No capítulo 13, Júlio refletia sobre a personalidade de Rosa, que em poucos dias, conhecera como uma mulher com traços distintos, de acordo com a situação. Se havia alguém mais estranho naquela cidade, era a maestrina, pois um dia era uma pessoa cordata, tranquila, atendendo o pessoal do hotel com esmero e cuidado, bem como, segundo diziam, uma regente do coral com muito talento.Noutro, era uma mulher assustada e ao mesmo tempo indignada, mostrando-se rancorosa e com muitos segredos.
Talvez ela estivesse assustada não pelos crimes, que segundo dissera a afetavam profundamente, em virtude de algumas pessoas terem sido assassinadas por um criminoso que ingetava insulina em pessoas saudáveis. Talvez o outro crime fosse a causa de sua aflição, em virtude da presumível implicação de seu protegido. A partir de agora, publicamos o capítulo 14 de nosso folhetim policial.
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Ricardo dirigia-se ao estacionamento, quando sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. Uma presença muito próxima, quase um bafejo na nuca, como se um espectro se aproximasse para atirá-lo do 3º andar da garagem. Olhou para os lados, mas não viu nada, apenas um barulho metálico, como se alguém deixasse cair uma ferramenta de metal. Respirou fundo e aproximou-se da sacada, tentando ver se alguém descia as escadas ou deixava o estacionamento naquele momento. O lusco-fusco do anoitecer produzia mais dúvidas do que certezas.
Ricardo então voltou para o veículo e ao entrar, um novo barulho, desta vez um estalido de madeira, acompanhada de uma pequena batida no bagageiro do carro. Desceu decidido a descobrir o que o assustava, quando ouviu uma gargalhada irônica que vinha detrás de uma coluna. Indignado, percebeu que Raul o esperava, zombando de seu ar surpreso.
— Puta que pariu, o que você tá fazendo aí?
Raul riu mais uma vez e aproximou-se amistoso, estendendo-lhe a mão. Ricardo afastou-se na direção do carro, ainda mais irritado.
— Desculpa, meu velho, não quis assustar você.
— Ah, não quis? e que significam estes barulhos e você escondido atrás da coluna? Não tem mais o que fazer?
— Mas eu não fiz nada, juro, com excessão da varinha que quebrei ainda há pouco. Vi quando você foi até a sacada, quase me mijei de rir.
— Muito engraçado pra quem não tem o que fazer. Nem vou discutir essa bobagem agora e vou embora, com licença.
Raul corre ao seu encontro, antes que ele ligue o carro e desça a rampa.
— Espere, Ricardo, preciso falar com você.
— Sinto muito, mas tenho compromissos. Vou combinar a vinda de minha namorada no fim de semana.
— Então pode dar-me uma carona?
— Escuta, Raul, por que não volta como veio? Você não mora muito longe daqui.
— Por favor, meu amigo, eu lhe peço. Parece que se afastou de mim para sempre. Não conversa mais, não quer nem saber como estou passando.
— Pelo que sei, Raul, você está muito bem. Mas sabe como ando ocupado. Aconteceu alguma coisa?
— Sempre acontece alguma coisa comigo, você sabe. Depois que fui atacado por aquela gente, nunca mais tive sossego.
— Por que não foi à polícia?
Raul cala-se sem saber o que dizer. Em seguida, corre e senta-se no banco ao seu lado: — Então, vamos?
— Mas você veio até aqui, ao estacionamento do hospital, para pedir-me carona?
— Você pensa muito mal de mim, meu amigo. Vim pegar uma receita, você sabe que to sempre precisando de medicamentos. Quando saía, vi que você estava indo para o estacionamento. É um crime pedir uma carona a um amigo?
Ricardo reflete que não fará diferença se levá-lo até a sua casa, além disso, ele já se instalou ao seu lado e será muito mais difícil convencê-lo a sair.
Raul, entusiasmado o convida para tomarem uma cerveja.
— Você veio buscar remédios e quer tomar cerveja. E a sua diabete?
— A gente não pode se privar de tudo, você não acha?
— Eu não sou um desocupado como você. Não posso ficar bebendo por aí.
— Sabe que você às vezes é um chato?
— Sei, mas não posso fazer nada.
O carro desce a rampa da garagem e em seguida está na rua principal que desemboca na esquina do hotel de Ricardo. Raul prossegue, queixoso: — É que eu queria conversar com você sobre aquele problema.
— Por favor, Raul, não vá começar com esta história de crimes. Como se não bastasse aquele detetive me perguntando mil coisas e o pai de Taís me acusando. Chega!
— O detetive está fazendo perguntas, é? Mas a tal de Taís não passou de uma noite.
— Como você sabe?
— Eu sei o quanto ela se grudou em você. Eu sei que a garota enlouqueceu!
— Me diga uma coisa, Raul, ela costumava fumar maconha com você?
Raul dá uma risada sarcástica: — Isso é coisa que não se pergunta, meu amigo.
Ricardo imagina que seria melhor conversar com calma com Raul, talvez seja a oportunidade de descobrir se havia um envolvimento da jovem assassinada com o pessoal do coral. Precisava saber mais sobre Taís, com quem andava, o que fazia e Raul poderia ajudá-lo, por isso aceita o convite para a cerveja.
Quando chegam no bar, havia poucas mesas vazias, na verdade, talvez duas ou três. Raul escolheu a que ficava próxima à janela, que dava para a rua do lado.
Cumprimentou a moça da caixa, que sorriu atenciosa. Parecia que todos falavam com extrema euforia. Ricardo, de repente, sentiu-se num mundo paralelo, que não era o seu. Desde que viera àquela cidade, convivera com pessoas hostis, que demonstravam confrontá-lo a todo momento, inclusive no próprio local de trabalho, ou então eram inconvenientes, como era o caso de Raul. Ali, no entanto, todos pareciam afáveis e dispostos até a terem uma conversa amistosa com ele. Alguns até o cumprimentavam.
Raul, por seu lado, parecia muito feliz, mas quanto a ele, isso não significava uma grande mudança, pensou Ricardo. Pediu a cerveja, o que foi em seguida, atendido pelo garçom, um velho conhecido do amigo. Conversou algum tempo com ele e enquanto se afastava, Ricardo comentou.
—Parece que você conhece todo mundo aqui.
Raul sorriu, apenas acenou com a cabeça confirmando.
Ricardo tomou a cerveja, sentindo que a garrafa congelava os dedos. Perguntou, indeciso, se Taís participava do coral da igreja.
— Não, aquela lá não tinha estas pretensões. Por que você quer saber isso, Ricardo?
— Veja bem, cara, é muita enrolação. Eu acabei me envolvendo com os problemas da cidade, desde que cheguei aqui. Primeiramente, você quis encontrar-se comigo com aquela história do presumível crime da insulina, que a meu ver, não deu em nada.
— Ainda não sabemos. Essas coisas demoram.
— Depois, a sua mãe quis falar comigo, andava assustada com você.
— Minha mãe? Do que você tá falando, meu irmão?
— Desculpa, Raul, to cometendo uma inconfidência, mas ela me procurou sim, na noite em que você foi hospitalizado. Estava preocupada com você, mas não acreditava nessa história que você andava comentando sobre o ataque no parque, os caras da pet-shop. Enfim, ela acha que você inventou tudo e queria a minha ajuda. É isso.
— Mas que velha sacana! Ela fumou o quê pra lhe falar isso?
— E fiquei sabendo que ela contratou um detetive para ajudá-la. Aliás, o mesmo que o pai da Taís acabou contratando pra descobrir o assassino da filha.
— Puta que pariu, brother, que rolo! Ta todo mundo louco nesta cidade e eu é que fumo baseado!
— Sei lá, cara, às vezes acho que esse pessoal me odeia. Taís, você sabe, ficou no meu pé o tempo todo, a gente transou, não vou negar, só isso. Também não sou de ferro. Mas não havia nada sério entre nós e a menina inventou que eu a seduzi, que coisa ridícula. Como essa gente pode aceitar uma coisa dessas? Agora o pai anda por aí afirmando que a matei, que quer vingança. Ainda bem que o namorado desistiu dela em tempo.
— É, você ta encrencado, meu amigo.
— Eu não fiz nada, cara.
— Bom, então dê tempo ao tempo. Agora, quem sabe esse cara descobre que os donos do pet shop são os responsáveis pelos crimes.
— Mas segundo dizem, Taís foi empurrada da ponte.
— Será que estas histórias tem alguma relação uma com a outra?
— O que você acha, Raul?
— Não sei, meu amigo. Só espero que os crimes não continuem.
— Então me diga, você que conhece todo mundo na cidade. O que o namorado de Taís tem a ver com Rosa?
—Ih, meu velho, essa é uma história dificil de destrinchar.
— Como assim?
— Você fala do mecânico, né? O que eu sei é que eles tem uma ligação muito forte. Rosa é uma pessoa estranha, sabe? Ela se apega às pessoas de uma maneira tal, que se torna possessiva. Acho que é uma carência, sei lá.
— Mas ela é amante dele?
— Amante é uma palavra muito forte. Pode ser que ele tenha dado uns pegas nela.
— Parece que você não respeita ninguém, Raul.
—Eu? Mas é você quem está perguntando se ela é amante do cara.
— É o que ouvi falar, mas Rosa é uma pessoa sensata, uma mulher recatada. Também, que me interessa a vida dos outros, não é mesmo?
— O que dizem é que o cara tava procurando a mãe por aqui, na região, veio de longe o infeliz. Depois, não tinha onde morar, pediu ajuda e a Rosa acabou cedendo um apartamento que ela aluga. Mas o que o povo fala é que a mulher é apaixonada pelo mecânico. Mas o que isto tem a ver com o que a gente tava falando?
— Não sei, é que certa vez Taís comentou isso. Na hora, eu não acreditei. Rosa é uma das poucas pessoas desta cidade que tratou muito bem.
— E o seu amigo aqui, não conta?
—Claro, mas estou falando das pessoas que eu não conhecia. Vamos pedir outra cerveja e esquecer isso.
— Quem sabe a gente rememora as pessoas da cidade e os seus relacionamentos.
— Como assim?
— Como você disse, eu conheço todo mundo. Então, vamos pensar quem poderia ter interesse na morte da moça.
— Parece que quer me ajudar.
— Vou lhe contar uma coisa que você não sabe. Você já ouvir falar em Ana, né, a menina que encontrou o corpo ou que ouviu alguma coisa, sei lá.
— Sim, o detetive me falou alguma coisa sobre isso.
— Pois essa garota faz parte de um grupo com outros adolescentes. São alguns rapazes que usam drogas pesadas, sabe? Eles sempre faziam os luais à beira do rio e o cara que organizava tudo é um tal de Carlos, o filho do prefeito. Nestes luais aconteciam verdadeiras orgias sexuais, até uma garota de programa vinha da capital contratada por eles, para incrementar as festas.
—O que a Taís tem a ver com isso?
— Ela pegava as drogas com eles e participava das festinhas também. Pra você ver, que a moça não era tão santinha assim, pra ser seduzida por você.
— Mas então, todo mundo sabe disso. Por que o silêncio todo, até a polícia finge que não acontece nada!
— Não se esqueça, meu amigo, que o rapaz é o filho do prefeito.
— E você acha que algum deles possa ter matado a moça?
— Tudo é possível, meu amigo. Tudo é possível.
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