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A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 9º CAPÍTULO

Capítulo 9 Júlio esperou algum tempo, após tocar a campainha do portão. O muro não era alto e podia ver a casa ao fundo, uma calçada de lajotas que perfilava um pequeno jardim e dois bancos instalados oportunamente sob uma árvore frondosa. Observou que a mulher que surgia à porta, parecia abatida e o atendia quase como uma obrigação, talvez por o ter chamado e agora não tinha como dispensá-lo. Ela apresentou-se, conduziu-o ao interior da casa , indicou-lhe uma poltrona para que sentasse, enquanto trazia um café. Ele recusou o café e insistiu que não entendera exatamente o que ela queria dizer no e-mail que lhe enviara. —Vou lhe antecipar que sou um detetive particular, não tenho relação nenhuma com o setor policial. — Caro detetive, eu quero a polícia longe de mim. Foi por isso que o chamei. Inclusive, por uma felicidade do destino, eu descobri que o senhor viria para cá, pois estava interessado em escrever um livro sobre a sua vida. Júlio a olhava surpreso, imaginand

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 1º CAPÍTULO

Talvez não fosse o momento adequado para Rosa participar da reunião pela formação do novo coral da igreja. Estava decepcionada com o andamento das coisas. Nem mesmo Pe. João parecia muito entusiasmado com a ideia. Estavam tão acostumados com os velhos munícipes que a chegada do pessoal da nova hidrelétrica parecia um tanto incomum. Eram pessoas diferentes, tinham hábitos estranhos que não condiziam com os aceitos pela comunidade. Na verdade, a maestrina Rosa sabia que se tratava de puro preconceito. Aquela cidade pequena e conservadora não aceitava nada que destoasse de seus princípios. Uma coisa, porém a deixava feliz: a presença de Raul, um membro não participante dos cultos religiosos, mas que se tornava a cada dia mais integrado ao grupo. Era simpático, sempre pronto a apreender os acordes novos, as diferentes nuances das músicas e aceitar presumíveis críticas. Era, além de tudo, muito entusiasmado com a nova tarefa que abraçara. Rosa tinha certa atração por ele. Não propriamen

O OUTRO

Estava assim à procura do tempo e o avistei sozinho. Parado que se encontrava à porta da igreja. Barba longa, desleixo involuntário. Pele escura, encardido. Sol a pino, um boné velho, virado para o lado, uma gosma escorrendo no canto da boca entreaberta com dentes falhados, amarelos, mastigando levemente a vida. Nos olhos, uma fuga estranha, um olhar para dentro, um não sei o que faço, que assustava. Por um momento, senti certa náusea. Olhar aquele ser humano, e poder enxergar esta condição, me apavorava. Difícil para qualquer um entender. Difícil pensar no assunto e enfrentar a situação. Aproximei-me com moedas pesadas, ajustadas na palma da mão, mergulhadas que estavam no bolso, escorregadias no tilintar dos dedos. Acho que o assustei, porque me olhou de soslaio, meio apalermado, temendo talvez uma sacudida, um pedido que saísse, ou uma ordem de evacuação do espaço. Que nada. Sorriu ao ver o brilho das moedas, bem maior para os seus olhos. Segurou-as rápido e afagou a min

UM NATAL DISTANTE

Há quem se lembre dos natais da infância e são estes os que realmente preenchem a nossa memória, trazendo de volta a fantasia, a alegria e a recordação da família naqueles momentos intensos. Tenho comigo que os natais são todos bons, a menos que tenhamos tido algum sofrimento marcante e as coisas, aí, trilhem caminhos mais estreitos e tortuosos. Lembro de muitos natais da infância e acho que na maioria foram muito felizes. Entretanto, há um em especial, em que eu não era criança, nem adolescente, nem vivenciava aqueles momentos de encantamento em que somos pais com filhos pequenos. Tinha meus 20 e poucos anos e o Natal se resumia a um pequeno encontro de família, com os pais e irmãs, a missa do galo e no máximo, alguma festa maior à noite, em que houvesse danças e namoricos. Nada que se compare às baladas explosivas de hoje em dia. E este natal começou muito cedo. Na véspera, numa tarde de sábado. Um desses sábados à tarde em que as pessoas já fizeram as suas compras ou ainda permanec

PRESO NA IGREJA

Era início de noite de outono, mas havia uma sensação térmica mais fria do que se antevia no final da tarde, sintoma de que a estação do frio se prolongaria por bastante tempo. Uma neblina envolvia a cidade. Pouco se via os edifícios ao longe e suas iluminações fracas, espalhadas no cinza aguado da atmosfera. Entrei na Igreja do Carmo (Rio Grande,RS) com o intúito de fazer uma oração breve, acompanhado de uma novena escrita, que depositaria na mesa providencial: conforto e esperança para os desanimados, acabrunhados em relação às dificuldades que a vida às vezes nos reserva ou mesmo esperançosos, eufóricos até, na certeza do atendimento das preces. Por vezes, e raríssimas exceções, apenas um momento de reflexão e agradecimento. Os que tem fé nutrem-se destes momentos de verdadeiro encontro consigo e com a Divindade, os  que por ventura se alijam destes comprometimentos, ou por terem dúvidas ou mesmo, desprovidos de qualquer entendimento no sentido da entrega total e absoluta de qu