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quarta-feira, dezembro 13, 2017

O trauma de Alice

Fonte da ilustração: Fotografia de Wilson Rosa da Fonseca

Alice estava abalada. Não havia naquele momento nada que a mantivesse com os pés fixos na realidade. Seus pensamentos eram interrompidos por outros mais confusos e delirantes. Tinha vontade de correr, de sair do próprio corpo, de abandonar a vida. Mas não faria isso. Nem mesmo tomaria uma bebida forte ou qualquer outra droga que a estabilizasse. Não, faria o que sempre fez. Ficar quieta, parada, quem sabe, olhando o mar.

Entretanto, nem mesmo isso a consolava. Como ficar quieta se tudo havia perdido. Se a dor da separação, se o trauma da traição a instigava a tomar uma atitude contra si, como sempre fizera.

Desceu as escadas do velho apartamento, degrau por degrau, cabeça baixa, algumas lágrimas nos olhos, um sofrimento silencioso de quem não sabe o que fazer. As paredes do prédio pareciam mais velhas e descascadas. Ela observava a tinta avermelhada, por trás da verde brilhante num pedaço descamado. Quem pintaria de vermelho uma parede de um prédio? Alguns degraus estavam partidos, como se houvessem sido pisoteados anos a fio e agora surgia a superfície disforme e esfarelada. Como não percebera isso nestes anos todos em que morava no edifício?

Na rua, ainda voltou-se para a parede esquisita. Era de uma cor mortiça, tosca, quase sem qualquer matiz que indicasse uma pintura recente. Era feio o prédio onde morava, assim como era feia e terrível a sua vida.

Dirigiu-se até a garagem onde deixava o carro, o seu pequeno carro que sempre a servira em todos os momentos, em todos os eventos, mas hoje parecia tão fraco, quase inútil. Um motor velho, um design antiquado de fusca de cor caramelo. Tudo parecia desandar a sua volta. Tudo parecia incorreto, frágil e sem vida. Mas era o que tinha. Era dele que precisava para sair dali, para afastar-se nem sabia para onde. Talvez olhar o mar, como pensara.

O homem da garagem aproximou-se, indicando a saída melhor, afastando-a dos carros que se perfilavam a sua esquerda. Irritou-se. Por que ele sempre a orientava a sair da garagem? Ela, uma professora, será que não tinha condições de dirigir sem que alguém a aconselhasse? Por aqui, por ali, não, não, espere um pouco, dê uma ré, assim, pode sair. Que diabo, não precisava dele para nada e se batesse em algum carro, o problema era dela, não dele.

Pelo retrovisor, observou-o com cara de satisfeito, como se tivesse cumprido a missão. Idiota, pensou. Talvez nem saiba dirigir um carro.

Na rua, esqueceu o homem da garagem. Deu algumas voltas enquanto olhava para o vazio. Nada havia que a alertasse para uma presumível esperança. Nem melhorava o seu humor, muito menos, impedir-lhe as lágrimas.

Não muito longe dali, avistou a lagoa. O mar que se perdia no horizonte, as luzes do entardecer que pintavam de dourado as águas e o brilho das ilhas. Ficou ali, à beira do porto, observando os barcos, analisando o vai e vem das ondas. Por fim colocou uma música no toca-fitas. O carro de Alice ainda tinha toca-fitas.

Era uma música antiga, mas que significava muito. Love is all, de Malcolm Roberts, ela sabia quase de cor. Poderia ter escolhido uma música italiana, que sempre embalava seus momentos mais radiantes, mas Love is all era perfeita. Lembrava de quando o cantor a vencera no Festival da Canção e o quanto torcera por aquele britânico. Sempre o mantivera junto, em todos os eventos e sonhava com aquele amor inabalável. Na rua, não muito longe, avistou um quiosque onde vendiam cervejas. Fez um gesto para o rapaz que organizava algumas mesas para o público que viria mais tarde. Ele aproximou-se com uma cerveja.

Alice tomava devagar. Absorvia com calma o líquido e quanto mais ouvia a música, mais fixava o infinito, mais sonhava o amor sofrido. Lágrimas agora juntavam-se aos grânulos de gelo presos à garrafa. Tomou-a e pediu outra, do mesmo tamanho, com o mesmo conteúdo e a mesma dose de sofrimento. Já curtia aquele sofrimento, já sentia a melancolia de perder o amor, de se sentir traída, perdida entre as dores da alma. Repetia várias vezes "love is all" e entornava a bebida que agora escorria suave pela garganta, apaziguando a mente. Dizia a si mesma, embora em voz alta, que queria morrer, nada mais a prendia nesta vida. Somente a morte, a morte a libertaria de suas angústias. A morte seria o bálsamo para o fim de seu sofrimento. Nem se deu conta, porém que o carro não estava com o freio de mão puxado e assim, livre, foi aos poucos descendo uma pequena rampa e se ela não tomasse qualquer providência, viraria um barco a mais na lagoa. Mas Alice não percebeu e começou a cantar bem alto “Yesterday, I knew the games to play, I though I knew the way...Love is all, I have to give, Love is all, as long as I shall live..." Enquanto cantava, ela chorava e o carro deslizava nas águas e aos poucos se afastava para longe do cais.

O rapaz que arrumava as cadeiras no quiosque percebeu alguma coisa errada. Afinal, o carro havia caído na lagoa e daqui a pouco, afundaria. A mulher não havia visto? Morreria afogada? Olhou para os lados, mas àquela hora, poucos passavam no lugar, apenas alguns carros que se afastavam para os bairros num entardecer de sábado, por isso começou a chamar a mulher.

Alice embevecida com a cerveja e a música, não percebeu o quanto estava encrencada. Mas ouviu alguém chamá-la, devia ser ela, não havia quase ninguém no cais. Olhou para os lados e apavorada, reconheceu que estava perdida na lagoa, bem distante da margem. Nem Malcolm Roberts a salvaria, o carro já começava a entrar água e logo, logo afundaria. Que seria dela? Começou a gritar em desespero. Meu Deus, eu estava brincando, não quero morrer. Me tirem daqui, eu quero viver! Quero sair daqui, vou morrer afogada, dentro de um fusca, pelo amor de Deus, é trágico e fútil demais.

O rapaz atirou-se na água, nadou como pôde tentando aproximar-se do veículo, que percebia afundar a cada momento. Esforçou-se contra as ondas que pareciam mais avantajadas devido à mudança dos ventos que via de regra ficavam mais fortes ao anoitecer. De onde estava, ainda ouvia os gritos de Alice e sentia que as forças faltavam, mas não podia desistir. Parou alguns minutos para respirar, mergulhou e aproximou-se um pouco mais. Olhou a imagem que surgia como um ícone do desespero a sua frente, o veículo já quase submerso, a não ser as pequenas janelas do fusca que ainda refletiam algumas luzes do poente. O rapaz parou mais uma vez, outro mergulho, outra respiração forte e aproximou-se num salto no carro, conseguindo enfiar a mão pela janela e procurar pela mulher tentando resgatá-la. Segurou-a pelos cabelos e num instante sem qualquer cuidado, mas com a intenção de salvá-la, puxou-a pela janela, segurando em seguida, os ombros e a cabeça para retirá-la para fora. Ao deslocar o restante do corpo, tentou falar-lhe, mas Alice não conseguia articular nada. Ele tentou levá-la na direção do cais e numa poita, onde havia um pequeno barco, levantou-a com o maior esforço e colocou-a dentro da embarcação. Fez então tudo o que aprendera alguma vez num curso de primeiros socorros. Assoprou em sua boca e nesta respiração, Alice, tossindo e vomitando água voltou a si. Ele ainda perguntou o que havia acontecido.

Ela o olhou agradecida, mas ainda chocada, respondeu insegura: Eu devia ter ouvido Datemi un martello de Rita Pavone. Era a mais indicada para o momento.

terça-feira, setembro 27, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 6

No quinto capítulo Santa expõe à família que teve uma visão de Nossa Senhora e decidira propor a cada um uma missão que não lhes parecia nada fácil. Cada um receberia um envelope onde haveria uma lista de medidas pessoais que deveriam tomar, para uma mudança em suas vidas. Por isso, teriam seis meses para implantarem tais medidas. Todos estavam envolvidos, os filhos Alfredo, Tavinho, Letícia, o genro Ricardo, seu marido Sandoval e também o bispo Martim, que for a convidado para a reunião. Caso neste período de tempo, ela perceber que não ocorreu mudança nenhuma, sairia da casa para sempre e viveria entre os pobres, inclusive o povo da ilha para onde a bússola apontava o seu norte.

A seguir o 6º capítulo de nosso folhetim dramático que é publicado nas terças-feiras e nos sábados.

Capítulo 6


Talvez uma vida mais simples tivesse mais sentido. Talvez apenas reconhecer-se um esposo e pai, sem se dedicar ao trabalho com tamanha energia. Sandoval mergulha numa incongruência de pensamentos e imagens que o deixam assustado. Por que depois de tanto tempo se preocupar na inabilidade em exercer os papéis familiares? Por que se deixar envolver naquele clima de insegurança no qual Santa jogara toda família?

Ela deveria estar satisfeita com a aparição da Virgem, devia aprofundar-se em orações e permanecer o maior tempo possível na igreja, pedindo pela paz e felicidade de todos.

Afinal, agora despertara para uma espiritualidade muito maior. Ao contrário, parecia disposta a criar conflitos que desuniam a família, cultivando desavenças, protagonista de uma história ridícula, assumindo-se redentora de um grupo que não significava nada para a sociedade.

E para completar, mandara Linda distribuir aqueles malditos envelopes, com mensagens individuais. Qual era o seu verdadeiro objetivo?

Sandoval afasta-se dos demais. Sente-se um execrado naquele grupo, no qual deveria ser o o baluarte, o líder ao lado da mulher que revelava ter tanto poder sobre todos. Na verdade, suas ideias e percepções nunca tiveram grande valia. Sempre o ouviram com ressalvas, sempre o deixaram em segundo plano. Tampouco, se importava com isso. Era até conveniente afastar-se sem dar conta de seus passos. O trabalho na empresa era a desculpa ideal para o seu tempo fora de casa.

Mas agora, Santa está passando dos limites. Faz uma chantagem transversal, usando a imagem da Santa para atingir seus objetivos.

Decide abrir o envelope, mas ignora a mensagem.

Depara-se de súbito, com o olhar inquisitivo da mulher e tem um certo estremecimento.

Santa parece antever alguma coisa obscura, como se o tivesse em suas mãos. Ela se aproxima, sorrateira e comenta ao seu ouvido.

— Veja como todos agitados. Ficam discutindo e nem se fixam nas mensagens.

— Você parece estar se divertindo muito, Santa.

— Você pensa assim? Eu só quero o bem da minha família – enfatiza.

— Você quer dominar a todos. Não pense que sou idiota.

— Sandoval, você está sendo injusto. Se pelo menos, tivesse aberto o seu envelope e lido a mensagem, talvez pensasse diferente.

— Nem sei se vou ler esta bobagem. Com esta história de Virgem, você está usando todo mundo. Não sei onde quer chegar.

Neste momento, Letícia os interrompe, ratificando as palavras do pai.

— Eu também não sei onde você quer chegar mamãe. Papai tem razão, você não pode dispor das nossas vidas assim.

— Isso que você está dizendo é muito bonito, Letícia, parece frase de uma peça dramática, mas eu fui bastante clara no que falei para vocês. Eu disse e repito, quero o melhor para a família, portanto, não há nada me impedirá de ir às últimas consequências. Do que você está reclamando?

— Esta história de ter filho e ser mais religiosa é ridícula. A senhora sabe que eu e o Ricardo decidimos não ter filhos. Tenho o meu cargo de promotora que preenche todo o meu tempo, não posso me dedicar a crianças – pondera, obstinada; a maçã do rosto vermelha. Santa contrapõe a filha: — Mas é um absurdo!

Neste instante, Sandoval acabava de ler a mensagem e reage, indignado, refutando a expressão da mulher.

— Absurda é esta mensagem que você deixou pra mim, Santa. Você está me ofendendo. Eu que me dediquei a esta família, que aumentei a nossa fortuna com o meu trabalho, com a minha dedicação na fábrica e você vem me dizer que devo deixar a jogatina. Quem lhe disse que jogo? Você enlouqueceu, mulher?

Santa não responde, observa o pequeno grupo ao longe, que se desfaz aos poucos. Nem percebe a presença de Alfredo, que ouvira a reclamação do pai, enquanto se aproximava do trio.

— Parece que a coisa tá preta, papai. Mamãe pegou pesado. Se ela desconfia que o senhor joga, imagina o que pensa de mim. Ela sugere que eu me case, que arranje uma mulher, pois nunca me viu com nenhuma namorada – e voltando-se para a mãe, pergunta, ansioso – o que a senhora insinuou, mamãe?

Letícia, entretanto parece estar no ápice da impaciência e destila todo o veneno na primeira oportunidade. Pergunta irônica, a Alfredo, antes que a mãe faça qualquer conjectura: —Ainda precisa confirmar, Alfredo? Mamãe apenas declarou o que nós todos pensamos.

Por favor, Letícia, não seja maldosa – pondera Santa, tentando evitar o pior.

— Eu? Maldosa? A senhora foi cruel e eu que sou má! Ela deixou bem claro que duvida de sua masculinidade, ou seja, que você é gay! Quer que eu esclareça melhor?

— Vocês estão todos loucos – reflete Alfredo, olhando para os lados, procurando um apoio.

Letícia prossegue, implacável: –— Não, Alfredo. Nós não estamos loucos. A verdade é que a mamãe está dizendo o que sempre pensou de nós, mas na sua carolice, na beatice, nunca teve coragem. Agora, aproveitou esta desculpa para dizer o que pensa.

Santa ouve a filha, angustiada. Tenta remendar a situação: — Não é nada disso. Vocês estão distorcendo as minhas palavras. Parece que ninguém entendeu nada. Vocês se desviaram do caminho certo, eu só quero ajudá-los. Custa entender isso?

— Fazendo chantagem, jogando na nossa cara que vai se desfazer da sua fortuna, da parte que lhe cabe e que é nossa também, se não fizermos o que deseja. – e voltando-se para o irmão mais jovem, indaga, sarcástica – Diga, Tavinho, você que é o queridinho da mamãe, se concorda com a proposta dela.

Tavinho se ajeita na poltrona, sem nada dizer, mas revela-se também incomodado com a mensagem que recebera. Santa então se dirige ao filho, defendendo-se.

— Não é apenas uma proposta minha. Foi uma vontade da Virgem.

— Sim, da Santa matriarca, da déspota da casa! – grita Letícia, exaltada.

— Cale a boca, Letícia. Me respeite!

Ela entretanto, prossegue no mesmo tom enfático: — E você, nos respeitou, mamãe, com esta história toda? Você pensou em nós, nos nossos direitos? Você se colocou no nosso lugar? Não, você só pensou nos seus propósitos radicais, no seu modo de ver as coisas. Mas cada um é diferente do outro, você não pode exigir que pensemos como você.

Neste momento, Tavinho parece se acordar da apatia em que se encontra, para confirmar: — E nem que tenhamos a sua fé.

— Por que diz isso, Tavinho? Você foi sempre tão dedicado, quando criança... – reflete Santa, desiludida. Ele responde, ríspido: — Mas eu não sou mais criança, mamãe. A Letícia tem razão. A senhora só pensou em si.

— Até que enfim, alguém me dá razão – assevera Letícia, sacudindo os ombros.

Ele continua no mesmo tom anterior, revelando a sua decepção.

— Eu não tenho que abandonar o meu curso, é o maior desatino que já ouvi, imagine, eu trabalhar na fábrica de papai, a senhora enlouqueceu! Eu sou um artista, mamãe, não posso enquadrar a minha criatividade naquelas paredes de escritório.

Ricardo intervém no grupo, segurando o braço de Letícia, e rogando com um olhar de falsa compreensão: — Amor, vamos embora.

— Por que você quer ir, afinal, qual foi a sua mensagem, Ricardo?

— Uma bobagem, acho que sua mãe estava brincando.

— Não, me deixe ver, Sei muito bem o quanto você é dissimulado. Me dê isto aqui!

— Por favor, Letícia, vamos embora. Não faça escândalos!

— Ah, então é isso – esbraveja, retirando do bolso da calça, o cartão com a mensagem – Você deve deixar de ser mulherengo. Seu miserável, você tem uma amante!

— Pare com a baixaria. Já lhe disse, sua mãe não está bem da cabeça, você mesma não concorda com o que ela lhe escreveu.

— No meu caso, é diferente. Ela deve saber alguma coisa sobre você. Me parece que ela tem olhos na nuca, ela sabe tudo de todo mundo! Me diga, seu patife, você tem uma amante!

— Não se subestime Letícia.

— É muito fácil, agora. Não se subestime, mas você não pensou em mim, quando … oh, meu Deus, será que tudo isso é verdade? Você sempre me enganou, agora, eu tenho certeza.

Neste momento, todos olham para o casal, como se examinassem uma cena estranha. Talvez fiquem se perguntando, o que está acontecendo naquela casa, onde todos parecem participar do jogo da verdade.

Santa e Sandoval ficam alarmados, mas prosseguem impassíveis, enquanto a discussão acelera os ânimos de Letícia e Ricardo. Tudo vem à tona, quando ele chega ao limite da raiva e põe as cartas na mesa.

— E você pensa que é fácil para mim, aguentar essa sua língua afiada, esse seu falar esganiçado o tempo todo? E depois, você se acha, mas não é tao boa de cama assim. Tenho outra mulher sim, uma mulher que não fica me azucrinando o tempo todo e me obrigando a participar desta família falida!

— Letícia atira-se contra o marido, dando-lhe diversas batidas no peito, com as duas mãos, chamando-o de miserável.

Desta vez, Sandoval intervém, segurando a filha.

— Vamos acabar com esta loucura. Letícia, não devia ter feito isso. Minha filha, não se rebaixe.

Este canalha merece muito mais! – ela grita, aos prantos.

Em seguida, Ricardo imediatamente, parece cair em si e tenta recobrar a comprrensão da mulher.

— Letícia, eu sei que estamos todos exaltados, eu não devia ter dito estas coisas para você, mas foi no calor da discussão.

— Não se atreva a falar mais comigo – responde sem olhá-lo.

Ele continua no mesmo tom persuasivo: — Mas você sabe que a amo, depois conversamos melhor em casa. Vamos embora, vamos acabar com isso.

Letícia, ao contrário, pretende desafiar a todos, como se pretendesse jogá-los na mesma ruína.

Não, agora quero ir até o fim. Quero que todos coloquem na mesa as mensagens que receberam. Não é isso que mamãe quer? Pois vamos fazer a sua vontade.

sábado, setembro 24, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 5

No quarto capítulo, Santa reúne a família para fazer uma proposta que se relaciona à missão que acredita possuir, a partir da visão da Virgem. Estão presentes a filha Letícia, que é promotora e seu marido Ricardo, que fica se perguntando qual seria o motivo da reunião. Por acaso a sogra leria o testamento? Também estava presente o filho que é um artista midiático, Tavinho. Por fim, chegara Alfredo, o terceiro filho, que se atrasara e segundo os demais está sempre ocupado com sua empresa. Linda, a empregada de vários anos, recebe a todos com carinho. O marido Sandoval não se furtou em contar, com discrição à Letícia, sobre a sua preocupação com a esposa. Dissera que ela tinha tido uma visão de Nossa Senhora e estava cada dia mais estranha.

A seguir o 5º capítulo de nosso folhetim dramático, porque hoje é sábado, um dos dias de publicação. Os capítulos são publicados nas terças-feiras e nos sábados. Boa diversão!

Capítulo 5

Todos pareciam pouco à vontade na biblioteca.

Alfredo passeou os olhos pelas estantes de madeira, repletas de todo o tipo de livro, sem sequer serem organizados sob qualquer ordem e lembrou do avô. Quantas vezes vinha até ali, ao seu lado, examinar as figuras dos atlas, escolher um livro infantil ou deparar-se com uma enciclopédia para os trabalhos da escola.

Ao seu lado, estava sempre a figura plácida e companheira do avô, servindo-lhe de guia naquela mina do tesouro. Recorda-o silencioso, ouvindo suas histórias, um mundo enriquecendo a imaginação.

Quantas vezes o vira agitado, entre jornais, procurando matérias que indicavam algum acontecimento político da época, que via de regra, o deixava de cabelo em pé. Era um homem apaixonado e tentava incutir nele toda a expectativa, a esperança no futuro e o otimismo que carregava consigo.

Alfredo possuía um carinho especial pelo avô, talvez muito mais do que pelos demais membros da família. Infelizmente, seu legado não surtira muitos efeitos. Não era um homem cheio de vida e esperança como ele. Não era um ser social, voltado para os prazeres das conversas prolongadas nas noites de verão.

Não, tinha se tornado um homem do frio, do inverno, da solidão de um quarto de apartamento.

Agora estava ali, entre aquelas prateleiras abarrotadas de livros e pastas com documentos e tinha a sensação que um pouquinho do avô ficara ali também. Estava assim, absorto, quando a mãe iniciou o que passou a ser a tal reunião.

Tavinho estava encostado numa das poltronas de couro, meio estirado, talvez mais preocupado com a sua dissertação, sua vida lá fora, seus compromissos bem mais gratificantes.

Ricardo e Letícia sentaram-se lado a lado, nas poltronas que ficavam em frente da imensa mesa de mogno, coberta de vidro.

Sandoval mostrava-se inquieto, não parando em lugar nenhum, a não ser vez por outra, estabelecer-se no parapeito da janela que desembocava numa área fechada, uma espécie de jardim de inverno. Ao ouvir a voz de Santa, fez um pequeno reparo: — Santa, desculpe interromper. Gostaria que evitasse falar na bússola. No momento, é um dado supérfluo.

— Talvez você tenha razão, Sandoval. Não se preocupe, tudo a seu tempo.

— Mamãe, não acha que está muito solene?

— O momento exige, ou melhor, a situação assim exige, Letícia. Mas serei apenas o suficiente, nada que vá tornar esta reunião demasiado enfadonha.

— Assim, espero – resmunga Ricardo, em seguida, se desculpando.

Tavinho insiste, com um meio sorriso, para não desagradar a mãe: — Vamos começar, então?

—Estou pronta para começar, meus queridos, mas o grupo ainda não está completo.

— De que a senhora está falando? A família está toda reunida. A quem você se refere, mamãe? – Letícia revela impaciência.

Santa, ao contrário, não muda o tom de voz, nem mesmo se embaraça com alguma pergunta mais incisiva. Parece ter tomado o rumo ideal, palmilhado a trajetória que faz sentido a sua vida.

— Por favor, Sandoval, esclareça aos nossos filhos.

— E genro, dona Santa. Não se esqueça de mim – adverte Ricardo, tentando brincar.

— Absolutamente, meu filho. Você é como um dos nossos filhos – e dirigindo-se ao marido, repete o pedido para que esclareça a observação anterior.

Sandoval, por sua vez, revela-se mais inseguro. Afasta-se da janela e aproxima-se da poltrona onde Santa está acomodada, atrás da mesa. Ainda em pé, explica: — Bem, quando sua mãe pediu para conversarmos, ela me convenceu a … Bem, vocês logo saberão, ela achou por bem convidar o bispo Martim para esta reunião.

— Mas por quê? Não faz sentido.

Ao ouvir a observação de Letícia, Alfredo a examina como se não a reconhecesse. Tamborila os dedos nos braços da poltrona e volta a olhar em torno, como quem procura uma resposta para tudo. Talvez, pense em seus próprios problemas. Sua mente anda por paragens bem mais longínquas.

— Sua mãe explicará o motivo do convite mais tarde, Letícia. Tenha paciência, por favor. – e voltando-se para Linda, acrescenta – Há ainda outra pessoa. Linda.

— Era só o que me faltava, mamãe. Até os criados fazem parte da nossa família agora! O que Linda tem a ver com tudo isso?

Ricardo acompanha intrigado o desabafo da mulher. Astucioso, estica o braço até Alfredo, para alertá-lo, perguntando com exagerada preocupação: — Será que sua mãe está bem da cabeça? Não me leve a mal, Alfredo, mas não é normal convidar a empregada e o bispo para uma reunião familiar. Convenhamos!

— Linda é quase da família, Ricardo. E para minha mãe, o bispo também, afinal, ela vive praticamente mais na igreja do que em casa.

— Mas é um absurdo!

Tavinho chama a atenção dos dois, irritado, partindo na defesa da mãe.

— Por que vocês estão discutindo? Nem sabem o teor da conversa, o que ela quer com a gente. Não sei porque você está tão preocupado com esta reunião, Ricardo, você não dá a mínima para nada que diga respeito a nossa família. E você, Alfredo, vive enfurnado em si mesmo, parece que vive só de lembranças!

Antes que a discussão tome proporções desagradáveis, Sandoval aproxima-se dos filhos e pede paciência. Chega ainda a tempo de impedir que Letícia tome partido do marido. Logo em seguida, Santa o chama e ele se desdobra em mostrar-se à vontade, coisa que está longe de sentir.

Santa pede que ele chame os demais convidados que estavam aguardando na sala contígua.

O bispo entra na biblioteca com um sorriso de porcelana, cumprimentando a todos com leves acenos de cabeça e uma certa solicitude que desagrada Tavinho. Acomoda-se imediatamente na poltrona indicada por Santa, que o conduz pessoalmente.

Linda estaca na porta, se desculpando por ter sido chamada. Tenta explicar que veio a pedido da patroa, mas Alfredo a impede, levantando-se e tal como fizera a mãe em relação ao bispo, a conduz para uma cadeira próxima à janela.

Ela estremece ao atravessar a sala, a qual não costuma entrar a não ser para organizar alguma faxina. Senta-se rapidamente, acomodando as mãos nos joelhos, como se quisesse dispersar o foco da atenção que sua presença despertava.

Santa examina a todos, como se pretendesse fixar para a eternidade a reação pessoal de cada um. Seus olhos revelam uma luminosidade estranha, talvez um misto de curiosidade e emoção.

— Bem, não é segredo para ninguém que um fato importante, um acontecimento muito tocante aconteceu comigo, nesta casa. Um fato que confidenciei apenas à Linda, e este é um dos motivos pelos quais ela está aqui. Este acontecimento mudou a minha vida e por consequência, mudará a vida de todos nesta casa. Sr. Bispo, meu marido, meus filhos e meu genro, eu quero afirmar para vocês que eu tive a graça de ver a imagem de Nossa Senhora. A visão material da Virgem na minha casa!

Houve um breve silêncio. Em seguida, todos falaram em uníssono, sem se importarem com a dona da casa ou com boas maneiras.

Até mesmo o bispo confidenciava a Sandoval sobre o fato, exercendo uma espécie de argumentação da qual não se sabia se concordava ou não.

Letícia esbravejava, estabanada, dirigindo-se à mãe, pretendo uma explicação convincente. Afinal, por que a Virgem a visitaria, somente a ela e com que objetivo.

Tavinho levantou-se da poltrona e se juntou ao cunhado e ao irmão, agora, unidos de forma definitiva, achando que tudo não passava de uma insanidade de Santa.

Sandoval perturbava-se ante os argumentos do bispo e o pedido de silêncio ao filhos.

Linda não se afastou da cadeira, ao contrário, baixava a cabeça em absoluto desânimo. Se alguém a observasse naquele momento, veria uma lágrima correr-lhe pela face.

Neste momento, Santa munida de extrema energia, gritou abafando todos os ruídos de uma única vez, pedindo silêncio. energia Surpresos pelo grito da mulher, todos pararam, mas logo continuaram o burburinho que imediatamente se transformaria em gritaria, não fosse ela impedir-lhes novamente, com uma batida na mesa com força. Seu olhar os atingia com grande vivacidade, tal a complexidade de sentimentos que a tomavam. Parecia uma leoa rugindo num ato de desespero.

Todos voltaram-se para Santa. Letícia respirou fundo e começou com um “mamãe”, imediatamente interrompido.

— Por favor, Letícia, não fale nada. Não fale nada – e se dirigindo-se aos demais – não digam nada, nenhum de vocês. Só me ouçam. Eu sei que é difícil de acreditar, mas eu posso provar.

Alfredo conciliador, perguntou, quase numa mensagem de súplica: — Como pode provar, mamãe?

Ela pede que sentem-se nos seus lugares. Precisam discutir o assunto sem grande exaltação, sem delírios. Devem ter paciência.

O bispo é o primeiro a obedecer, sentando-se na posição estratégica em que se encontrava. De certa forma, podia observar a impressão dos presentes e os pequenos comentários que faziam um com o outro. Juntou as mãos ao colo, cruzando os dedos como se estivesse em posição de oração e assegurou à anfitriã que a ouviria com toda a atenção e paciência.

Santa agradeceu e quando todos estavam em seus lugares, ela prosseguiu, entusiasmada: — Vou colocar a bússola sobre a mesa. Como vocês devem se lembrar, ela era um objeto que funcionava muito bem, com a orientação da agulha sempre voltando-se para o norte, como ocorre com qualquer uma.

Letícia não se conteve e interrompeu: — E o que isso prova, mamãe?

— Bem, peço que analisem o objeto. A bússola está com a agulha trancada. Nunca mais se mexeu desde que Nossa Senhora indicou o meu norte.

Ricardo levantou-se, curioso. Examinou o objeto, enquanto os demais se empurravam para se aproximarem da mesa. Afirmou, sem nenhum pudor: — Não prova nada, dona Santa. Desculpe, mas a engrenagem pode ter falhado em qualquer momento.

Sandoval saiu em defesa da mulher, mas fez uma ressalva, incomodado por ela ter-se antecipado aos acontecimentos. Falou num tom mais baixo, mas na verdade, todos ouviram o recado.

— Eu lhe disse que deixasse a bússola para depois. Não era o momento.

Ela não respondeu. Dirigiu-se ao bispo, esperançosa: — O que o senhor me diz, Eminência? É uma prova ou não é?

— Há coisas que não se pode afirmar assim, de supetão, dona Santa. Claro que credito todos os meus votos na sua integridade, na sua verdade. Mas acho também, que a sua palavra é muito mais importante do que a bússola. Se Nossa Senhora apareceu em sua casa, não há nada, não há bússola que possa derrubar esta sua convicção. Ao meu ver, a senhora é uma mulher que está em estado de graça!

— Claro, ele tem interesse financeiro nesta verdade – resmunga Letícia, sem importar-se com o olhar severo da mãe. Esta, reinicia o assunto, tentando esclarecer melhor a situação.

— Não me interessa a desconfiança, a dúvida. Eu estou convicta e basta. A Virgem apontou para o norte, sendo assim, eu avaliei a sua proposta.

— Meu Deus, ela fala como se fosse real! Você vai permitir que este absurdo vá em frente, Letícia? Eu sou apenas o genro, mas você é a filha!

— Espere, Ricardo. Vamos ver onde ela vai chegar.

— Que bom, minha filha que você é compreensiva. Eu serei bastante clara nas minhas observações. O norte que a Virgem apontou fica na ilha isolacionista, onde convive um povo estranho, como vocês sabem. Uns adeptos ao monarquismo. Uma comunidade que não precisa, que não quer o meu dinheiro.

— Menos mal – dispara Letícia, ainda tentando descobrir o sentido das palavras da mãe.

Santa finge não ouvi-la e prossegue tranquila: — Pois bem, a minha intenção é usar a minha fortuna na catequese dessas pessoas, na tentativa de mudar-lhes o pensamento, na integração com as comunidades pobres que circundam a região e mostrar-lhes o real mandamento do Senhor.

— Desculpe, mamãe, mas a senhora acha que conseguiria isso com aquele tipo de gente? Se eles não ligam para nada, vão se importar com religião, com catequese? É uma medida meio infantil, sem ofendê-la... – argumenta Alfredo.

—Não se incomode com isso, Alfredo. Há muita coisa a fazer por lá e eu não estarei sozinha, estarei com ela. Mas a Virgem me deu outra proposta e me esclareceu que eu precisava mudar o comportamento dos meus, para poder fazer alguma coisa fora de minha família.

— Como assim, mamãe?

— Muito simples: Vocês precisam mudar o seu comportamento. Ou cada um muda o que desagrada aos olhos de Deus, ou eu assumo a comunidade, passo os meus bens para as comunidades pobres, tento fazer uma mudança na ilha isolacionista.

— Quer dizer que não é uma proposta, mamãe, é uma chantagem.

— Por favor, Letícia, veja como fala com sua mãe – repreende, Sandoval.

— Papai, está muito claro. Ou ela toma conta desta comunidade de malucos ou seja lá o que for, ou nós mudamos o nosso comportamento. Que idiotice é esta?

— Você está absolutamente certa, Letícia – conclui o marido, irônico.

— Cada um de vocês receberá um pequeno envelope onde estarão as medidas que devem tomar para a eventual mudança. Alfredo, Tavinho, você Letícia, Ricardo, Sandoval, Linda e o próprio bispo Martim. Vocês terão seis meses para me provar que realmente mudaram. Se neste período de tempo, eu perceber que um de vocês continua da mesma forma, tudo cairá por terra e eu sairei desta casa para sempre, para viver entre os pobres, os que não aceitam a palavra, ou até mesmo naquele povo estranho que comentamos, afinal, a Virgem apontou para lá. Algum mistério se encontra ali.

O burburinho foi aumentando rapidamente, para se transformar numa balbúrdia geral.

Todos se perguntavam o que teriam que mudar em si próprios, talvez aspectos que nem percebessem ou que evitassem confrontar em suas mentes.

As cartas estavam na mesa e a situação, embora absurda, reunia todos num único objetivo: dissuadir Santa da loucura que estava propondo. Sabiam de antemão que não seria uma empreitada fácil e que ela não parecia disposta a abrir mão de suas convicções.

De repente, um a um foi se afastando do grupo e taciturnos perguntavam a si mesmos, o que estava realmente acontecendo.

Santa pediu a Linda que entregasse os envelopes a cada um dos presentes, com o respectivo nome.

sábado, setembro 17, 2016

A fotografia da vida de Santa - CAP. 3

No 2º capítulo, Santa entrou na igreja ao lado do marido, observando a família. O filho, artista multimedia estava à esquerda dos demais, um pouco afastado dos parentes. Parecia intrigado com aquela exposição da mãe no dia de seu aniversário. Noutro banco, estavam a filha, uma promotora estadual que mostrava-se muito emocionada e o genro que acenava prudente. O outro filho, muito sisudo, esforçava-se em ajeitar a gravata e naquele momento, esboçar um sorriso. Mas uma outra surpresa foi capaz de desestabilizar Santa por completo, um relicário, um presente doado peloa igreja, através do bispo, que se mostrava sensibilizado. Era uma bússola, que provoca no marido de Santa uma certa indignação. Como hoje é sábado e nosso folhetim dramatico é publicado nas terças-feiras e no sábado, prosseguimos com o 3º capítulo. Divirtam-se!

CAPÍTULO 3

Fonte da ilustração: site www.morgfile.com

Nem dava para perceber, mas o dia seguinte para Santa havia sido por demais estressante. Estivera entretida entre fotografias, álbuns, além de idas às compras vez por outra, para aviar as tarefas de rotina.

Talvez não precisasse disso tudo, pensou consigo. Afinal era uma mulher rica, que dispunha de um número razoável de empregados; havia coisas porém, que se atribuía a necessidade de se ocupar.

De repente, após o almoço, ficou sozinha.

As vozes que ouvia eram de pessoas quase estranhas, apesar de conviverem há bastante tempo. Pessoas que lhe serviam, que traziam chás, ou transmitiam recados. Pessoas que mantinham o seu bem estar.

Mas não se sentia bem.

A quantas andava o marido, não sabia.

Os filhos já voltaram para as suas atividades.

O tempo passava quase insalubre.

Doíam-lhe as pernas. Doía-lhe o corpo.

Deixou que os últimos servidores se afastassem e deitou-se no velho sofá da saleta de leitura, ajeitou as pernas, deixando os tornozelos encostados no tecido, meio que estirados.

Precisava se refazer do cansaço do dia. Um dia sem nada para contar, sem ter o que lembrar.

A festa do dia anterior, as expressões de carinho, de congratulações. Tudo já era passado.

Agora restava o dia depois, aquele que não devia existir. Como uma ressaca, uma vontade de não fazer nada, um tédio acumulado.

Que fazer, se as coisas mudavam assim, tão repentinamente e ela não mais desfrutava o passado recente como coisa presente. Não, ela já não se dava a estes desfrutes.

Ela se repetia na rotina e a dor parecia bem mais intensa e duradoura. Uma dor de saudade, de distância dos seus, de vontade de permanecer junto. Uma dor a mais.

Ligou a tv, trocou várias vezes de canal.

A tragédia da vida cotidiana pintava todas as telas. Nada acrescentava ao espírito. Quando muito, um filme arrastado, ao qual nem tinha paciência de assistir.

Seus pensamentos retomavam a infância, talvez a idade em que fora mais feliz.

As lembranças se acumulavam lentas, ultrapassando uma a outra numa tela distante. Tanto, que os olhos foram pesando e uma leve sonolência tomou conta.

Embora sem abrir os olhos, teve a sensação de ter alguém muito próximo.

Uma voz cálida que lhe dizia coisas difíceis de entender.

Aos poucos, a imagem foi surgindo, cada vez mais nítida e seu coração saltava em êxtase.

Um aroma suave de flores enchia o ar. Uma sensação de alegria genuína. Uma resposta a todas as dores e sofrimentos. Uma passagem para o bem.

Tinha a certeza de que a Virgem Maria estava ali, ao seu lado.

Encolheu-se no sofá, estremecendo. A voz cessou e um objeto tomava forma na mão da Virgem.

Uma bússola, tal como a sua, com a agulha apontando para o norte, indicando algum lugar por detrás das cortinas.

Santa tinha a sensação desfalecer.

A presença de Virgem Maria ali, na sua casa, com uma bússola devia ter um significado muito importante.

Alguma coisa que certamente mudaria a sua vida, que a transformaria numa outra pessoa, ou então, que ratificaria o rumo correto que alcançara na vida.

Mas por que aquela bússola na direção da janela?

O que havia lá, a não ser uma colina que se estendia até uma pequena ilha.

Por que ela surgira assim, daquela maneira, sem os habituais adereços, sem o rosário, sem as flores?

Por que trouxera um objeto que não agregava um símbolo significativo de sua missão?

Por que não aparecera como de hábito, apenas como a Senhora, a Mãe de Jesus, a Mulher que convidava ao conforto da oração ?

Por que a instigava daquela maneira, ela que sempre seguira os mandamentos, que fora uma mulher exemplar, uma benemérita da comunidade?

O que mais queria dela?

Que caminho estranho estava indicando para que seguisse?

Que chamado era aquele?

Por que ela não virara a bússola para outra direção, para o centro, por exemplo ou mesmo para o bairro onde se situava a catedral?

O que havia de tão importante naquele rumo?

Seria então este o caminho indicado pela Virgem? Uma trajetória desconhecida, a qual deveria se determinar a seguir?

Levantou-se num salto e abriu bem os olhos, mas a imagem não estava mais ali. Não havia nada, a não ser uma pequena brisa que balançava as cortinas da janela.

Então, com as pernas trôpegas aproximou-se da janela e olhou ao longe.

O que havia lá, além da colina, além daquela ilha solitária?

Uma região afastada, na qual vivia uma comunidade isolacionista?

Um povo estranho que se dizia sem regras nem leis?

Uns desviados da política, do poder, do governo.

Uns anarquistas, sem eira nem beira, que viviam às custas do que plantavam ou das trocas que faziam?

Santa estremeceu. Anarquistas? Seria este o caminho? Seria para que ela deveria seguir? Seria este o norte mostrado pela Virgem?

Começou a andar pela casa em absoluto desespero. Chamou os empregados.

Poucos apareceram. Não lhes disse nada. Pediu apenas que Linda, uma velha empregada que lhe servia há muitos anos, ficasse. Pediu que sentasse ao seu lado.

— A senhora quer que traga alguma coisa, Dona Santa? Um chá, um café?

— Não, não quero nada Linda. – a voz estava trêmula e uma ansiedade se fixava em cada sílaba – Linda, escute, se eu lhe dissesse que vi Nossa Senhora, você acreditaria?

Linda encarou a patroa, intrigada. Sempre fora religiosa, e já tinha visto muita coisa nessa vida, mas ver Nossa Senhora, assim, do nada, era demais.

Evitou porém, dizer qualquer coisa, mas por certo, concordaria com a patroa, para agradá-la.

— Você acha que estou louca, não é mesmo?

— Não, imagina, Dona Santa. Se a senhora disse, é porque é. Afinal, a senhora é tão religiosa. Nada mais justo que Ela aparecesse para a senhora.

Santa levantou-se e dirigiu-se à janela. Avistou um pássaro pousando suave no telhado vermelho que cobria a sacada lateral. As patas finas, o passo gracioso. Olhou para o alto e se benzeu.

Linda a observava, procurando certificar-se de que dissera a coisa certa. Dona Santa parecia transtornada. Melhor não contrariar.

Santa voltou-se e a interceptou, num ímpeto.

— Isso não importa, agora. Preciso saber de outra coisa.

— Como não importa, dona Santa? – insistiu, sem muita convicção. – É uma coisa maravilhosa! Se ela apareceu, é porque tem um motivo. A senhora lhe deve alguma coisa.

— Este é o problema, Linda, o motivo. Ela me pediu uma coisa extraordinária – afasta-se devagar da janela, aproximando-se da poltrona. Segura o encosto por trás, com as duas maos, dobrando o corpo e fala em tom quase confessional – Linda, ela quer que eu me envolva com aquela gente do lado de lá.

Linda ficou ainda mais confusa. – Aquela gente... do lado de lá...? – pergunta tentando adivinhar, sem saber a quem a patroa se referia.

Santa soltou o encosto do sofá e sentou-se na frente de Linda. Insistiu: — Você sabe sim a quem me refiro. O povo lá da colina, ou melhor, depois da colina. O tal povo da Ilha Libertária, parece que é assim que se autodenominam.

Deus me livre, aquela gente não presta. A Virgem não ia mandar a senhora pra aquelas bandas!

— Mas eu não sei ainda o que ela quer de mim, Linda – acrescenta, angustiada. – Talvez ela queira que eu me embrenhe naquela ilha, que convença aquele povo... ou... – refletindo – talvez eu deva dividir a minha fortuna, minhas jóias, meus bens.

— Como assim, dona Santa?

— Eu sei muito pouco deles, mas dizem que não aceitam dinheiro, que utilizam trocas. Eles são militantes contra o nosso sistema capitalista. Cristo também era assim, como eles. Cristo era um anarquista e queria dividir tudo com todos. E também ele não aceitava governos, nem senhores. – Santa respira fundo, agora a voz soa forte e precisa. Parece fazer um discurso.

Linda a observa sem entender o que realmente pretende. Esforça-se em achar uma frase para participar da conversa.

— Não quero contrariar a senhora, não, dona Santa, mas aquela gente lá não é normal. Como é que um povo pode viver assim, isolado de todo mundo, meu Deus? Pra mim, eles usam é drogas.

— Não é nada disso, Linda. Você não entendeu a proposta, mas eu estou refletindo e aos poucos, estou chegando lá. Quem pode afirmar que eles não estão certos? Talvez seja esta a minha missão, entrar naquela comunidade, participar das suas crenças, ajudá-los. Se eles não usam dinheiro, eu posso ajudar a vida deles com o meu. Dizem inclusive, que são naturalistas, que respeitam a natureza, que vivem com a maior simplicidade.

— Contam por aí, que eles vivem do que plantam – confirma Linda.

Santa levanta-se mais uma vez e caminha pela sala enquanto fala. Quem a visse, além de Linda, diria que se trata de outra pessoa. Uma pessoa que encontrou um norte, um novo objetivo na vida.

– Eles são pessoas simples, que vivem do que plantam, você disse. Pois eu quero viver esta vida simples. Não foi o que Cristo disse aos dois irmãos ricos que lhe perguntaram como alcançariam o céu? Vá, vende tudo o que possuís e dá-o aos pobres. Pois bem, eu me acercarei destes pobres e seguirei as palavras de Jesus. A agulha da bússola apontava para aquela região. Pois lá, edificarei a minha seara.

— Dona Santa, não sei se deveria perguntar, mas os seus filhos vão aceitar isso?

— Claro, Linda. Todos entenderão que a partir de hoje, eu tenho um novo caminho a seguir. Portanto, vou reuni-los o mais breve possível, toda a família, para contar-lhes esta empreitada.

sexta-feira, dezembro 18, 2015

Terra do Fogo (Tierra del Fuego)

Não sou especialista em Geografia, mas me incomodava a inclusão de Rio Grande (RS) à Terra do Fogo, por membros do facebook, que moram aqui. Tentei averiguar a razão do aposto e percebi que há uma cidade argentina denominada Rio Grande, e talvez por isso, o engano.

A Terra do Fogo (em espanhol Tierra del Fuego) é um arquipélago na extremidade sul da América do Sul, formado por uma ilha principal (a Ilha Grande da Terra do Fogo, chamada de Tierra del Fuego) e um grupo de ilhas menores. Sua superfície total é de 73.753 km², sendo o arquipélago separado do continente sul-americano pelo estreito de Magalhães. A ponta mais a sul do arquipélago é o Cabo Horn.

É portanto uma província que fica no sul da Argentina. A paisagem, com as montanhas no último trecho da Cordilheira dos Andes de um lado, e as geleiras, por outro, proporcionam uma visão deslumbrante aos visitantes. É repleta de extensas florestas e paisagens diferentes, como pântanos, vales, geleiras, montanhas, além do litoral. Possui também locais de importante conteúdo histórico, cultural e artístico. Também é conhecida como “Deserto da Patagônia.

Em 1881, o território foi dividido entre a Argentina (província da Terra do Fogo) e o Chile ( província da Terra do Fogo). As localidades mais importantes do arquipélago são Ushuaia, Rio Grande, Tolhuin e Porvenir, as três primeiras na parte argentina e a última na chilena.

De acordo com o Censo Nacional de População de 2010, Tierra del Fuego tem 126,998 habitantes em sua três localidades.

Rio Grande está localizada no norte da província de Tierra del Fuego, mais precisamente na margem norte do Rio Grande, onde ele deságua no Oceano Atlântico. O nome da cidade deriva do rio que a atravessa. De acordo com o Censo Nacional de População de 2010, Rio Grande tem 70,042 habitantes (incluindo Tolhuin). É chamada a "Capital Internacional da Truta", onde o turista pode obter objetos exclusivos feitos de pesca, que cativa milhares de visitantes que procuram truta Brown, arco-íris, ribeiro e salmão do Pacífico.

A cidade possui sítios naturais e históricos, bem como uma Reserva da Província da Costa Atlântica. Há também as atrações como a Missão Salesiana, cerca de 12 km ao norte de Rio Grande, Cabo Domingo e monumentos comemorativos aos mortos em Malvinas, que são lugares e se pode aprender a mergulhar na história de Tierra del Fuego.

Nesta cidade, pode-se desfrutar do turismo rural, com serviço de guias pelas regiões, com caminhadas e observação do trabalho rural, além deing si serviços de catering, guias de pesca e alojamento.

Algumas propriedades têm alojamentos de pesca, localizadas em lugares calmos longe de centros urbanos, próximos aos serviços de pesca, que são reconhecidos internacionalmente pela qualidade e tamanho de sua truta. Neste tipo de estadia, ovisitante tem todas as comodidades necessárias para tornar a estadia muito agradável.

A cidade de Tolhuin é o centro urbano localizado entre Ushuaia e Rio Grande. Na língua Selknam, significa “coração”, por isso é chamada de “o coração da ilha”. Tolhuin está localizada em estreita proximidade com a cabeça do Lago Fagnano, no antigo trajeto da Rota Nacional 3. É distante de Ushuaia cerca de 98 km e 105 km de Rio Grande. Em 2012, a comunidade de Tolhuin adquiriu seu status de município, considerando que o Censo Nacional de População de 2010 revelava uma população de 3004 habitantes.

Ushuaia, capital da província, está situado no Canal Beagle e rodeada pela cordilheira Martial, em uma baía de singular beleza protegida pelos ventos. Seu nome vem da língua Yamana e é interpretado como "baía que penetra em direção ao oeste." Departamento de Ushuaia tem uma área de 9.390 km2 (inclui Staten Island e Ilhas Beagle) e uma população de 56.956 habitantes, segundo o Censo Nacional de População de 2010.

A nossa cidade também chamada de Rio Grande, com o aposto de “Noiva do Mar” é uma bela e rica região que se situa no extremo sul do RS, porém bem distante da Terra do Fogo.

fontes: .
www.tierradelfuego.org.ar/v4/_por/index.php?seccion=4

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