Clara estava fascinada com as histórias que Dona Luisa lhe contava com tanta verdade, que pareciam estar acontecendo hoje. Como ela gostaria de amar assim. Mas depois de Bruno, tudo parecia difuso e sem perspectivas.
Bateram à porta e seu coração saltou, desassossegado. Deu alguns passos e abriu-a devagar.
Olhou para Nael, examinou-lhe a proeminência viril do queixo, a boca sensual e sentiu uma estranha vontade de beijá-lo, mas ficou quieta. Já tinha ido longe demais com aquele homem. Sua história era muito semelhante à de dona Luisa, mas não ao ponto de apaixonar-se como ela. Em todo caso, sentia-se bem em ajudá-lo. Tirava-a da solidão. Libertava-a um pouco da frustração que Bruno lhe causara.
Então, perguntou a Nael do que se tratava. Ele não conseguia expressar-se com facilidade. Estava muito preocupado e devia esconder-se. Não entendia porque ela tinha chamado a polícia.
— Polícia? Você está louco!
— Mas você, você...
— Vá, vá para o escritório. Vou receber estes idiotas na sala. Devem ter sido mandados por Gustavo. Eu ainda pego aquele rato!
Olhou-se rapidamente no espelho da parede, antes de sair do quarto. Avistou Nael quase correr em direção ao escritório. As botinas velhas, cheirando a couro encharcado, os tornozelos brancos, a calça meio curta, que mal lhe cobriam as pernas longas. Por que ele voltara a se vestir daquela forma? Queria chamar a atenção? Gritar aos quatros ventos que era um clandestino? Acenou a cabeça, em tom de censura. Dirigiu-se à sala e encontrou dois policiais a sua espera.
Tentou dispensá-los, informando que havia sido um equívoco, mas os dois insistiram em examinar o apartamento.
Clara tentou parecer tranquila, determinada em que estava em vê-los pelas costas.
Os policiais insistiram, fazendo indagações, alegando que o número do telefone havia sido registrado. Não houve como impedi-los.
Ela estremeceu, observando-os dirigem-se pelo corredor que levava aos quartos. Tentou segui-los para chamar a atenção para outras peças que não fossem o escritório. Assustada, imaginava que descobriam tudo. Gustavo, ao saber, ficaria exultante e ela seria processada, quem sabe presa e por fim, perderia o emprego.
Cada minuto que passava, Clara ficava mais apavorada. Chamou a atenção do policial que entrara em seu quarto, para retardar a visita em todas as peças e quem sabe, conseguir que desistissem.
Talvez houvesse uma forma de impedi-lo, parecendo sedutora. Por isso, aproximou-se dele, provocante.
— Imagine, que recém saí do banho. Ainda deixei as minhas roupas íntimas todas sobre a cama. Fiquei uma hora, tentando descobrir qual deveria usar. – Apontava para as calcinhas espalhadas sobre a cama, sorrindo.
O policial sorriu, sem mostrar muito interesse. Examinou o espaço que ficava entre a cômoda e o guarda-roupa, que se constituía num nicho, fechado por uma cortina.
Ela afastou-se, ainda na frente dele, avistando o companheiro que se afastava, tomando o rumo da cozinha. Em seguida, dirigiu-se ao escritório e observou se a porta estava fechada.
Quando o policial que estava no quarto, aproximou-se, apontou-lhe rápida o banheiro social, que não ficava tão distante. Ele, então perguntou:
— E esta porta aí? Vai dar aonde?
— Esta porta? – Fingindo não entender muito bem a pergunta, disfarçou – O seu companheiro já esteve aqui. Ficam as minhas coisas, sabe, todo o meu trabalho.
Ele parou a sua frente, alguns minutos. Quando retirou-se, entrando no banheiro, Clara respirou, aliviada. Ficou por ali, movendo os quadros, distribuindo-os de maneira diferente da que estavam. Olhava de esguelha para um, para o outro, enquanto executava a atividade.
Viu quando o policial que revistara o seu quarto fora ao encontro do que estava na cozinha, antes de investigar o segundo cômodo. Ali, ela sabia que não encontrariam ninguém, o máximo que poderia acontecer é descobrirem os documentos do estrangeiro. A isso, não dariam importância, em vista de que não procuravam nenhum foragido.
Clara aguçou os ouvidos, tentando descobrir o que falavam na cozinha.
Eles pareciam divertir-se muito, pois comentavam em altos brados, entre risadas curtas.
Então, ao perceber que voltavam da cozinha, ela afastou-se devagar para a sala, coração inquieto, olhar perdido. Procurava acalmar-se, dizer a si mesma que não descobririam nada. Afinal, tinham passado do escritório, ela percebia, pelos passos que a seguiam, mas o temor deixava-lhe as mãos úmidas e as pernas trêmulas. Sentou-se numa poltrona e fingiu folhear revistas. Sua mente, seu corpo, todo o seu ser estava enterrado naquele maldito escritório.
Os dois policiais pararam a sua frente e ela estremeceu mais uma vez com a presença, como se tivessem aprontado o veredicto final.
O primeiro a enveredar pelo corredor e dirigir-se a cozinha, também foi o primeiro a falar:
— Está tudo bem, moça. Não tem ninguém estranho na sua casa. Verificamos todos os cômodos.
Ela sorriu, mostrando-se grata e pedindo desculpas pelo incidente. Deveria ter sido uma brincadeira de alguém, gaguejou.
Um deles insistiu:
— Mas partiu daqui. Então havia alguém mais na sua casa.
Clara perguntou, evasiva, tentando imaginar uma saída:
— Alguém? Não, não havia ninguém. Ou melhor, uma sobrinha adolescente. Mas ela não seria capaz de uma bobagem destas!
— Ah, seria sim. Então ela deu um trote. Precisa dar uma lição nesta menina.
Clara concordou:
—Eu farei sim, vou dar uma boa repreensão naquela maluca. Me desculpem, vocês tem toda razão.
Levantou-se rápida. Estava eufórica, num misto de alegria e ansiedade.
O policial que conversou com Clara no quarto concluiu, satisfeito:
— Bom, não tem peça que não revistássemos. Só não fui no escritório, mas você já tinha ido lá – Emendou, dirigindo-se ao colega.
Clara teve a sensação de um soco no estômago quando o outro retrucou, irritado:
— Eu não investiguei escritório nenhum, você tá maluco?
Os dois a olharam. Um deles advertiu, furioso:
— Fique aqui. Depois, a gente conversa.
E avançaram corredor à fora em direção ao escritório.
Forçaram a porta que estava trancada por dentro. Pediram-lhe a chave.
Clara espiava da porta da sala. Procuraria a chave, não queria que arrombassem, tivessem calma.
Correu para o quarto, mexeu na bolsa, procurou a chave, investiu na cômoda, nas gavetas do móvel antigo da sala, mas nada.
Eles nem pensaram duas vezes. Meteram o pé na porta e entraram correndo, na escuridão da peça, armas em punho, gritando frases de comando.
Um acionou a luz, iluminando completamente o ambiente, ficando de prontidão, o outro espiou embaixo da escrivaninha, atrás da estante, levantou a persiana, abriu a janela, alongando o pescoço para fora. Enfiou a lanterna, iluminou os telhados hipnotizando um gato por alguns minutos; olhos parados no flash inusitado. Voltou-se, afirmando que não havia nada ali.
Quando retornaram, Clara já não se encontrava na sala. Recolhera-se ao quarto, chorando convulsa. Não conseguia controlar o pânico. O mundo desabava ao seus pés e ela não poderia fazer nada para evitar.
Bateram à porta e ela silenciou, quieta. Era chegado o momento, teria de render-se aos fatos. Sua sentença estava lavrada.
— Moça, vamos embora. Não encontramos nada.
Enxugou os olhos com o dorso da mão. As lágrimas brotavam em roldão. Sentimentos se misturavam. Medo, ansiedade, euforia, aflição. Então não descobriram nada. O que acontecera com o clandestino?
Abriu a porta, olhos molhados. Avistou eles se afastarem.
Um deles comentou, com reprovação:
— Só não entendi porque escondia tanto aquele escritório.
O outro o empurrou, despachando-o. Não tinham mais nada a fazer ali.
Clara correu até a porta, abriu-a, sem nada dizer.
Quando se viu sozinha, correu até o escritório. Olhou em torno, antecipou-se à janela e procurou desvendar alguma coisa na imensidão dos telhados.
Um ponto escuro se mexia próximo à janela.
Nael estava dois metros abaixo, encostado na parede do prédio. Tentou explicar-lhe que ao perceber que os policiais entrariam no escritório, jogou-se pela janela, como pôde, a princípio, segurando-se no parapeito, mas largando as mãos que não mais sustentavam o seu corpo, com o passar do tempo.
Ficou ali, temendo ser descoberto a qualquer momento.
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