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terça-feira, março 15, 2016

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XX

HOJE TERÇA-FEIRA 15/03/2016 PROSSEGUE NOSSO FOLHETIM RASGADO, COM MAIS REVELAÇÕES. QUEM SERÁ O HOMEM QUE ÚRSULA VÊ NA JANELA DE SEU APARTAMENTO? ESTA E OUTRAS RESPOSTAS ESTÃO NO 20º CAPÍTULO A SEGUIR.

Capítulo 20

Imagine, Dulcina, que não entendia o que acontecia naquele cenário clean, preparado ao gosto antisséptico de meu irmão. Ele tinha o controle de tudo, de quem conhece todos os segredos, de quem possui todas as chaves, todas as respostas.

Ele olhou-nos a mim e a Susana como se fôssemos seres de outro planeta. Eu, porque estava velha e acabada, ela porque era uma estranha no ninho, embora, com o passar do tempo, percebemos que não era tão estranha assim.

O teatro foi planejado com muita competência. Imagine que Roberta Célia estava lá, sentada a minha frente, e ele sabe que a odeio. Além disso, teve a desfaçatez de dizer que sempre sonhou que nos tornássemos amigas, algum dia! Eu tive vontade de virar aquela mesa com vasos e lírios e tudo o mais que tinha em cima. Não fiz nada, me controlei como pude. Para ele, o que menos interessava naquele momento era o falecido, que jazia no salão enorme somente guarnecido por empregados regiamente pagos com a fortuna que ajudou a construir, tenha certeza.

Era apenas o fio condutor de toda a trama, o protagonista da urdidura magistralmente arquitetada. Inclusive, fez um discurso emocionado sobre a convivência de cada um dos presentes com Brian. Por fim, ele desferiu o último golpe, manipulando cuidadosamente os fios, sem qualquer constrangimento. Foi neste momento, que se dirigiu à Susana: inclusive você, Susana. Por isso está aqui e tem o direito de saber quem é.

Não houve vivente que não se voltasse imediatamente para ela, como se estivesse envolvida numa trapaça indefensável. Falavam entre si, tecendo comentários, indagando-se uns aos outros do que se tratava. Eu percebi que até os funcionários mais chegados, que vieram com Carlos do exterior, manifestavam-se. Parecia que uma catástrofe se abatia entre nós. Até a maldita da Roberta Célia perguntou alguma coisa ao advogado. Este mantinha-se quieto, com certo ar de desdém, como se também ele tivesse sua própria opinião sobre o caso.

Ao ver Susana vermelha, sem saber o que dizer, perguntei-lhe de imediato, curiosa e intrigada com a situação. Na verdade, estava tão indecisa quanto ela. Vi os olhos frios de Roberta Célia me alfinetando com uma fúria desconhecida. Carmem silenciara após uma reprimenda ao namorado.

– Como assim? Eu nunca o vi, antes.

Carlos foi convincente. – Você viu, sim. Você conviveu com ele, em mais de uma oportunidade, tanto no hospital, quanto... bem, no apartamento, você não chegou a visitá-lo, pelo que eu saiba.

– No hospital?

– Quer que eu refresque a sua memória, Susana? – Roberta Célia perguntou, irônica.

Não contive a raiva: – o que esta megera tem a ver com isso?

– Quando seu pai estava internado naquela clínica, Brian também havia se hospitalizado, na mesma época. Ele voltou para casa dentro de uma semana, mas seu pai, sinto muito – meu irmão encerrou num hiato. Susana gritou, arrebatada, antes de se afastar rapidamente da sala.

– Agora entendo onde vocês querem chegar. Foi tudo arranjado.

– Susana, minha querida, volte aqui. Espere, eu vou com você.

Carlos aproximou-se e segurou-me o braço.

– Deixe-a minha irmã. Não temos nada com a dor dela. Ela se consome aos poucos. É seu fado, seu destino.

– O que vocês querem com ela, seus miseráveis? Que palhaçada é esta? Quem é este Brian que depois de morto quer nos destruir a todos?

–Vá até a sala, minha irmã. Olhe o homem que está lá. Veja com seus próprios olhos e depois me diga, se não o conhece.

Desvencilhei o braço com raiva. Chamei por Susana, mas ela descia as escadas tão rapidamente, que não consegui alcançá-la.

Aproximei-me do caixão, ante o olhar disperso dos funcionários que velavam o corpo. Não consegui refrear o espanto. Minha voz elevou-se sonora e atormentada.

– Meus Deus! É o velho! O velho assassino! O que ele está fazendo aqui?

Carlos já estava ao meu lado, pousando delicado a mão sobre meu ombro.

– Ele nunca foi assassino. Brian era um doce de criatura. Era um anjo.

– Eu sei, ele matou a esposa e a emparedou.

– Não seja boba. A doença de Brian o deixava alucinado. Tudo que ele via ou lia, tal como filmes ou romances, ele creditava a si próprio. Brian nunca foi casado, nem teve filhos.

– Mas e Gustavo? Ele falava de Gustavo, o filho. Ele tinha remorsos.

– Era uma das histórias que havia lido e adotado como suas. Era um homem bom minha irmã e você esteve tão próxima a ele.

–E por que você não me contou?

– Não tive coragem de lhe pedir nada. Afinal, você me culpava por não ter comparecido ao enterro de seu filho, não era justo que eu pedisse qualquer coisa pelo Brian.

– Mas você esteve ali, com ele?

– Nunca. Apenas pagava profissionais para cuidarem dele, até o fim. Agora, você já sabe, porque o conhecia.

– Por que ali, meu Deus, defronte a minha ao meu apartamento?

– Há coisas que não se explicam minha irmã, como nos folhetins baratos. Ou melhor, tem uma explicação sim, se lhe interessa. Brian morava naquele bairro, aliás, eu o conheci, numa das poucas visitas que lhe fiz. Então, nada mais digno do que encontrar um lugar próximo onde ele sempre viveu.

– E Susana, por que você a humilhou desta maneira?

– Não, você esta enganada. Apenas eu queria que todos soubessem que convidei as pessoas que conviveram com Brian de alguma maneira, mesmo que à distância, como você.

– Que coisa absurda, irracional. E ainda traz aquela zinha para nos azucrinar. Sabe que ela esta fazendo chantagem com Susana?

– Não me envolvo nestes assuntos, minha irmã. Mas voltemos, a reunião está no final e não quero perturbar ainda mais o Brian com esta conversa sem sentido. Vamos?

–Vou pra minha casa. Vou atrás da minha amiga, não vou deixá-la sozinha neste momento difícil. Vocês armaram uma arapuca, pois que se prendam sozinhos nela.

–Você é uma ingrata, Úrsula.

–E você é um palerma. Infelizmente, não passa disso!

terça-feira, fevereiro 16, 2016

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XI

HOJE, TERÇA-FEIRA 16/02/2016, SEGUE O NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 11º CAPÍTULO.

Capítulo 11


Às vezes, penso em escrever um livro. Um livro que contasse a história de minha família, mas ao mesmo tempo em que me acomete esta idéia, sei que não ousarei seguir adiante. Relembrar os meses em que Luisinho ficou em coma naquele hospital é reviver a dor em toda a sua intensidade. É proclamar o dia da execução final. Não, não devo mais sofrer, já bastam as lembranças diárias que tenho dele, desses seus últimos momentos. Pudesse voltar os ponteiros do relógio e fazer a minha vida retroceder a um tempo anterior àquele acontecimento. Se pudesse impedir tudo aquele nefasto acidente. Se pudesse argumentar pra mim mesma, que tudo tem um motivo, um fim, uma conseqüência. Mas não consigo acreditar que fosse preciso ele morrer, ele que era tão cheio de vida, de amor ao próximo, de idealismo.

Isso não devia acontecer assim, com os velhos. Não devíamos prosseguir esta última etapa. Devia ser adiada. Cortada com a lâmina. Um fim digno a quem não mais tem interesse em viver. Se ao menos, eu tivesse a coragem de acabar com tudo, esquecer este céu negro que acoberta minhas noites e fechar de vez meus olhos cansados.

Veja o velho aqui da frente. Me parece que está no mesmo barco. Acho até que em situação pior, pelo menos no que se refere à saúde física. Naturalmente, nada que se compare à saúde emocional, porque não há dor maior do que perder um filho. É uma saudade doída, que esmaga o coração, que enrijece os membros, que afeta o raciocínio. Não acredito nestas mulheres que lutam pela memória dos filhos perdidos, que se vestem de estrelas para fazer campanhas, angariar fundos, transformar a dor. Devo ser uma velha ranzinza mesmo, nem sou politicamente correta, como a maioria que as elogia. Não. Elas só querem reviver o passado, mentir a si próprias que são felizes, que estão vivendo, quando estão mortas por dentro.

A noite está mais escura e as poucas luzes da esquina parecem amarelas, fracas, pintando portas envoltas em penumbras, repletas de vultos que produzem coreografias estranhas, mesclando seus corpos com sombras, deixando-os no vazio. Talvez um vazio tão grande como o de suas vidas. E a minha, não é tão vazia e inútil quanto a deles? Pelo menos, são jovens e fazem do seu corpo o que querem.

O vigilante do estacionamento dá seus primeiros sinais. Por certo, conversará com alguém que avance pelas redondezas, misturará a erva tranquilamente, mexendo com a bomba, ajustando o pó e sentará no degrau da calçada, cevando as horas, pedindo que o tempo passe. Será que ele gosta do que faz?

O velho não tem aparecido no quarto. A mesma penumbra tapando a poeira da cadeira desarrumada, com roupas atiradas, perdida num canto. Nem se aproxima da cama e puxa a cortina de filó como faz de costume. Por certo, piorou em suas dificuldades. Se ele morrer, quem ficará na janela, olhando para baixo, contando a sua vida, como se conversasse com um amigo? Talvez crianças correndo pela casa, batendo janelas, esticando-se no parapeito, pais assustados, colocando grades, enfurnando-as na sala do computador, desligando-as do mundo. Não é pra menos. O perigo ronda cada passo. No meu tempo era diferente. Mas daqui a 30, 40 anos, estas mesmas crianças talvez digam a mesma coisa. Que será do mundo, daqui pra frente?

O relógio do quarto bate 3 horas. Madrugada se adianta e sinto um estremecer no corpo, um pequeno calafrio que me percorre os braços. Sempre esfria neste período, mas especialmente hoje, há uma atmosfera sombria, que me assusta. Parece-me um frio interno, uma coisa orgânica, uma febre. Uma febre que me queima os miolos e me estremece a pele. Bobagem. Se eu morrer, não vai ser de febre. Sem dúvida, será de solidão. A velhas como eu, não é permitido desejar outra coisa, porque as perdas já esgotaram todo a adega de esperança. Falar em adega, e se eu tomasse um vinho? Sim, um vinho, ai,ai, ai, que idéia extravagante, Úrsula. Nem que fosse um vinho vagabundo, desses que a gente compra em queima de estoque. Desses aviltados pelo tempo, que não possuem rótulo de validade. E pensar que vinho bom é vinho antigo. Isso para os das safras nobres. Também pudera, a minha validade já tá vencida, já to usurpando o tempo. Nada mais justo do que tomar um vinho vagabundo.

Será que Susana gosta de vinho? Amanhã mesmo, vou comprar um bom vinho e guardar pro momento adequado. Ela merece. Também tem lá seus segredos e me parece que sua vida na é nada fácil. Mas quem não tem problemas, hoje em dia?

A mulher tinha que tomar tino de sua força. Tinha que se conscientizar que o seu poder está na sensibilidade, na possibilidade de abranger várias responsabilidades, diferentes do homem. De juntar e dividir ao mesmo tempo, sem prejuízo à causa. Mas preferem ser a mulherzinha, a mulher que se indigna pela submissão, mas pouco luta pelos seus direitos. Sabe, Rita, na verdade, não deveriam ser direitos, não deveria haver leis para proteger as mulheres, porque elas são seres iguais. São mesmo? Puta que pariu! Esta história de homem intelectual, que compreende a mulher, que julga que ela deva levantar bandeiras e lutar contra as vilezas do mundo, é tudo baboseira. Homem é tudo igual, na hora da cama, eles não pensam em igualdade. Querem submeter a mulher aos seus caprichos. E essa aí, a Susana, vem fazer a biografia do Jaime, como se fosse o defensor das mulheres. Ele era um homem bom, sem dúvida, um homem que me amava. Mas pra ele eu tava em Roma ainda, ou na Grécia antiga, sei lá. Era uma dama, fora da vida política, à margem da ordem social. O que eu era, afinal? A mulher que devia ficar em casa, cuidando dos filhos e dele, o filho maior! Pro homem, a mulher é mãe, a outra, ou mulher de malandro. Se a gente, você sabe Rita, demonstra que também sente prazer, é puta. Bom, isso era no meu tempo, com toda a intelectualidade, a inteligência e o discernimento do Jaime. Agora, as coisas mudaram. Mas mudaram demais, você não acha? Foram pro lado extremo. As mulheres estão com postura de homem e até assustam os pobrezinhos. E essa coisa de levantar bandeira, de lutar pelos direitos da mulher, esse feminismo retrógrado, é tudo sandice! Sei... sei, Rita. Sempre é preciso o exagero no início, na vanguarda de qualquer movimento, mas queimar sutiã na praça, convenhamos!

Lembro agora como se estivesse acontecendo neste momento. Ele andava envolvido com a política investigativa, na tentativa de encontrar furos no governo. Imagina, naquela época dura, da repressão. Tava pedindo. Mas as conversas, os encontros não se resumiam nisso, não. Como todo homem que se preza, estava entre os amigos, no bar mais bem frequentado da cidade, onde os boêmios e as mocinhas pintavam que nem mosca na.... você sabe. Eu estava grávida do Luisinho. Era um dia especial, porque eu havia recebido um convite. Você não vai acreditar, Rita, um convite para gravar o meu primeiro disco instrumental. Você sabe que eu tocava piano. Ele simplesmente não lembrou do fato. Quando ele chegou, eu estava furiosa, um rubor me tingia o rosto, um torpor me calava a boca. Ouvi o barulho do carro, um som de pneus riscando o piso e batidas desmanteladas pra todo o lado. Via o perfil se encaminhando na penumbra e chegando na sala, trocando as pernas. Não parecia o homem que eu amava, era um ser maltratado, amarfanhado, olhos fundos, em mangas de camisa, braços tão suados que prendia os pelos produzindo manchas escuras na pele.

¬– Meu amor, você preparou tudo isso aí, por que me esperou?

Ele sorria. O danado tinha um sorriso pra lá de bonito: franco, aberto, dentes emparelhados, à mostra. Sorria a ponto de me fazer recuar, de hesitar na minha ira, de abaixar as turbinas e aterrissar de mansinho. Meu coração romântico, meu amor contido me diziam coisas opostas à ira que avançava extrema, afirmavam que tudo que fazia era para ele, pra não me abandonar, pra ficar comigo, pra agradar minha alma.

–Desculpa, amor, não sabia. Que dia é hoje? – se equilibrava nas palavras, se desculpava na insanidade da vida alheia que vivia, longe de mim. Tentou me abraçar, cheirando a alho e bolinho de bacalhau. Me afastei do abraço desengonçado. Respondi absorta, apenas sentindo o cheiro forte que exalava, uma mistura de suor e comida.

–Não importa. Vou preparar um prato. Você comeu alguma coisa ou só bebeu?

–Só bolinho de peixe.
Me deu nojo o hálito de peixe, de bolinho chafurdando na banha. A cerveja comungando do cenário. Me afastei devagar. No móvel, ao lado do piano, a sua fotografia me fitando, naqueles olhos claros, intensos. Senti um desejo absurdo de beijá-lo, de vivenciar apenas o sonho, o ideal que aquele homem representava naquela imagem. E me envergonhei por isso. Parecia a outra, a vagabunda que não lavava suas cuecas, mas que ardia de desejo e paixão. Retirei-me devagar, afastando-me em direção à cozinha. Algumas lágrimas inevitáveis se insurgiam inoportunas em meus olhos. Sequei-as, rápido, com o dorso da mão esquerda. Voltei-me por um minuto e percebi que ele lia o convite para o contrato de meu primeiro disco. Acho até que chorou, pois fungou de um jeito estranho. Me seguiu até a cozinha, como uma sombra. Parou no umbral da porta, ainda se equilibrando nas pernas e nos pensamentos. Ouvi um resmungo, alguma coisa familiar que entendi como te amo. Nem sei se disse isso, mas me virei e abri meus braços pra ele.

Veja Rita, que feminista de meia-tigela eu era. E que canalha ele se mostrava! A Susana vai se decepcionar, não tenha dúvida. Também não sei. A mulher, por mais que se emancipe, quer um ninho, um aconchego, um abraço. Mesmo que de um canalha, feito o Jaime. Você não acha?

Fonte da ilustração: artigo Meu corpo, minhas regras do site http://maishistoria.com.br/meu-corpo-minhas-regras/

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