dissimulado, esgueirando-se entre as pessoas que iam e vinham, em busca de  novas chegadas,  extenuadas com as partidas.

Resolveu afastar-se, tomar a escada rolante que levava até a rua, afinal, não estava à espera de transporte, não se afastaria daquele bairro, não faria nada para mudar as coisas. Olhou para trás na mancha escura de pessoas que preenchiam a escada e viu o homem de moletom vermelho, também no mesmo rumo, olhando para os lados, fingindo outros objetivos, que não escusos, outras direções, que não a dele.

Temeu por sua vida. Mas o que ele faria naquela multidão? Melhor era retirar-se rapidamente, quase correr, alcançar a rua e entrar em qualquer bar ou galeria que encontrasse.

De repente, sentiu uma pancada na cabeça, uma dor forte, as veias latejando, parecendo rios inchados e as forças esvaindo-se, vendo-se rolar escada abaixo, esbarrando em pessoas que o empurravam, acotoveladas, desviando-se surpresas, obtusas em suas fisionomias próximas, olhos arregalados, pavor, torpor.

Um vazio imenso. Um nada no infinito. Ouvia-lhe a voz suave, dando-lhe as boas vindas e vontade de estar perto e não mais sentir dor. Nenhuma.

Viu o homem do moletom vermelho afastar-se depressa, como um fugitivo que deixara uma bomba às ocultas, num lugar público.

Avistava o céu embrumar-se em nuvens rápidas que corriam para o sul, trazendo chuva. Sentia os pingos frios e grossos chocarem-se com seu rosto, mas não podia mexer-se.

Pessoas corriam, abrigando-se. Poucos o olhavam e se o faziam, temiam se envolver. Comentários rápidos acenando ajuda.

Um que outro se aproximava e desistia, mas alertava os demais. Como pombos famintos nos grãos deixados na praça, chegando curiosos, cautelosos e debandando rápido, pressentindo  algum perigo. Outro resistia no banco da praça, incauto, à espreita, esperando retorno.

Até que pediram documentos, mexeram em sua maleta, pesquisaram seus bolsos, reviraram a sua vida. Quem sabe o salvariam? Sentiu um nó na garganta de dó e esperança, de medo e aflição, de angústia e espera.

Mãos fortes o seguraram, o retiraram da calçada de ladrilhos coloridos, picotados, como aqueles adornos de festa junina da escola, bandeirolas, correntes de papel de seda, enfeitando a sala. Uma menina de tranças vermelhas, correndo em sua direção, mostrando exultante os enfeites de papel, os desenhos mal acabados, mas coloridos e acalentados com um 10. Ele, empurrando-a, com força, com raiva e inveja, deixando-a esticada no chão, aos gritos, entre lágrimas que molhavam a cara vermelha de sangue.

Podia ser ela, podia ser Eugênia, ali, ao seu lado, sem despedidas, sem brigas, sem dores, repleta de mensagens reais em sua face macia, seus olhos vivos, brilhantes, examinadores. Olhos de detetive.

Deixaram-no no carro, o frio que sentia não era mais o dos pingos da chuva chocando-se com seu rosto, nem o medo do assalto, nem a expectativa da espera.

Era um frio interior que aumentava a cada minuto.

Sirenes invadindo as ruas, os ouvidos doendo, vozes misturadas, confundindo-lhe a mente.

Por que não se mexia? Por que não tomava o notebook que estava tão perto, por que não procurava novamente as mensagens, não buscava as informações que precisava, não levantava a cabeça para ver além. Além do carro, da sirene, das vozes, do corredor branco, do soro no braço, da cama inerte, do vizinho do quarto. Havia quarto? Vizinho?

Quem estava do seu lado, só divisava sombras, vozes distantes, absurdas, um buraco no estômago dilacerando-lhe as entranhas, um sentimento de onipotência, uma falta de dor, de consciência.

Quando distinguiu uma frase nítida aos ouvidos, pensou que fossem recados do celular. Quem sabe ela atendeu. Quem sabe estava ali, tão próxima, tão intima, esquecida das brigas, dos maus tratos, das vinganças, dos perigos da rua.

Mas não era a voz dela.

Era uma voz estranha, tão distante quanto o tempo em que estava assim, sem se mexer. Referiam-se a ele e precisava ouvir para ter certeza. Desligar os aparelhos. Foi tempo demais. Não tem mais volta. A família não suporta esperar. É muito sofrimento. Esperar o que? Desligar o que?  Suportar o que? Por que vão desligar...?

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